A Cruz com A Cruz – Simbologia e Realidade

Na Itália uma senhora muçulmana conseguiu em primeira instância ganhar um processo contra a cruz na escola que sua filha frequentava. O tribunal superior revogou a decisão do tribunal da instância inferior.
Em Portugal, em Abril passado a Associação República e Laicidade denunciou ao Ministério da Educação 20 casos de cruzes em salas de aula, solicitando a sua retirada. O ME, sem consultar as comunidades escolares, numa acção de desrespeito do próprio e de respeito pelo alheio determinou que as cruzes fossem afastadas.
Ideólogos ignorantes e pseudo-iluminados multiculturalistas encontram-se por toda a Europa em campanha contra a cruz, símbolo dos oprimidos, muitas vezes instrumentalizada pelo poder religioso, por marxistas materialistas que se apoderaram da cruz reduzindo-a à cruz comunista do martelo e da foice, pelos nazis com a cruz suástica ou pelos satanistas com a sua cruz invertida bem como por aqueles que querem o ser humano de braços abertos, indefeso e crucificado nas lixeiras dos povos. Por toda a parte a cruz com a cruz!…
Os que hoje proíbem a cruz amanhã proibirão a presença de deficientes nas festas e não tolerarão os pedintes nas ruas, onde a cruz é mais visível. Como não aceitam a própria dor nem o sofrimento que causam também não aceitarão a cruz. Esta é o símbolo dos que sofrem e por isso uma provocação. Eles não se encontram sós. Nela se derribam todos os muros rássicos, religiosos, culturais e individuais.!… Contra a absolutização do poder, do direito, do capital, do consumo e mesmo do racionalismo. Ela relativiza tudo, é também um princípio de dúvida metódica ao mundo da razão. Ela rasga o véu do templo, a verdade dos dogmas e a consistência das leis…
A reacção agressiva à cruz é consequência dum modo de vida e dum projecto. Os dançarinos do sonho “multicultural” actuam com preconceitos contra símbolos cristãos, contra tudo o que cheire a povo. Querem um Homem mutilado, uma imagem de Homem de cabeça baixa sem a perspectiva transcendente.
Uma vez no poder, já não lhes chega carregar o povo com a cruz diabólica como até lhe roubar o seu sinal de honra e de dignidade humana. Eles comem tudo. Eles comem tudo e até dos restos têm medo, não querem vestígios. Eles querem para os outros apenas a cruz do trabalho e da desonra e não suportam a cruz sinal de protesto dos fracos e sinal da sua dignidade. A tal chegou a arrogância e a ignorância do poder, que nem sequer os ossos deixa para os seus súbditos. Querem um povo sem espinha dorsal, querem apenas súbditos, querem fiéis pelintras de joelhos mas alegres e sem memória, distraídos, à sua porta, à sua procura, à procura do eu ou da ilusão sem sentido. Por detrás do combate às duas traves cruzadas esconde-se, por vezes, o medo inconsciente de se descobrir o próprio arquétipo de si mesmo que é Jesus Cristo, que é a cruz. Este símbolo não é indiferente porque pessoal e real e porque pressupõe uma consciência de ser humano que já não se pode desculpar perante um Deus distante mas pressupõe um pedir desculpa perante si mesmo, perante o povo, perante a natureza e perante um Deus pessoal; têm medo de entrarem no seu íntimo, de descobrirem a imagem protótipo, a sua realidade também actuante nos outros. Prisioneiros de sistemas aparentemente lógicos não querem transpor a realidade do dia a dia e na sua filosofia confundem a meta da vida com a auto-descoberta. A realidade da cruz aponta para a vida para lá de imagens fixas, do poder de maiorias ou ortodoxias, tendência ou moda.
A Cruz deslegitima todo e qualquer poder do homem sobre o homem….provenha ele de fonte política, religiosa ou material, seja em nome e por obra de quem for. Muitos reduzem-na à simbologia dos abusos praticados em seu nome e ao poder farisaico e presumido duma igreja extremamente oficial petrina.

