ANIVERSÁRIO DA QUEDA DO MURO DE BERLIM


O Botão da Liberdade brotará sempre de novo
António Justo
Faz 20 anos que o muro da vergonha, que separava a Alemanha Ocidental (BRD) da Alemanha Oriental (DDR), caiu. Depois de várias odisseias e tragédias com os cidadãos da DDR, a 9 de Novembro de 1989 o Comité político do Regime Socialista da DDR, exausto, anunciou a abertura da fronteira. A tampa comunista, que tapava a caldeira do sistema, rebenta, iniciando-se ondas de reacções em catadupa. A resistência que se tinha formado em torno das igrejas e apoiada pela BRD vence finalmente sob o slogan “Alemanha Pátria Unida”. Na Alemanha Federal o objectivo da união tinha-se mantido de forma declarada nos partidos cristãos CDU E CSU.

Um sistema de pobres para pobres não pode aguentar o desenvolvimento do cidadão. Finalmente este ganha: “Nós somos a Alemanha!”

A partir da abertura da fronteira as demonstrações escalam de tal maneira que, em pouco tempo, provocam a união das duas Alemanhas na Alemanha Federal Alemã. Mais precisamente: a Alemanha Ocidental absorve a Alemanha oriental que se tinha tornado seu filho pródigo. A democracia social vence o socialismo!

A 18 de Março de 1990 dão-se as primeiras eleições livres na Alemanha socialista. Nelas vence o partido da CDU (União de Cristãos Democratas). A 1 de Julho dá-se a união monetária passando a haver apenas o Marco Alemão da Alemanha Ocidental. A 23 de Agosto de 1990 a Câmara Popular da Alemanha Oriental decidiu a adesão à Alemanha Federal. A 31 de Agosto é assinado o tratado da união entre os políticos dos dois Estados. A 1 de Outubro os países aliados da NATO reconhecem a soberania alemã.

As datas e os acontecimentos sucedem-se como que em competição. Helmut Kohl, “o chanceler da unidade” esteve à altura da diplomacia necessária para tão grande obra. Isto só de alemães!

Estes, para tornarem a unidade efectiva criaram um imposto suplementar novo, o “imposto da solidariedade” que corresponde a 5% dos impostos que cada cidadão paga e é transferido para investimentos nas regiões correspondentes à Alemanha de Leste. Esta, apesar dos biliões que continuamente se transferem, ainda não conseguiu atingir o nível económico da antiga Alemanha Ocidental. O buraco socialista não só se faz sentir no buraco económico como no buraco moral trazido. Isto apesar do sistema de jardins infantis, de escolas e de saúde da extinta DDR terem atingido alto nível no sistema socialista! A região actual correspondente à antiga Alemanha de Leste (DDR) ainda se encontra cerca de 20% em atraso em relação à do Ocidente (RFA).

Uma sociedade de cidadãos alemães sofreu muito sob a imoralidade institucional dum Estado injusto. Na antiga DDR (Alemanha democrática), aquando da divisão, foram extintos os tribunais administrativos, não precisando as decisões administrativas de ser fundamentadas; a justiça fora politicamente instrumentalizada e partidizada como é boa prática socialista: o Poder tem sempre prioridade perante o Direito. Como é costume em ditaduras e também em democracias, as massas não pensam, subjugando-se normalmente ao Poder. Por isso se compreende que apenas se tenha manifestado resistência pública a 17 de Junho de 1953 e finalmente em 1989. Parte do povo não sente os aguilhões do Estado, tal como nas sociedades democráticas. O cão que se mantém dentro da casota ou que dorme não sente a corrente que o prende!

A Alemanha apesar de unida ainda não conseguiu superar o trauma da sua divisão. Actualmente, também em consequência do turbo-capitalismo, a esquerda radical sente uma certa brisa a seu favor, o que se registou especialmente na parte da república correspondente à antiga DDR. Não é irrelevante o facto de alguns votantes de centro-direita usarem o voto socialista como chicote, numa tentativa de levar o boi do capitalismo ao rego da democracia social e cristã.

Apesar da consciência vigente na Alemanha de que o antigo sistema da DDR era um “Estado injusto” manifesta-se em alguns cidadãos uma espécie de nostalgia branqueadora do passado. Muitos contribuintes alemães da parte ocidental não conseguem engolir tal atitude, depois de terem dispendido tanto e continuarem a contribuir tanta para os alemães do outro lado!

Entretanto, o que para uns é um Estado injusto pode para outros ser um Estado desejável. Não há uma opinião verdadeira e outra falsa! O direito de avaliar é livre.

