A AMÉRICA ELEGEU UM PRESIDENTE PRETO

América mais universal e menos americana

António Justo
Os Estados Unidos da América elegeram o seu primeiro presidente preto, 150 anos depois da libertação dos escravos. A América apresenta-se com um rosto novo ao mundo!

Barack Obama conseguiu entusiasmar a América pela política. A participação eleitoral alcança um novo recorde. 153 milhões de cidadãos participaram nas eleições conseguindo Obama já 57,7 % dos votos para si. O 44.° Presidente da USA apresenta muitas semelhanças com o presidente Kennedy que então foi o símbolo duma nova América.

A América ao eleger um presidente preto reconcilia-se consigo mesma e com o mundo.

Com a derrota de McCain a USA despede-se duma era histórica nostálgica de vitória e de força no mundo.

Num momento em que o sonho americano sofre as primeiras arranhaduras com a crise financeira, a USA procura um novo papel na história. Barack Obama personifica o sonho americano de vida, liberdade e felicidade. Ele consegue subir, com o próprio esforço, duma situação modesta ao mais majestoso cargo da América. Os votos em Obama são mais que os votos num partido. São os votos dum movimento, o grito da esperança que surge da profundeza da sociedade americana. Na vitória do partido democrático está presente a desilusão de políticas falhadas e a esperança daqueles que levantam a mão, no desejo de verem os seus interesses chegarem à ribalta da nação. Por todo o lado se torna latente o desejo dum novo começo.

Obama, na sua campanha eleitoral, procurou um novo estilo de discurso. Tentou superar os clichés ideológicos de direita e de esquerda, de Etablishment e de carenciados. Com estilo deixou alguns alertas dignos de escrita no álbum dos partidos: “Não há uma América liberal e uma América conservativa – há os Estados Unidos da América”. Aqui, Obama não se revela como um político normal. Ele quer construir pontes para melhor servir o povo americano.

Às águias do poder, que questionavam a sua experiência, ele responde:”Trata-se da capacidade de discernimento e não da experiência”. A América, tal como ele, é jovem e na sua juventude antecipa o futuro. Obama fala, no plural, dum futuro melhor onde “nós todos encheremos o sonho americano com nova vida, onde todos terão, verdadeiramente, as mesmas chances”. A América é sempre jovem porque a sua elite sonha e com ela o povo também. Nela a elite, com todos os seus paradoxos, não deixou de ser povo.

O povo americano elegeu uma biografia e não um programa. Na sua pessoa os americanos vêem a história da América, reconhecendo-se na sua mensagem de esperança e entusiasmo.

Todo o Mundo olha para a América porque sabe que grande parte do seu destino depende dela.

A concorrência da Rússia e da China, o ressentimento árabe, o terrorismo e a inveja europeia terão um novo peso na nova era que agora se anuncia.

Embora o tema da guerra do Iraque tenha estado ausente durante a propaganda eleitoral, o seu fim não pode ser adiado indefinidamente. A sua vontade de reformar o sistema de saúde é mais que pertinente. Embora se incline para o proteccionismo económico (o que assusta os chineses) mostra-se mais liberal na política de segurança. Com ele talvez a presença militar da USA no mundo, com as suas 761 bases militares em 151 países, se faça sentir menos e a ideia imperialista presente em todas as civilizações se comece a embaçar. Com ele, os europeus querem ser tomados mais a sério. Esperam uma política que não se aproveite da rivalidade entre os Estados europeus e que assuma compromissos internacionais em questões de protecção do clima e do controlo de armamento. (O problema para Obama em relação à União Europeia será saber o que esta quer!) Os poderes que Obama tem de enfrentar são hercúleos: um mundo contraditório em si, os serviços secretos, as forças militares e económicas e uma pratica mundial em que o ser humano ainda não é tema prioritário.

Obama, filho de pai queniano e de mãe americana, desperta muitas esperanças também na África. Espera-se que ele não escreva apenas história americana. Os russos esperam, com ele, ser mais fácil recuperar o velho brilho de potência que tinham no tempo da União Soviética.

Obama não será nenhum santo. Neste sentido fala a sua carreira de político. Consta que nas escadas do poder partidário ninguém sobe sem cadáveres na cave. Além disso, as esperanças, nele colocadas, tornarão mais difícil o seu papel de presidente. As projecções colocadas no presidente eleito são de tal ordem que exigiriam dele uma pessoa sobre-humana para as satisfazer. Só resta lugar para o desencanto.

