Nações ajoelhadas


Numa altura em que são sistematicamente destruídos os nossos biótopos culturais não se respeitando países nem identidades culturais; numa época em que elites obtusas pisam a nossa vida negando-nos o direito de erguer os olhos, não deixemos que a terra nos alague nas lágrimas da emoção que “Ó minha pátria, tão bela e perdida” (1) testemunha. Emoção sim, mas que iluminada pela razão dê lugar à revolução. Amigos, “eles comem tudo e não deixam nada” como cantava outrora o Zeca Afonso. Hoje até a flor mais bela do nosso jardim comem: a nossa esperança. Já não se contentam em tirar-nos a terra como o ar espiritual da nossa respiração, não dificultando uma vida digna. Primeiro levaram-nos a honra de pessoa deixando-nos solitários como indivíduos à disposição do seu mercado; agora violam a honra das nossas nações. Lembremos com Emmanuel Levinas: “ Aquele que levou a sua tarefa até ao anoitecer – aquele que acreditou num mundo melhor, na eficácia do bem, apesar do cepticismo dos homens e apesar das lições da História, aquele que não se desesperou. Aquele que não procurou nem distracção, nem suicídio, que não fugiu da tensão na qual vive como responsável, o único que merece, talvez mais adequadamente, o nome de revolucionário” .

António Justo em “Pegadas do Tempo”

(1)    http://www.youtube.com/embed/G_gmtO6JnRs

A Minha Razão e a Razão dos outros – Duas complementaridades


Não chega a sabedoria vadia nem a lógica rimada

António Justo

“Duas coisas preenchem a mente com admiração sempre nova e crescente… o céu estrelado sobre nós e a lei moral em mim”, dizia Immanuel Kant. A mim duas coisas me assombram: a aerosfera sobre a terra e o tecto cultural de cada civilização; a atmosfera que cobre os diferentes biótopos da natureza e o sistema de pensamento que cobre os biótopos individuais e sociais. As mesmas leis meteorológicas que regem a natureza lá fora parecem soprar no nosso espírito cá dentro e nas culturas (ad intra et ad extra).

A natureza, a sociedade e a psiché humana atravessam uma fase de altas pressões. O desequilíbrio entre altas e baixas pressões é tal que os tsunamis parecem sacudir os fundamentos da sociedade e da moral. O nevoeiro generalizado chega a impedir de ver as estrelas e a diluir os contornos éticos, pondo em questão a sustentabilidade da humanidade e da terra.

Aqui fora, na minha terra, a atmosfera torna-se cada vez mais fria e rude; a tempestade, que nela grassa, varre jardins e telhados. Da borrasca ficam paisagens humanas devastadas e sentem-se os ecos de brados de gaivotas no ar. Uma natureza humilhada chora nas plantas e nos animais por o saber humano não respeitar o saber da natureza. Por todo o lado se observam ventanias e razias no meio ambiental e no meio cultural. O mesmo se diga no foro social e individual. Natureza e cultura ao desafia, o Homem contra o Homem.

A crise de identidade, com as crises dela resultantes, abala a pessoa e as instituições. Os ventos que correm na razão e no coração são stressantes. Na sociedade muitos afirmam-se pela negação do outro, outros pela acomodação. Por isso cada vez surgem mais árias para embalar o sentimento e para adormecer a razão. Tudo é belo, as sereias cantam e encantam. Cada um puxa ao rubro as cordas da razão ou do sentimento para fazer ouvir a sua composição.

Com esta minha composição não quero embalar mas tentar acordar para a mensagem de Ulisses ao passar pela ilha das sereias. Como na composição as desafinações têm o seu sentido também o desacordo compreensivo tem o seu lugar! A dissonância torna possível a harmonia. Não poderíamos falar do dia se não conhecêssemos a noite. A realidade ultrapassa porém a visão que advém do contraste.