Simbologia
A cruz é um símbolo universal que se encontra em quase todas as religiões e culturas sob uma ou outra apresentação. É um símbolo que pertence à humanidade e não apenas aos cristãos… A cruz já se encontra documentada desde há 14 mil anos. Para os egípcios (Ankh) era sinal de vida e de imortalidade; a cruz suástica na Índia é sinal de salvação e de bênção e na China é símbolo de felicidade, infinito e sol. Ela foi o símbolo do nascimento da nacionalidade portuguesa, era o símbolo usado na primeira bandeira portuguesa, fazendo ainda hoje parte dela, embora de forma mais discreta. A cruz é o sinal principal da bandeira Suiça, etc. É instrumentalizada pelas mais diversas ideologias: nazismo, comunismo, satanismo, etc.
Passarei a referir-me ao símbolo da cruz na civilização ocidental.
Para os cristãos é o símbolo dos símbolos, o símbolo da totalidade e do equilíbrio. Ela consta duma linha vertical que une a terra e o céu, duma linha horizontal que indica para o mundo, para os outros e dum centro que une os opostos. Como imagem do Homem, é um sinal do seu antagonismo, um sinal de amor e de protesto contra a dor, de luz e treva, um sinal positivo, uma fórmula, uma chave para a vida.
Torna-se também um símbolo da ordem material e espiritual – o seu centro – que abre e possibilita novas perspectivas, novas dimensões da realidade sem preconceitos espiritualistas ou materialistas. É um convite ao Homem para se tornar humano. Ela está para uma fase superior da humanidade e da História com uma nova ideia de Homem e de Deus. Ela é símbolo de vitória duma nova maneira de ser e de estar no mundo, ou melhor ainda uma nova maneira de se ser e sentir mundo. Para os cristãos até ao século V ela era sobretudo um símbolo de alegria, de vitória. Os romanos reservavam a crucifixação na palestina para os amotinadores, os que se revoltavam contra o poder político de Roma. A oligarquia romana não suportava que os cristãos usassem a cruz como sinal de salvação, de vida e colocassem a cruz no centro da sua existência, quando eles a viam como um sinal de rebeldia e a usavam para matar os insurrectos.
Através do Cristo nela triunfam os fracos e fracassados sobre os poderosos, sobre a morte, sobre o mal. Os poderosos e candidatos ao poder têm medo do sinal da cruz. Têm medo de assumir responsabilidade pessoal, têm medo dos crucificados que se poderão libertar num processo de Sexta-feira para Domingo da libertação: por trás dum crucificado há a “ameaça” dum ressuscitado. Nela se supera a “morte” e a humilhação. Mais que um símbolo da morte ela é símbolo de vitória e de vontade de viver (neste sentido também da teologia da libertação e da teologia negra!). A cruz torna-se por sua essência invencível, um sinal de vitória, a árvore da vida e da sabedoria…Daí a sua fascinação, também como escudo invisível protector e como expressão duma consciência livre para lá dos poderes institucionais estatais ou religiosos, em que os governados, os abençoados é que deviam governar e abençoar. A cruz é um sinal protector que protege das más forças e das influências negativas das pessoas presencializando a energia, a vida, o amor divino. O bem, a felicidade não se reduz ao prémio de leis ou regras cumpridas, nem a estatutos sociais.
É um símbolo universal de bênção, vida, felicidade, protecção e realização; tem uma parte luminosa e outra desagradável; ela é dor desesperada, dor assumida, é bênção, é revolução, vida e morte, força e fraqueza; ela une o espírito e a matéria, o céu e a terra, reconcilia a contradição. Ela está para o ser humano entre o céu e a terra na vertical, o amor e o ódio na horizontal. Nela, como imagem do ser humano, se reúnem e unem as contradições. Liga Deus e o Homem, homem e mulher num só, acabando com as diferenças radicais entre a vida e a morte, nela se opera a“recapitulação do universo”, dá-lhe consistência; o Homem de braços abertos realiza a cruz, como afirmavam os padres da igreja do século II. Na sua horizontalidade o ser humano torna-se aberto e frágil o berço da vida. Na cruz a glória é martirizada e a fraqueza reabilitada. Ela torna-se a nova lei da evolução que conduz à Libertação enquanto que os poderosos a nível pessoal ou institucional querem é seguir a lei da selecção, que dá lugar aos mais fortes e os legitima no seu roubo ao crente, ao cidadão. Ela condena o furto da humanidade e da divindade aos outros, e o seu uso para fins quer individuais quer institucionais. A cruz não contemporiza com “os sanguessugas” do corpo nem com”os sanguessugas” da alma. Como sinal contraditório provoca: A cruz é o símbolo da unidade dos opostos. Com Jesus Cristo, significa a inversão dos valores políticos, sociais e religiosos. Isto fere profundamente quem vê a realização das suas esperanças no poder, na glória e na exploração. A cruz está para o contrário. É um sinal de rebeldia perante o poder estabelecido ou a estabelecer-se porque leva a pessoa e a arraia-miúda a afirmar a dor que tem de superar e não de suportar, numa economia de transformação. Isto traduzido para texto claro significaria que nas escolas e lugares públicos não deveriam estar só as fotografias de presidentes e autoridades mas sim a fotografia do povo… A melhor fotografia que melhor identifica e perpetua o povo é a cruz, o crucifixo. Os que vivem do sistema acreditam no brilho do ouro, no poder e querem um povo, a eles agradecido, sem esperança, de cabeça virada para o chão da necessidade e da dor. Neste sistema não se distinguem os poderosos de estados, religiões ou instituições. A situação do povo, de estados e de hierarquias religiosas continua essencialmente igual à de há 2.000 anos. A cruz já conseguiu muito no desenvolvimento do Homem e das civilizações; falta-lhe realizar o salto qualitativo iniciado e realizado por Cristo, a passagem de Homem-objecto para Homem-sujeito.

