Um Papa Alemão – A tentativa de impedir o Naufrágio da Europa?

Nada envejável a nova missão que Razinger assume na qualidade de papa Bento XVI. Contra ele, os clássicos inimigos no sistemático ataque à religião e em especial à Igreja Católica, e o ressentimento daqueles que ainda identificam os alemães com o nazismo, não esquecendo a crítica construtiva de empenhados no aggiornamento.

A favor duma Europa com Alma
Numa época em que cada vez mais se propaga a construcção duma EU à margem e contra o Cristianismo, Roma talvez queira, com Bento XVI, acordar a Europa para a sua missão e para os valores que lhe deram o ser e a primazia no mundo.

De facto, há uma elite militante anti-cristã/ anti-ocidente que cada vez mais ocupa, na Europa, os lugares estratégicos da política, das universidades e dos media. Danificados da Geração de 68, desiludidos marxistas e militantes do racionalismo modernista ditam o discurso público e a subsequente ditadura relativista com a consequente banalização da vida e dos padrões morais nivelados a um plano de base primitivo que deve servir de plataforma social e ética àquela Europa que atingiu os lugares mais altos da ética, da filosofia e da civilização: uma afronta ao pensamento sério europeu e uma traição aos nossos antepassados. Instalada a sensura mediática e do politicamente correcto evitam qualquer discussão séria. O podium das nossas praças públicas é ocupado por intelectuais ou pseudo-intelectuais marxistas e acólitos políticos e religiosos. O que interesse não é o saber mas a opinião. ”Estrangeirados” e desacautelados põem à disposição a civilização ocidental esvaziando-a da sua herança judaico-cristã, alheios a Platão, Aristóteles e à história da filosofia europeia, exterminam a sua identidade subterfugiando-se numa confusão multicultural abandonadndo o campo ao esoterismo e ao islão. Querem uma Europa à la France do séc. XVIII, laicista ateia , sem alma, compatível com o islão e, quando muito, com uma religião egocentrista à la carte: racionalismo e irracionalismo de mãos dadas. Assiste-se à tentativa de se instaurar um projecto de União Europeia politeista esquecendo que o garante da pluralidade cultural e do universalismo foi apenas possível com o monoteismo, o monoteismo judaico-cristão. Não chega só a apologia da razão nem só a da religião. No dizer de Razinger a política é o reino da razão moral, o reino do presente e não o reino do futuro no que ele tem de transcendente.

Um Papa Alemão nos Estilhaços da Luta Cultural
Na Alemanha, coração da Europa, o processo da descristianização e a saudade pelos antigos deuses bárbaros em rivalidade com a mundivisão cristã são evidentes. A defesa do mundo nórdico à custa do mundo latino, a defesa do politeismo contra o monoteismo não são apenas práticas de Verdes e duma certa esquerda à la Joschka Fischer, Con-Bendit e Schröder mas de muitos outros que vivem do sistema e da demagogia.

Numa altura em que o espírito da época tudo escraviza, 100 cardeais elegeram um homem que está para todo o mundo na sua missão de unidade e de renovação. As peregrinações espontâneas de pessoas para Roma e o interesse mundial testemunham a saudade dos fieis por sentido e constituem um desafio ao Papa, à Igreja e um apelo à ciência e à política.

Ele, além de defender a fé terá que convencer, o que não é fácil num tempo em que a sensualidade se quer dogmaticamente impôr. Bento XVI, foi mundialmente muito acolhido; na Alemanha, o país de Lutero em que o número de católicos e de protestantes são iguais, o Papa é mais contestado atendendo à disputa e à luta cultural sempre presente nos media e na sociedade. A exigência de abertura da igreja no sentido de dar maior relevo ao papel da mulher e à unidade dos cristãos dominam a opinião pública. Por isso Ratzinger era visto como o mestre repressor a nível ecoménico pelo facto de defender a primazia da Igreja Católica e dos seus princípios e de ser contra a ordenação de mulheres e contra o aborto. Facto é que o ecomenismo não pode reduzir a igreja católica a uma igreja evangélica. Isto iria contra o pluralismo.

