SERVIÇOS DE SAÚDE – A DOR DE CABEÇA DO POVO

O Sistema de Saúde dum País é o melhor Espelho do seu Humanismo
António Justo
A seriedade dum sistema ideológico político ou dum governo e o grau da sua consciência democrática é verificável, especialmente, no seu serviço de saúde e no seu sistema escolar.
Portugal tem grande competência médica, mas um mau serviço de assistência médica. Tem boas regras no papel mas uma péssima aplicação. O confronto com a realidade leva-nos à impressão que as regras estão ao serviço dum Portugal Virtual ou do Portugal dos espertos. Parece sermos seres do futuro temperados na realidade da saudade, que sublima a sua expressão na liturgia do fado cantado e alimenta a sua fé nas peregrinações ao hospital!

Naturalmente situação complicada e difícil de resolver atendendo à indiferença popular, aos meandros da burocracia e a um status quo de administração da miséria. Quem vem do estrangeiro vê-se confrontado com uma negligência individual e institucional democratizada. Por outro lado a paisagem e a impressão que se tem nas estradas e nos supermercados de Portugal é que se vive num país de ricos sem lugar para a pobreza: um país só de bela paisagem e de auto-estradas. A pobreza parece viver envergonhada nos recônditos de becos sem saída.

Um dos becos sem saída popular está nos Serviços de Saúde. Entre o povo, porém, corre a palavra resignada: “Só dinheiro ou o poder de pedidos (relações) e de conhecimentos podem ajudar”.

Temos bons médicos mas também temos médicos que beneficiam do jogo entre a medicina pública e a particular. Quando falo com emigrantes portugueses, quase sempre, surge a queixa sobre a miséria do atendimento, a arrogância e a cobiça de alguns médicos que se aproveitam do serviço público para angariar clientes para os seus consultórios particulares, estando interessados em atender um mínimo de pacientes da assistência pública. Então, cheio de compreensão, explico, que não é arrogância, mas apenas a formação implantada sobre as montanhas da ignorância. Os portugueses residentes já nem notam as insuficiência e “para quem é bacalhau basta”, como se costuma dizer. Contra a doença social crónica parece não haver remédio! E algum emigrante transeunte, espicaçado pelo espírito da comparação, que ousa murmurar em detrimento da situação, até chega a ser apelidado de falta de patriotismo!

Portugal tem a tradição de agrupamentos com formulação de interesses só a nível de cúpulas com as correspondentes ordens (médicos, advogados, …), associações e fundações. O resto, reduz-se a um rebanho de ovelhas abandonadas; cada um a olhar só para o seu umbigo ou quando muito para o da família (esta é a nível político sistematicamente destruída); a sobra compraze-se num queixume de palavra mofas sem forças já para acções.

Há dias um português narrava a experiência tida nos Serviços de Saúde de Nelas onde, depois de atendidos apenas os 13 pacientes da praxe, o resto da fila foi mandada embora com um sorriso inocente de que poderiam vir no dia seguinte ou dirigir-se ao consultório particular pagando.

Outros referem-se ao humilhante costume de pacientes que têm de ir muito cedo para os Serviços de Saúde na esperança de alcançarem uma posição na bicha que lhes dê perspectiva a serem atendidos. Quando se passa pelos Serviços até se fica com a impressão de que a vocação do povo é esperar, esperar de ânimo leve!

Uma emigrante lamentava que familiares do interior se vêm obrigados a ir alguns dias para pensões para terem a oportunidade dum tratamento adequado. Quando me deparo com tantos queixumes, vindo eles sobretudo da Província, até me questiono se para além do Portugal virtual não haverá também o da Capital e o da Província! Doutro modo só restaria continuar fiel ao destino de emigrar para alguns poder fartar.

Muitos emigrantes portugueses na Alemanha, cujo sonho foi um dia poder voltar a Portugal com o olhar levantado, à medida dos do Portugal Virtual, se vêem agora impedidos a realizá-lo, por causa das deficiências da assistência médica. Outros vivem em Portugal mas vêm regularmente à Alemanha para as consultas. Será que a economia portuguesa tira proveito desta situação ou trata-se apenas de miopia? Seria óbvio que os nossos doutorandos fizessem as suas teses de doutoramento mais sobre a prática das realidades nacionais do que sobre teorias que mais servem os teóricos da realidade!

Portugal tem uma organização administrativa bem instalada mas que especialmente nos sectores da Saúde e da Justiça funciona pessimamente. Portugal tem bons princípios escritos só que o papel que os suporta é demasiado caro!…

No próximo artigo falarei dum caso relativo a cirurgia de que pessoalmente tomei conhecimento!

António da Cunha Duarte Justo

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António da Cunha Duarte Justo

Actividades jornalísticas em foque: análise social, ética, política e religiosa

2 comentários em “SERVIÇOS DE SAÚDE – A DOR DE CABEÇA DO POVO”

  1. Meu caro Prof. António Justo:

    Após ler o seu excelente post, sob este tema tabu, li no "CM" de 21 do corrente, sob o título: Pedro Nunes avisa para riscos de excesso de clínicos – Ordem defende menos médicos, esta notícia, cujo início transcrevo:

    "O bastonário da Ordem dos Médicos defendeu ontem, no Parlamento, uma estabilização do número de vagas nas faculdades de Medicina, sob pena de se formar médicos em excesso, o que pode resultar numa indiferenciação das especialidades e colocar em risco a qualidade técnica da Medicina e da ética médica. O desemprego é outra possível consequência.

    Pedro Nunes admitiu haver carência de médicos, mas defendeu que a solução não passa por aumentar o número de vagas nas faculdades…"

    O que me diz?

    Pasmei como o jornal não teve o cuidado de, mesmo superficialmente, analizar da inveracidade dos dislates do "barão" ora bastonário da Ordem dos Médicos.

    E ainda temos sorte porque o Dr. Pedro Nunes até admitiu haver alguma carência de médicos, o que é por si um contrasenso com a sua visão de que o desemprego possa vir a ser para os médicos uma consequência de se formarem médicos em excesso…

    Médicos em excesso onde? Só se for nos países verdadeiramente civilizados, democráticos e evoluídos, no número dos quais Portugal está muito longe de ser incluído.

    Este "barão" da medicina quer fazer de nós estúpidos. Com médicos destes não vamos a lado nenhum, as listas de espera nos hospitais vão continuar na mesma e doentes com cancro, por exemplo, vão continuar condenados a morrer, como ainda há dias a ministra da saúde admitiu no Parlamento.

    Venham médicos Brasileiros, Ucranianos, Espanhois e até Cubanos, enquanto não temos um governo com coragem para criar novas Faculdades de Medicina no interior do país, onde é gritante a falta de médicos, como por exemplo em: Bragança, Viseu, Guarda, Portalegre e Beja!

    Um forte abraço,
    Jorge da Paz

  2. Prezado Dr. Jorge da Paz

    Obrigado pelo contributo.

    Os "barões" só querem a concorrência das zonas reservadas à cave da sociedade. Quanto mais subidos nos seus andares, mais perto dos deuses etéreos se encontram. E os nossos "barões" são os nossos deuzitos cá na terra. Estes vivem do sacrifício e da contemplação!…
    Umk abraço justo
    António Justo

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