O Significado da Cruz na Teologia
Já Paulo dizia que a Cruz era o sinal de contradição, um escândalo: a loucura dum Deus humilhado e da humanidade divinizada. Esta realidade, esta mundivisão transcende todas as sabedorias por mais razoáveis que se pretendam. À sua sombra se desenvolveu a maior civilização da humanidade que alguns querem decadente, sem alma nem identidade.
O crucifixo, cruz com corpo crucificado, só aparece no século V. A cruz era sinal de vitória. Até ao séc. XIV (cruz e crucifixo, sinais do cristão) era mais o sinal da libertação e ressurreição. A partir daí a apresentação de Cristo sofredor torna-se cada vez mais exagerada e mais unilateral (esta mudança de perspectiva tem também a ver com a situação de sofrimento criada pelos povos bárbaros nas populações e com a sensualidade e sentimentalismo crescentes).
A cruz é protesto contra todos os poderes. Coloca o Homem completo no centro do ser, do acontecer. O ser humano não se define pelo seu estatuto religioso ou civil, nem pelo seu poder-trabalho-êxito nem tão-pouco pelo sucesso ou reconhecimento mas pelo seu ser jesus-cristo, pelo seu ser de pessoa humano-divina em relação. Na dinâmica da realidade trinitária, tu-eu-nós num só. O ser divino no ser humano é muito mais que uma tatuagem ou um carimbo indelével que confere personalidade e dignidade. Na realização da cruz, o mundo consome-se em Deus, o ser humano sofre as dores do mundo na agonia de Deus a caminho, o Homem na evolução, remindo o mundo no processo da libertação.
Na cruz a própria escuridão brilha, a fraqueza vence o poder. A lei da selecção é superada pela lei do amor, numa relação trinitária em situação de cruz; a necessidade já não cria o órgão porque esta se realiza na ágape. A lei reguladora da realidade material e espiritual e a sua percepção deixa de ser considerada dialéctica para se tornar trinitária, numa dinámica relacional-pessoal personificante. Trata-se de uma superstrutura superante que sublima natureza e cultura na caminhada evolutiva do encontro relacional consciente.
A cruz cruza todas as nossas ilusões, conceitos e imagens. Quem a assume encara de frente o dia a dia das contradições da existência de forma activa e livre em acto de divinização do mundo. Na sua fraqueza e abandono o ser consciente responde com o amor que sublima todo o universo num processo de Alfa para o Ómega, da encarnação do divino para a divinização da matéria na ressalva da personalidade individual tal como na trindade.”Eu atrairei tudo e todos a mim”Jo.12,32; através da cruz dá-se a metamorfose no amor; de braços abertos, de coração aberto, abertos ao mundo em Deus se realiza a transformação de tudo em todos, realiza-se a globalização da encarnação e libertação, a realização do ser, da cruz convergente, no seu centro criador. Cruz e trindade tornam-se um. A cruz torna-se sinal e realidade do amor divino na terra e do amor da terra em Deus, do amor na humanidade. Com a cruz cria-se uma nova maneira de ser e de estar em sociedade, nasce uma espiritualidade nova para lá de dogmas, de sentimentos piedosos e de partidos. Em Jesus Cristo condicionador e condicionado no processo da libertação não apenas paradigmática ou histórica através da morte na cruz que é reveladora do processo existencial individual e global de indivíduo e mundo numa caminhada teleológica em que a criação se realiza em Jesus Cristo o Ómega. Deus, ser humano e natureza, de mãos dadas, a caminho na realização do mistério de deus, o horizonte do ser. Na ressonância do eco do chamamento e na lembrança da relação no Tu, penetro no abismo do meu eu de ser imbuído na Tua realidade e aí aconteço, realizo Belém em Jerusalém. Aí Deus morre em Jesus e o Homem liberta-se no Cristo. Assim torna-se real e visível na História o processo da salvação (libertação), o processo da humanização do ser humano, não só como arquétipo do próprio eu e da humanidade a caminho, mas sobretudo como processo dialógico Deus-Homem, pobreza-riqueza, Deus-matéria antevisto e concretizado em Jesus Cristo, o ponto Ómega da evolução do ser. O ser humano torna-se actuante na realização de tudo em todos, na convergência para o ponto Ómega, a realização total da evolução. Deus não só se revela em Jesus Cristo, nele celestialmente a terra, o reino de Deus, o ser do Homem. Jesus, a terra, na saudade de Deus, segue o seu chamamento como chamamento de Deus ao Homem e deste à criação. Deus, Jesus, o ser humano, não perdem a sua personalidade própria; nela realizam o chamamento absoluto no amor trinitário, mais que fórmula ou arquétipo do homem e do universo em processo e prolongamento do calvário (no salto auto-realizador) até à vitória do amor (o espírito de tudo em todos). Como Deus interviu na História e realizou a encarnação, assim o homem, a natureza, realiza a sua natureza na divinização através da “morte”, da entrega. Tal como acontece com Cristo assim é com o ser humano que, no abandono de Deus e dos outros, se entrega incondicionalmente no Tu, sem se agarrar a qualquer coisa e assim participar e realizar a cruz de Cristo numa dinâmica de perdão e de redenção. Neste sentido, na intercomunicação de tudo em todos, de todos em tudo, a criação inteira grita em conjunto o grito do calvário “meu Deus, meu Deus porque me abandonaste” e assim realiza, passo a passo, a evolução (o calvário) para a divinização. Na encorporação da entropia, encarnação e divinização – encorporação do espírito no processo da libertação para a divinização – união, a cruz é ao mesmo tempo processo e consumação. Neste sentido o ser humano e o ser cristão na sua generalidade ainda não descobriu o seu novo ser de ser divinizado. Por isso as estruturas económicas, políticas, sociais e religiosas continuam a desalojar o Homem dos seus meios aceitando-o apenas como proletário, cliente, súbdito ou fiel no sentido da tradição do Antigo Testamento à margem de Cristo e da mundivisão superior. Em Jesus Cristo torna-se presente e visível o ser do Homem e todo o processo da criação e da evolução. Na experiência do perdão o Homem perdoa como Deus perdoa na Cruz ao revelar o totalmente outro. Nela ele actualiza e presencializa a libertação tornando-se redentor actuante no inconsciente do mundo imanente. Nesse encontro revela-se a realidade de Jesus Cristo num acto de personalização: uma espécie de nascimento numa experiência de dor gozosa do “ em tuas mãos entrego o meu espírito”. A resposta ao chamamento é intercomunicativa e solidária. A cruz é assim vivida, como estrutura base do nosso ser, como lei imanente ao mundo e ao divino. Através de Cristo o mundo é crucificado e libertado nele. Corporalidade e espiritualidade são reconciliadas e totalmente aceites no anonimato do ser cristão que não quer salvar a corporalidade mas aceita a metamorfose do divino na matéria e vice-versa.
Deus, a morte e o próprio mundo são incompreensíveis: só se podem experimentar e apreender na sua totalidade numa perspectiva de cruz vivência. A nós resta-nos participar no destino de deus humanado em Jesus e de Jesus divinizado no Cristo na doação recíproca de Deus e Homem, de Deus e mundo na realização fatal do ser interior da cruz. Deus e Homem estão unidos no mesmo “fado” para lá de culturas, religiões, raças, credos e nações…
Trata-se de um Humanismo aberto, sem atalhos e sem becos sem saída que exige o salto da própria comodidade e certeza no abismo do mistério que é o ser humanos, a criação.
