DIA DE PORTUGAL – NAS PEGADAS DE PORTUGAL

A Festa repete-se e Portugal também

António Justo

Romantismo – Diagnóstico e Cura

Também, este ano, alguns portugueses celebrarão o seu dia de Portugal. A maioria terá dificuldade em festejar por viver fora de Portugal ou porque as preocupações pela sobrevivência não deixam espaço para festejos. A comemoração oferece, porém, uma oportunidade para se frazer o ponto da situação. Que dia de Portugal se continuará a celebrar: o macho ou o fémia, o dos seus representantes ou o do povo?

Ao compararmos o Portugal de hoje com o de ontem, verificamos que repete os mesmos vícios e virtudes do regime liberal e republicano. A nível de processo íntimo, as revoluções em Portugal parecem decalcáveis: os mesmos mitos, as mesmas lutas, os mesmos mostrengos, as mesmas ideias, a mesma estratégia, os mesmos políticos (desdobráveis) e os mesmos erros, a mesma mentalidade. Cada nação tem a sua doença colectiva específica. Diagnosticá-la será já meio caminho andado para a sua cura.

Em “Viagens na minha Terra”, Garrett faz uma descrição modelo da situação e dos problemas do Portugal de sempre. Nos protagonistas da narrativa, Carlos, símbolo dos progressistas e Joaninha, símbolo dos tradicionalistas, temos uma boa diagnose aplicável à actualidade sobre a situação dos partidos e da cultura portuguesa num Portugal que teima ser irreconciliável.

O romantismo liberal inicial de Garrett e Herculano, tal como, depois, o de Antero de Quental procuram aportuguesar o liberalismo (masculino) e o socialismo político importado (inicialmente bravio depois oportunamente acomodado) e dar-lhe uma perspectiva lusitana (feminina). Constatam o falhanço do projecto de liberalizar e democratizar Portugal. Portugal falha pelas mesmas razões que Carlos e Joaninha falharam. O comodismo instalado e o espírito Sancho Pança predomina em todos os sectores nacionais dominal a camada responsável.

O desenrolar da democracia do 25 de Abril parece seguir os mesmos passos encontrando-se já na fase da “desistência cívica”. Por isso desejo lembrar dois autores românticos, Almeida Garrett e Alexandre Herculano, cujo ideário se encontra na continuação genuína da originalidade nacional e de Camões e, bem analisado, poderia dar impulsos novos e correctivos, atendendo que apresentam as mais variadas perspectivas do espaço português.

O protagonista Carlos, de “Viagens na minha Terra”, símbolo de Portugal do progresso abandona a província (Santarém) e assim enjeita Joaninha (cultura tipicamente portuguesa) incompatibilizado, ao mesmo tempo, com Frei Dinis (antigo regime) e vai à procura de novos ideais para a cidade (liberalismo) envolvendo-se nas lutas liberais (conflitos entre socialistas e conservadores). Neste novo espaço transforma-se e conhece, entre outros bens, a cor da luz dos olhos da Georgina e da Soledade (os belos corpos duma modernidade que permanece alheia). Depois de desenganos e frustrações volta a Santarém (cultura tradicional nacional) mas aí sente-se já estranho; tinha-se mudado e a mudança tinha sido tão radical que já não comportava a integração da memória no seu ser. Entretanto foi-lhe revelado que era filho do padre Dinis (um sinal talvez de que deveria reconciliar a tradição com o progresso ideológico, o pólo masculino com o pólo feminino da nação). Pelo contrário, desiludido da ideologia e da terra, que já na pode amar porque a ideologia e os bens o tinham desnaturado, volta à cidade e faz-se barão. Declara-se perdido. Joaninha enlouquece e falece.

Esta tem sido a perspectiva dum Portugal insatisfeito fatalmente irreconciliável consigo mesmo. Em Carlos podemos ver a masculinidade portuguesa infiel e homossexual que vive dos bordéis estrangeiros e em Joaninha a feminidade portuguesa fiel mas fechada em si mesma quase lésbica. Este é o problema de Portugal. A sua masculinidade e feminidade não se integram num todo. A luta do saber cínico (Carlos) contra a crença ingénua (Joaninha) conduz, segundo a experiência histórica, a uma portugalidade amorfa e indiferente. Isto conduz àquela “apagada e vil tristeza” dum Portugal não vivido mas com a ilusão de viver que lhe vem da sua divisão num Portugal de alguns tantos eremitas e poetas refugiados, de alguns barões da ceita e dum resto lamuriento.