Na verdade não há critérios seguros de avaliação que possibilitem uma comparação da injustiça praticada num Estado de Direito com a injustiça praticada num Estado ditatorial, porque neste a injustiça não pode ser atenuada pela opinião púbica, visto neste não haver liberdade de imprensa. Por outro lado, nos Estado de Direito publicam-se todos os males existentes, o que pode levar os cidadãos das ditaduras a pensar que nos seus estados há menos violência. Na Alemanha socialista não eram publicadas as condenações à morte do sistema, os assassínios sexuais e muitos outras faltas menos exemplares que o aparelho político censurava, o que poderá levar antigos cidadãos desta a julgar a Alemanha Ocidental injustamente por se fixarem apenas nos seus males, atendendo a uma informação demasiadamente fixada no negativo. Cada sistema tem os seus vícios mas o democrático é o menos injusto de todos, pelo que se pode confirmar pela experiência e pelos valores defendidos. Não pode haver comparações aproximadas entre sistemas de carácter qualitativo tão diferentes. As injustiças, intimidações e os medos e a quantidade de pessoas espias ao serviço da DDR reduzem uma PIDE portuguesa à insignificância! Todos os regimes são inclinados ao contolo exagerado de seus cidadãos. Isto pressupõe um cidadão sempre atento e crítico!

A Dignidade humana é um valor maior a defender por todo o Estado justo. Na república socialista o Estado está acima do indivíduo sendo este apenas seu instrumento e não o seu fim.

António da Cunha Duarte Justo
antoniocunhajusto@googlemail.com
http://antonio-justo.blogspot.com/

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CAIM E ABEL – DUAS FACES DA MESMA REALIDADE

António Justo
Nasci berrando, cresci falando para morrer gritando. Pela palavra me torno e por ela me transformo!

Obrigado José! Obrigado Saramago, pela discussão que provocaste. Num mundo extremamente contraditório e dialéctico, por mais que se afirmem as teses e as antíteses nunca se chegará à síntese, ou não fôssemos nós seres humanos e não fosse a vida processo!

No meio da refrega constato um facto: quer ateus quer teistas precisam de Deus para se definirem.

Encontramo-nos todos sobre o mesmo tapete ao serviço da vida! Por vezes, alguns, em confronto com um mundo feito de injustiças, projectam as suas frustrações e desilusões num Deus mudo e inexistente enquanto que outros, irmãos na desilusão, não se conformam com a realidade do presente projectando-a numa realidade futura. Ambas as posições não se encontram à altura do pensar bíblico. Ambos fogem de si mesmos e da realidade envolvente! Em vez de encararmos a realidade e a transformarmos atiramos tiros para o ar e guerreamo-nos, tal como no caso de Caim.

Caim e Abel são duas faces da mesma medalha que é cada um de nós!

O problema é que ateus e teistas virem em militantes, dado seu credo se tornar parte da própria identidade expressa, sem a perspectiva do outro! Por outro lado quem cala não conta.

Infelizmente cada qual defende apenas o reino dos seus interesses não havendo espaço para uma cultura de pensar justo! A perspectiva de Caim terá de integrar nela a perspectiva de Abel e Abel terá de reconhecer nele a perspectiva de Caim. Querer ter a razão final é tornar-se só Caim.

Todos os crentes, quer creiam em Deus ou não, não conseguem abdicar da sua crença ateia ou religiosa em processo. Problema se tornaria se a uma tese apresentada por Saramago não fosse possível a antítese duma dialéctica construtiva interessada numa síntese muito embora passageira! Problema é também o facto do senhor Saramago ter apresentado a sua compreensão da Bíblia como se esta fosse a compreensão por excelência, atitude a que nem o Vaticano se atreve!

É natural que cristãos e judeus possam reagir e tentar explicar outras maneiras de compreender os 73 livros da Bíblia. Assim seria lógica e aceitável a tentativa destes por explicar outras leituras da Bíblia numa dialéctica que lhe é própria. Era necessário compreender que na Bíblia e especificamente na história de Caim e Abel, se encontra documentada a dialéctica entre a cultura pastoril e a cultura sedentária, entre a cultura do campo e a das cidades, que hoje como ontem é bem actual, tal como outrora em Caim e Abel. Como sempre, na luta entre a província e a cidade há interesses muito concretos a defender. Veja-se a afirmação macrocefálica da capital contra o regionalismo…

Saramago tal como Caim não aceita a mundivisão do seu irmão Abel. A imagem de Deus que Saramago ataca é naturalmente a sua. Querer reduzir a realidade bíblica a infantilismos e cai na contradição de negar Deus e ao mesmo tempo o responsabilizar pelo mal dando-lhe o atributo de “filho da puta”, como se vê em Saramago página 82 do seu livro.

