EGIPTO QUO VADIS?

“O Islão não oferece soluções”

 António Justo

“Segundo estimativas de especialistas, os militares egípcios, com pessoal em uniforme e civil, são hoje os maiores dadores de emprego no país”, como descreve a notável revista alemã “Cicero”, August 2012, num artigo sobre o Egipto. O negócio dos generais cifra-se entre 10 e 40% da economia egípcia, refere ainda a revista.

Agora, com o islamista Mohammed Mursi na presidência, os militares perderam influência no aparelho do Estado. Apesar disto, Mursi (que vem do seio da radical Irmandade Muçulmana), terá de se moderar nas suas pretensões de maior islamização do país, se pretende conseguir impulsionar a economia que só será viável num clima de estabilidade política e social. Também não poderá renunciar às receitas do turismo, outro factor modernizador a domar o zelo e a fúria inicial de forças islamistas que pretendiam irradiar da cultura egípcia o que não fosse islâmico.

Também a rivalidade vigente, entre o Tribunal Constitucional, Militares e Presidente, pode revelar-se como factor moderador das intenções do Presidente e impedir confrontações. Entretanto os islamistas, com a sua maioria parlamentar, demonstraram que não tinham soluções para os problemas do país: alimentação, escola e hospital. Até setembro terá de ser elaborada uma nova constituição a ser aprovada por plebiscito.

“O Islão não oferece soluções” disse Amr Mohammed Musa, Ministro dos Negócios Estrangeiros do Egipto em entrevista a “Cícero”. Amr Musa  foi escolhido para ministro das Relações Exteriores, a desejo dos militares, para indicar uma certa continuidade pró-ocidental e que a política anti-israelita não será o caminho da política externa.

O ministro dos meios de comunicação social (estatais) é Salahedin al Maksud, também ele, membro eminente da Irmandade Muçulmana. O programa de promoção do islamismo encontra-se assim em boas mãos. Uma inovação da TV estatal egípcia revelou-se no facto de o noticiário passar a ser apresentado, depois de 50 anos, por uma jornalista com véu islâmico na cabeça. Esta inovação foi exibida como sendo uma “vitória da Revolução de 25 de Janeiro”. A agenda da “Irmandade Muçulmana” é longa; agora que se encontra no poder, exercê-lo-á com decretos, não precisando, para já, de recorrer à violência física. Entretanto a censura acentua-se e a insegurança nas comunidades não muçulmanas também. O objectivo declarado da Irmandade Muçulmana fundada em 1928 é estabelecer uma ordem social subjugada à moral do Corão e à jurisprudência da Sharia islâmica.

Informação estrutural enganosa ou factual descontextuada

Nos sistemas muçulmanos, a formação de uma oligarquia militar corresponde, por vezes, por muito contraditório que pareça, a um elemento diferenciador duma sociedade de cunho religioso monolítico e hegemónico onde perspectivas seculares civis se tornam difíceis. Os militares, tal como na Turquia, formam como que uma pequena nobreza, que se tem revelado como elemento correctivo do islamismo absorvente e omnipresente. Ao contrário da democracia ocidental que favorece a alternância dos partidos mais fortes no governo, o sistema hegemónico muçulmano favorece o fenómeno dual: dum lado os militares e do outro, os imames (cabeças das mesquitas: o seu poder de mobilização política pode verificar-se nas demonstrações organizadas e realizadas às sextas-feiras logo a seguir às orações nas mesquitas) e a revolta terrorista. Por muito estranho que pareça os militares têm-se revelado como parceiros mais sérios em relação ao estrangeiro atendendo aos interesses comuns. De lembrar, neste contexto o ataque sistemático dos grupos islâmicos radicais contra a formação de exércitos e a organização policial estatal, no Afeganistão, Iraque, etc.