O carácter másculo da revolução desmistifica a vida nacional fazendo dela um deserto desconsolado e mono-perspectivo. Não percebe que uma nação vive de muitas fidelidades. Não chega a mudança pela mudança como pretende o touro revolucionário, é precisa a fidelidade duma relação que possibilite a evolução.

Portugal ajoelhado e preso ao cadeado do racionalismo francês

O destino de Carlos e de Joaninha são, até agora, o destino de Portugal, o destino dum Povo fracturado. Foi este o destino da época do Marquês de Pombal, da época liberal, da época republicana e parece ser o futuro da revolução de Abril com a sua democracia. Nas diferentes épocas referidas repete-se o mesmo esquema: estrangeirados e sequazes importam a ideologia renovadora e, com ela, o seu espírito jacobino e dialéctico. Falta-lhe a própria reflexão, a reflexão portuguesa. Não chega o esperma da ideia, é preciso o corpo da nação em que ele fecunde. Portugal tem desonrado a nação (cultura nacional) dando mais carinho à amante do que à mulher!… O racionalismo francês, incorporado no socialismo português tem andado inebriado de si mesmo deixando-se levar pelo som das próprias patas em direcção duma direcção sem orientação. Vai sendo tempo de Portugal deixar de ser o bordel de alguns rufiões. Estes têm que integrar a feminidade em vez de a violarem.

Portugal serve o estrangeiro descurando o seu ser e os seus interesses. As revoluções, não aferidas ao espírito português, tornadas apanágio de alguns e desconhecedoras do seu ser cristão, monista e panteísta, tornam-se ciclos viciosos. Assim os que se apoderam de Portugal comportam-se, no país, como senhorios ao curso dos ventos estrangeiros, determinando, de suas “lojas”, o sentir e o ser dos seus inquilinos. Dançarinos do poder e da cultura importam as ideologias da França (ou Rússia) com o prejudicial jacobinismo como se tratasse da importação de máquinas.

Em Portugal quem consegue viver de fora não vive mal. Metade dos portugueses vive fora de Portugal e a outra metade vive dos de fora. Também o pensamento e a reflexão têm sido artigos estranhos de importação. Não chega pernoitar com eles.

As crises sociais e políticas portuguesas repetem-se ciclicamente como os ventos. O vício comum tem sido o desinteresse e irreflexão cultural, acompanhados pelo jacobinismo dos renovadores liberais, republicanos e socialistas (abrilistas). Estes são individualistas e internacionalistas a quem falta a consciência pátria; são os continuadores dos oportunos que na batalha nacional de Aljubarrota se puseram, à margem do povo e ao lado de Castela, que prometias mais comendas. Se, à custa do povo e da cultura nacional uns se puseram ao serviço dos interesses de Castela, os posteriores puseram-se ao serviço da França (maçonaria saúda os invasores franceses) e finalmente (entrega das províncias portuguesas à hegemonia comunista com o 25 de Abril) do socialismo russo e cubano. Um povo vazio, sem ideia nem ideias, facilmente se deixa levar pelos vendedores da banha da cobra que ciclicamente aparecem na arena pública. Portugal se quiser sarar terá de descobrir a sua feminidade e criatividade. Para isso terá, porém, de voltar aos berços da nacionalidade.

Não chega que alguns estranhos à cultura e ao povo, se aproveitem do 25 de Abril e de Portugal, tal como os barões se aproveitaram da revolução liberal. Estes sim, têm razão para festejar e se congratular com os proveitos da revolução; para a nação deixam a ideologia requentada. O problema deles é, não terem nascido do húmus, nem da reflexão portuguesa, faltando-lhes assim um conceito de cultura nacional processual, tornando-se eles mesmos no impedimento duma evolução portuguesa normal e equilibrada de espírito livre e desenvolvido à margem de complexos másculos nem fêmeos. O viver do encosto provoca no povo uma atitude de encostados das instituições.

Um socialismo militante, irreflectido e desintegrado e um conservadorismo emocional e burguês, sem tradição teórica nacional básica, têm sido os ingredientes que fazem do destino de Portugal o destino de Carlos e Joaninha.