Este mimo e outros queriam provocar relação, e naturalmente quem reage é logo apelidado de reaccionário. Quem ele quer atingir não será naturalmente Deus mas os filhos do tal “filho da p.” que, muito naturalmente, não serão melhores que o seu Deus a destruir!

Que em cada cultura, nos antagonismos que lhe são próprios e até benéficos, esteja presente Caim e Abel em disputa, é muito natural e benéfico, o problema é não nos darmos conta de que somos os dois na mesma pessoa e não notarmos o papel que representamos em cada momento em que falamos ou agimos (Caim ou Abel)! Quem mata Abel torna-se assino de si mesmo tal como quem mata Caim, dado os dois serem o reverso de si mesmo e das sociedades.

Naturalmente que quem vai à missa de Saramago não goste de outras missas e vice-versa. Desumano seria se não nos respeitássemos uns aos outros, conscientes de que todos andamos encostados a algo que não queremos reconhecer… É a nossa liberdade de escravos, mas esta escravidão pode tornar-se libertadora!

Ao fogo do inferno sucede-se o fogo das palavras e dos próprios interesses. A agressão é também uma maneira de libertar a consciência, como nos ensina Caim! A continuarmos assim não haverá infernos para uns e paraísos para outros, mas sim, democraticamente, inferno para todos! Salvem-se os nossos maiorais, os nossos Belzebuses, porque esses gozam de imunidade!

Quem faz a guerra não pode lavar-se nas águas da inocência.

Naturalmente que Saramago sabia muito bem que quem ataca não é vingativo, vingativo tornam-se os outros. A divindade Nobel ofendida exige o louvor aos seus devotos. No fim há muita beatice ateia e crente ao serviço dos respectivos dogmatismos e da própria seriedade.

Um outro facto: A grandeza dos que se distinguem precisa da pequenez dos que os fazem!…

De lamentar seria que se formassem grupos incompatíveis, dum lado súbditos ateístas, e, do outro, súbditos teístas: uns contra os outros na defesa da própria devoção.

Quem diz o que quer ouve o que não quer…. Importante é que todos são pessoas honradas, muito embora assumindo umas vezes o papel de Caim outras o de Abel!

António da Cunha Duarte Justo
antoniocunhajusto@googlemail.com

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José Saramago: Um Fundamentalista?

Modo de Pensar em Curto-circuito

António justo
Definimo-nos pela fala, por isso não nos podemos calar! Pela fala nos tornamos na procura dum tu que nos leva a nós. Pela fala nos formamos e pela fala queremos provar a nossa existência. Diria mesmo, somos conversa; por vezes conversa fiada. Nesta deixamos de nos tornar veículo e conteúdo para nos reduzirmos a veículo apenas!

Na sequência dum artigo que escrevi sobre Saramago, entre outros e-mails que recebi, um dizia: “Gostei de ver Camões como bombeiro deste fogo da maldade! Afinal o fogo do amor camoniano a combater o outro! Não escreva mais sobre este “gajo” que os suecos usaram como os franceses usaram Linda de Suza, para estigmatizarem Portugal e os Portugueses em flashes imagéticos opostos ao que nós somos! Está ao nível da Maitê Proença.” Fim da citação.

Como dizia a princípio, embora em contexto, definimo-nos pelo texto e através dele nos desenvolvemos. É fácil perder-se no contexto sem chegar ao texto. Se não fosse o texto bíblico e as suas afirmações e contradições não nos encontraríamos tão adiantados civilizacionalmente. Somos veículo e veiculados do mesmo mistério que a Bíblia procura abordar. Por isso escrevo mais sobre o assunto. Se não fossem as discussões e a vontade de encontrar a verdade, que tem sempre, além da face oculta, a tua e a minha versão, então não passaríamos da cepa torta; permaneceríamos de rosto voltado para a sombra. A controvérsia, se for honesta e sincera leva à luz daqueles que ainda se encontram de pé, a caminho, e ainda não morreram para si e para a vida, ao contrário daqueles que permanecem pelo caminho na sombra da rotina e dum progresso balofo, enquistados na auto-suficiência e no dogma da própria opinião.

Naturalmente que Portugal é universal e tem lugar para todos os antagonismos e a discussão pode gerar a luz. O problema está na tesoura que se traz na cabeça e censura tudo o que não corresponda à própria opinião e aos próprios interesses.

