Saúde é Harmonia

António Justo
Saúde resulta da harmonia entre espírito e corpo. A fé e a ciência complementam-se na sua tarefa de mobilizar a energia curativa da natureza. Se a ciência procura o sentido e as leis do mundo exterior, a fé procura sondar o sentido do interior do mesmo mundo e a relação entre eles. São duas perspectivas complementares da mesma Realidade. Há uma coerência entre os mundos, físico, moral, psicológico, fisiológico e espiritual. Criador e criado formam uma relação de destino comum. O criador é a força actuante da criação em relação íntima. Tudo se encontra em comum e a caminho.

Na descoberta da fonte divina no nosso mais íntimo, as fronteiras de nós mesmos passam a transcender o espaço e o tempo. Deixamos de ser o espectador à beira-mar, para, do sentir do seu marulhar, passarmos a ser a própria água, a essência. O que resta é ritmo e ressonância. Na minha respiração reconheço então o ritmo do vaivém das ondas e das marés…

Desta perspectiva o espírito passa a ter o domínio sobre os elementos, transfigurando-os mesmo. Ao reconhecer-me mar, o murmúrio das ondas já não me mete medo nem a sua infinidade me angustia. O que fica é a essência da água. Assim descubro a minha energia, o espírito divino que tudo enche e que reconheço também na neblina matinal, nas nuvens mais leves ou mais carregadas. Então a energia-vital assoma ao meu corpo tornando-se todo o universo numa orquestra cuja melodia ressoa em todo o meu ser, tal como o marulhar do mar. Aí, mesmo os acordes desafinados se tornam parte integrante da melodia universal.

A energia positiva tal como a negativa é contagiosa. Se nos ficamos apenas pelo âmbito dos fenómenos, a realidade continuará a parecer contraditória: dum lado a terra do outro o mar, dum lado a matéria, do outro o espírito. O problema geralmente está na nossa cabeça, no mundo da ideia. Esta pode ser o princípio do problema ou o princípio da sua solução. Se não fosse a ideia do bem quem suportaria a vida? Aquela predispõe-nos para uma compreensão participativa das leis que nos governam e regem o universo. Tudo é energia em relação, tudo é espírito, tudo se reduz à realidade trinitária! Trata-se de superar o diálogo para entrarmos no triálogo…

Tudo se influencia num relacionamento mais ou menos materializado semelhante às forças que regulam os astros. A Lua na sua inocência distante influencia as marés e mesmo o sucesso das sementeiras, tal como a donzela atrai o jovem na sua graciosidade, tudo gerando à volta do Sol, do Espírito, na força do amor.

Assim como uma ventania arrasta o negrume das nuvens que encobre o Sol assim os problemas podem encobrir o brilho do nosso espírito a ponto da nossa alma ficar só na escuridão. O que se dá no macrocosmo acontece no microcosmo. O que se dá no espírito reflecte-se no corpo e vice-versa. A experiência revela-nos que um espírito bom, um simples abraço, uma palavra, um olhar, um sorriso podem provocar alterações fisiológicas positivas inconcebíveis em cada um de nós.

A própria imaginação da saúde já é suficiente para movimentar em nós as energias curativas jacentes. A abertura ao divino, à ipseidade desbloqueia as forças do espírito. Ao reconhecer que Deus me é mais íntimo que eu mesmo entrarei na sua unidade, reconhecendo-me como espírito. “Eu e o Pai somos um”. Do âmago do meu ser jorra então o espírito por todos os poros do meu ser: o alvorecer do espírito em mim alumia e vivifica toda a paisagem do meu corpo e os meus horizontes.

Deus não pôde impedir a doença mas pode dar-nos novas capacidades, dar-nos força para a aguentar ou mesmo sarar ou mudar estilo de vida. Mesmo quando todas as luzes cá fora se apagam, no meu íntimo resta a minha luz, a luz divina que tudo iluminará. A força do amor é a força que nos alimenta e nos alumia o caminho. O deus demiurgo só cria, o nosso Deus também ama. Este amor foi-nos transmitido para podermos interferir no processo da criação.
Não se trata de merecer ou de ser ouvido nem de se fixar na ideia duma oração mas de estar predisposto e aberto. De facto não se sabe porque é que uns se curam e outros não. Importante é abrir-nos para possibilitar em nós as potencialidades que a natureza traz em si mesma. Para isso procuremos mobilizar a nossa intuição e a nossa razão no sentido de alcançar a saúde. A união com Deus tornar-nos-á fortes activando a força da vontade para agirmos no sentido da cura. O sentido da meditação ou oração é possibilitar o contacto com a natureza e com o próximo.