Para festejarmos temos primeiro que restaurar Portugal, teremos de nos tornar Carlos e Joaninha mas reconciliados. Doutro modo não passaremos duns machistas da nação sempre à procura dum outro pão.

António da Cunha Duarte Justo

antoniocunhajusto@googlemail.com

(Continua em: “Com o Romantismo nas Pegadas de Portugal”)

Estacionamento ilegal de Soldados no Kosovo ?

O partido alemão „A esquerda “ apresentou queixa constitucional contra o Estado pelo envio de soldados alemães para o Kosovo.

Com a independência do Kosovo a Resolução 1244 das nações Unidas, que legitimava o envio de tropas, deixa de ter efeito. A nova situação não justifica a presença de soldados estrangeiros no país. Por isso o partido “Die Linke” apresentou queixa junto do Tribunal Constitucional em Karlsruhe contra o prolongamento do mandato de envio de soldados para aquela região.

Argumentam também com o Direito das Nações que proíbe a separação unilateral de minorias e no caso de separação exige o acordo das partes.

O governo fundamenta o envio com base no pedido do governo do Kosovo legitimado pela resolução 1999 do Conselho para a Segurança Mundial.

Ontem, o parlamento alemão legitimou o prolongamento do mandato de envio de soldados com 499 votos a favor, 57 contra e três abstenções.

A situação insegura no Kosovo manter-se-á até que a maioria muçulmana, no prosseguimento da sua intenção, assimile os sérvios. Até lá os governos prolongarão a sua presença na região começada há dez anos.

Enquanto que aqui se apoia uma colonização assistida em África deixam-se os povos abandonados ao processo de colonização interna.

Quando o interesse das potências está em jogo a lei ocupa um lugar secundário. Todas as intervenções na antiga Jugoslávia se deram por interesses da Alemanha e de interesses estratégicos europeus, sem que a lei os cobrisse. Na África, onde há irregularidades retumbantes e grupos dizimam outros grupos, aí não há lei nem interesses que motivem intervenções? Ou será que a vida dos africanos não é tão apreçada nos mercados do poder?

Neste caso o Direito é muito maleável e prevê mesmo as curvas mais apertadas.

António da Cunha Duarte Justo

antoniocunhajusto@googlemail.com

SISTEMA FINANCEIRO INTERNACIONAL ABUSA DO REGIME DEMOCRÁTICO

Conjura dos Especuladores Globais provoca a Crise Financeira Mundial

A necessidade dum sistema financeiro global, o falhanço da alternativa socialista, a fraqueza dos sistemas políticos, interesses políticos e económicos interlaçados e nas mãos de sistemas comuns, são os ingredientes mais relevantes da crise económica em curso.

O povo cada vez arqueja mais com a carga de trabalhos mal pagos e de impostos; sente-se não tomado a sério pela elite. O capitalismo desculpa-se com a falta de formação das pessoas para possíveis empregos e tem o descaramento de afirmar que a injustiça é mais uma questão de sentimento. Por outro lado, embora em conivência com a política, a Economia desculpa-se com os políticos apontando-os, em voz baixa, como responsáveis na intenção de os usar como ópio para iludir o povo. Esperam do político que este crie uma atmosfera de optimismo crente que deve ver na moral um impedimento do desenvolvimento. Relegam a moral para a Igreja ou para a religião e mesmo aqui só na função de meio anestesiante.

A distribuição da riqueza e do bem-estar nacional bem como a possibilidade de acesso a elas, cada vez se tornam mais injustas. Não pode haver confiança numa ordem económica que não é justa no reconhecimento do trabalhador e que despreza mesmo um mínimo de ética social. O dinheiro, a proveniência social e a pertença a uma classe social, como na sociedade arcaica, determinam cada vez mais o currículo das pessoas.

O trabalho deixa de ser valorizado em favor da especulação. Não vale a pena trabalhar, não se reconhecem os talentos e a diferença do que recebe quem trabalha e quem não trabalha não motiva ao trabalho. O sistema tem bons mecanismos de defesa. A revolta impede-se financiando-se muitos milhões de desempregados e casos sociais com esmolas humilhantes. Numa sociedade cada vez mais virtual, os talentos só são reconhecidos nos centros da grande especulação.