A crise financeira mostrou a necessidade duma nova ordem mundial. Uma mudança radical seria mais que óbvia.

Obama encontra, como hipoteca, a guerra do Iraque que terá de pôr fim em tempo determinado. O conflito israelo-árabe espera também por solução. A necessidade da USA se libertar da dependência dos regimes do petróleo possibilitará o renascimento da ecologia. Ele quer “um governo do povo para o povo”. A crise histórica em que o mundo se encontra não facilita o papel do presidente. Não será fácil tirar o carro da lama.

O novo presidente pode tornar-se numa oportunidade de reconciliação de muitos países com os Estados Unidos. Ele é o símbolo da nova era. Nele pode torna-se possível a integração da potência e da impotência e assim se passar da era do diálogo para a era do triálogo. A chama da liberdade deixará então de ser tão deslumbrante.

A sua vitória, integrada na sua biografia, revela a possibilidade de integração das forças do Sul com as do norte. Na sua personalidade se encontra a mistura americana, a mistura racial e religiosa. Barack Obama representa na sua pessoa a post-américa, a vontade de integração do mundo do norte e do mundo do sul. A América permanecerá sempre uma nação universal, um luzeiro que integra em si todas as culturas.

A América continuará a ser a AMÉRICA: talvez mais universal e menos americana!

António da Cunha Duarte Justo
antoniocunhajusto@googlemail.com

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A Crise Financeira é uma Crise do Capitalismo e do Socialismo

UM ESTILO DE VIDA PROGRESSISTA MAS SEM FUTURO
António Justo
Com a crise do sistema financeiro, a globalização do medo real tornou-se um facto palpável. Não há civilização que não esteja implicada nas causas e consequências do furacão que teve origem na Wall Street. Esta crise financeira transforma-se numa crise económica universal que tocará com o preço das matérias-primas, com o bolso dos empregados, com a localização dos centros de produção das grandes multinacionais que privilegiarão as nações de proveniência contra as economias mais fracas. Ai dos países endividados! A recessão em curso atingirá as camadas mais fracas da sociedade ocidental e os países mais carenciados. Tudo isto é a consequência do agir de elites que, num mundo da quimera, trocaram a realidade pelo virtual.

Pouco a pouco também a cidadania se torna virtual e o povo vive em segunda mão. No passado o Homem era a medida de todas as coisas. Agora na era da nova espécie, no tempo do Homem cliente – consumista, e duma elite de Zés Pereiras, tudo vale; não há medidas, não há normas nem há regras. E o Zé Povo, condenado a acreditar, a confiar na fé de construção duma sociedade progressista baseada numa ética barata e oportuna, já não à medida do cidadão mas do proletário. A chanceler alemã, Ângela Merkel, ao afirmar que “o Estado tem de ser o protector da ordem” tocou um ponto nevrálgico da sociedade ocidental. Para se chegar porém a esse facto, pressupõe-se que o sistema partidário descubra primeiro o povo e a nação.
Os Estados estão a saque
Na Europa, os Estados, especialmente depois da queda do muro vermelho (muro da vergonha), passaram a estar cada vez mais a saque de ideologias políticas que ocuparam a ideia de democracia, instalando democracias de cariz partidário autoritário e monopolista, cada vez mais longe da realidade e do povo. Um socialismo rasteiro infiltrou-se nas mentalidades e nos quadros da sociedade ajudado pelo descrédito da velha sociedade do período fascista europeu. Na desordem e na confusão prosperam e legitimam o ilegitimável e os conservadores fracos passam a correr atrás de franco-atiradores.

Ao mesmo tempo a economia divorcia-se da cultura. O globalismo congrega então os interesses dum turbo-capitalismo desregrado e a ideia dum internacionalismo militante contra a terra e contra a cultura. Esta união de forças e de interesses acelera os problemas ecológicos. Não há forças conservadoras com coragem de defender a terra, o povo e a cultura. A política passou a andar ao sabor da ideologia e a economia acabou por depender da ideologia financeira, destruindo-se então a economia social.

O mundo financeiro desligou-se da economia produtiva e consequentemente também o mundo da política se desligou do cidadão considerando-o apenas sob a perspectiva do homo contribuinte. Na nova Europa, a escola e as universidades têm-se vindo a tornar em estaleiros para a indústria e para o comércio. Tudo tem de trabalhar a tempo pleno, correr de empreg para emprego, sem respeitar os tempos sagrados de descanso do Homem nem a sua dignidade. Tudo se sacrifica à produtividade, na banalidade dum factual alheio à realidade da natureza e do Homem.