Na praça pública, encontram-se demasiados textos feitos de frases soltas em bemol e de sabedoria vadia com lógica rimada ao sabor do anónimo dirigente ou textos beligerantes que só conhecem a própria razão. Dum lado o grupo dos afinados acomodados e do outros o grupo dos desafinados que tomam o semelhante como adversário. Neste grupo cada um quer, à margem da orquestra, tocar o seu instrumento sem diapasão, sem conferir a afinação. Cada um afirma-se naquilo que parece opor-se a ele. As desafinações são salutares se nos levarem a reconhecer o valor da harmonia, uma harmonia que comporta desafinações na afinação. Mal da sociedade quando cada um quer assumir o papel de diapasão. No mercado das ideologias e das opiniões assiste-se a uma grande desafinação. Cada um quer ter razão à custa da razão do outro.

Aqui a natureza pode vir em ajuda da cultura. A Natureza tem as mais variadas sementes, cada qual, com uma expressão de vida característica. A semente é formada pela casca tendo dentro dela o tecido de nutrição e o embrião. Também a sociedade/ cultura tem as mais diferentes sementes: filosofia, religião, ciência, arte, economia, política, ideologia, opinião. Cada uma destas tem a sua correspondente casca constituída por leis, dogmas, concepções. Estas (cascas) encerram dentro delas uma determinada vida (embrião). O mais importante não é a casca mas a vida que estas encerram. Enquanto na natureza (botânica) as cascas que envolvem o embrião (a vida), se amaciam e abrem para darem oportunidade à vida do embrião grelar e dar oportunidade à vida, na sociedade as sementes fixadas na casca lutam umas contra as outras. As pessoas (ideologias ou concepções) fixam-se naquilo que as delimita, a casca; naquilo que circunscreve o objecto do seu discurso/combate à casca; não fazendo sequer ideia do que esta encobre, comportam-se como se só elas tivessem direito à razão, à vida. Assim, para os que apenas têm a consciência do seu ser casca, só resta a estratégia da auto-afirmação pela negação dos outros. Então levantam-se os dogmáticos da religião (os fixos na casca da religião mas que não percebem nada de religião) contra os dogmáticos da ciência (os fixados na casca da ciência mas não percebem nada da essência da ciência), e vice-versa; o mesmo se dá nas diferentes nominações com as respectivas lutas entre grupos/casca. A casca da opinião talvez seja a mais dura delas todas porque muitas vezes não passa de uma casca formada doutras cascas, à margem da própria vida (identidade) e da mesma vida que flui ao mesmo tempo dentro da própria casca e dentro das cascas dos outros.

Olhai as sementes das plantas na natureza. Umas têm a casca mais dura que as outras, umas são maiores, outras mais pequenas. Em todas elas corre a seiva da vida sem se negarem umas às outras. Seguem um chamamento comum pressentido por todas; crescem em direcção ao Sol, apoiadas pela vontade. O ser humano, pelo contrário, encrusta a verdade/vida na delimitação (casca) da sua subcultura/opinião. Em vez de reconhecer a vida que se encontra dentro da demarcação (casca) afirma a sua casca contra a do outro e vice-versa. O ser humano ao não se tornar consciente da mesma vida que corre nele e nos outros fixa-se na carapaça do pensamento transformando-o em escudo, em casca contra a outra casca.