Os ganhos são privatizados e as perdas socializadas

A ordem social presente é boa para os mais fortes. Quando o Presidente da Alemanha, Horst Köhler, um economista de grande relevo, se vê obrigado a afirmar que os mercados financeiros internacionais se tornaram monstros, a situação tem de ser mesmo caótica. Foi sintomático o facto da alta finança e dos bancos engoliram isto em seco e se calarem. Embora o governo alemão os tenha subvencionado com biliões de euros, para impedir a sua bancarrota e a perda de confiança no sistema bancário, os banqueiros não se dignaram pedir desculpa ao povo pelos erros cometidos.

A crise financeira com a cumplicidade dos bancos está a ser paga pelos contribuintes e não por aqueles que a causaram. Políticos e banqueiros arranjam-se entre eles e depressa, para que o povo não note o que realmente acontece. Aqui a solidariedade de baixo para cima funciona, tendo os pequenos de pagar as bolhas de ar dos bancos. Impede-se que bancos vão à falência e que milionários percam o dinheiro da própria especulação. Depois falta o dinheiro ao Estado noutros lugares. Os lucros da prosperidade são distribuídos injustamente.

Os operadores que investem globalmente e especialmente na índia e na China precisam dum sistema financeiro global. O mundo financeiro impera, à custa da disciplinacão do bem-estar do proletariado europeu e da calasse média. Esta é que suporta os riscos. Trata-se duma socialização do desenvolvimento, agora à custa dos mais carenciados em todo o mundo, atendendo a que, por toda a parte, quem sofre é a classe desfavorecida.

O valor do dinheiro é artificial, dependendo da procura especulativa sem um valor correspondente real de depósito em ouro como era outrora. Agora o ouro dos bancos são os cidadãos que funcionam como fiadores através dos impostos que entregam ao Estado. Os banqueiros que provocaram a crise são licenciados com indemnizações de milhões ou com reformas de sonho. Também os grandes accionistas não são castigados porque o Estado cobre a sua ganância e encobre as suas falhas. O Estado que só está interessado em impostos ajoelha-se perante a praga dos gafanhotos, os accionistas especuladores que, por sua vez só se interessam com lucros desmedidos. Um Estado no Estado. Nas inspecções e conselhos fiscais têm assento os políticos que são bem servidos. Nesta crise deixaram o rabo de fora mas pouco se mudará até nova crise financeira. Não se preocupam com a institucionalização de sistemas de alarme preventivo porque o povo é o fiador e os responsáveis entretanto safaram-se.

Um sistema que tão bem vive do sistema democrático não deveria humilhar a democracia nem os cidadãos a ponto destes se virem obrigados a compreender o terrorismo anónimo como única forma de reagir ao anonimato duma economia desumana.

Este sistema financeiro não se torna mais justo apesar de incluir nele também os especuladores árabes e asiáticos. De facto, a generalização do bem-estar pretendida pela globalização, a nível mundial e que deveria ir em benefício também da população simples, está a ser aproveitada por especuladores sem escrúpulos das oligarquias internacionais. O mundo preciso é de reduzir o número de pobres e não de aumentar desproporcionalmente os exploradores desalmados dos Estados.

A criatividade e a inovação têm de se orientar para o bem comum do povo. Seria falso se este sistema económico incontrolado viesse a justificar um socialismo barato administrador da miséria. A arrogância dum capitalismo exagerado fundamenta-se na constatação de que os agrupamentos ideológicos que lhes poderiam fazer frente não têm autoridade nem cabedal ideológico capaz pelo facto de continuarem presos nas ideias materialistas dualistas do século XIX já ultrapassadas pela realidade e pela ciência.

Urge interromper nas sociedades o automatismo da pobreza. Um sistema económico e social em que todos trabalham no duro e apesar disso só proporcione à maior parte da humanidade a dureza da vida do dia a dia não se pode legitimar a si mesmo nem dar resposta a pessoas com um estado mais desenvolvido da consciência. O capitalismo tem que recuperar o seu rosto humano que perdeu a partir da reunificação da Alemanha.