As elites económicas e políticas tinham-se unido premiando o endividamento do povo, pretendendo criar um homúnculo consumidor e gastador em função das receitas da empresa e do Estado. O seu conceito fazia lembrar uma equipa de futebol em que só os jogadores marcadores de golos têm direito a ganhar, e para melhor em campo sem árbitro! Agora que os avançados se encontram aparentemente atolados na lama, os políticos procuram o assobio entretanto substituído pelo barulho das próprias claques.

A especulação chegou a tal ponto que, em vez de se fortalecer o poder de compra do consumidor, através dum ordenado justo, se despreza o trabalho do operário e se especula com trabalhadores mais pobres ainda doutras terras. Se antigamente as guerras se davam entre povos na defesa dos interesses das elites dos respectivos povos, hoje as guerras são realizadas entre as classes mais baixas dos diferentes povos para que as novas elites de mercenários beneficiem delas, dando-se também ao luxo de marginalizar a classe média, o verdadeiro motor das sociedades.

À semelhança dos fanáticos das montanhas do Afeganistão, também a nossa elite, por nós alimentada e legitimada, se refugia nas suas torres de marfim. Cada um olha do seu alto a realidade do mundo e do cidadão com altivez e desdém! A exploração ideológica e económica nunca andaram tão juntas e nunca foram tão descaradas como são hoje.

A Europa, nos últimos vinte e tal anos, tem destruído a sua personalidade e desmantelado o seu rosto humanista. O turbo-capitalismo e o socialismo uniram-se contra o Homem, contra a natureza e contra os biótopos culturais e humanos. Já não há sagrado, não há pátrias nem família que se não ponham à disposição. Da colonização externa passa-se à colonização interna. Com a morte de Deus morre o Homem, morre a sua interioridade, a sua ipseidade, aquilo que lhe dá dignidade! O Olimpo foi assaltado por novos deuses que nem a alma já respeita da pessoa agora socializada e reduzida a opinião de cliente.

Tudo cede às leis do mercado especulador. A nossa sociedade continua a recusar tornar-se adulta e ainda se arroga a vaidade de se comparar com outras. Prefere viver entre o medo adolescente e a exploração. De facto, nela tudo se torna cada vez mais instável: a vida social, a vida profissional, a vida familiar e a própria vida existencial. Se antigamente se pagava o medo com o Paraíso hoje paga-se com o voto e com o mercado. Viver torna-se num risco cada vez mais presente e consciente porque se opta por uma forma de vida em segunda mão. Se nas sociedades primitivas o Homem tinha medo das feras ameaçadoras hoje tem de recear os monstros que ele mesmo criou. As pessoas, com o medo, fogem à vida, tornando-se vítimas de muitas das ideias e das estratégias de fuga.

Assim, abdica-se da humanidade, no medo de perder o emprego, na insatisfação de ver o custo de vida aumentar e na insegurança duma reforma hipotecada. O Estado e a economia tornaram-se, também eles, nossos rivais. São, por vezes, mais um factor de insegurança do que de segurança. A lei da concorrência, a todos os níveis, parece ter-se emancipado da biologia já de si selectiva para se tornar na prática da concorrência pela concorrência. Cada vez se exige mais, se trabalha mais e se vê menos. Se antigamente o homem lutava primariamente contra as adversidades da lei da natureza, hoje, além desta, tem a luta contra as adversidades das forças institucionais que se apoderaram da cultura.

Também o sistema de saúde, que deveria sanar igualmente o medo dos pacientes, se torna, cada vez mais, no purgatório destes e no paraíso da indústria farmacêutica e de políticas de clientelas elitistas. A sociedade actual, em vez de tentar orientar-se para o fomento duma sociedade média mais estável, alargada e humana, nivela-se pela camada mais precária.

Se queremos a globalização, teremos antes de humanizar a economia e a relação social no respeito pelas ecologias. Agora que o homem vai atingindo uma consciência global torna-se mais premente a necessidade dum governo mundial mas que parta do Homem para o Homem, doutro modo o anonimato das superstruturas farão definhar os vestígios de humanismo ainda presentes nalgumas instituições. Apesar do vírus da rotina e do acomodamento não estará tudo perdido e o Homem encontra sempre uma saída. Há que encontrar primeiro o Homem para depois se recriarem as instituições.

