Esta  é a hora da Rússia
António  Justo
Os interesses estratégicos e  económicos do Ocidente colidem com as zonas de influência da Rússia. A União  Europeia, não pode permitir-se um confronto com a Rússia devido à sua situação e  aos grandes interesses económicos naquela região. Além disso a intervenção no  Afeganistão precisa de passar pelo território russo. Por outro lado os europeus  e os americanos fizeram o que quiseram intervindo na antiga Jugoslávia sem a  cobertura do Direito Internacional e sem respeitar os interesses russos nessa  região. A independência reconhecida unilateralmente ao Cosovo e fomentada pelo  Ocidente foi a última acha na fogueira da irritação russa. A humilhação da  Rússia com aquela separação da Sérvia exigia uma resposta dos russos. O ‘efeito  dominó ’ de separatistas cúmplices era de esperar; para mais numa zona comum tão  importante de influências. 
O Ocidente está muito preocupado  com o Iraque, o Afeganistão, o Irão e com o Paquistão que é um barril de pólvora  quase a rebentar. Entretanto a Europa tornou-se mais dependente da Rússia devido  à dependência do seu gás e pretensão de controlo dos gasodutos. Por outro lado o  Ocidente tem feito o que lhe apetece e agora a Rússia pensou que é chegada a sua  hora de também fazer o que bem lhe dá na gana. A Ossétia do Sul e a Abkhazia  oferecem o melhor pretexto para desestabilizar a Geórgia, aos olhos dos russos,  demasiadamente interessada na Europa. Neste conflito trata-se de assegurar  pontos estratégicos para a Rússia, os interesses das populações são sempre  desviados do caminho do poder e do mais forte, independentemente do credo  político ou geográfico. 
Com o escalar da confrontação  seguir-se-á o aumento da espiral do armamento mas sem o perigo da guerra-fria.  Para os “crentes” este é um momento de dolorosa desilusão porque afinal a Rússia  acorda e o homem não é tão bom como parece! A União Europeia vive do seu  crescimento económico, pelo que não se pode permitir qualquer confronto sério na  defesa de direitos humanos ou do direito internacional. Além disso, os  interesses europeus continuam divergentes, atendendo ao flanco mais nórdico e ao  flanco latino bem como aos interesses americanos e ingleses que por vezes  colidem. 
À EU resta-lhe a retórica, para  poder dar a impressão aos seus súbditos de que defende uma causa justa, numa  luta de interesses económicos e estratégicos. Na opinião publicada tem-se  atacado a Rússia de não cumprir o acordado com a EU na pessoa do seu presidente  Sarkozy; de facto porém, ninguém conhece o documento acordado. Só conversa, para  dar a impressão de que a Europa ainda consegue fazer alguma coisa. Isto porém  não passa duma dose para alimentar jornalistas. A Rússia não voltará atrás  atendendo aos seus interesses na Ossétia do Sul e a  Abkhazia.
No meio dos interesses globais  estratégicos das potências, a Europa é fraca, saindo agora mais enfraquecida  ainda. A fraqueza porém talvez seja a sua vantagem (oportunidade)! Alemães,  franceses e ingleses sentem-se demasiadamente interessados nas suas economias  para poderem afirmar-se perante a América e para estarem interessados nos  interesses essenciais duma Polónia, obrigando esta a ter de se encostar aos  americanos, tal como outros países da antiga cortina de  ferro.
O desejo da Geórgia e da Ucrânia  para serem incluídas na NATO torna-se assim mais premente mas mais distante. O  presidente da Geórgia Saakaschwili ao atacar a Ossétia do sul onde estavam  presentes 500 soldados russos cometeu um grande erro. A Europa e outras  potências hipotecam os seus interesses económicos e estratégicos pagando a  presença militar em estados como Cosovo, que, por si mesmos, não têm condições  para se afirmarem como estados independentes mas que serão o preço da desavença  das grandes potências e o problema das regiões fronteiriças.  
A Rússia com esta curta guerra  conseguiu destruir as infra-estruturas da Geórgia e impedir que o Nabucco –  gasoduto, que deveria trazer o gás da Ásia central para a Europa, saísse da zona  da sua influência. 
Assim a Europa ficará sempre  dependente do capricho da Rússia em questões de energia. A comunidade mundial  vozeará mas os interesses dos mais fortes vencerão à custa dos interesses dos  povos pequenos. Também a China não estará interessada em apoiar a Rússia devido  ao seu problemas com o Tibete e outros grupos separatistas. Por mais retórica  publicada que haja prevalecerão os interesses das potências, neste caso, os  interesses russos.
A EU terá de dar uma no cravo e  outra na ferradura atendendo aos seus interesses económicos na Rússia. Por isso  vários países da Europa de Leste se sentem mais seguros na companhia dos  americanos. Verdade é que, já pelo facto geográfico, a Europa precisa da Rússia  e a Rússia precisa da Europa, para quando a China acordar, lhe poderem fazer  frente.
A Ucrânia tem razoes para tremer  perante a guerra russa na Geórgia. De facto as comunidades russas presentes na  Ucrânia constituem um bom meio para manter a nostalgia russa servindo de  pretexto para a Rússia criar lá centros de instabilidade. A Europa estará  disposta a sacrificar a Geórgia; o problema está no interesse geo-estratégico  americano.
Com a vitória russa a EU não  estará interessada em incluir tão depressa a Geórgia na NATO, pois a Europa já  está farta de guerras. Os novos amigos da NATO metem medo aos europeus! No caso  de conflito local toda a Europa estaria envolvida.
Assim, os direitos humanos e a  Democracia passam para assuntos secundários quando está em jogo o poder  económico e estratégico. Contudo, no leste, nos países de influência árabe e na  China, a democracia e os direitos humanos terão menos chance que no Ocidente. O  desejo do Ocidente por ver a democracia em toda a parte cada vez se torna mais  um sonho.
Com o desejo de autonomia dos  Bascos ninguém se interessaria porque não se encontram em linhas demarcadoras de  zonas de influência estratégica. Assim o Direito Internacional continuará a ser  tão torto como as linhas fronteiriças a que se aplica. Direito, em questões  “relevantes” é a razão do mais forte. O resto é retórica paliativa para pessoas  boas ou para o foro privado. O avanço histórico é sempre  ziguezagueado.
Portugal encontra-se demasiado  longe para poder perder ou ganhar neste conflito. Quem mais perde ou ganha com  isto é a Europa Central. Portugal e outros estados europeus encontram-se longe  do centro, para poderem ter qualquer influência ou uma palavra a dizer. As zonas  de interesse estratégico da península ibérica estarão na África e na América  Latina. 
Portugal precisará de congregar  todo o seu esforço político e económico para corrigir os erros ideológicos e  estratégicos cometidos no processo da descolonização das antigas províncias  ultramarinas. Para isso será necessária uma nova geração de políticos que não  esteja cúmplice na traição dos interesses económicos e estratégicos seguidos até  à revolução de Abril.
António  da Cunha Duarte Justo