A falta de formação e de vontade de saber simplificam o trabalho incendiário de quem abusa da ingenuidade. Saramago, na sua maneira como interpreta a Bíblia dá a impressão de ser um fundamentalista. O fundamentalismo religioso e ideológico alimenta-se da mesma manjedoura dos adamastores do medo, do infantilismo e do interesse abusivo. Ele desconhece que a Bíblia também é a biografia dum povo e duma pessoa, descritas com as melhores metáforas e imagens protótipos do Homem e da sociedade.

Camões em Os Lusíadas descreve a acção e a herança cultural do povo lusitano. Os autores bíblicos, à luz de Deus, descrevem, no Antigo Testamento, a acção do Homem em relação com o Outro, com Deus que lhe dá forma.

A “Ilha dos Amores” de Os Lusíadas certamente que não será aproveitada por Saramago para difamar os portugueses como imorais. Nas descrições Bíblicas encontra-se a vontade do povo mais relevante de toda a História, o povo judeu, que na discussão com o seu Deus consegue afirmar a sua identidade como povo contra o tribalismo circundante, contribuindo, de forma eminente para o desenvolvimento da humanidade. Nos seus mitos e na imagem do seu Deus se revela a sua grande personalidade e vontade de ser. Com o seu Deus, que lhe dá identidade, “o povo eleito” não submergirá na História como outros submergiram.

Quem faz guerra”dá e leva”. José Saramago sabe bem atear fogos. A melhor resposta ao fogo da maldade será o esclarecimento, a formação cultural. Na escuridão da desinformação, da ignorância e do egoísmo, até os pirilampos se tornam grandes luzeiros. Precisamos é de mais promotores do amor, do amor jesuino e do amor camoniano. Só este fogo purifica e desenvolve! Então todos nós nos transformaremos em pirilampos a iluminar a terra e não a viver da treva!

Então deixaremos de ser os “cruzados” de hoje que vão ao caixote das mazelas da História buscar o fogo para novos incêndios. As achas colocadas nas fogueiras por aí ateadas são da mesma natureza das fogueiras medievais: as achas da ignorância e das ideologias.

O autodidacta Saramago revela grandes défices culturais a nível de saber científico. Não deixa porém de ter a sua importância em certos aspectos literários e de ocupar um papel relevante de identificação para os seus fiéis correligionários e para pessoal miúdo que necessita de vedetas para se galardoar e sentir grande. Cada um tem direito à felicidade à sua medida e no seu biotopo próprio. O conjunto dos diversos biotopos é que tornará belo o “jardim à beira mar plantado.” Saramago parece ser beneficiado pelas tágides das letras mas, apesar da sua idade, o espírito da sabedoria parece ser recalcado pelo espírito adolescente!

Ao afirmar que a Bíblia é “um manual de maus costumes” queria reduzi-la a um livro de ética justificadora da sua ideologia! Saramago usa a guerra tal como o povo judaico se serviu da dialéctica na procura da sua identidade como pessoa e como povo. Ele quer afirmar a vulgata marxista materialista à custa da vulgata judaico -cristã. Procura fora o que deveria encontrar dentro.

A Bíblia é um universo de mundos, encontrando-se nela lugar para as diferentes constelações e concepções de vida. Na Bíblia se encontra a base da filosofia e da cultura que produziu esta realidade que é a civilização ocidental. Quem não entendeu isto desconhece o valor da religião e da filosofia que são nosso berço e mãe. Saramago comunga da douta ignorância oportuna posta ao serviço dum socialismo e republicanismo ultrapassados que, apesar de tudo, mereceriam muito mais qualidade e seriedade, na estratégia da sua promoção! O seu internacionalismo não pode afirmar-se à custa da difamação e de malentendidos sobre o nosso legado cultural, a não ser que nos tenhamos tornado masoquistas e interessados na decadência e queda da nossa civilização! Não há que destruir, mas sim renovar e remodelar! O legado judaico – cristão sintetiizou nele o saber doutras culturas e levou o Homem a não mais andar curvado à obediência do conveniente e possibilitou o levantar-se mesmo contra um deus da subserviência. O Deus biblico é libertador, como se pode ver no seu fruto, a civilização ocidental, que apesar das suas contradições mantem, por baixo do borralho das suas cinzas, o fogo do amor, a lei das leis! Infelizmente um certo meio ideológico só parece comprazer-se nos odores do esterco da História da Igreja católica, como se esta só constasse da casa de banho! Torna-se suspeito quem caça moscas com tais odores!… Precisa-se é da vontade de saber , de formação humana e de crítica construtiva que viva bem com a farinha do seu moinho sem desviar nem sujar a água dos moinhos dos outros!