O crucifixo é sinal dum humanismo que não escolhe o atalho da própria certeza, expressa um sentido que não passa ao lado da morte, da cruz, sem a encontrar. O crucifixo é o local real, fora do palco do tempo e do espaço onde culturas, mundivisões se reduzem ao papel de cenários, pontos de partida para o tal salto no escuro, que possibilita a luz, a realização no amor. A liberdade assume a morte e realiza-se no amor; aqui a vida já não causa angustia. No fracasso da cruz torna-se visível a diferença entre pretensão (exigência) e realização. Na cruz tornámo-nos humildes e reconciliamo-nos; nela aprendemos a encarar e aceitar os nossos defeitos. Ela não só na liberta de algo mas liberta-nos principalmente de nós mesmos para nos encontrarmos no âmago da existência connosco mesmos.
Na cruz se intersecta Céu e terra. Ela é pergunta e resposta, processo na realização da realidade trinitária. O Homem no seu andar direito, ao contrário do macaco, está convidado a ver a realidade da perspectiva entre céu e terra, entre matéria e espírito e não apenas sob a óptica da terra ou do céu, e a ter uma visão realista, a tornar-se responsável pela terra e pelo seu futuro humanizando-se, humanizando-a no sentido da encarnação e da libertação.
Cada época procura interpretar a realidade, o mistério da cruz, numa linguagem adaptada ao sentir do tempo e assim melhor facilitar a expressão da experiência e vivência de cada um ao nível da própria percepção. A realidade transcende porém a percepção num processo dinâmico de correlação. Por vezes as exterioridades determinam de tal modo o nosso dia a dia que tornam cada vez mais desproporcionadas as vertentes horizontal e vertical da cruz.
Com Cristo, o ser ganha uma nova dimensão e consistência; nele os condicionalismos existenciais alienadores, o mal, a pobreza são sublimados. Esta é a dignidade e a missão humana, constitutiva no acto de realizar o mundo, de presencializar a salvação. A sua aceitação leva à sua transformação. Por outro lado o reconhecimento do chão firme do mal possibilita o poder erguer-se e reconhecer o terreno pantanoso alienador e inconsciente do dia a dia na cedência à lei da adaptação, da entropia. A aceitação da contradição possibilita a libertação, que acaba com absolutos materiais e espirituais ou com qualquer sujeição servil; dá lugar a uma consciência de pessoa digna, realizada, que se aceita como é, sem complexos e assim se torna fonte de alegria e de realização. Na cruz não há lugar para os puros, aí não têm consistência nem o espírito em si nem a matéria em si. Aí os dois cruzam-se na fusão e reconciliação de matéria e espírito originando uma nova identidade numa dinâmica trinitária(não dialética). Nesta união já não há escravo nem senhor, aquém nem além, aqui nem acolá, espírito nem matéria, bem nem mal… Estes tornam-se estádios, momentos dialéticos transponíveis, camadas processuais em diálogo relacional qualificado na totalidade do ser original. Não há mais lugar para fronteiras, limites, contornos, nem definições absolutas. Desaparecem todas as estruturas, mesmo as religiosas, acabando-se com os contornos mesmo entre Homem e Deus, não se absolutizando nem a finidade nem a infinidade, tudo é processo dialéctico no sentido da realização da realidade trinitária. Neste estado de consciência “global” o ser, o agir é resultado e causa, é criador-criado e redentor. Neste sentido a cruz não só se torna medida de todas as coisas como se manifesta como a estrutura de tudo em todos, o lugar da encarnação de Deus e da ressurreição da carne, numa outra “realidade”.
Nos momentos de alienação a nível estrutural e individual (momentos de apropriação e instrumentalização do espírito, da terra e do Homem) torna-se importante o olhar da cruz para nos colocarmos nela e de novo nos assumirmos como crucifixos. Então a cruz reflecte o seu brilho ao receber o meu, o teu corpo que a torna crucifixo e este se torna redentor. A cruz liberta-nos de tudo, mesmo de nós mesmos e de todos os poderes. Ela é o melhor símbolo contra a absolutização de qualquer poder e contra toda a alienação seja ela económica, política, religiosa ou existencial. Ela é um protesto, um apelo à liberdade e à responsabilidade de tudo em todos. É sinal e símbolo de que o limitado está vocacionado a ser aberto ao ilimitado como o ilimitado ao limitado. O crucifixo, tal como o mistério trinitário, em processo relacional, além de segredo, torna-se na fórmula que equaciona toda a “realidade” e a “realiza”, consome.
A Cruz não está disponível no sentido de qualquer interesse seja ele material ou espiritual. Nela desaguam todas as necessidades para se superarem; sim, mesmo a necessidade de salvação! Ela acaba com os conflitos das leis para as sublimar na lei do amor; contesta todo o poder, até o poder biológico que no grito por Deus da criação abandonada na cruz se revela o eco inicial criador de Deus a caminho com a sua criação. A cruz é o grito por Deus que trespassa toda a criatura no seu caminhar na saudade e desejo de presenciar o Reino de Deus. Ela é também a resposta cultural ao paradigma natural dialéctico. Na Cruz a natureza bruta é humanizada e liberta. Ela instiga à libertação e ao reconhecimento da divindade na natureza, à libertação da natureza na humanização da natureza e na divinização do homem. A lei fundamental do amor transforma não só a dor como até o mal, tudo passa a ter sentido.
Na cruz o ser humano atinge o máximo da sua individuação; ela é o luzeiro, o arquétipo que acompanha e ajuda o ser humano a caminho de si mesmo, a caminho do verdadeiro eu. Jesus na sua entrega total realizou o arquétipo humano que o ser humano e a humanidade estão chamados a realizar. Aí, o ser humano, a criação atinge o acto de pura consciência através do último grito, da dor que é a chave que transforma a cruz numa porta aberta…que acaba com o contraste, com o antagonismo e a bipolaridade. Estes reduzem-se então às passadas a dar no caminhar evolutivo na realização do ponto Ómega.
O ser humano em gestação
A dor, a catársis ganham então um sentido a partir do desfecho da cruz. Todo o acto criador surge dum parto original que se repete e só é possível na dor aceite. Da dor aceite surge a vida, a luz. O ser consciente que perscrutou o ser e a existência através da janela da cruz não se pode colocar debaixo da cruz dos outros vivendo à sombra dos outros; isto constituiria a alienação duma vida não vivida, quando muito em segunda mão!… O ser humano na sua auto-realização, no seu tornar-se consciência, sofre as dores de parto da humanização de Deus em si, tal como Jesus sofreu a sua divinização no Cristo (Processo encarnação-morte-ressureição). A cruz é passagem, tal como a Páscoa, é Domingo, o centro das linhas horizontal e vertical. A cruz dá à luz um novo Homem. O ser humano é o lugar privilegiado onde Deus nasce e brilha, onde a criação se realiza e completa, é o filamento da lâmpada sem o qual não haveria luz! Sem Deus também o filamento não iluminaria. É o destino de duas realidades numa só: a luz!…No filamento sofredor transforma-se e brilha.
A cruz está para todos os que sofrem, é um relâmpago na escuridão. Ela possibilita o abraço que a torna crucifixo… Ela dá sentido aos oprimidos leva-os a dizer aos seus exploradores: “perdoai-lhes porque não sabem o que fazem”. Isto vale tanto para os exploradores do espírito como para os exploradores do Homem e da natureza. Ela é o símbolo dos que sofrem e por isso uma provocação e uma deslegitimação do poder e de todas as ilusões…Ela é também um apelo à libertação de todos os medos e dos negócios com eles; liberta também do negócio com a morte e daqueles que a querem ver reduzida ao símbolo da morte.
A haste vertical une o céu à terra, a horizontal é abertura, solidariedade, leva-nos à comunidade no abraço global no encontro do coração da cruz, no ponto de intersecção de tudo em todos e de todos em tudo… A salvação não pode ser unilateral nem apenas um acto de consciência adquirida, ela é o relâmpago que rasga a escuridão e o trovão do amor que fica. A cruz és tu, eu, o mundo a caminho!