António da Cunha Duarte Justo

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Liberdade Hipotecada

NÃO CHEGAM NOVAS REGRAS PARA A ECONOMIA
Liberdade Hipotecada
Antonio Justo
A crise financeira internacional revela a urgência de voltar à economia de mercado social pautado pela responsabilidade social e individual tal como exigem críticos do turbo-capitalismo e sugere a doutrina social da igreja. Para isso precisam-se cidadãos fortes num estado forte. A crítica analítica (não a sociedade proletária socialista) de karl Marx ao capital revela-se como correctivo oportuno às fúrias dum capitalismo atrevido que cada vez despreza mais as leis de trabalho.

Esta é a hora do Estado, a hora da segurança, a hora dos políticos e a hora da burocracia. A ideia da liberdade tornou-se frágil perante a necessidade de segurança agora prioritária! A crise leva à consciência da liberdade hipotecada.

Esta crise poderia dar oportunidade ao nascimento dum novo sistema financeiro mundial orientado para o povo e para os povos. A História apenas reage, não parece predispor de tempo para pensar e agir a partir duma nova perspectiva. Neste momento todas as energias se dirigem no sentido da estabilidade do Estado e do sistema financeiro, passando a questão da necessidade duma nova ordem social e da justiça social para um lugar menos relevante. Não resta tempo para filosofar. O activismo torna-se óbvio para defender a carteira e colocar o dinheiro em segurança…

A América Latina, em vários Estados, já adivinhava a crise ao fortalecer o poder do Estado perante o mercado financeiro. É realmente necessário muita força para controlar os grandes e para poder impor-se contra a corrente do banal agendado. A História continuará a repetir e a falar das mesmas crises, dos mesmos mecanismos de poder e de opressão, acomodada à prática de que o óbvio é contra o humano.

A situação faz lembrar um doente que, em vez de procurar descobrir o sentido mais profundo da sua doença, recorre aos comprimidos e às injecções, porque só pensa em livrar-se da doença o mais depressa possível, sem pensar que a enfermidade é apenas um sinal de alarme a chamar a atenção para o estilo de vida seguido. O alarme do sistema económico dá sinais mas a política e a economia só parece estar interessada em desligar o alarme para que tudo corra como de costume. O problema permanece, sabendo-se de antemão que o alarme voltará a tocar noutra circunstância.

O Neo-liberalismo revelou-se como uma ideologia especulativa alheada às regiões e às sociedades: abusa da natureza e do Homem. O mercado livre descontrolado e desregulado conduz à omnipotência e omnipresença duma casta cínica que se apodera de todos os grupos precisando sempre de vítimas para sobreviver.

Uma economia de mercado sem um enquadramento ético e social conduz à catástrofe.

Não chega a desculpa da lógica da causa e efeito nem tão pouco se justifica o alinhamento atrás dum mercado livre na esperança de que ele tudo regulará.

O Homem tem memória curta e a massa anónima é bicho de hábitos. Em breve tudo passará à ordem do dia, do rotineiro, à conveniência da banalidade do factual. Assim, para o povo não ficar sem o dinheiro dos bancos falidos, os governos disponibilizam as verbas do povo, hipotecando as próximas gerações. O dinheiro agora emprestado aos bancos desvalorizar-se-á e o dito povo solucionará a crise com maior desemprego e pagando taxas de juro mais elevadas. Não está em discussão a tomada de medidas pelos Estados, o que preocupa é que esta seja tomada sem o povo e à sua margem; o que preocupa é o sistema!

Assim, contrariamente ao que se esperava, a América e o seu sistema parecem sair-se bem da crise. De facto o Dólar tem encarecido e o Euro embaratecido.

As elites do êxito revelaram-se incapazes. A arrogância da elite económica revelou-se precária perante a elite política. A Alemanha colocou 500 biliões de Euros à disposição de bancos em risco de falência; estes têm medo de recorrer ao subsídio público, por um lado por terem de se submeter a regras estabelecidas pela classe política e por outro lado para não manifestarem a sua fraqueza perante a sua clientela, o que poderia provocar a falta de confiança nas suas instituições.

Facto é que, na Alemanha, bancos que recorram à subvenção do Estado, terão de submeter-se a maior controlo estatal e os seus chefes não poderão ganhar mais de 500.000 euros por ano. A Caixa de Depósitos da Baviera é a primeira a recorrer à disponibilização de dinheiros públicos num valor de 5-6 biliões de euros.