A discussão é necessária porque muitos não usam a própria cabeça para pensar e se instruir, preferindo encostar-se a um pequeno ídolo nobilitado pelo prémio Nobel ou a uma opinião indiscutível. Os seus ataques desqualificados revelam a arrogância do poder instalado consciente de que “para quem é bacalhau basta”! Naturalmente que todos nós temos em nós algo da natureza saramago, independentemente de nos chamarmos Saramagos ou Antónios!

O saber bíblico é personalizador, apostando na dignidade humana e nos direitos dos humanos e dos seres em geral, apelando consequentemente para a desobediência à banalidade do meramente factual e do pensar correcto, rebelando-se contra autoridades meramente exteriores, não favorecendo, por isso, as ideias peregrinas dos santuários das autoridades e das ideologias. Se para alguns parece ser suficiente e consolador o cheiro das ideologias para outros, para os conscientes da História e da Humanidade não!

Cada época tem a sua luz e as suas sombras. Cada argumentação também. Hoje procura reduzir-se tudo a mercado e submeter-se tudo às leis da concorrência. O nosso pensar de hoje, forjado pelo modelo económico é tão precário como o modelo de pensamento de épocas passadas que arrogantemente criticamos. Tornamo-nos prisioneiros do próprio discurso no labirinto da dialéctica. O pensar bíblico ajudar-nos-ia a complementá-lo e a deixar de viver em curto-circuito. Este novo pensar em termos cristãos poderíamos dominá-lo de pensar trinitário que é na sua essência complementar integral e não antagónico como o binário (dialético) seguido do certo e errado, um pensar em contínuo curto-circuito! Naturalmente que a aguilhada da dialética se revela como uma boa estratégia de desenvolvimento, pelo menos à tona da realidade!

Deus é mais que o que possamos dizer dele pela positiva e pela negativa e a religião é mais que o milagre. A bíblia é mais que poesia e que um livro de moral. Ela é vivência, é caminho e vida.

Deus não submete o povo a provações nem exige fidelidade e obediência externa. Ele é o mais interior do Homem, a sua ipseidade, o seu selbst, a sua própria possibilidade. De resto o nosso falar de Deus não passa dum falar do Homem e de nós mesmos.
© António da Cunha Duarte Justo
antoniocunhajusto@googlemail.com

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CAIM EM SARAMAGO


O Centenário da República exigia Saramago

António Justo
Os ideais sociais e republicanos parecem só se poderem afirmar numa relação social de dois grupos antagónicos: Caim e Abel. Saramago, um apologista da velha física mecanicista e materialista deita mão da sua ignota sebenta sobre o Velho Testamento para afoguear o ânimo dos portugueses e reavivar os velhos ressentimentos republicanos e materialistas, cada vez mais presentes numa sociedade decadente. Esta polémica em torno de Caim, no centenário da república portuguesa, procura dar continuidade a um republicanismo barato e atrevido que vive de forma discreta e parasitária num Estado em estado de graça e de sonho.

Saramago, fez, como os bons promotores de vendas fazem. Dias antes do seu livro “Caim” aparecer nos balcões de venda, o negociante da opinião presta uma série de declarações provocantes aos Media para chamar as atenções para si e motivar os correligionários e curiosos à compra do livro. A polémica ajuda o negócio. A arte cada vez se reduz mais ao escândalo. A opinião publicada em torno de Nobel camarada, revela um país assombrado, como se tratasse dum galinheiro de galinhas de olhar fixo na crista vermelha do galo que brilha no poleiro da sua importância. Os negociantes da cultura e os traficantes das ideologias e do poder sabem bem que os ingredientes que melhor servem os seus interesses cínicos e logo atraem as atenções do galinheiro são: religião, sexo e dinheiro. Saramagos parecem dar-se bem nos baixios da nação. Por isso persistimos em viver na mediocridade do medo, do recalque, da inveja e do sonho.

Os jornalistas, por avidez de escândalo que lhes simplifica o trabalho ou por razões ideológicas, aproveitaram a deixa para o seu negócio, moendo e remoendo continuamente a mesmo assunto. Saramago com uma machadada consegue encher os bolsos e ao mesmo tempo fazer a maior propaganda contra a Igreja Católica como se a Bíblia só fosse propriedade dos católicos e estes só conhecessem a leitura literal da mesma. Como numa acção concertada, nos Media ouvia-se continuamente falar do cândido Saramago e da inocência de Caim como se tivesse sido a Igreja Católica a matar Abel.

Saramago banaliza o Nobel e banaliza a Bíblia. À maneira de Pilatos lava as suas mãos nas águas turbas da ignorância e do oportunismo. Terapia os seus medos inconscientes atacando.