© in “Ideias Peregrinas” 2005
António Justo
Teólogo e pedagogo
Tel: 0049 561 407783
E-mail: a.c.justo@t-online.de

António da Cunha Duarte Justo

Acerca dos Bronzeados pela Torreira do Sol de 25 de Abril

No Rescaldo do Discurso sobre a Cruz
O estado de desenvolvimento duma cultura tem a sua origem na religião

Do discurso, além de alguns trovões tempestivos, sempre surgem alguns relâmpagos que ajudam a ver, por momentos, a realidade de sua natureza escura. Os militantes da cruzada contra as cruzes são também eles filhos, filhos pródigos do crucifixo.
Na discussão questiona-se o abuso da administração, que não tem legitimação para, por mero acto administrativo, decidir e consumar actos que a transcendem, que pertencem ao foro do parlamento e dos tribunais. A fidalguia democrática que nos governa não pode passar por cima das instituições! Uma certa elite de estrangeirados, bronzeada na torreira do sol do 25 de Abril, não se pode continuar a comportar como se vivesse em terra maninha. Com o seu à-vontade e auto-suficiência e o seu comportamento autista só prejudicam o verdadeiro progresso do povo.
Chega de atitudes levianas de puberdade tardia. Os problemas que Portugal atravessa são demasiado sérios a nível de economia, de saúde e de educação para se poder continuar, de ánimo leve, cada vez mais na mesma. O Estado deve garantir a autonomia das escolas. Se há alguém com voto na matéria são as associações de pais e de encarregados de educação de cada escola.
Não se põe em causa a argumentação de alguns com a neutralidade pública perante as religiões. A separação entre estado e religião é um apanágio dos países de raízes cristãs: dai a Cesar o que é de César e a Deus o que é de Deus. O que está qui em questão é o processo e o desrespeito pela tradição cristã. As outras religiões não põem em quetão a cruz porque ainda não têm grande implantação em Portugal ou quando muito constituem grupos relativamente reduzidos. O argumento com outras religiões é um argumento de mau pagador, só para desviar…
A neutralidade do Estado quer-se porém não só em relação à religião mas também em relação à contra-religião. Não deve confundir-se Estado laico com Estado laicista; neutralidade com intolerância. Sem respeito não há tolerância. O laicismo quer-se instalar no Estado como Estado confessional anti-religião servindo-se de „ataques bombistas“ querendo obrigar um povo religioso à laicidade. Querem a sua fé política no centro, no público e a religião só tolerada como coisa só privada.O paganismo secular apregoado por racionalistas e por marxistas materialistas tem um cunho jacobino dogmático sempre em campanha contra tudo o que tenha sabor cristão. É pena o desperdício de suas energias que poderiam ser dirigidas constructivamente no desenvolvimento da civilização ocidental e na revalorização e redescoberta dos seus valores. Estranho é que muitos dos críticos do cristianismo ou do seu folclore sejam pessoas que vivem do sistema e do povo…
O respeito pelos valores da diferença não é respeitador quando despreza ou se dá à custa dos próprios valores. Pelo facto de eu receber em casa a visita dum esquimó, o respeito pela sua cultura não me pode levar a pôr a minha esposa à disposição do hóspede, como será hábito na sua cultura. Muita boa gente inconsciente anda por aí a oferecer a sua alma, a pôr a „sua esposa“ à disposição. Perdoai-lhes porque não sabem o que fazem. Vivem do do dia a dia, só do pão.
Sob a bandeira dum estado laico, de laivos dum socialismo materialista, muitos protegidos armam-se em grandes contra o valor cultural nacional em favor dum internacionalismo desalmado. Inimigos camuflados da liberdade querem é destruir. Muitos vivem da guerrilha contra a maioria, alimentam-se da polémica e das zangas.
Em nome da liberdade usam a armadilha da opinião privada imposta. Não podem ver cruzes nas escolas mas aceitam com bons olhos e querem cartazes sexistas nas salas de aula. Não lhes chega que em muitos textos escolares esteja subjacente a desmontagem de certos valores culturais e tudo sob a capa do multiculturalismo ou do modernismo. Tomam o crucifixo como concorrente dos seus símbolos materialistas, dum punho cerrado, duma cruz foice-martelo, etc.. Querem criar vazios culturais onde possam incubar o paganismo e a superstição. Crentes pela negativa querem provocar para depois terem razão. Querem o paganismo politeista onde impera a lei natural, a lei do oportuno, a lei do mais forte.
Não se trata aqui de defender os interesses de negócio com o aquém ou com o além. O que se aqui questiona e o que aqui está em causa é a destruição paulatina da identidade de um povo, de uma nação. A boa intenção não chega. Muita gente quer um povo com uma identidade esquizofrénica, dividida. Seres equivocados confundem retórica com realidade. A realidade é que Portugal teve a sua expressão mais autêntica e mais produtiva da sua história nas épocas em que a sua identidade não se questionava e se definia sob o estandarte da cruz. Os tempos de maiores crises foram aqueles em que grupos oportunos se encostavam a Castela, à França ou à Rússia. Não se trata aqui de defender o status quo mas de procurar distinguir entre o acidental e o essencial em cada época histórica, num processo de integração e não de desagregação. Não importa aqui defender um ideologia seja ela a mais camuflada, trata-se de nos reconhecermos como pessoas e como comunidades, de um eu aberto e livre no discernimento e diferenciação dos espíritos, na construcção duma comunidade adulta com tantas religiões como as pessoas e com tantos partidos como os cidadãos. Já é tempo de Portugal viver desencostado e passar a ser consciente de que o preço do encosto é a própria dignidade. Não se pode continuar a assistir à privatização da cultura portuguesa, levada a efeito por deleitantes moralistas, sem uma discussão profunda e isenta. Não é suficiente que, um diparate cometido por um país considerado mais adiantado, já seja razão suficiente para que alguns iluminados irreflectidos ou alguns devotos do espírito do tempo se sintam legitimados a exigir que Portugal cometa os mesmos disparates.
O Estado na impotência de fugir ao ditado da economia internacional e no seguimento da política europeia cede à tentação de querer marcar presença desviando as atenções dos portugueses para questões polémicas como o aborto, a homossexualide ou o afastamento duns paus em cruz das escolas. Este é um discurso fácil e saloio, sem base científica, nem necessidade real, propício para levantar animosidades, proselitismos de luta, como se estes constituíssem os reais problemas da nação. Esta é uma maneira simplista e simplória de se marcar presença no povo. Isto porém não passa de masturbação, hoje com grande mercado. A incapacidade duma reflexão profunda sobre as grandes questões portuguesas, sobre a necessidade de se remodelar o ensino e as escolas leva os responsáveis a transferirem o seu teatro para outras arenas, para assim melhor poderem espetar as suas bandeirilhas no lombo do povo.
O estado de desenvolvimento duma cultura tem a sua origem na religião. A decadência dum povo começa com a decadência da religião. Não fosse o ser humano um ser religioso: ser religioso pela afirmativa ou pela negativa. Naturalmente que a religião, em termos quantitativos, quer-se tal como o sal na comida.
Naturalmente que a vida é mais complexa do que parece! É da essência da cruz termos de assumir a nossa e a dos outros. Ela questiona-me a mim, a ti e a nós.