Se o mundo fosse tão fácil de governar como o céu e o inferno, não seria precisa a inteligência humana. Porém, parece exigir-se demais à inteligência humana ao pretender-se acabar com o inferno de uns e o paraíso de outros.

A esperança permanecerá a riqueza de uns e a miséria de outros!

António da Cunha Duarte Justo

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Islão – Um Desafio às Democracias

INTEGRAÇÃO BILATERAL – UM EMPREENDIMENTO IRREALISTA?
António Justo
Nos anos da reconstrução da Europa, depois da Guerra, as indústrias nacionais europeias absorviam grandes contingentes de trabalhadores, necessitando por isso de recorrer também à mão-de-obra estrangeira. A política recorre, então, à angariação indiferenciada de trabalhadores. Contava apenas com trabalhadores mas vieram pessoas.

No princípio a sociedade maioritária divertia-se com o folclore e com o exotismo dos imigrantes e refugiados. Na sua escassez individual eram dignos da simpatia da sociedade acolhedora. Os representantes do Estado e da Economia sentiam-se benfeitores de uns e de outros. O povo operário das nações industriais sentia-se bem porque abaixo dele ainda havia outros, o proletariado estrangeiro. Hoje, época em que as indústrias é que emigram, e a política europeia se orienta para a criação duma camada social alargada carenciada em todas as nações, os conflitos sociais aumentam. A concorrência nos lugares de trabalho é já tão desumana que obriga não só a camada dos carenciados a uma luta desesperada pelo posto de trabalho disponível, como torna também instável a camada social média que constituía o suporte da sociedade pré-global. O sistema económico não aferido às necessidades humanas da pessoa vai dando hipótese a alguns e provocando o devaste dos biótopos naturais e humanos.

Hoje os políticos de então reconhecem o falhanço da política de imigração. Uma população de cultura árabe consciente e activa mete medo a uma sociedade acomodada. A vitalidade daqueles talvez seja a maior razão dum medo inconsciente desta. Com os imigrantes vieram também as estruturas culturais das suas nações e religiões. Antes que os recém-chegados se individualizassem e tivessem tempo de se distanciarem das suas culturas de originem e de se adaptarem criticamente à nova, as estruturas religiosas e políticas de origem instalaram-se servindo-se da sua necessidade, mantendo-os prisioneiros das antigas amarras, em nome do serviço e do perigo dos outros. Entre assimilação e gueto é roubada ao emigrante / imigrante a capacidade de descobrir uma terceira via, o seu caminho. Este, vítima de estruturas injustas que o obrigaram a abandonar a sua pátria, continua a ser areia nas engrenagens das estruturas.

Pouco a pouco vão levantando a sua voz dissidente. Essa voz porém é a do grupo, não a sua. Assim, assistimos a grupos contra grupos, à custa da despersonalização de uns e de outros, contra a construção duma realidade maior: o mundo, o universo.

Os crentes da democracia e da Constituição receiam ter de retroceder dos direitos adquiridos e terem de aceitar hábitos já ultrapassados há centenas de anos na Europa. Agarram-se então a um punhado de direitos, à Democracia e à Constituição, como se estes fossem imutáveis e inegociáveis. No seu catecismo pensam resolver tudo com a separação entre Estado e Religião como se o Estado fosse eunuco e a religião não fosse prostituta. Assim se vai vivendo da disputa das ideologias; com o tempo, porém, o povo é quem mais ordena! Ele é a valia que permanece embora adiando sempre a sua personalização, o seu estado adulto.

Nos países de imigração o abdómen social já rumoreja. O tema da integração polariza os grupos; esquerda e direita esquartejam a realidade para, da refrega, poderem receber alguns créditos. Assim se perpetua a luta de grupos estabelecidos à custa e à margem do povo. Por enquanto ainda não se ganham eleições agitando o povo contra os estrangeiros; a manifestação é ainda em surdina e envergonhada, mas a continuar assim lá chegaremos. A História ensina-nos que o que conta são as superstruturas e não a pessoa individual. Não resta grande coisa para o desenvolvimento da pessoa.

É verdade que a integração é diálogo (melhor seria triálogo) e não pode ser uma auto-estrada de sentido único. De “fora” vêm pessoas com as suas tradições, o tradicional refúgio da precariedade. Se lhe tiram a religião com que é que ficam? No sentido contrário não há trânsito nem parques de estacionamento para guetos compensatórios.