O artista quer dizer aos cristãos que “Deus fez o mundo em seis dias, porque ao sétimo descansou”, quando os cristãos sabem que aqui se trata não de dias de 24 horas mas de épocas da evolução, muito embora de cariz antropológico onde se apresenta o processo do desenvolvimento do primitivo para o mais desenvolvido, a nível biológico, moral e existencial.

Na sua interpretação interesseira, Saramago até sabe que “Caim matou o irmão porque não podia matar Deus”. E na sua inocência primitiva o escritor afirma o seu dogma revelador da sua lógica: “Um Deus que não existe, nunca ninguém o viu.” O que é estranho é que Deus e o Catolicismo parecem ser o bombo da sua festa e do seu negócio!

Saramago faz uma leitura ingénua e tendenciosa da Bíblia. Fala como um iletrado. Para justificar a sua fé ateia joga com a não informação das pessoas e com interesses baixos de desacreditação e com uma mentalidade ávida do insólito. Estamos perante um caso de desinformação para que o povo desça à praça das ideologias e se sirva de ânimo leve nas bolsas dos dogmas da opinião.

O azedume de Saramago, ao afirmar que “sem a Bíblia seríamos outras pessoas. Provavelmente melhores”, luta contra o seu fantasma do medo, falando mal dos outros para melhor poder branquear-se e branquear os seus patronos marxistas. O que ele parece desconhecer é que o socialismo, a fé que professa, é um produto da Bíblia, um filho da tradição judaico – cristã.

O maior documento da história humana é categorizado por Saramago como um “manual de maus costumes, um catálogo de crueldade e da pior da natureza humana”. Saramago querer desconhecer a Bíblia na abordagem que ela faz do Homem e do seu desenvolvimento, no que ele tem de positivo e negativo. O autor julga sai-se melhor apostando num Deus que quer “cruel, invejoso e insuportável.” A guerra contra Deus serve-o a ele e à sua desilusão ideológica.

Saramago procura espantar o medo que tem

Porque combate tanto o que para ele não existe? Isto torna-o suspeito. A velhice parece aproximar muita gente da religião pela positiva e pela negativa! Psicologicamente poder-se-ia dizer que nele há qualquer recalque ou medo do depois da morte! Quando alguém combate algo tão veementemente a nível externo quer dizer que isso não o deixa em paz a nível interno. É uma luta substituta. Como um crente se sente na necessidade de combater as próprias dúvidas (inconscientes) um ateu também tem as suas dúvidas (inconscientes) sobre o ateísmo que professa e tem de combater externamente. No inconsciente e nos medos reside as raízes de fanatismos mais ou menos explícitos; sejam eles religiosos ou ideológicos. Segundo Freud combate-se fora o que não se quer ver e reconhecer em si próprio, quer dizer, o que é inconsciente. Nos fundilhos psicológicos das suas calças, Saramago luta contra o seu medo. Nele se catalizam também muitos medos de seus defensores e atacantes.

A Bíblia possibilita a descoberta da imagem do Homem onde este pode descobrir as suas pegadas, encontrando aí testemunhado o seu desenvolvimento ao longo dos tempos, desde o seu estado mais primitivo ao mais desenvolvido. No seu falar de Deus e do Homem revela-se uma História comum.

A Bíblia não é um livro mas um conjunto de 27 livros em que se encontram cristalizadas as mais diferentes disciplinas: Religião, Filosofia, História, Literatura, Sociologia, Antropologia, Psicologia, Artes bélicas, Física, etc. A Bíblia é a radiografia do Homem e das sociedades. É um tesouro em antropologias e sociologias. Nela se encontra a tentativa de descrição do alvorecer da criação, do início da evolução em sete épocas (dias), do desenvolvimento do Homem até ao ser do Homem divino, o resumo e fim de toda a criação, onde Jesus Cristo é apresentado como Homem no fim da sua evolução.

Com a queda de Adão a essência do mal e do pecado não se encontram cabalmente explicadas. A história de Caim e de Abel além de mostrar a complexidade da convivência de duas culturas diferentes (tal como no caso de Esaú e Jacob onde se documentam a evolução da sociedade na concorrência entre a antiga sociedade nómada pastorícia e a nova sociedade sedentária agrária) é mais um contributo para a compreensão do mal e do Homem. O mal cometido tem uma alcance de responsabilidade que além da intenção transcende o acto.
As diferentes interpretações permitem a continuidade na descoberta de algo comum essencial a todo o Homem.

O ser humano permanece sempre igual a si mesmo independentemente de ser religioso ou ateu.