António Justo
Teólogo e pedagogo
Email: a.c.justo@t-online.de

António da Cunha Duarte Justo

Ambições Nucleares do Irão

Luta pela Hegemonia no Mundo Árabe

A Troika (Alemanha, França e Inglaterra) da União Europeia mostrou ter chegado com o seu latim ao fim nas sua acções diplomáticas com o Irão ao ameaçar levar a questão para o Conselho de Segurança da ONU. Com um tratamento mais duro para com o Irão, através de sanções, esperam poder provocar uma mudança de curso. A Europa é o maior parceiro comercial do Irão e tem grandes interesses no mundo árabe.
Porém, quanto mais pública for a crítica ao Chefe de Estado Achmadinedschad mais brutal será a sua reacção. Déspotas não ligam às consequências negativas que o povo poderá vir a sofrer com embargos.
Um estado teocrático rege-se por outros valores que não os do diálogo e menos ainda os democráticos. A única referência são interesses imediatos que por sua vez são legitimados por o Corão e pela Scharia. Trata-se portanto de objectivos „santos: tornar-se uma potência nuclear para poder, sem consulta, condicionar a política mundial, começando por irradiar Israel do mapa, como quer o chefe de estado, ou „afogar os judeus no mar” como querem outros.
Naturalmente que a Europa não pode admitir que o Irão se torne potência nuclear atómica porque a Europa está na esfera de alcance do Irão. Países teocráticos não se deixam comprometer com convenções. O grande problema é o espírito hegemónico que ainda determina a cultura árabe e o facto de se definir em contraposição com o resto do mundo.
A aquisição da bomba atómica pelo Irão corresponderia, no contexto actual do mundo árabe a iminência duma guerra inter-cultural.
Por outro lado se o Conselho de Segurança das NU declarasse uma resolução de embargo ao Irão isto iria ter consequências muito negativas para o Iraque (maioria schiita, como no Irão) e para o terrorismo no Médio Oriente e no mundo árabe.
No Conselho de Segurança não será de prever uma decisão atendendo a que o veto da China poderia impedir a estratégia em curso. Pequim quer o óleo do Irão sendo para si prioritária a segurança do fornecimento desta matéria-prima. A chance poderá vir da pressão a obter da liga árabe que tem interesses contraditórios no seio dos seus membros. Como muitos estados árabes não vêem com bons olhos o crescimento do poderio turco, outros também não aceitariam ficar sob a hegemonia do Irão. Está também em jogo o desequilíbrio entre as forças religiosas sunitas e as schiitas).
Por tudo isto, na hora em que a diplomacia europeia parece abdicar, só resta à Europa uma alternativa a apelos públicos. A alternativa será uma política diplomática secreta para conseguir aliados no mundo. Com actos públicos de força não se conseguirá nada; a não ser que optassem por uma intervenção militar. Uma opção militar não será possível atendendo à guerrilha internacional dum certo mundo árabe e aos diferentes interesses das potências internacionais.
A Chanceler alemã Ângela Merkel já afirmou que era decisivo que o Irão saiba que „para nós é uma questão séria”. É interessante o facto de os alemães ameaçarem com o Conselho de Segurança das Nações Unidas. Geralmente, na sua diplomacia, alemães e franceses são muito pragmáticos e sobretudo preocupados com as relações comerciais. Tudo leva a querer que o assunto é mesmo quente e muito problemático. Interessante é a maneira moderada de Busch também ele muito interessado numa solução diplomática. Isto apesar de a América na sua política externa ater sempre presente além do aspecto económico também o idealismo da exportação da democracia para todo o mundo. Naturalmente que a América não permitirá que o Irão, na situação em que se encontra, venha a adquirir armas nucleares. Isso corresponderia à desestabilização total do mundo árabe e do mundo.
Um estado soberano é livre na decisão dos seus actos?
Uma ideia peregrina ingénua sempre passa pela nossa cabeça: porque é que um país soberano não pode ter o direito a possuir armas nucleares, tal como algumas potências? O problema é o da responsabilidade própria e universal. Uma teocracia imperialista não está ainda na situação de usar o armamento com responsabilidade, se é possível falar-se de responsabilidade na utilização das armas.
O Médio Oriente, o Iraque, o Irão, e o Afeganistão são zonas de interesse comum de americanos e europeus. São zonas muito instáveis que ainda não alcançaram a maturidade política. Só relações de boa vizinhança e de estabilidade interior poderão criar um clima de confiança e aceitação recíproca. O processo de pacificação dos Estados Unidos e da Europa foram processos longos. Por outro lado, devido ao contexto internacional e à paz a atingir, os grandes blocos não podem permitir a colonização interna dentro das outras culturas. O estádio de desenvolvimento dos vários grupos entre si não pode ser deixado, como no passado à força do mais forte dentro de cada grupo e na relação com os grupos vizinhos. A consciência dos direitos humanos individuais, já é um facto reconhecido internacionalmente, o que impede que as etnias mais fortes concluam o seu processo de assimilação dos vizinhos. O direito cultural impõe-se à lei da selecção.
Naturalmente que o mundo árabe, com os recursos de petróleo que têm se tivesse nas mãos a bomba atómica poderia cantar de galo. Neste momento da história quem canta é o mundo ocidental.

António Justo
Alemanha

António da Cunha Duarte Justo

Israel entre a Bomba Iraniana e a Bomba Demográfica Árabe

A grande incógnita
O conflito do Próximo Oriente é crónico e característico. Como tal, a terapia não só tem a ver com o corpo, com a geografia, mas sobretudo com as almas de duas culturas. O tratamento será caríssimo e apenas a nível de sintomas. O estado de saúde actual (e o currículo) do Primeiro-ministro Ariel Scharon poder-se-ia ter como simbólico para o estado de toda a região. Processem-se embora certos desenvolvimentos a vida terá sempre uma componente artificial. Israel só se conseguerá manter com o apoio do Estados Unidos e da Europa.
Aqui estão em jogo interesses incompatíveis nos campos: económico, estratégico, religioso e de etnias.
A política oficial da preservação de Israel como um Estado judaico constituirá uma grande aposta.
Depois da retirada de Israel de Gaza, o desenvolvimento das relações israelo-palestinas dependerá sobretudo da capacidade da Autoridade Palestiniana para conseguir dominar o terror palestino. Se o terror acabar, os Estados Unidos farão tudo para que haja uma solução viável para as duas partes.
A construção do muro na parte Ocidental do Jordão não se revelará como negativa na procura duma solução pacífica. De facto com a sua construção, por muito grotesco que pareça a sua construção tem salvado vidas; além disso um muro em qualquer altura se pode deitar abaixo, como argumentam os israelitas (Logo que o terror acabe!). A questão do muro só se porá, a nível internacional, se ele for construído para lá da linha verde, da fronteira de 1967.
No futuro, o maior problema existencial para Israel será, porém, o da bomba demográfica. Em 2003 dos 6,7 milhões de habitantes de Israel, 81% eram judeus ou de outra origem étnica, enquanto que 19% era árabe. Com o crescimento da população árabe são criados factos que superam qualquer previsão porque o problema se põe especialmente no momento em que a cultura árabe domine. Esta inclina-se a viver em guetos até se poder pronunciar maioritariamente. Segundo as contas de cientistas, daqui 20 anos, a etnia árabe passará a constituir a maioria da população de Israel. Nesse momento o estado de Israel deixaria de existir… É natural que Israel não poderá impor um sistema de Apartheid como acontecia na África do Sul. Facto é que os árabes não se mudarão tão rapidamente nas suas atitudes e isso terá como consequência medidas muito difíceis para todas as partes.
Um outro problema é o da independência dum estado palestiniano só ser possível com grande apoio económico de Israel. De momento a Autoridade Autónoma Palestiniana depende economicamente 75% de Israel. Um Estado Palestiniano não será viável sem a ajuda de Israel. Um busílis portanto! A Israel só parece restar a alternativa de fortalecer o seu inimigo figadal. Por outro lado não se conhece nenhum estado muçulmano com vocação multicultural… Ainda temos muito que andar e ver Israel entre a Guerrilha e a Bomba Demográfica Árabe!
Israel tem razões mais que suficientes para se temer do seu futuro! O presidente do Irão só diz, descaradamente e em voz alta, o que o povo árabe pensa. Ele pode dizer as barbaridades que disser porque sabe que o mundo ocidental se encontra apenas preocupado com o seu bem estar económico dependente do mundo árabe.
Israel já desde há seis anos que chama a atenção para o problema da bomba iraniana. Uma solução diplomática não será fácil. Por outro lado Israel não poderá esperar muito tempo. Israel não esperará até ao momento em que a bomba iraniana exista.