Ao não ouvir o chamamento da natureza, fixa-se em si mesma, como sendo um absoluto pedra,  desprezando o fluxo da vida para se fixar na maior ou menor consistência (fragilidade) das cascas, prescindindo da vida e do espírito que cada casca encobre para assim a poder negar. Na natureza temos as diferentes sementes/plantas (os diferentes biótopos/ecossistemas) que com as suas potencialidades vitais formam a riqueza da cobertura vegetal terrena. Na cultura temos diversos biótopos/ecossistemas culturais científico-filosófico-religiosos, cada qual com as suas configurações (cascas) que formam a cobertura cultural da humanidade. Cada sistema, do mais complexo ao mais simples (da civilização à opinião) tem a sua crusta (casca) que encobre a vida. Geralmente, no reino da opinião e do debate, limitamo-nos a abordar a crusta, refutando-a sem reconhecer a vida que se encontra escondida em cada uma, confundindo a semente com a casca. No fundo a vida que a tua crusta esconde é a mesma que flui debaixo da minha. É verdade que a casca (as concepções, os dogmas, as leis, os programas) tem a função de defender a vida que comportam contra a dissecação e contra energúmenos ou outros microorganismos. As cascas, religiosa, científica, familiar, nacional, ideológica, opiniosa, têm o seu direito e justificação. Encontram-se porém, como organismos, em serviço dum bem maior dentro dum macro organismo. Só o rompimento da casca permite o crescimento do embrião/vida para o exterior. A disseminação dos frutos e das sementes têm a função de preservarem a espécie e de se desenvolverem. A missionação com a sua potencialidade de inculturação e aculturação possibilitam a evolução não só da espécie como de toda a sociedade. A afirmação de uma não pode acontecer à custa da negação da outra, mas no respeito, no respeito da abertura voltada para o Sol. Como na natureza assim na sociedade/cultura: nada há igual, tudo é diferente e da diferenciação surge o desenvolvimento, a evolução. A própria liberdade tem um sentido, o sentido do Sol. Se na natureza se observasse o que se observa especialmente hoje no discurso cultural ainda não teríamos passado da verdade da anémona, da verdade peixe, da verdade hominídea ou da verdade gorila, da verdade emocional, da verdade racional: verdades encrustadas num sistema (verdades casca). Com isto não se relativiza a importância das cascas, sem elas não haveria individuação nem diferenciação, não haveria evolução, desenvolvimento material e  espiritual. Importante será descobrir a vida que cada casca encerra e verificar, sem combater nem negar, a vida que se encontra em cada semente, dentro de cada casca com as potencialidades do seu embrião. Umas serão mais carvalho, outras, mais oliveira, mais toupeira ou mais leão.

O verde de todas as plantas, aparentemente mais ou menos relevantes, transporta o oxigénio da atmosfera de que todas se aproveitam. Semelhante deveria dar-se nas culturas (ecossistemas culturais) com os seus diferentes credos (religiosos ou seculares). A esperança vital da humanidade que se encontra sob o firmamento cultural e embrionada nos diversos ecossistemas culturais também não pode ser estancada em nome duma crusta comum.

Os diversos credos, religiosos (feminidade) ou seculares (masculinidade), são imprescindíveis para o tecto metafísico cultural tal como o verde para a atmosfera que respiramos. A verdura transportada pelo conjunto da cobertura vegetal é expressão do esforço comum das diferentes individualidades vegetais. A atmosfera não precisa só do oxigénio mas também do dióxido de carbono, embora este seja mais notório pelas suas qualidades negativas!

”Oh culpa feliz” reconhecia o apóstolo Paulo. A culpa é a casca da semente, a vida encrustada que possibilita, doutro modo, o fluir da vida profunda e activa. Sem o pecado não há relação. Ele separa para possibilitar a religação consciente. A nós compete a missão de desfazer os nós que a motricidade da vida produz com o seu desgaste próprio. Cada um de nós “crente” ou “não crente” contribui com o seu credo, com a sua opinião para o tecto espiritual da cultura. Como na natureza, não há nada igual. Da diferença aparentemente contraditória surge a riqueza individual e cultural que contribui para o concerto universal de natura e cultura. Cada um traz consigo os seus ferimentos e estes fazem a diferença. Porque nos afirmamos uns contra os outros negando ao outro a sua razão em vez de nos reconhecermos como complementares duma Realidade maior? Na realidade andamos todos à procura de nós mesmos (do brilho da nossa divindade), à procura da própria casca para nos podermos agarrar; uns procuram-se no teatro, outros na religião, na arte, na ciência, na política, na palavra, na afirmação, na contradição, esquecendo talvez que tudo isto não são mais que as cascas que encobrem o nosso verdadeiro ser: vida em germinação. Cada um traz em si o espartilho do seu biótopo, estando predestinado a confundi-lo com a natureza toda, com a verdade…


