REFUGIADOS E ALMA POPULAR A AQUECER EM BANHO-MARIA

O Discurso sobre Refugiados parece esgotar-se no “a Favor” e “no Contra” a sua Admissão

António Justo
A Europa é um continente aberto às culturas, à mudança e até à improvisação. Perante a imigração em curso, os excessivos desejos e pretensões de muitos refugiados colidem com o medo popular; muitos detalhes passam à margem dos feitores da opinião pública que, com a tesoura na cabeça a nível de apresentação dos factos, procuram evitar que surja no povo mais medo e uma atitude contra estranhos. Os políticos e as autoridades religiosas cristãs e de outras confissões assumem, publicamente e na prática uma atitude de defesa e empenho pelos refugiados. Nos meios sociais mais “livres” e nos comentários particulares da internet depara-se, por toda a parte, com uma opinião pública determinada mas indiferenciada: de um lado os bonzinhos desprendidos que têm tudo para dar e do outro os mauzinhos sempre prontos a defenderem os direitos adquiridos e o que julgam seu. Explicações simples, como “capitalismo desumano” e “islão agressor”, encontram-se subjacentes a muitas opiniões.

De resto, no que toca ao tema refugiados confrontamo-nos com o medo domado e com uma sociedade desorientada e sobrecarregada que se sente castigada por “invasão„ tal que só parece poder ter explicação nalgum pecado algures cometido ou por outrem perpetrado.

Alemanha – um País privilegiado por e para Refugiados

É confortador constatar como a sociedade alemã, a imprensa, as instituições religiosas e políticas reagem tão positivamente à nova imigração. A nível popular observam-se imensas iniciativas de ajuda e a nível de autoridades todas as comunas se empenham imensamente no sentido de receberem os hóspedes com dignidade humana. Nota-se a preocupação de reagendar dinheiros públicos e de se criarem enquadramentos que sirvam e ao mesmo tempo comprometam os hóspedes com os valores desta sociedade que motivou a sua escolha como centro da sua vida.

Para o fenómeno não há respostas simples. A difícil situação dos refugiados vem acrescentar-se à pobreza de muitos cidadãos e ao medo suposto ou real da perda de identidade.

Na Alemanha esperava-se, no princípio do ano, a entrada de 400.00 refugiados, depois corrigiu-se a perspectiva para 800.000 e agora, a realidade leva membros do governo a prever a entrada de um milhão durante 2015.

O governo federal, os estados federados e os municípios já começaram a reestruturar o seu orçamento de milhares de milhões de euros no sentido de elaborar programas de construção de casas, de criação de novos lugares na administração, professores, assistentes sociais, tradutores, educadores de infância, etc. Além dos desafios que os recém-chegados colocam a nível de aprendizagem da língua, de mercado de trabalho e de integração vêm os problemas culturais e de mentalidade. A sociedade alemã é minuciosa e pensa em pormenor: consciente de que a Europa, ao contrário dos “árabes”, tem uma orientação individualista, emancipadora e de igualdade entre os sexos, já se preocupa também com a criação de cursos de formação para imigrantes masculinos para que estes adquiram competência neste sector, doutro modo não aceitarão instruções de mulheres chefes no seu lugar de trabalho. Um grande problema para a administração está também nas exigências de muitos refugiados que só querem ser albergados nas grandes cidades e por terem reivindicações irreais incutidas por traficantes em relação à sociedade acolhedora, o que os pode desencorajar dado a realidade que encontram não corresponder aos seus sonhos.

A Europa precisa de gente nova para equilibrar o seu défice de nascimentos mas devido à maioria de emigrantes masculinos está a criar-se uma desproporção e um excesso masculino, observam alguns. Por outro lado os recém-chegados não poderão preencher o buraco demográfico da sociedade que terá de lhes dar formação profissional e trabalho, pensam as autoridades. A Alemanha precisa de trabalhadores especializados e em especial artesãos, pensam os industriais. Os recém-chegados vêm de países não industrializados e por isso não podem solucionar, para já o problema do emprego, é preciso primeiro formá-los, pensam políticos.

Na Alemanha, muitas das pessoas no desemprego (quota de desemprego 6,7% e de pobres 15,5%) ou com fraca qualificação profissional e aqueles que têm o emprego em perigo e os que ocupam os lugares do “resto” temem a chegada dos novos imigrantes que serão os seus directos concorrentes no mercado de trabalho. Por isso o sindicato apela para que não haja uma concorrência desleal entre pessoas alemãs e estrangeiras em situação precária e para que o salário mínimo bruto à hora passe de 8,5 € para 10 €.

O comércio, advogados, médicos, assistentes sociais, professores e educadores alegram-se com a chegada dos novos clientes.

Pessoas talvez mais levadas pelo pensamento que pelo sentimento perguntam-se do porquê de, países islâmicos ricos como a Arábia Saudita, Oman e kuweit, não abrirem as portas aos refugiados. Outros, talvez mais levados pelo sentimento do que pelo pensamento advertem no sentido do Daily Mail que cita um islâmico da mesquita de Jerusalém: “o líder islâmico pede aos migrantes sírios que “aproveitem” a oportunidade para “procriar”. Sheikh Muhammad Ayed diz: “Nós dar-lhe-emos a fertilidade. Procriem com eles e nós conquistaremos os seus países, como sempre foi a vontade de Alá”. Como se vê híper-reacções de pessoas complexadas e de uma sociedade doente que não encontra solução para os seus cidadãos apesar das riquezas naturais que possui. Se não fosse o militantismo islâmico, a imigração em via seria menos controversa e um grande bem para a Europa que envelhece a olhos vistos (com os inerentes problemas anexos à produtividade para pagar as reformas); só a Alemanha para contrariar o défice de natalidade teria de ter uma imigração de 600.000 estrangeiros por ano, segundo as contas feitas por especialistas. A Alemanha do pós-guerra com grande deficiência de homens conseguiu integrar 11 milhões de deslocados alemães que tinham a mesma cultura e a possibilidade imediata de trabalho dado a Alemanha precisar de ser totalmente reconstruída.