Se aos países ocidentais, o que mais os une é o sistema liberal capitalista (competição em torno do trabalho/consumo), aos países muçulmanos/árabes une-os a religião muçulmana que é ao mesmo tempo programa de vida e ideal político…

Nas sociedades muçulmanas não se tem revelado possível o desenvolvimento duma cultura cívica/secular (possibilitadora duma democracia aberta) por razões teológicas, antropológicas e sociológicas. Enquanto o ocidente se orienta pela fórmula cristã “dai a Deus o que é de Deus e a César o que é de César” (princípio de distinção entre realidade secular e realidade religiosa: Homem por um lado como ser divino e por outro como ser secular), as sociedades de cunho árabe não conhecem esta dualidade deixando tudo para Deus, sem nada para o Homem numa atitude de súbdito e, consequentemente, de ser definido e controlado apenas pela religião. A mitologia ocidental ao conceber o Homem como filho de Deus reconhece no Homem os genes divinos e consequentemente o direito do Homem à individuação e à personalização. No Islão não há o conceito de Homem como filho de Deus nem tão-pouco o Homem pode ter comunhão com Alá tanto no aquém como no além. Isto ocasiona diferentes antropologias e diferentes sociologias, com as consequentes maneiras de estar no mundo e de se compreender o Homem e a política. Se nos países de influência cristã o Homem é concebido como ser autónomo, anterior ao religioso, nos países de influência islâmica o Homem é concebido como súbdito, só tendo sentido dentro do religioso, da Uma (a grande comunidade islâmica). Aqui, o ser humano individual não tem consistência pessoal, só grupal. Daí o facto de, quando se fala em democracia, assim como quando se fala em direitos humanos, os ocidentais e os árabes compreenderem coisas totalmente diferentes.

Geralmente, os jornalistas e os políticos ocidentais, quando avaliam os acontecimentos nos estados árabes e quando falam de integração de estrangeiros equivocam-se porque julgam que as palavras e as manifestações públicas duma cultura são equivalentes às da outra, quando, muitas vezes expressam precisamente o contrário do que se diz delas. Enquanto o Ocidente aposta sobretudo na força militar e na expansão económica os países de influência árabe apostam tudo na religião e na expansão da procriação.

O entusiasmo e optimismo dos meios de comunicação ocidental nas notícias sobre o Norte de África e outros conflitos internacionais leva o público a avaliações não aferidas à realidade meramente factual.

A informação publicada, além de ser equacionada em perspectivas políticas condicionadas pela própria localização política, sofre do equívoco de falar de realidades que, muitas vezes, não passam de projecções da própria mundivisão sobre a dos outros. Temos assim uma informação estrutural do satus quo enganosa ou factual descontextuada.

Por vezes tem-se a impressão de se viver no século V do império romano, assolado, ao mesmo tempo, interna e externamente. Os tempos que se aproximam para o norte de África e para a Europa pressagiam muita instabilidade! Todos terão de mudar muito a nível de mentalidades e de estratégias de poder!

António da Cunha Duarte Justo

antoniocunhajusto@gmail.com

www.antonio-justo.eu

 

DOCUMENTA documenta dOCUMENTA (13)

Maior Exposição mundial de Arte Contemporânea

 

António Justo

Na provisoriedade de cada orientação, a dOCUMENTA (13) quer ser uma orientação desorientada. Serve a investigação artística aplicando-se às formas da natureza, do intelecto e da vida pretendendo informar sem formar. Também se quer sentir humana desde que  na pele do símio. Pretende estabelecer uma aliança entre os diferentes domínios que vão do sensual ao especulativo, da prática à teoria, do político à ecologia. Esta dOCUMENTA quer conhecer sem reconhecer, desejando assim ser integral sem se tornar integradora nem parte integrante. Contenta-se com a vaidade e o histerismo do momento.

 

Kassel, uma cidade de província da Alemanha, com 200.000 habitantes, consegue ser, de quatro em quatro anos, o centro de peregrinagem, por cem dias (desta vez, de 9.06 a 16.09.2012), dum público que ronda o milhão de visitantes; este confere, durante esse tempo, um ar exótico à cidade. Kassel quer-se metrópole ao tornar-se o templo, o lugar de estadia que procura conectar todos os espaços e expressões: do físico ao psicológico, ao cultural, ao histórico, ao tecnológico, do real ao fantástico.