António da Cunha Duarte Justo

antoniocunhajusto@googlemail.com

www.antonio-justo.eu

Ecossistema Cultural – Biótopo cultural


Opinião formada no Desvio da Verdade

António Justo

Nos meus escritos emprego a palavra biótopo/ecossistema não só no sentido botânico mas alargo-o à antropologia e à sociologia dum lugar ou região (assim, ecossistemas = unidades de vida de várias espécies em comum abrangendo também o seu habitat humano cultural). Assim também a língua faz parte dum ecossistema cultural, tal como o verde faz parte da cobertura vegetal.

Um ecossistema cultural é um processo de organização da vida resultante do ambiente geográfico/climático e cultural. De facto a mitologia, a filosofia, a religião e a maneira de organizar a vida e o pensamento depende primária e intrinsecamente da geografia/clima e da maneira como o ser humano reage técnica, emocional e intelectualmente ao seu meio.

Os conjuntos dos ecossistemas biológicos e culturais encontram-se numa relação de “diálogo” entre si: numa relação biológica e intercultural. Ao falar de ecossistema/biótopo cultural quero sugerir a interdependência e a coerência vital dentro dele mesmo; interdependência baseada no princípio de colaboração/ selecção interna e de definição em relação ao externo/estranho.

Assim como os biótopos e ecossistemas formam a biosfera também os ecossistemas culturais (civilizações, línguas, culturas) formam a esfera cultural humana global. Habitat geográfico e cultural implica a configuração geográfica e intelectual com diversos biótopos. Assim verifica-se que o homem do deserto desenvolve uma filosofia diferente da do Homem das terras férteis. Daí também as diferentes mitologias. A sobrevivência afirma-se na diversidade.

Geralmente, no diálogo entre disciplinas, culturas, ideologias e as épocas da História, não se tem em conta a coerências dos “ecossistemas”, afinidades e diferenças, nem se respeita a lei fundamental que se verifica a nível biológico e cultural: a lei da complementaridade subjacente ao desenvolvimento.  Na discussão pública, geralmente um afirma-se negando ou denegrindo o outro. As cores do arco-íris são reduzidas ao branco ou ao preto, ao verdadeiro ou ao falso desprezando-se a realidade que se encontra nas cambiantes.

A afirmação duma opinião própria dum biótopo afirmada em relação a um outro ou a um outro ecossistema cultural pode tornar-se fatal se não se tem em conta as correlações a eles inerentes. Assim a filosofia cristã só pode ser compreendida em relação a outra se tivermos em conta não só o espaço geográfico que ocupa mas também as suas fontes semitas, gregas, romanas num determinado processo histórico. A religião islâmica não se poderá conhecer sem o seu pano de fundo: o oásis e o deserto.

Também se torna arrojado falar-se e ajuizar dum ecossistema linguístico/cultural medieval em termos de ecossistemas linguísticos/culturais contemporâneos. Ao fazê-lo, geralmente, atraiçoa-se não só a cor local mas corre-se também o risco de instrumentalizar mentalidades para fins menos nobres. Até a transposição de textos ou comportamentos medievais numa linguagem corrente hodierna pode induzir em erro. O mesmo talvez já não fosse tão grave se a tradução fosse feita para árabe, uma cultura que se encontra bastante próxima da medieval e como tal com compreensão aferida à idade média. Geralmente, juízos de valor sobre o passado não passam de desculpa duma mentalidade que sofre do mesmo mal da de ontem, hoje criticada.

Na actualidade temos suficientes áreas propícias à discussão sem precisarmos de recorrer ao passado e perturbar o repouso dos mortos, por muito bons ou maus que tenham sido. Quando os argumentos não valem apela-se à responsabilidade clã. Neste sentido, hoje a Igreja Católica é o bombo da festa.