Resignadas, as forças políticas dos países de acolhimento afirmam-se na contradição, à custa dos imigrados e da própria cultura; à custa dos imigrados e dos cidadãos. Por enquanto a esquerda ainda ganha com os votos dos estrangeiros. Mais tarde virá a hora da direita, dado esta corresponder mais à mundivisão daqueles e se preocupar por uma ordem dos costumes menos permissiva.

Políticos já começam a exigir que os imigrados aprendam a língua do país; até agora não se tinham dado conta dos guetos e de muitas crianças que não falavam a língua da escola. Apesar disso muitos defensores dos direitos humanos não estão de acordo com tal obrigação. Seria como que querer obrigar a raça cigana, de hábitos mercantis a ter de se dedicar à agricultura.

Para muitos só se avistam problemas a todo o alcance do olhar. De facto, a estrutura social ordenada maioritária estava habituada a oprimir o próprio povo por tradição e hábito; agora as minorias em nome da sua liberdade religiosa e cultural vêm questionar toda a legitimação do poder estrutural. A sociedade passa a ter dois problemas: o dos novos que chegam e o dos autóctones dormentes que passam a ser acordados por aqueles. Quem não tem nada a perder só é tolo se não arrisca, solidarizando-se!

Os estados europeus, que apostam tudo na estrutura, não estão preparados para dialogar com os grupos do Islão que, baseados mais numa organização de tradição tribal, não conhecem uma organização cúpula, uma representação única, escapando assim ao controlo central e à centralização administrativa. Para os organizadores do ensino da religião islâmica nas escolas, esta situação torna-se complicadíssima atendendo ás diferentes proveniências e legitimações.

Alguns cidadãos resignam-se aceitando que a cultura maioritária terá de oferecer descontos aos muçulmanos? Será que estes terão de viver sempre como hóspedes até que alcancem a maioria e possam determinar eles o regimento? Também há muçulmanos renitentes que não aceitam as aulas de ginástica de meninos e meninas em comum, famílias que obrigam o porte do lenço às filhas, que as obrigam ao casamento arranjado, sendo tabu maioritário o casamento com autóctones, salvo se estes se converterem.

A religião e a cultura tornam-se em impedimento do encontro de uns e de outros a nível humano. Na prática do quotidiano, os grupos islâmicos escapam à forma de Estado tradicional europeu. Para complicar mais, estes ordenam-se em organizações jurídicas laicas. Estas organizações são porém associações religiosas atendendo a que o islão não conhece a divisão da pessoa em religiosa e laica. Quem vai à associação é religioso. Não conhecem o estado secular, só conhecem o Estado muçulmano. Na antropologia das tribos do deserto não há lugar para filosofias personalistas. O indivíduo só se safa no grupo, antes tribal agora religioso. Desconhecem a forma anfíbia do homo occidentalis. Assim colidem diferentes antropologias sem ninguém que os ajude a perceber que o problema não é humano mas de superstruturas entre elas.

Um outro obstáculo com que deparam é o laicismo – um específico dos países de tradição cristã, um resultado de diferenciação de superstruturas. Cria-se também uma outra dificuldade para aqueles muçulmanos liberais ou ateus nas relações de estado, sociedade e religião, pois, muitas vezes, são englobados no mesmo grupo e representados por dirigentes religiosos com quem não concordam.

Fiéis muçulmanos que vêm de países onde a poligamia é possível não encontram legitimação numa cultura monogâmica. Sentem-se discriminados perante uma lei que se diz liberal permitindo o casamento de homossexuais mas proibindo a sua poligamia. Também o sistema de assistência e providência social não está preparado para dar resposta às práticas poligâmicas nem ao casamento islâmico. Recorde-se um facto publicado em jornais franceses: um homem poligâmico passa pelas diferentes casas sociais onde vivem as suas mulheres. Será que vai receber o óvulo? Não será que também o nosso sistema social beneficia economicamente o homem, reduzindo a mulher à carência económica e psíquica?