Este papa não é nenhum fundamentalista mas sim um conservador intelectual lúcido que se empenha na defesa da paz e da justiça. É natural que 87% dos alemães esperem reformas na Igreja. O movimento católico reformista “Nós somos Igreja”(Wir sind Kirche) afirma que a Igreja “não pode continuar assim fechada aos problemas sociais”.

Ratzinger foi perito no Concílio Vaticano II(1962-1965) e era defensor do programa “Aggiornamento”, que pretendia aproximar a Igreja Católica ao mundo moderno. Em Tübingen Joseph Ratzinger partilhava a cátedra em dogmática católica com Hans Küng. Mais tarde houve desacordo entre os dois e Ratzinger passou em 1969 para a universidade de Regensburg sendo eleito arcebispo de Munique em 1977 e em 1981 Prefeito da Congregação da Fé no Vaticano (uma espécie de tribunal constitucional). Seus inimigos apostrofavam-no de carro blindado de Deus, de grande inquisidor e de Rottweiler de Deus, ao confrontarem-se com a sua capacidade intelectual científica a nível de visão e de argumentação. Ratzinger foi sempre um céptico relativamente ao iluminismo e consequentes ideias modernistas que conduzem a um liberalismo sem rédeas; foi uma crítico forte do carácter marxista da teologia da libertação; a fé católica orienta-se não só pela bíblia (como nos reformadores) mas também pela tradição da igreja; sabe que a ordenação de mulheres corresponderia a um maior distanciamento da igreja ortodoxa; ele orienta-se mais pelos padres da igreja de espírito platónico como Agostinho e Boaventura do que pelos da linha aristotélica como Tomás de Aquino; quanto à colegialidade Ratzinger era contra um centralismo exagerado de Roma em favor das igrejas locais; quanto à guerra e à paz ele opta pelo pacifismo, visto como programa no seu antecessor Bento XV e na fé do Novo Testamento que não conhece revolucionários mas testemunhas da fé; Razinger acentua a primazia de Roma e a celebração de liturgias em comum; quanto à SIDA defende que o melhor meio contra ela é o combate à pobreza e a fidelidade matrimonial; quanto à infalibilidade defende-a em questões de fé e de moral; na ciência defende a precedência do magistério perante a liberdade da teologia (contra teólogos que em suas cátedras querem falar ex catedra contra quem os colocou na cátedra); purgou o marxismo da teologia da libertação que ao defender o uso do poder militante corria o risco de se tornar uma religião política e militante tal como é o caso da religião muçulmana na sua essência.

Muitos esperam que o cardeal Ratzinger ao passar da missão de defensor da fé para Papa inicie um processo de mudança.
A maior parte das pessoas forma o seu juízo de valor na base das letras gordas dos jornais. Por outro lado os comentadores vivem do comentário e não transmitem, geralmente, o pensamento autêntico, atendendo também ao público alvo que querem atingir e à complexidade de uma discussão profunda. Nesse sentido recomendo a leitura do brilhante Ratzinger que como pessoa simples e humilde se expressa muito simples e claramente nos seus livros, sobre os problemas mais actuais: “Sal da Terra”(Salz der Erde), “Deus e o Mundo”(Gott und die Welt) (estes dois em forma de entrevista), e Valores em Tempos de Mudança (Werte in Zeiten des Umbruchs), Introdução no Cristianismo(Einführung in das Christentum) são livros indispensáveis para quem quiser avaliar, pensar por si e perceber um pouco da Europa, do cristianismo e da sua filosofia não se limitando apenas ao folclore. Este papa na continuação duma Igreja que deu forma à Europa aparece no momento oportuno em que esta se encontra numa odisseia.

António da Cunha Duarte Justo
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António da Cunha Duarte Justo

Actividades jornalísticas em foque: análise social, ética, política e religiosa

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