António da Cunha Duarte Justo

O Problema da Democracia é o Problema de Deus

Secularização e Religião, duas Faces da mesma Moeda

António Justo

O sistema democrático bem como a sociedade liberal não crê, quer apenas administrar as crenças. Falta-lhe um tecto metafísico.

Tal como o capitalismo dos países nórdicos precisou dum protestantismo que lhe desse conexão e projecção, assim a nova sociedade democrática precisará dum cristianismo místico, capaz de dar resposta às novas exigências no respeito dos diferentes biótopos, de que se torne o tecto. Um povo sem transcendência perde a sua consistência e a perspectiva do futuro. Enquanto a democracia não recriar Deus verá aumentar os seus problemas sociais e humanos. Não chega um sistema económico ou cultural para lhe dar estabilidade e perspectiva. Também não chega fundamentar a ética no pragmatismo oportuno do dia a dia. Para darmos perspectiva à sociedade e seus sistemas terá de se operar uma colaboração interdisciplinar, infraestrutural a nível de toda a sociedade à semelhança do que acontece no reino vegetal e biológica, numa solidariedade orgânica. O leme do futuro para todos os sectores da realidade e da sociedade será: cooperação em vez de confrontação, num processo de transformação aberta mas coerente.

A crise metafísica da sociedade ocidental é semelhante à crise dos deuses da sociedade romana, que com Constantino, num acto de inteligência previdente, conseguiu adiar dando a liberdade ao cristianismo, condicionando-o embora. Naturalmente que o problema estará em saber que Deus poderá dar resposta satisfatória às necessidades individuais, sociais e globais dos problemas humanos e da sociedade. O problema do politeísmo democrático poderá ser solucionado, no mundo ocidental de carácter global, com a redescoberta do monoteísmo trinitário. Aqui terão que se empenhar teólogos e outros intelectuais para revitalizarem o carácter místico do cristianismo (anterior à reforma constantiniana). O cristianismo, na devida altura, deu forma a uma sociedade europeia em expansão baseando-se numa teologia petrina (dialéctica) e numa estratégia paulina de comunicação. Agora, que o Ocidente deixa o seu carácter expansivo para entrar na fase da consolidação e globalização, a sociedade já se encontra mais madura para poder compreender a necessidade de implementação da teologia joanina (mística) numa pragmática da realidade trinitária. Uma visão perspectiva (dualista) da realidade terá que ir dando lugar a uma visão e a uma estratégia aperspectiva (integral) de acesso e interpretação da existência.

Só na distância se reconhece o horizonte do lirismo e da metafísica, o significado da vida individual e colectiva. A sombra da omnipotência dá à realidade o brilho do seu significado. Para uma vida social significativa e com sentido não chega a luz da razão; também o coração conhece razões que a razão não conhece, recordava-nos Pascal. O espírito é silencioso, não dá nas vistas, mas é a essência da vida. Já se ouviu alguma árvore a crescer? A configuração da banalidade factual limita-se demasiado ao ouvir e ao ver! Se quisermos salvar a democracia temos de descobrir uma nova metafísica, ou melhor, temos de a desenterrar das catacumbas da religião. A política e a religião (cultura), para dar resposta aos grandes problemas do futuro terão de se preocupar com o problema metafísico a nível de Estados, de povos e de pessoas…Não chega a expansão oportunista dum capitalismo globalizado com os governos como acólitos. A física mecanicista e a filosofia materialista já foram ultrapassadas, teoricamente, nos fins do século XIX e princípios do séc. XX. Urge aferir o ideário.

A democracia para evitar o problema da “verdade absoluta” e o Deus concorrente, espalha o relativismo moral e o pragmatismo como doutrina oficial reduzindo para isso o papel da filosofia ao cepticismo. Na sua prática é politeísta. O politeísmo porém não consegue ser global nem dar consistência a um sistema orgânico global. A ausência de parâmetros e de fundamento estável questiona, assim, a legitimação de todos os sistemas, também do democrático. A vida dum povo e duma pessoa não pode ser reduzida a uma filosofia que se fundada apenas no banal factual ou em necessidades imediatas. Tal como o universo tem um fio condutor teleológico, também ao desenvolvimento dos povos e da pessoa está inerente uma força teleológica. Tudo se subordina à lei da ressonância e da harmonia.