Então recolho-me no silêncio do meu quarto, entro dentro de mim mesmo para dar lugar à harmonia, num exercício de eutonia, ouvindo música, o silêncio, ou o respirar do universo. O processo de alívio e cura realiza-se na harmonia do meu expirar e inspirar. A paz invade-me ao sentir a plenitude do ser. Ao poder do espírito nada resiste. Neste ambiente é-me mais fácil reconhecer as causas da minha doença. Ao centrar o espírito sobre a minha sombra, sobre a parte dolorosa, a sombra e a dor, esvai-se donde se tinha aninhado. O espírito divino manifesta-se como a brisa primaveril que dá vida às flores do campo e estimula o chilreio dos passarinhos. O mesmo acontece na relva do meu ser então agraciado com o sol do Espírito. Então acordo rejuvenescido na consciência de que a vida precisa de mim. Reconheço que as plantas ao sol vivem mais, são mais saudáveis. O sol dá-lhes saúde e motiva o sentido. O sol do meu espírito inebria-me de tal modo que em toda a minha paisagem reconheço o Sol que me vivifica. Então um sentimento de segurança surge na minha alma e a impressão de ser necessário prolonga a minha vida na consciência do seu sentido.

As condições da nossa vida, as intempéries corporais ou psicológicas têm a sua causa no nosso espírito e no seu modo de se relacionar com as coisas. Do olhar e da nossa atitude de alma dependerá o tempo, o clima da paisagem, a nossa maneira de ser e de estar. Se o meu olhar é puro, a paisagem humana à minha volta não perturbará o meu humor. De facto, quando estou mal-humorado vejo o mundo turvo e transmito a minha agressão ao outro que inconscientemente se encontra com ela e não comigo mesmo, e vice-versa. Geralmente vivemos no desencontro de nós mesmos, no desencontro com os outros e com o mundo. Em vez de nos encontrarmos com o outro, encontramo-nos com a sua sombra. O problema não está na aranha mas no medo que se tem dela, na própria projecção! Lamentamos o sombrio rosto do vizinho, sem notarmos que ele se encontra sob a nossa sombra.

O medo e a insatisfação são como um íman que atrai as coisas mobilizando as forças negativas. Em vez do medo é preciso dar espaço à coragem, à confiança, à energia positiva que oportunamente se mobilizará. De facto o medo, o olhar desconfiado predispõe e paralisa. O medo e a excitação desviam-nos da Realidade e roubam-nos energias impedindo o fluxo da vida. Para que as ideias se tornem forças positivas pressupõe-se a iniciativa da vontade. Se procurarmos o bem, encontraremos o bem, se procurarmos o mal encontraremos o mal. Não podemos transformar-nos em caixote do lixo dos nossos queixumes nem tão-pouco no caixote do lixo dos outros. Trata-se de abrir as cortinas do nosso espaço e do espaço dos outros para que o sol entre. Então surgirá a brisa da inocência, da bondade e do amor que tudo quer abordar e inebriar. Então o vento das preocupações e dos desejos amainarão. “Olhem os passarinhos do campo…”. Eles seguem a ordem das coisas sem as complicarem com pensamentos ou emoções. Senão vejamo-nos ao espelho ou olhemos para a pessoa amada. O amor e a paz tornam-nos mais belos! O mesmo se verifica na harmonia do rosto das crianças ou no seu olhar, no trato do dia a dia ou quando lhes damos o “bom dia” inesperado ao passar por elas. Quando o nosso amigo nos fala das suas mazelas porque as fortalecemos acrescentando-lhes as nossas? Se um Cristo abandonado me encontra, talvez eu possa ser nesse momento a sua oportunidade, a sua outra parte, o Cristo ressuscitado. Se me conheço na totalidade, e se conheço o mundo só me resta perdoar e abençoar no amor…

Antes de nós está a ideia. Ela vem do espírito que é o fundamento de tudo. A ideia é com um magnete que conduz à acção. Se mantivermos a mente jovem o corpo manter-se-á jovem. Quem trabalha com crianças facilmente notará que estas se entusiasmam pelo educador independentemente da idade ou da aparência física deste. Condição é manter-se um espírito alegre, puro e aberto. Num ambiente despretensioso, dá-se então uma osmose, uma troca de vitalidade entre corpo e alma, entre as pessoas em relação.