Estou certo que se o senhor Saramago tivesse estado atento na escola à aprendizagem dos meios de interpretação de “Os Lusíadas” do nosso Camões, não poderia fazer uma leitura tão ingénua e tendenciosa da Bíblia. O problema é que a leitura da epopeia do nosso maior escritor português que é Camões também não interessa à sua ideologia.

Quando descobrirmos Caim e Abel em nós mesmos, então estaremos mais lúcidos para entender a Bíblia e deixar de combater fora o que está dentro de nós. Caim e Abel, tal como Adão e Eva, são duas partes complementares da mesma realidade: o Homem.

© António da Cunha Duarte Justo
antoniocunhajusto@unitybox.de

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DEUS NA TERRA E OS ANJOS NO CÉU


Não creio em Deus, Deus crê em mim
António Justo
Eu sou eu e o que a minha linguagem possibilitou, o que a minha língua fez de mim! Nas metáforas do meu sonho se formou a paisagem que avisto do mirante do meu ser: o fora de dentro e o dentro de fora, num vaivém ondulante de marés envolventes! Mar e terra no nevoeiro a erguerem-se! Da qualidade do espelho em que me vejo e formo depende a imagem que de mim faço e da realidade. A linguagem, a metafísica, tornam-se assim numa potencialidade, a janela aberta para o apartamento do meu ser. “No princípio está a palavra”! Assim a transcendência só pode ser uma possibilidade e não uma limitação da repartição de reparações, nem tão-pouco um analgésico para as intempéries do meu existir. A linguagem é realidade, é sonho, é horizonte, é medicina.

O mestre de Israel, só palavra, curava e salvava do mal, livrava as pessoas dos preconceitos sociais tanto na rua como em suas casas; o seu contacto levava as pessoas a libertarem-se como podemos verificar no caso da prostituta e de tantos outros. Na aceitação está o primeiro passo para a cura! Ele trouxe uma nova vida e, dele, ela emanava também. Não pregava a existência de Deus vivia a vida em relação: uma relação nobilitante e criadora expressa no amor trinitário. Assim transpõe a barreira do som e da visão entre vida e existência tornando presente o aquém e o além numa presença que é futuro também. O existir torna-se no estar aqui e o “ser” transforma-se em relação envolvente do espaço e do tempo no transcendente.

Deus é o outro, o vizinho a quem me dirijo, aquele que me possibilita e acorda para a vida. Na minha expressão para com Ele me possibilito, aprofundo o meu ser. Por outro lado Deus é, como poderemos apreender pelo mistério da Trindade e seu processo contínuo de incarnação e ressurgimento no ser , toda a minha potência, o vigor do mundo a acontecer. Ele é a paisagem de que faço parte, o ar que inspiro e expiro. Ele é ao mesmo tempo o outro e a minha presença, a outra parte de mim mesmo. Para ele falo e nele me torno presente nos meus sentidos. Nele me torno perspectiva.

Tal como o nascimento começa com um grito do bebé e da parturiente assim o verdadeiro nascimento para mim mesmo e para o mundo começou com um grito para Deus. A pobreza e a injustiça do mundo estreitam tanto a vida gritando tão alto que me acordaram para Deus e nele me descobri a mim. Nele acordei e me senti. A dor do mundo acordou-me para Ele e senti nele o mundo presente. Sem a resistência nem a dor do mundo não me teria posto à procura do Deus, do Homem, da Natureza que me puxa. Como nas lâmpadas a luz torna-se visível no estreito, na resistência às circunstâncias da vida em fluxo. No estreito da dificuldade brota a vida tal como do ramo verde a flor. Nas suas pétalas coloridas, a flor canta a sua vida e testemunha a vida da natureza. E nesta tantas pessoas mantidas na sombra da vida não chegam a florir!

De facto, Deus já me tinha visitado nos meus sonhos e nos vales e montanhas de Arouca. A prisão da vida ofendida de que falavam os missionários, aquando da preparação da Páscoa e das festas grandes da terra, nos meus tempos de criança, fez surgir em mim a vontade de ser, a vontade de libertar e de andar para lá dos horizontes que ameaçavam repousar nas montanhas. A esperança porém avistava algo para lá do longe, para lá da linha do horizonte. Na minha fantasia de criança imaginava o caminho para a liberdade do céu como o traçado dos postes de fios de alta tensão que rasgavam caminhos sem fim através das montanhas! Por lá seguiam as almas ao encontro dos anjos no céu…

Nos campos ao lado, sentia a libertação da cor no vermelho das cerejas e no colorido da paisagem a chamar! O amor sentia-o também num rosto de menina (Mariazinha), alargado na paisagem que interiorizava, sentado, ao sol do recolher do dia. Neste ambiente se misturava uma variedade de sentimentos e cores que se reuniam religiosamente na construção de pontes que tornam a distância perto e se vão juntar, de mãos erguidas, no círculo do arco-íris.