 

Pretende ser o vínculo dos lugares e dos feitores da arte contemporânea a nível mundial. Numa palavra, para quem vive nesta linda cidade: pretende ser o umbigo do organismo artístico global. Um umbigo já elevado, atendendo ao estado avançado de gravidez, próprio de artistas e especialmente devido à posição da chefe absoluta da Documenta, Carolyn Christov-Bakargiew, que se encontra em contínuo de estado de graça e em “estado de esperança”. Nos seus enjoos de estado não admite parteiras na grande sala de parto. Segundo ela, os artistas não devem estar presentes na discussão pública para que os seus objectos de arte não sejam perturbados por outros objectos de atenção, salvo o seu papel de matrona.

 

De facto, a arte, como acto criativo, é um contínuo estado de parto, muitas vezes sem a responsabilidade de ter de se preocupar com o objecto parido nem com o seu sentido. É-lhe suficiente o momento da mudança e de conexão sem se fixar no lugar porque este poder-se-ia tornar em limitação física duma realidade que ultrapassa a possibilidade dos sentidos. Aqui arte e religião tocam-se mostrando-se aquela intolerante perante esta. (Recordar o conflito da escultura da torre, do artista Stephan Balkenhof, que na torre duma igreja estragava o conceito da Documenta 13.)

 

Daqui a necessidade duma orientação desorientada que, por mal dos seus pecados, tem de se socorrer de objectos de arte bem físicos mas aproveitados e alargados pelo intelecto. O intelecto torna-se aqui uma necessidade para que o lugar criativo tenha um tecto num lugar que se pretende considerar como o espaço universal onde toda a espécie de parto é possível.

 

Um problema da dOCUMENTA será não poder transpor o espaço e o tempo. O ser só se apreende situado, significando, por isso mesmo, no seu ser-aqui, limitação. O problema do acto criativo não está no acto criador em si mas no seu tempo e na sua roupagem… Temos de nos contentar com a roupagem e falar de roupas ganhando assim, nesse proceder, a impressão, de transcender o próprio vestido. Também por isso, o artista é um eterno insatisfeito, tendo de se reduzir a produzir o episódico, a gerar apenas História, podendo apenas imergir na sua roupagem, muito embora na procura do seu espírito.

 

A Direcção da dOCUMENTA, para criar mais fascínio, pelos objectos de arte expostos no exterior, associa-lhes histórias dirigidas à imaginação intelectual, dado o objecto nu, sem a roupagem intelectual, deixar falar apenas a própria nudez num mundo que se quer tudo mais. menos inocente. Aqui tudo se torna objecto, objecto para cobrir e encobrir. O observador, esse, é objecto de arte e o artista o seu complemento.

 

A História também se escreve com a arte e especialmente com o amor aos factos e aos objectos.

 

Na dOCUMENTA encontra-se muita arte, muitos artistas e também pensadores.

 

António da Cunha Duarte Justo

www.antonio-justo.eu

antoniocunhajusto@gmail.com

www.arcadia-portugal.com

Município de Neuss destaca um Português

 

José Gomes Rodrigues, assistente social, foi agraciado com o Prémio Municipal de Integração pela sua extraordinária dedicação em benefício da população de Neuss, durante 35 anos. Apresento aqui um bocado de história migrante documentada e narrada pelo próprio homenageado:

 

“Falar de si mesmo é ser-se suspeito, assim define a sabedoria popular sobre o que aqui irei relatar. Perdoem a minha ousadia, mas faço-o, obedecendo ao desejo de alguns amigos e instituições que solicitaram a descrição e o desenrolar dum acontecimento agradável de que fui alvo. As entidades alemãs desta cidade de Neuss, responsáveis pela inserção social dos imigrantes, decidiram agraciar individualidades e associações que se tenham notabilizado de diversas formas na integração desta população específica.

 

No próprio dia em que viajava a Portugal para participar no acostumado encontro anual de ex-colegas de estudos, recebo uma carta do Presidente da Câmara desta cidade solicitando a minha presença urgente na semana seguinte, dia 14 de Maio numa das novas salas de recepção oficial da Câmara. Teria sido uma das pessoas propostas, segundo o teor do convite, para a atribuição do prémio de integração da cidade  (Integrationsförderpreis).