O contrário conduz à cedência ao pragmatismo que implica uma entropia da sociedade que leva o Estado a colaborar com estruturas meramente dualistas de domínio não integradas no conjunto. A afirmação da dissonância em vigor faz lembrar as pragas do Egipto. Os grandes expropriam os pequenos não só das suas riquezas materiais como até dos bens espirituais. A radicalidade de uns condiciona a dos outros e o que é pior ainda parece dar razão àqueles que dividem o mundo entre os dominadores da cultura e os dominadores da economia. Parece que poder religioso e poder económico se necessitam como concorrentes num equilíbrio de forças. Enquanto as religiões se não preocuparem seriamente com a espiritualização dos fiéis, a luta duns pelo domínio dos bens espirituais e dos outros pelos bens materiais continuará nos moldes conhecidos polarizando e produzindo uma maioria vítima inconsciente. Os vencedores encontram-se do lado do poder, o resto continua massa.

O equilíbrio na conexão da realidade da vida social e individual, material e espiritual parece estar numa relação de necessidade tal como a relação dos corpos celestes que se encontram numa correspondência de equilíbrio de massa e forças. A nível superficial, se não fosse a interligação da massa e as forças centrífugas e centrípetas que mantêm os corpos, estes desconjugar-se-iam. A sociedade moderna e post-moderna não se preocuparam com o factor teleológico. Vergou-se ao predomínio social e político de elites irreflectidas que possibilitando embora um desenvolvimento epidérmico abdicaram do seu papel condutor para cederem à mediocridade instalada nas instituições sociais e do Estado. Os intelectuais, a universidade, a escola, a igreja, os políticos, os jornalistas e a economia abdicam do seu papel num Estado cada vez mais anónimo e repressivo que fomenta a destruição da classe média e deste modo a consciência cívica.

Um materialismo e um espiritualismo excessivos criam problemas em vez de soluções. São modelos dualistas que se excluem mutuamente. Também no universo religioso se encontram respostas mais ou menos problemáticas porque imbuídas do espírito dualista que reduz tudo à exclusividade. Se o Islão apresenta uma resposta cultural fechada, o cristianismo, que já satisfez a sua missão dos dois primeiros milénios, terá de se esforçar por encontrar uma resposta civilizacional universal aberta para este e para os restantes milénios. Se o islao implica a construção duma identidade fechada o cristianismo implica, na sua essência, uma identidade aberta. Para isso será necessária uma nova reflexão do religioso, aberta à mística em que secularistas e as várias religiões colaborem no encontro de respostas integrais. O Ocidente terá que redescobrir o cristianismo e purificá-lo de cargas culturais históricas para que a nova sociedade se torne compatível, à luz da fórmula trinitária, possibilitadora da interferência dialogal de materialismo e espiritualismo, tal como se realizou em Jesus Cristo. A alma do Ocidente, quer queiramos quer não é o Cristianismo. Esta alma purificada do domínio e da lei é a alma do mundo! A sociedade aberta será a consequência da verdadeira sociedade cristã, chamada a implantar e construir a relação nobre e nobilitante. Na fórmula trinitária não há discriminação nem a afirmação pela negação. Domina a relação da ressonância e da harmonia. A matéria Jesus não se rebela contra o espírito Cristo.

Toda a sociedade, toda a nação que reduza o religioso a um mero assunto privado desconhece a realidade e a complexidade da pessoa humana, não podendo estar à altura de lhe dar resposta aferida. A religião por seu lado precisa duma força secular que a impeça da tendência do abuso do poder ou da tentação hegemónica. A instituição religiosa é necessária também como correctivo do poder político que tende, por natureza, a instrumentalizar o cidadão. O problema tanto do chefe político como do orientador religioso é ambos cheirarem a próximo passando a política e a religião pela sua fraqueza individual e epocal.

Trata-se portanto de impedir fundamentalismos quer de carácter secular quer de tipo religioso e redescobrir, através dum esforço comum empenhado, os tesouros cristãos que se encontram entulhados debaixo da nossa civilização e que são património de toda a humanidade.

António da Cunha Duarte Justo

Mestre em Teologia

FUNDAMENTALISMO SECULAR E RELIGIOSO

Problemas de Legitimação da Democracia

António Justo

Todo o fanatismo esconde o seu rosto por detrás do véu duma crença. Mas toda a nação precisa do espírito tal como a vela, para o ser, precisa da luz. Um povo sem perspectiva metafísica definha e morre, tal como acontece com a planta sem sol.