Os políticos podem alegar que a Lei Fundamental do Estado europeu se baseia na tradição monogâmica judaico-cristã. Apesar disso, não dá aqui uma discriminação da sociedade poligâmica? Eles também são povo e a Constituição deve ser o resultado da vontade do povo. Ou será que se terá de ligar a Constituição ao território perdendo ela assim o seu carácter orgânico? Será que é legítima a declaração da vigência dos direitos humanos individuais, quando indivíduos apelam para a prevalência de direitos culturais sobre os individuais? Esta é a hora da dança dos representantes dos direitos culturais. Quem define competências e em nome de quem? Para um muçulmano crente a sua Constituição é o Corão e o Hadid; mais que o país, o que conta é a sua civilização.

O conflito de obediências entre Islão e Constituição permanece constante. Muitos encontram assim nichos em relação ao casamento. Na sua cultura encontram-se pessoas já casadas valendo na sociedade civil europeia como solteiras. (Casados ricos pelo islão, pelo facto de o não serem civilmente na sociedade de acolhimento, continuam com direito a apoios sociais etc. enquanto que os autóctones que vêem regulados juridicamente os seus costumes perdem automaticamente esse direito embora vivam em situação igual). Nesta confusão toda certos simplicistas laicistas gritam, acabe-se com a religião. A questão não se resolve pela negativa porque seria pior a emenda que o soneto e à margem da realidade humana.

O argumento de que os muçulmanos da Turquia têm aqui mais direitos que na Turquia e de que o Turquia é um estado que conhece a separação de religião e estado, desde Atatürk, não minimiza o problema dos muçulmanos que vêm doutros estados. O radicalismo muçulmano turco tem mais hipótese de se afirmar na sociedade liberal do que na Turquia. A sociedade civil é lá garantida por uma oligarquia militar que impede que a Turquia se torne num estado islâmico sem separação orgânica de estado e religião.

A questão da democracia e do Estado de Direito está em correlação com o estado de desenvolvimento da consciência individual do cidadão. Para já o cidadão é coisa rara, o que há mais são ovelhas arrebanhadas. Ainda se aposta ‘inocentemente’ na tradição da anti-discriminação embora a discriminação continue não só em relação aos indivíduos indefesos como às minorias desorganizadas. Quando os grupos muçulmanos se tornarem mais conscientes e exigirem os seus direitos então o Estado terá que ceder. É a hora dos grupos que não a da pessoa.

A democracia recebe a sua legitimação da vontade do povo organizado. A democracia, no seu mais íntimo é auto-destrutiva vivendo das periferias da sociedade e da sua inconsciência. Um dia que estas acordem a democracia terá de dizer adeus! A não ser que se desenvolva uma outra consciência humana, que não a actual alimentada das sobras do que falta à minoria.

Como podem forças políticas exigir humanismo aos próprios cidadãos se não salvaguardam os seus interesses compensando apenas o défice de credibilidade com a defesa das minorias estrangeiras? Enquanto dominar a filosofia dos grupos uns contra os outros não resta hipótese ao recém-chegado senão organizar-se e fechar-se em grupos.

Pressuposto para uns e outros no sentido de garantir um futuro pacífico em harmonia seria que uns e outros reduzissem as armaduras culturais a um mínimo, e ousassem individualmente ser pessoa sem aquelas tradicionais ‘canadianas’ que os torna súbditos. O fato cultural que cada um traz vestido para poder passar o Inverno sazonal existencial torna-se então numa couraça que nos agrilhoa à própria cultura impedindo-nos de ver mais longe e de nos descobrirmos a nós como pessoas. Não fomos iniciados na construção duma identidade participada como preveria uma antropologia pressuposta na Trindade (identidade pessoal mas comum). Para isso seria necessária a implementação dum modo de ser e de estar que visse a cultura e a instituição como transitórias e o ser humano como permanente. Então as entidades desaguariam umas nas outras, no desenvolvimento do Homem novo que se encontra a definhar debaixo das ruínas da própria existência e da própria cultura. Então tornar-se-iam supérfluos os critérios fixos de identificação homem/mulher, nacionalidade, raça, cultura ou religião. A construção duma identidade comum no trabalho pelo bem comum deixaria de emperrar na arrogância desumana das instituições que em nome da defesa humana degrada o Homem.

Padrões culturais deveriam servir apenas como os braços duma mãe que se estendem para o filho a fim deste aprender a andar e depois se desenvolver e assim a poder abandonar e tornar-se ele próprio.

As culturas têm muito de comum, que aprenderam umas das outras, num processo de desenvolvimento difícil e moroso. Importa descobrir a sua razão de ser para as submeter à humanidade.