 

Esquivar-me, seria a melhor alternativa, mas, segundo o coordenador da efeméride, a minha presença era irrefutável. Após o regresso da cidade de Viriato e vestido a rigor, de fato bem polido e engomado, de gravata a condizer com as riscas verdes da camisa, lá me apresentei no bem delineado anfiteatro, há pouco inaugurado.  A minha esposa e companheira fiel de longa data, acompanhou-me, não fosse o fato ainda engelhar ou os passos me conduzirem para outro local sem tanta praxe.

 

A sala estava repleta. Muitos dos presentes eram-me familiares, pois tínhamos cooperado e partilhado experiências e vivencias do ofício ao longo destes 33 anos de serviço. O meu trabalho estava, há anos, orientado na integração de estrangeiros ou, melhor dito, concidadãos oriundos de diversas culturas e do mundo. Estes totalizam, nesta cidade, dormitório da metrópole de Düsseldorf, mais de 15% dos habitantes o que perfaz numa população de 151.000 habitantes, 20 mil com cidadãos possuidores dos de passaportes de mais  de 90 nacionalidades

 

Representantes das mais diversas associações, organizações e instituições que se dedicam à promoção sócio-cultural destes concidadãos não faltaram ao evento. O diversificado colorido partidário da cidade, os representantes das Igrejas e de outras religiões, coroaram, com a sua presença, a ocorrência. Uma orquestra da câmara emoldurou o evento.

 

Foram galardoados comigo, com um lindo certificado-diploma, devidamente autenticado com as insígnias da cidade e a assinatura do Presidente da Câmara, outras individualidades e grupos que se tinham notabilizado pelo esforço abnegado em prol da integração da população migrante. Ao ouvir o meu nome, entre os agraciados, alegrei-me, levantei-me do meu lugar e, após uma pequena apresentação oral sobre a minha ação profissional rebatido com algumas palmas por parte da assembléia presente.

 

Ao ser-me entregue este galardão pelas mãos do Presidente Conselho de Integração da cidade, em representação do Presidente da Câmara e, perante este importante auditório, revi, como uma película a cores,  toda a minha vida profissional durante os 35 anos dedicados à emigração. Mergulhei nas minhas singulares raízes. Pensei nas gentes calejadas e bem temperadas pelo abrasador sol dos áridos campos da minha aldeia, Vila Nova do Campo, que marcaram o meu caráter e a minha maneira de atuar. Os diversos professores, os muitos colegas de escola e de seminário, os amigos que, durante tantos anos, comigo caminharam, estiveram presentes como atores neste rápido filme. Sou, nada mais e nada menos, o fruto das muitas encruzilhadas.

 

Agradeci o gesto tão simpático das autoridades civis e dediquei-o a todos com quem convivi e servi no meu caminho profissional e que foram os sujeitos e os obreiros desta pequena festa de reconhecimento publico. A minha família teve também, nesta efeméride, um lugar de relevo, não fosse a paciência e a necessária compreensão que sempre demonstraram.

 

Não sendo eu a pessoa indicada para nomear as razoes que levaram a esta nomeação, deixo aqui a tradução do alemão da proposta escrita apresentada pela responsável dos serviços de Integração sócio-cultural  da Caritas, instutuicao que servi:

 

“Desde 1977 até Dezembro de 2010, o José Gomes Rodrigues foi Assistente    Social, no departamento de Integração da Caritas. Antes desta data, tinha      exercido funções pedagógicas como professor da escola complementar de    Língua e Cultura Portuguesa das crianças e jovens nas cidades de Dortmund,           Mulheim/Ruhr, Duisburg e Bochum.

 

            Dedicou-se exemplarmente e durante a maior parte do seu tempo de serviço     à Integração dos concidadãos com passaporte estrangeiro. Iniciou, deu forma           e levou a cabo um grande número de projetos de inserção social. Duma forma           exemplar, é de mencionar a fundação dum projeto piloto de teatro        intercultural, em colaboração com a escola superior de teatro, a OFF-Theater     da Renania do Norte e Vestfália. Ele mesmo manifestou-se talentoso como      ator em palco. Esta iniciativa obteve tanto êxito, que lhe valeram três honrosos prêmios. Transformou-se, desde então, num campo de trabalho e      um método pedagógico frutífero e  prioritário na Integração intercultural dos             concidadãos             estrangeiros que ganhou raízes.