Para uma melhor compreensão do contexto
Os Judeus desde há 3000 anos consideram a terra de Israel sua pátria. O estado israelita do povo judeu conseguiu manter-se no meio do povo filisteu até à sua diáspora provocada pelos romanos no séc. II. Desde então os judeus encontram-se na diáspora espalhados por todo o mundo. A região foi islamizada a partir do séc. VII. No séc. XIX o movimento sionista toma iniciativas para a fundação do Estado de Israel na Palestina. O holocausto dos judeus pelos nazis torna mais evidente a necessidade da restauração do estado de Israel. Em 1947, a Assembleia-geral da ONU determina a criação de dois estados na região: um estado judeu e outro árabe. Isto em consequência do mandato do protectorado britânico na palestina vir a terminar em 1948. Neste plano a cidade de Jerusalém ficaria sob a administração internacional da ONU, atendendo aos interesses das três religiões (judaica, cristã e muçulmana) sobre Jerusalém. A reivindicação da soberania de Israel sobre a cidade de Jerusalém constitui um grande entrave às negociações de paz.
Os países árabes não aceitaram a existência de Israel, pretendendo invadir logo a zona israelita após a saída das tropas britânicas. Começou desta maneira o conflito israelo-palestiniano. O novo estado de Israel repele as forças árabes e ocupa a Cisjordânia e a Faixa de Gaza, territórios do planeado estado árabe/palestino. Efectivamente, a 14.05.48 é declarada a fundação do estado de Israel e logo no dia seguinte, sete exércitos árabes atacaram Israel. Foi provocada uma onda de refugiados (7000.000) que, para fugirem às contendas, se instalaram nos países vizinhos. Com a vitória de Israel, a maioria desses refugiados foram proibidos de voltar para suas terras. Em 1964 o Alto Comissariado da Palestina solicita à Liga Árabe a fundação de uma Organização para a Libertação da Palestina (OLP). Em 1988, a OLP proclamou o estabelecimento de um estado palestiniano. O principal líder da organização foi o egípcio Yasser Arafat, falecido em 2004.
Muitos judeus também não aceitavam a co-existência de um estado árabe palestino confiando talvez na lei da assimilação, a lei do mais forte; esperando que através da colonização interna se resolvesse o problema; não contaram com a força da ideologia e do petróleo nem com a pressão internacional que nem sempre se rege pelas leis de Darwin. As despesas astronómicas despendidas com a segurança e a pressão dos cidadãos levaram Scharon a abandonar a Faixa de Gaza. Aqui viviam 6.000 colonos judeus que tinham de ser defendidos por 10.000 soldados israelitas.
O cessar-fogo entre as partes beligerantes possibilita a retirada das tropas israelitas da Faixa de Gaza. Assim criam-se pressupostos concretos para realizar a transferência de soberania e o consequente reconhecimento do território, dois factores fundamentais para a existência de um Estado soberano palestino.
São grandes as chances do estado Palestino surgir de facto, pois as bases políticas e institucionais da Autoridade Nacional Palestina (ANP) são reconhecidas pela comunidade internacional, com a presença das Nações Unidas como membro observador. A comunidade internacional está muito interessada na paz nesta região atendendo à importância do petróleo árabe. Uma solução duradoura só será verdadeiramente possível com a moderação ocidental e depois duma revolução cultural no seio do povo palestiniano e da civilização árabe.

António Justo
Alemanha

António da Cunha Duarte Justo

O Porquê da Decadência da Civilização Ocidental e da Religião Cristã

Estagnação do Cristianismo e Expansão do Islão
Actualmente a religião mais perseguida do mundo é a cristã, com cerca de 200 milhões de perseguidos. Sintomático para a situação da Civilização Ocidental é o facto de, nos meios de comunicação social e nas igrejas, não se falar da perseguição aos cristãos.
Este silêncio de hoje não é fenómeno novo, o mesmo acontecia no comunismo e no nacional-socialismo. O social correcto exige que se fale da perseguição cristã às bruxas na Idade Média e das Cruzadas. Os milhares de cristãos executados e aprisionados hoje em dia não são mencionados.
O argumento de que a Igreja não deve criticar os governos inimigos dos cristãos para os não expor ainda mais a perseguições é precário e só válido sob um pressuposto superficial. A manifestação pública levaria, com medo da crítica pública, a uma certa discrição na perseguição. Os interesses materialistas da sociedade ocidental levam os governos, interessados no negócio do petróleo com os países islâmicos e no investimento na China, a serem discretos e a calarem-se oportunistamente para assim não estragarem o negócio.
As delegações político-comerciais não se preocupam com o povo explorado nesses países nem com o seu desenvolvimento. Importante é o negócio do petróleo seja ele embora à custa da própria honra e dos valores da pessoa humana. Apenas se segue a tradição da escravatura e dos “negreiros”. Muitas nações lavam as mãos do negócio sujo, à maneira de Pilatos. Para isso concedem asilo político e religioso aos poucos que conseguem escapar aos sistemas de opressão. Trata-se de negócios entre elites. Amigo não empata amigo, ao fim e ao cabo o povo é que as paga.