Somos cidadãos do universo, não podemos continuar fechados no casulo da nossa nacionalidade, da nossa cultura, da nossa religião. Sofremos de aziúme a mais da nação, da economia, da religião, da ideologia e do partido. As diversas estruturas para serem congruentes deveriam procurar realizar o cidadão do universo em vez de apostarem tanto na desconfiança, na estratégia do medo e do perigo para o instrumentalizarem em seu serviço.

Entretanto, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos terá muito que fazer, não só na defesa do direito à poligamia e de outros costumes muçulmanos como em relação à discriminação dos cidadãos pelo Estado. Até lá vai-se vivendo do não desenvolvimento da consciência civil e da sua desorganização.

Vamo-nos acalentando na esperança do melhor e vivendo das migalhas de direito caídas das mesas dos seus detentores.

António da Cunha Duarte Justo

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CRISE DO SISTEMA FINANCEIRO

BANCOS SEM COBERTURA
Ontem falhou o Comunismo – Hoje começa a falhar o Capitalismo
António Justo
Estamos a assistir ao colapso do Capitalismo! Precisamente no país do liberalismo económico mais radical. Os accionistas vampiros das finanças serviram-se do sistema financeiro até ao máximo e na sombra de gerentes usurários dos grandes bancos e duma política também ela sedenta de dinheiro.

Tal como o sistema económico comunista falhou há 20 anos, falha agora a ordem económica actual. As ideologias revelam-se precárias. Que se aproveita delas são sobretudo as nomenclaturas dirigentes. O povo é quem paga a fava! Políticos e banqueiros procurarão manter o rebanho calmo no redil. Seria pior ainda se as ovelhas escoicinhassem ao serem tosquiadas, na opinião de políticos e de banqueiros. Estes esperam da política que esta encha os bancos falidos com o dinheiro dos contribuintes para que os que vivem do dinheiro irreal especulativo não vejam diminuir o dinheiro e continuem a operar no seu Olimpo.

“Toda a nossa economia está em perigo”, confessa o presidente americano. Para que os bancos não dêem bancarrota os estados têm de os apoiar com somas astronómicas. A USA começa dando o exemplo disponibilizando 700. 000.000.000 Dólares. É discutível mas se o não fizer mais cara ficará a crise para nós. Mesmo assim as consequências serão desastrosas, por muitos anos. Haverá um decréscimo da produtividade e dos investimentos. O desemprego aumentará. O contribuinte e os fornecedores do capital real ao banco terão de pagar a factura das especulações feitas pelos jogadores das notas falsas da bolsa (economias irreais).

Seremos informados a conta-gotas sobre as perdas reais dos bancos. Seria catastrófico se o povo se apercebesse do problema e perdesse a confiança nos bancos!… Então até os bancos mais saudáveis faliriam. Eles trazem mais dinheiro emprestado do que o dinheiro que possuem. Antigamente tinham o correspondente das notas em ouro. No tempo duma democracia mal gerida basta a confiança e o povo como fiador.

O Doutor Heiner Geißler, antigo ministro do Governo federal alemão e antigo secretário-geral do partido “União Democrática Cristã” (CDU) apregoa a criação duma nova ordem económica mundial, e uma economia internacional de mercado ecológico-social. Para não ser sempre o contribuinte a acarretar com as despesas, defende a criação de um imposto sobre as transacções na Bolsa. Este imposto poderia financiar um Marshall-Plan global.

Precisa-se duma competição regulada, dum sistema mitigado humano. Segundo Geißler o volume de mercado financeiro mundial é de 140 bilhões de dólares enquanto que o produto nacional mundial bruto é apenas de 50 bilhões de euros. Isto significa que há 90 bilhões a mais (falsos) que são usados apenas para fins especulativos e a que falta uma base económica real. A dominância incontrolada dos bancos tornou-se um perigo para os Estados. A privatização dos lucros e a socialização dos prejuízos torna o capitalismo liberal ainda mais desumano.

Há 20 anos deu-se o colapso do sistema económico dos estados comunistas. Pensava-se que o Capitalismo tinha vencido apostando-se no mercado financeiro desregulado. Os resultados estão à vista. A “dolorosa” teremos nós que a pagar!

A aposta dos políticos num mercado que tudo regularia, vê-se agora perdida. Se a política não intervir reduz-se a acólita da ideologia económica. Para evitar males maiores o Estado fica para já como fiador e o contribuinte paga a conta.

A confiança é boa mas o controlo sempre parece ser melhor

António da Cunha Duarte Justo

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