 

            O diálogo entre as diversas religiões presentes na cidade constituiu também      um dos seus campos de atuação tendo, com as suas diversas iniciativas,           aproximado os indivíduos na sua diversidade biográfica, cultural e religiosa.        Provocou o conhecimento recíproco, o respeito e a aceitação mútua entre as diversas religiões de maior presença nesta sociedade: o cristianismo e o             Islão, entre outras. O interesse e tenacidade que demonstrava no seu atuar        era de tal ordem que ultrapassava o seu horário regular de trabalho.

 

            Apesar de desligado atualmente destas funções, por escolha própria, e por        idade, continua a dedicar-se como voluntário e mostrando muito interesse      nestes projetos de inserção”. Até aqui a responsável pelos serviços!

 

Termino este trabalho descrevendo o testemunho de alguém que deixou escrito no facebook.

“O José Rodrigues vai ser, na próxima segunda-feira, homenageado pela          Câmara da cidade de Neuss, na Alemanha, com o prémio de integração           „Integrationsförderpreis „ Esta condecoração serve para reconhecer o grande contributo deste português na área das integrações dos povos e das culturas         nesta cidade germânica, na Renânia do Norte e Vestefália. Destaca-se que      José Rodrigues foi ao longo dos anos Assistente Social da Caritas.       Ultimamente, deslocou-se por alguns meses a Moçambique, onde está            envolvido em projetos de promoção social. Sem a mínima dúvida, José             Rodrigues, é na atualidade uma das personalidades da Comunidade     Portuguesa na Alemanha que mais simbolizam um espírito puro de       humanidade. Uma das suas áreas profissionais preferidas foi o diálogo      intercultural a nível religioso. O nosso parabéns e nosso reconhecimento!“

Perdoe-me quem me achar ainda suspeito, mas a minha intenção foi e continua a ser simplesmente a de elevar a comunidade portuguesa e de valorizar as nossas raízes.

Continuo, e sem estar preso a horários a disponibilizar os meus serviços como solidariedade humana e crista. O voluntariado dá-me asas para sonhar num mundo mais justo, onde e ser cristão se traduz, antes de mais, numa maior responsabilidade na edificação da sociedade, nos moldes da fé que professo.

Procuro libertar-me do peso dogmático e dum certo espiritualismo passivo, que me possam afastar do bater do coração do homem da rua que é meu próximo. O seu passaporte ou a crença religiosa que possam professar tem pouco ou nenhum peso nas minhas decisões.”

 

www.antonio-justo.eu

Circuncisão no Islão e no Judaísmo: Acção Criminosa

Tribunal alemão toma uma Decisão corajosa

 

António Justo

A circuncisão de meninos no Islão e no Judaísmo, segundo a sentença do Tribunal Distrital de Colónia, constitui uma agressão criminosa.

 

Mais importante que a liberdade de religião é a integridade corporal e a autodeterminação da criança, argumenta o tribunal, na sua decisão de ontem, 26.06.2012.

 

O direito de autodeterminação das comunidades religiosas não se pode sobrepor ao direito humano da integridade corporal.

 

Este julgamento terá consequências muito importantes.

 

Esta decisão deveria ser um acto de encorajamento para políticos e outros tribunais no sentido de intervirem mais corajosamente em crimes de base cultural como casamentos forçados e crimes de honra, ainda muito em voga em determinadas culturas.

 

Até agora, o corte do clitóris das meninas (praticado em grande parte do mundo muçulmano) era considerado acto criminoso no Ocidente, mas o sofrimento do acto agressivo da circuncisão de meninos ainda não tinha chegado à consciência das pessoas.

 

A decisão do Tribunal é uma vitória contra a barbaridade e leva uma consciência mais sensível a actos culturais que não respeitam a dignidade e a integridade da pessoa e constitui um apelo ao respeito pelo direito dos que não têm voz.

A matança ritual de animais, como no caso muçulmano e judio, em que os animais são mortos duma maneira brutal porque morrem sangrando, não foi proibida na Alemanha por “respeito à religião”. Também aqui será necessária uma consciência mais afinada.