A questão não está na decadência moral mas na falta de identidade
Em geral o Cristianismo deixou de ser uma fé e passou a ser uma civilização. Certamente que é a religião mais perseguida porque é a que tem a mensagem mais exigente para o ser humano e uma grande parte da humanidade está mais propensa a seguir a lei da entropia.
Hoje o Islão encontra-se de vento em popa e com razão. Em geral o povo ocidental tem medo dele e revela uma ignorância total a seu respeito. Reduz o seu discurso sobre ele aos políticos que, engolindo cobras e lagartos, falam de lugares comuns acríticos ou lisonjeiros. Falta uma discussão académica séria e cultural sobre o Islão e sobre a Cultura Ocidental. Não chega a graxa para com ele nem o ser simplesmente contra. É preciso tentar encontrar-se com eles, mesmo que eles evitem. Já vivem mais de 50 milhões de muçulmanos na Europa sem que se tenha dado um encontro a nível de próximo, que são. Não chega deitá-los ao abandono num acto desesperado como se fez em relação aos países árabes. Se é verdade que nesses países não é possível fundar comunidades cristãs também é verdade que os países árabes conseguem impor interesses culturais com interesses económicos. As instituições ocidentais apenas estão interessadas nos negócios descuidando o cultural.
Os muçulmanos não podem ter nenhuma ideia sobre o cristianismo e sobre a sociedade ocidental, que para eles é idêntica; só conhecem um pouco da cristandade e nada de cristianismo (o que não é de admirar porque com a maioria dos cristãos dá-se o mesmo, nem conhecem o Cristianismo nem o Islão). O que eles observam são instituições cristãs acomodadas e fracas que não reagem ao problema da banalização do sexo, da família e dos valores. Para muitos deles somos simplesmente os “sem Deus” e como tal sem valor. Eles sabem que não tomamos a própria cultura nem a religião a sério, por isso, não nos podem tomar a sério.
O começo dum diálogo religioso poderia começar-se através de Jesus que também faz parte de o Corão. Aqui também podíamos aprender deles algo sobre Jesus atendendo que ele era da raça semita com uma antropologia e uma sociologia base muito diferente da helenística.
Os cristãos envergonham-se de falar da sua fé porque em geral apenas conhecem um pouco de religião mas quase nada da filosofia e da teologia que a sustentam. Preferem ir descobrir noutras religiões parte da filosofia que não lhes foi dado conhecer na própria. Desta conhecem quase só o folclore. Isto tem também a ver com um sistema religioso que se apresenta preponderantemente de carácter administrativo e com funcionários stressados por um trabalho que exige deles o impossível e mesmo à margem de qualquer comunidade de vida. Não se nota uma espiritualidade específica.Esta fica reservada para alguns grupos leigos e constitui o privilégio dos conventos, dos iniciados. Muitas vezes, os dirigentes de paróquias mais que teólogos, tornam-se assistentes sociais que administram necessidades religiosas primárias e de culto. Grande parte de padres diocesanos e de pessoas ligadas a à comunidade paroquial vive resignadamente aguentando o fardo da sua religião. Muitíssimos vivem isolados ou escondem-se por trás dum activismo compensatório. São as vítimas da comunidade e da instituição que os delega, uns Cristos abandonados. O fervor religioso e missionário que levava os cristãos, em tempos idos, a expandir a fé e a nação reduziu-se ao campo secular, em actividades desportivas e partidárias, estas com missão de carácter temporário nas campanhas eleitorais.
Fazer uma coisa mas não omitir a outra, seria a palavra de ordem. Já chega de uma sociedade eunuca com ideias triviais e de uma religião aguada. Actividades litúrgicas para mera satisfação de necessidades burguesas são um luxo. Há grande carência de formas religiosas que dêem resposta tanto às estruturas de salvação popular como às de carácter elitista. Uma sociedade nova precisa de gente empenhada a nível político, religioso e social com tipos de comunidades vivas à lá “onde dois ou três estiverem em meu nome lá estou eu no meio de vós”.
A teologia liberal, tal como a economia liberal só atinge uma minoria e produz estragos incomensuráveis na generalidade. É urgente a nível de teólogos e de responsáveis pela sociedade civil uma discussão profunda sobre o sentido do Homem e da sociedade e uma análise detalhada dos mitos e realidades que estão na base da identidade de um povo e duma sociedade. Uma sociedade responsável e orgânica não pode viver apenas duns poucos de slogans e de moralismos oportunos. Naturalmente que não podemos fazer do Cristianismo um religião do medo como é o caso do Islão. Naturalmente que com o medo, o analfabetismo e a opressão física ou moral é mais fácil manter-se os subordinados à disposição. A religião cristã tem a missão de fomentar homens livres e independentes ligados apenas pelo espírito tal como no segredo da trindade. Na bíblia Deus é visto como pai e os seres humanos como filhos de Deus, isto é de estirpe divina; no Islão os crentes são vistos como escravos, como súbditos. Os cristãos não precisam de ter medo porque com o aumento da cultura os povos aproximam-se mais uns dos outros, a partir do momento em que possam ter os instrumentos culturais que lhe permitam ler, analisar e comparar para poder decidir. A vantagem do Corão em relação à bíblia não está na ética nem na moral mas sim, por um lado na sua fé, e por outro na pobreza do povo, no medo e no analfabetismo, usados como meio de manipulação até uma revolução espiritual a operar-se dentro do Islão. Esta poderia ser apressada com a aproximação do Islão europeu ao Cristianismo e com o acordar da mulher na sociedade árabe.
Seria impensável, em temos ocidentais, que um povo como o paquistanês com a tecnologia atómica mais avançada tenha 85% de analfabetos. A realidade porém é que o Islão cresce mais depressa do que o cristianismo e isto dá-se também porque enquanto que grande parte da cristandade crê no bezerro de ouro e na realização de necessidades religiosas como compensações de faltas psicológicas, para os muçulmanos a religião não é apenas uma ideia entre outras mas uma vida que tem por ideal, conquistar o mundo e governá-lo. O Islão, tal como o cristianismo no século XV, sente-se vocacionado a realizar uma missão universal, enquanto que a cristandade se satisfaz com alguns ritos ocasionais e se perde no indivíduo, longe da visão cristã de pessoa e sem a consciência de povo. A sociedade ocidental não se afundará por causa da decadência moral mas sim pela falta de fé, pela falta de convicção. O caminho da convergência será o da mística. Esta tem a ver com o político e com o religioso e une tudo em todos no respeito pela diferença. Enquanto que os cristãos precisam de redescobrir Deus , os muçulmanos precisam de descobrir o Homem.

António Justo
Teólogo e pedagogo
Alemanha

António da Cunha Duarte Justo