A dor dos abandonados do mundo sentia-a também na geada vidrada dos amanheceres cristalinos do vale no Inverno e no vigor da vida reprimida que por sua vez se liberta nas trovoadas sonantes do Outono e da Primavera. Na natureza dos vizinhos mais pobres via, mais presente, o sofrimento mudo e os gritos da fome e da injustiça do mundo. Será que Deus anda distante? Será preciso acordá-lo?

Tudo isto provocava ventanias e tempestades num espírito de criança. Daí surgia uma energia desmedida que contradizia a força do hábito e do aconchego do ninho fofo da família. Queria sair da roda do destino rotativo e tornar-me missionário do amor, ser um fósforo apenas, para ajudar a acender a fogueira do amor, e, de lar em lar, ajudar e me aquecer!

O sorriso daquele Sol aquecedor que afastava as tremuras do frio invernal, porque não há-de ele brilhar para toda a gente, em todo o mundo? Porquê tanta gente a tremer de frio e de medo?

Tal como no botão primaveril hiberna em cada um de nós o botão do espírito, a esperança de levar o sol da justiça ao outro, a outros povos. Nos pobres do mundo e nos sofredores espera Deus por ti para que lhe dês a mão. A dignidade deles espera por nós, aguarda ser aceite. No encontro se realiza a divindade! Deus torna-se no vizinho. O sol do amor nos levanta para a vida. Aceitar-se e aceitar é o passo em frente a caminho de Deus em ti e no outro. Então o outro é digno não por ter Deus mas por o ser tal como eu em Jesus Cristo. O mesmo amor que nos gerou nos mantém e nos dá as boas-vindas a este mundo. No Sol que raia na natureza, tal como no amor que nos inibira, está presente a mesma centelha divina que nos sustenta. A imagem e semelhança de Deus que reflectimos esperam que em nós se torne a imagem e semelhança da natureza. O ser do Homem é processo, é tornar-se Homem na comunhão divina com a natureza, tal como no processo da incarnação: o Sol ilumina a matéria divinizando-a.

Os padres lá na aldeia diziam que Deus se encontra à nossa espera. Havia que irromper de si mesmo para tornar Deus presente, em mim mesmo e no mundo. Urge libertar os povos da prisão do Egipto, da prisão da pobreza e da injustiça. E eu só me liberto, libertando! Deus é salvação em nós e encontra-se prisioneiro de nós mesmos. No encontro com o outro, com o vizinho sentimos a fidelidade divina que nele se revela. Deus grita da nuvem da miséria e do sofrimento para no encontro contigo se gerar a luz, acontecer ressurreição de Cristo, de ti, do vizinho. Deste encontro surgirá uma nova terra um novo céu.

Aí o brilho das cores, o vermelho da vida será comum às cerejas e a toda a criatura em todo o mundo. Nessa fulgurância Deus crê em mim e o seu crer me dá força e consistência para o encontrar. O resto é a aventura de tudo em relação! Na vivência e no testemunho surge então a realidade profunda da vida que é relação e troca manifestada no calor e no amor!

A esperança é a fonte de toda a possibilidade e, na divindade, tudo é possível. A realidade é o lugar limitado onde acontece a realização, de todas as potencialidades a caminho, para lá do horizonte. O amor é a amplitude do horizonte que tudo rejuvenesce e mantém o futuro aberto.

A fé é uma faísca na escuridão da tempestade cerrada. Ela possibilita a esperança e a própria realização, acorda os nossos sentidos para a vida. Ela possibilita a aurora dum novo dia sempre a acenar. Para lá do infinito há o sol a raiar e a seu caminho a minha alma a formar-se na presença do aquém e do além; em Jesus Cristo Deus abandonou o Céu para se tornar a vida e a crítica do Homem.

Uma sociedade que não dá lugar à possibilidade de Deus despede-se da humanidade. Deus é a potencialidade das potencialidades, ele abre-lhe a perspectiva da liberdade e a amplidão da paisagem. O distanciamento de Deus conduz ao corte com a vida e à injustiça entre os homens e ao distanciamento destes para com a natureza. Deus está presente em toda a pessoa é a luz que procura brilhar também nas nuvens da resignação.

Independente de todo o arrazoar: a cruz continuará a ser a escada do futuro e Deus a sorte dos pobres na realização do hoje através da construção da humanidade de amanhã.

Eu não creio em Deus, Deus crê em mim!

©António da Cunha Duarte Justo
antoniocunhajusto@googlemail.com

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