A opinião resulta dum biótopo geralmente em contraposição a um ecossistema.

Não há raciocínio isento. Isenta poderá ser a procura. Na procura crescemos! Por isso vale a pena procurar e raciocinar. O que fica da verdade é a procura e a esperança de a encontrar.

António da Cunha Duarte Justo

antoniocunhajusto@googlemail.com

Agências Rating Standard & Poor’s e Moody’s no Fogo da Crítica

No Pelourinho a Europa defende-se

António Justo


As Agências Rating, com a sua favorável avaliação da Grécia, contribuíram, inicialmente, para que esta se endividasse. De seguida lançaram alarme, pondo óleo no fogo, e os bancos credores reagiram subindo os juros. Agora que só lhe deixaram os ossos, todo o mundo grita pelos bombeiros.

O poder e influência das Agências Rating são enormes, também porque os governos tomam decisões depois de as consultar ficando assim em xeque-mate.

Os seus métodos de avaliação das economias nacionais não são transparentes. Além disso são praticamente monopolistas do mercado, como conclui “manager magazin” 9/2011: “Os dois gigantes americanos atingiram receitas de 4.ooomilhoes de dólares e repartem entre si 80% das receitas de negócio das agências Rating mundiais… As US-Rating são consideradas em Bruxelas como aceleradoras do fogo”. A Comissão europeia que não cuidou de criar uma Agência Rating europeia planeia, para breve, uma regulamentação da EU com regras precisas para as Agências Rating que queiram ser acreditadas na Europa.

Independentemente do interesse político em jogo, as agências Rating, muito embora usem métodos menos nobres para o seu negócio, são parte do problema e ao mesmo tempo o termómetro que indica o grau da doença.

O problema maior está no poder que têm sobre a política e no facto de se encontrarem ao serviço do grande capital internacional.

Antes da crise financeira as Agências Rating avaliaram os Bancos muito favoravelmente e depois dos países se endividaram para salvarem os Bancos, colocaram no pelourinho as economias doentes.

O que as agências Rating não fazem é a avaliação da seriedade dos Bancos no serviço do bem-comum. Seria de avaliar também se o agir dos bancos é socialmente aceitável. Deste modo o cliente poder-se-ia decidir pelo Banco que provoque menores danos colaterais.

As conquistas da economia social europeia encontram-se à disposição. A União Europeia, cada vez se torna mais igual aos USA.

António da Cunha Duarte Justo

antoniocunhajusto@googlemail.com

O Norte da Europa não se quer responsabilizar pela Carência do Sul


Europa – Entre o Fundo de Resgate Euro e a Criação de Títulos-Euro

António Justo

O pacote de resgate é uma medida provisória para salvar, do risco da bancarrota, economias fracas da zona euro. Países, como a Finlândia, que não querem ver o seu empréstimo reduzido a fundo perdido, exigem garantias para o seu próximo empréstimos de emergência à Grécia. Torpedeia assim as intenções dos parceiros europeus. Estes não têm tido coragem para enfrentar os problemas inerentes à criação do Euro. Têm-se limitado a circundar o problema como o gato à volta do leite quente.

Também a ampliação do fundo de resgate (EFSF/ESM), agora em negociação, não é mais que a tentativa de adiar soluções, além de se revelar ineficiente para os próximos candidatos (Espanha e Itália).

Títulos do tesouro da EU serão a melhor maneira de se criar um instrumento equilibrador de diferentes economias e, ao mesmo tempo, fomentador de regiões com estruturas deficitárias. Isto terá como consequência maior inflação e o enfraquecimento do Euro, o que não agrada às economias fortes interessadas num Euro forte e estável. Com a criação de títulos EU (Euro) toda a Comunidade seria chamada a contas. Os países mais ricos passariam a ser os credores (assumindo o risco) e ao mesmo tempo co-financiadores dos juros dos países com défices estruturais. Isto impediria os especuladores globais de levarem os países endividados à ruina com juros astronómicos e obrigaria os países fortes a deslocar empresas para a periferia. Os países fortes receiam que os países devedores, com a introdução de Títulos a nível de EU, deixariam de ter pressão para evitar fazer dívidas.