A derrocada dos sistemas ideológicos e a ferocidade dum liberalismo, que nada respeita, criam na sociedade uma forma de vida desesperada. Para complicar a situação, Estados sem uma filosofia humana coesa que os sustente, deixam-se levar por um pragmatismo relativista na base duma sociedade mercantil desenraizada. A preocupação do Estado reduz-se na cobrança dos impostos e em fazer cumprir leis. O Estado liberal não conhece a comunidade, a pessoa, Deus; para ele tudo é relativo e o único absoluto, o único abstracto é o dinheiro. Daqui provém a gravidade da crise.

O espírito pessoal e a consciência de povo não aguentam ser reduzidos, a longo prazo, à soma das necessidades fundamentais materiais. Toda a ideologia sem metafísica se desqualifica como forma de vida satisfatória. A prova constata-se no surto do religioso que se observa na Rússia, na China e nos países mais desenvolvidos. Vive-se na contradição de exigência e realidade. Por todo o lado se observa uma fuga generalizada em metafísicas do mais variado género. O povo não admite que se lhe roube o seu único trunfo de subsistência, aquilo que nenhum Estado lhe deve roubar. O mundo islâmico constata que o avanço do Ocidente, sem um tecto metafísico que o una, conduz à decadência. Em contraposição aquele afirma-se apostando na lei natural, na metafísica e na procriação. Um fenómeno semelhante ao dos primeiros séculos do cristianismo no império romano. A sua fé revela-se mais forte do que o poder do nosso dinheiro, da nossa economia e tecnologia; têm porém um grande contra que é a sua falta de disciplina e a incapacidade de dar felicidade às pessoas já na terra.

O fundamentalismo é a consequência lógica da nossa sociedade, é um sintoma duma doença profunda da alma humana e da sociedade que a integra. Na Idade Média a religião informava toda a realidade social; então Deus ocupava todo o espaço humano. Hoje no mundo ocidental, a ideologia relativista/pragmatista passou a ocupar todo o espaço humano. Isto provoca reacções exacerbadas.

O fundamentalismo árabe dá-se conta disto declarando-se anti-modernista e reage contra um racionalismo, um pragmatismo e liberalismo que não deixa lugar para a pessoa humana, para o espírito. Está consciente da ideologia ocidental como caótica reconhecendo-a como extremamente perigosa para estruturas de poder estabelecidas. Por isso vê no secularismo ocidental o Diabo em pessoa.

É o medo de ser invadido por uma ideologia secularista sem lugar para a emoção profunda e para a religiosidade. De facto assiste-se a um absolutismo ideológico dum lado e a um absolutismo religioso do outro. As respostas duns são incompatíveis com as práticas dos outros. O mundo ocidental intelectual, numa fase já post-ideológica, reage com compreensão para este fenómeno, que com o tempo encontrará maior correspondência no seu meio, se não diagnosticarmos a tempo a nossa doença e não iniciarmos já uma terapia integral. Cada vez se reconhece mais que a realidade factual impossibilita um crer integrado para melhor se afirmar através da superstição, do preconceito. A política não é capaz de integrar os deserdados da terra nem as aspirações transcendentais destes. O capitalismo permanece porque consegue ajustar as necessidades do homem em contínua adaptação cultural. A imagem de Deus, como a imagem do homem é diferente de cultura para cultura e de época para época. Este facto leva muitos democratas a tirarem uma conclusão errada: fomentação duma democracia politeísta.

Se as pessoas, política e religiosamente, se tornassem mais espirituais e menos supersticiosas o fundamentalismo diminuiria. Se a espiritualidade aumentasse os problemas abrandariam e os políticos e chefes tornar-se-iam verdadeiros servidores (ministros) do povo. A pessoa espiritual é criativa reconhecendo o espírito que une todas as coisas. Para isso é necessária uma metanóia na nossa mentalidade a nível individual, político e eclesiástico. Não chega qualquer espiritualidade, é preciso um tecto metafísico que tudo cubra sem asfixiar ninguém. (Continua no próximo artigo com o título: “O problema da democracia é o problema de Deus”)

António da Cunha Duarte Justo

Mestre em Teologia