A companhia de pessoas soalheiras, incomplicadas e optimistas favorecerá a fluência da energia positiva nas nossas veias e nos nossos nervos. Principalmente nos momentos em que nos sentimos mais fracos. As plantas não gostam da sombra; na sombra não se desenvolve a alma nem o espírito. Para tratarmos o corpo temos que começar pelo espírito. Na descoberta do sentido seremos o médico preventivo de nós mesmos. Então o nosso biótopo será mais harmonioso e nele raiará o sol e os passarinhos virão beber e espraiar-se na nossa fonte.

As más ideias, a fixação na doença ou na morte é como um vírus contagioso que infecta o corpo e a alma. A nível psicológico, no relacionamento com pessoas, certamente que cada um de nós já fez a experiência pela positiva e pela negativa. Se a pessoa é negativa e só fala de problemas, de doenças, da maldade dos vizinhos, o nosso espírito turva-se e vamos carregados e sombrios para casa. Pelo contrário se estávamos tristes e tivemos a dita de encontrar uma pessoa positiva, vamos mais aliviados para casa. O mesmo acontece na relação corpo espírito. Se o nosso espírito é pessimista e negativo, o nosso corpo inibe-se favorecendo o aparecimento dum sintoma corporal ou espiritual correspondente.

Naturalmente que também há males corporais que influenciam o espírito e acabrunham a nossa alma. No caso de doenças hereditárias a questão complica-se, mas também aí o espírito pode vir a dominar o corpo, ou pelo menos a activar os mecanismos de defesa fortalecendo o sistema imune. Não é empresa fácil a reparação de defeitos na malha das células e dos cromossomas. Aí precisa-se de muita força e também da ajuda exterior para se não tropeçar e não se tornar vítima. O espírito está por detrás de toda a mutação. O próprio tubérculo no recanto mais escuro dirige o seu embrião na procura do sol. A mais frágil semente chega a romper a dureza do alcatrão para avistar a luz do sol. Nós, pelas mais crustas da doença ou da desgraça que tenhamos em nós, conseguiremos descobrir o sentido da vida, o sentido do espírito, se nos abrirmos a ele.

É importante fortalecer o sistema imune interior. Se quero ver o Sol deixo de olhar para a sombra. Esta apenas pode ser um momento curto que me dá a oportunidade de descobrir a direcção do sol, que se encontra na direcção contrária. O mal, o ódio, a vingança, a doença, os maus pensamentos, o pessimismo, o desânimo, a inveja são zonas húmidas e sombrias propensas a todas as doenças parasitas do espírito e da vida.

Muitas vezes andamos encandeados pela vida sendo puxados por ela como um cão pelo seu dono. A necessidade, uma desgraça, tem, por vezes, o sentido de nos acordar para nós mesmos e de nos predispor para mudarmos o estilo de vida. Com as coisas que trazemos na cabeça e com a rotina perdemos a vida. Ninguém é culpado disto ou daquilo.

Tanto tu como eu, temos uma natureza comum, somos filhos da divindade! Participamos activamente da divindade do Pai e do Filho através do Espírito em nós presente. O Espírito, o Sol está em nós mesmos. Cada acto de esperança e de confiança é uma abertura ao raio de sol a passar pelo ramalhal da tristeza e do desânimo. As virtudes maiores são a ‘fé’, a ‘esperança’ e a caridade: a harmonia no amor; aquelas preparam esta. A melhor medicina é o espírito que nos conduz ao amor. “Em Deus tudo é possível”. A doença pode ser uma ponte para nós mesmos, para os outros, para Deus em tudo e em todos.

António da Cunha Duarte Justo
“Pegadas do Espírito”, Kassel, 2008

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António da Cunha Duarte Justo

Actividades jornalísticas em foque: análise social, ética, política e religiosa

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