O preço da EU e do Euro traz consigo a solidariedade dos mais ricos para com os mais pobres exigindo aqueles, em contrapartida, mais disciplina destes. As tácticas dilatórias de países nórdicos, como a Alemanha, só serão compreendidas em sociedades disciplinadas e habituadas à estabilidade económica e social; tal não se dá nas sociedades latinas, o que explica animosidades entre as nações latinas e as nórdicas. Aqui não se poderá esperar justiça equitativa. Quem trabalha e tem mais produtividade terá que pagar mais!

Para se salvar a EU e o Euro, os países fortes não têm outra alternativa senão aceitar Títulos-Euro ou fazer transferência de dinheiro e bens para os países da periferia. Quem suporta a maior carga são e serão os alemães. Se quiserem estabilidade na EU terão que a pagar ou optar por adequarem os seus costumes aos latinos, o que corresponderia a um empobrecimento da Europa.

A distribuição da carga na união monetária traz consigo mais centralismo e mais dirigismo dado que quem paga quer receber algo em troca. O Sul terá mais dinheiro na algibeira mas mais presença nórdica na orientação dos destinos da EU. A situação é tão complicada e as economias do norte e do sul são tão diferentes que, neste processo, numa primeira fase, só poderá haver descontentes dum lado e do outro. O maior problema estará na perda de independência nacional e na destruição dos diferentes biótopos culturais europeus. Tudo cada vez mais igual, tudo em serviço de Mamon.

O descontentamento já chegou aos andares superiores dos Estados

Ontem, o presidente da RFA, Christian Wulff, homem reservado, criticou o Banco Central Europeu (EZB) por ter comprado títulos (bonds) de alguns Estados. O Artigo 123 do tratado sobre o modo de trabalhar da EU proíbe, para assegurar a independência do Banco Central, o EZB de comprar títulos de dívidas. Wulff critica também a política dos governos: “O pecado contra a geração jovem tem que acabar”. O desenvolvimento faz lembrar um jogo de dominó: “Primeiro  os bancos salvaram outros bancos e depois os Estados salvaram os bancos, depois uma comunidade de Estados salva alguns Estados. Quem salva no fim os salvadores?” A política não se deve deixar “conduzir (como puxados) na argola do seu nariz, por gerentes de bancos, por agências Rating ou por Media voláteis”. A política tem actuado como um acossado. De facto não tem defendido as aquisições da economia social de mercado, como protectora da necessária solidariedade, nem impede a ganância anti-social dos jogadores globais.

Todas as iniciativas, como o plano de resgate do euro para tornar a zona euro resistente às especulações tem deixado todos descontentes. A Europa e os europeus encontram-se a saque.

A repartição da dívida por todos os Estados da zona euro através de obrigações-euro constitui um sapo difícil de engolir especialmente para a Alemanha. A queda do euro ou a exclusão de países da zona euro teriam consequências sociais irreparáveis para a estabilidade europeia. Será óbvia a cooperação na política económica e fiscal. Para defender o espaço económico europeu não chega defender o Euro, é urgente uma política de transferência de riqueza para os países pobres ou através de Euro-Bonds (títulos) assumir a responsabilidade das dívidas dos países mais carentes. Doutro modo estes serão impossibilitados de equilibrar os seus orçamentos estatais, por terem de pagar juros usurários a especuladores sem escrúpulos.

Todos terão de participar na solidariedade: países, bancos, credores, contribuintes e não contribuintes. A situação é demasiado problemática para nos fecharmos em nacionalismos ou em receitas simplistas.

António da Cunha Duarte Justo

antoniocunhajusto@googlemail.com