 

António da Cunha Duarte Justo

antoniocunhajusto@googlemail.com

www.antonio-justo.com

DOCUMENTA – A Exposição de Arte Contemporânea mais importante do Mundo

O Absolutismo na Arte

António Justo

 

De cinco em cinco anos peregrinam, de todas as partes do mundo, milhares de artistas e admiradores da arte contemporânea até Kassel, Alemanha. A documenta foi criada em 1955, em Kassel pelo artista Arnold Bode que pretendia, com a iniciativa, abstrair das ruinas da guerra e seguir novos horizontes ao serviço da abstracção. Na primeira exposição houve sobretudo obras de arte que tinham sido proibidas e perseguidas durante o regime nazi e intituladas de arte degenerada (“Entartete Kunst”).

 

A documenta alonga-se por 100 dias. Nesta altura a cidade transforma-se num mar de gentes de portes exóticos: um aspecto folclorístico que faz lembrar os mercados da idade média em torno das catedrais e, assim, forma, já por si, também uma obra de arte social. Kassel transfigura-se numa praça de arte que se estende por edifícios, parques e outros espaços públicos da cidade. A documenta apresenta uma perspectiva transversal da arte contemporânea e permite fazer o ponto da situação mundial em questões de arte e ocasionar uma certa orientação de perspectiva. Na sua história de 57 anos com 13 exposições, documenta as contradições e ambivalências do Homem e do tempo num currículo de realização e fracasso em processo de morte e ressurgimento.

 

A dOCUMENTA (expressão gráfica da documenta 13) vive da ambivalência e do escândalo na procura dum futuro prospectivo a partir dum presente impregnado de contradições e inconsistências que se expressam de documenta para documenta, numa manifestação de diferentes atitudes artísticas a que assistem diferentes filosofias, teorias, correntes políticas e sociais contemporâneas.

 

A documenta13, realiza-se de 9 de Junho a 16 de Setembro de 2012. A última documenta/2007 conseguiu vender 754.301 bilhetes. O objectivo da actual é atingir um milhão de visitantes. Ela é ao mesmo tempo o maior festival Open-Air. Kassel oferece possibilidades ilimitadas: o visitante tem a oportunidade de se alegrar e irritar sobre a arte.

 

A documenta (13), foi elaborada sob o lema “Colapso e Reconstrução” e tem como chefe/gerente a americana Carolyn Christov-Bakargiev apelidada por jornalistas de “Lady Gaga”. Ela situa-se nas pegadas e tradição das 12 documentas anteriores prosseguindo um espírito de continuidade de arte afirmativa e provocativa. Procura apresentar o válido como inválido e vice-versa, documentando assim as contradições da actualidade.

 

A direcção da documenta escolhe para chefe de cada exposição, um curador/chefe da documenta equipado de poderes absolutos; este pode pôr e dispor à sua vontade de maneira dogmática a própria filosofia. Na documenta, aqui em Kassel, a arte arroga-se alvores absolutistas. Carolyn Christov-Bakargiev encena-se como se fosse a sacerdotisa da arte, não lhe faltando a estola, o gesto religioso e o dogmatismo ostentado. O sensacionalismo em torno dela talvez venha do facto Carolyn Christov-Bakargiev querer, com idiotices mudar o nosso pensamento, através da documenta. Desta vez participam 297 artistas e grupos de artistas de todo o mundo.

 

“Direito de Voto para Cães e Morangos”

Em torno da dOCUMENTA 13 tem havido muita discussão na imprensa; a chefe tem-se revelado como bastante jacobina, não suportado mesmo nada que contradiga a sua ideologia/visão de arte. Para Josef Beuys artista “ é toda a pessoa”;  para a chefe da documenta, artista é toda a natureza, ponto.  Carolyn Christov-Bakargiev exige o direito de voto também para os morangos e para os cães; também há três cães da documenta treinados e colocados à disposição de visitantes que se deixarão conduzir pelos caninos; o sentido desta iniciativa é levar o visitante a ver a atitude do cão perante a obra de arte; intenção é inverter os valores colocando o Homem ao nível do cão e do morango. As suas posições radicais têm sido muito criticadas, muito embora a sua posição extremista possa ajudar uma sociedade surda-muda a notar que a natureza é sua companheira. A exposição paralela à documenta organizada na igreja católica St Elisabeth, onde o artista Stephan Balkenhol apresenta (na torre) uma instalação com um homem de braços abertos sobre um globo dourado, provocou os furores da chefe da documenta que não queria ver o Homem numa posição superior ao dos animais e das plantas. Sentiu-se “ofendida” por aquela instalação que questiona a sua intenção niilista não suportando o optimismo do Homem como senhor e corresponsável da natureza. Isto não passa dum ultraje invertido pois encontra na torre da igreja algo irritante para quem quer um mundo plano com tudo sem moldura, tudo abstrato, que desvie as atenções do humano.

 

A documenta quer ser um espelho da arte contemporânea mas negligencia grande parte da arte e em especial a pintura, o realismo, fotorrealismo, o realismo fantástico e o surrealismo. Por isso já houve movimentos anti documenta que foram imediatamente oprimidos. As pessoas não ousam opor-se ao espírito da documenta sejam cientistas da arte seja o povo. O doentio, o dilacerado tem sido tematizado em instalações e esculturas. Contrapõe-se o desastroso, o ameaçador em rituais negadores de ritos optimistas da religião e da sociedade. Um certo espírito da documenta quer afirmar-se como religião secular contra o religioso cristão e passar à margem das pessoas. Parece não reconhecer o facto de vivermos todos num mesmo mundo plurifacetado feito de muitos universos complementares.

 

Numa perspectiva cristã da arte o ser humano está chamado a mais do que a gritar. O Homem é o caminho de Deus e deve reconhecer-se como companheiro adulto da natureza mas sem abdicar de ser sua consciência. A religião e a arte devem ser os sismógrafos dos problemas. A arte também tem de se entender como resposta ao mundo na responsabilidade; por isso, também ela deve questionar os próprios conceitos. Por vezes tem-se a impressão, em certos meios ideológicos e de certa arte que a imagem de Homem constitui, já por ela, uma provocação. Esquecem que o olhar cego e vago da realidade é um olhar de governantes ou de quem se não quer envolver ou deixar tudo às forças duma natura sem cultura.

 

A arte abre novas visões mas precisa da condição humana para tornar não só a miséria humana visível mas também a parte nobre como a religião pretende afirmar. Também Dostoievski dizia “o belo libertará o mundo”. Quando se desiste da religião, o mundo torna-se em ameaça, como pretendem certas tendências ideológicas. Torna-se importante libertar a religião e a arte do medo e das ideologias.

 

A arte também é importante como catarsis, como crítica, sem ter necessidade de exilar a esperança. Não se podem tornar cúmplices com os senhores que roubam o mundo roubando a senhoria ao Homem tornando-o seu arrendatário e reduzindo-o a indivíduo anónimo numa imagem sem nós, como se uma árvore não estivesse incardinada num biótopo. Eu sou rei e escravo soberano, permaneço mistério e tanto a arte como a religião, como a ciência, a política, não conhecem um porquê da realidade. A arte e a religião protegem o mistério, aquilo que dá grandeza e perspectiva ao Homem e à natureza. Seria abstruso que arte e religião não reconhecessem o mesmo coração donde provêm, do epicentro da intuição que proporciona o sonho na empatia. Até ao séc. XVIII religião e arte viviam em relação amorosa, queriam modelar e tornar visível o mistério. Arte e religião questionam as compreensões imediatas. Com o racionalismo e o materialismo deu-se o divórcio do sagrado e do profano e dividiu-se o povo em sábios e ignorantes caindo-se num fundamentalismo de posições. Hoje torna-se óbvia também uma reculturização, uma nova consciência, à margem dum normativo racional que aprisiona a realidade em imagens e caixilhos religiosos, científicos, ideológicos, políticos, etc.

 

Na casa da arte, tal como “na casa do Pai” há muitas mansões; seria miopia expulsar a religião e o Homem do templo da arte e a arte da religião. Realidade e imagem são imagens!… Fazemos todos parte dum mesmo mundo, numa realidade complementar do não só… mas também…

 

António da Cunha Duarte Justo

antoniocunhajusto@gmail.com

www.antonio-justo.com