Outros questionam-se pelo facto de ainda não ter sido possível integrar a massa dos trabalhadores migrantes vindos a partir dos anos 60 e que vivem aqui já na terceira geração; para estes, o máximo que se poderá alcançar e já não será mau, é uma coexistência pacífica de uns ao lado dos outros, pensam muitos. Mutos receiam que se formem sociedades paralelas ou zonas em que a polícia já não entre, como já se vai observando em grandes cidades; outros fazem comparação com a antiga Alemanha socialista que já custou um trilhão de euros e continua a custar muito dinheiro para vie a conseguir atingir o nível da Alemanha capitalista. Outros têm medo dos guerreiros islâmicos do Estado Islâmico que poderão remodelar a democracia em seu favor.

Outros questionam-se sobre o que acontecerá quando as receitas fiscais diminuírem. Quem pagará os benefícios sociais de que dependem. Outros ainda reconhecem os refugiados como consequência da má política europeia como no caso da Síria e do Iraque mas não estão de acordo em receber refugiados doutras zonas africanas e dos Balcãs.

O mais importante é que os que encontram acolhimento na Europa se devem comprometer com a Constituição e com os princípios que orientam as regras de vida europeias. Todo o receio de uns e outros seria descabido se hospedeiros e hóspedes se deixassem orientar por princípios humanitários. Vítimas de fome, guerras e ideologias chegam até nós na procura de felicidade e nós que de maneira mais ténue nos guerreamos ditando sentenças que substituem as antigas armas, já não em nome de Deus mas dos nossos interesses, dos nossos enfraquecidos valores e da nossa opinião/verdade.

Muitos têm medo do islão mas creio que exageram nas suas prognoses porque a História do futuro não seguirá os mesmos critérios da do passado que se afirmava pela violência, pela espada. O bem-estar adquirido e a formação cultural das pessoas provocarão uma nova consciência e uma nova forma de convívio e de estar que levará as pessoas a ser menos influenciáveis por ideologias sejam elas de caracter religioso ou político.

Mais provável é o que diz o cientista muçulmano Hamed Abdel Samad que prognostica, no livro “Der Untergang der islamischen Welt”, a queda do mundo islâmico e vê nas reacções exasperadas do mundo islâmico o sintoma de uma sociedade a disparar os últimos cartuxos antes de ruir. De facto o que não serve o Homem está condenado a desaparecer e por outro lado a formação ajudará o cidadão a integrar fé e razão e a respeitar a opinião individual de cada qual. O mesmo autor já tinha “profetizado” o êxodo massivo de povos muçulmanos para a Europa.

Haja o que houver, ao sol da economia e da ponderação, o povo tudo solucionará. Vivemos em tempos em que o pensar realista se torna cada vez mais difícil, atendendo à informação pública publicada. Uma Europa ateia e sistematicamente crítica em relação ao cristianismo, com o surgir do islão na Europa, verá reduzida a sua posição secularista em relação às forças religiosas. Poder-se-á dar como que uma vingança da História: um secularismo militante, filho da cristandade, verá diminuída a sua influência por não compreender o fenómeno religioso e os espíritos subjacentes que este fomenta e devido à sua adversidade religiosa em relação ao cristianismo. As sociedades encontram-se doentes e continuam atadas aos males do passado que se renovam no mundo islâmico e aos males da modernidade que culminou, sob a perspectiva europeia, nos socialismos de Estaline e Hitler e num capitalismo avassalador. A sociedade e o ser humano trazem o bem e o mal em si mas vai evoluindo, pouco a pouco. O sol deita-se todas as tardes mas também se levanta todas as manhãs para dar continuidade à vida!
António da Cunha Duarte Justo
www.antonio-justo.eu

Truques para Casamentos forçados de Meninas que vivem no Estrangeiro

ALEMANHA – 200 MULHERES OBRIGADAS A CASAR QUANDO VÃO DE FÉRIAS

Por António Justo
A organização Terre des Femmes chama a atenção para meninas muçulmanas e outras que se encontram na Europa. Famílias utilizam as férias para as “raptar” e casar com algum primo ou outro jovem na sua terra em tempo de férias. Para os pais as férias tornam-se numa oportunidade para anular a inscrição das filhas da escola com o argumento de mudar de escola, começar uma formação profissional ou alegando que a família regressa ao país de origem.

A porta-voz de Terre des Femmes, Myria Böhmecke, refere que, na maioria dos casos, as meninas não sabem o que as espera nas férias. Muitas vezes têm “um ligeiro pressentimento do que poderia acontecer dado, em casa, se falar mais frequentemente sobre um primo” ou que os avós se encontram muito doentes ou que se festeja o casamento da prima mais querida. Uma vez no país de férias, é-lhes tirado o passaporte e o telemóvel. Assim não têm hipótese de pedir auxílio. A porta-voz da organização aconselha: em casos de dúvidas as jovens devem fazer cópia do passaporte e ter dinheiro consigo e um segundo telemóvel.

Na Alemanha em 2014 houve cerca de 200 mulheres jovens que se dirigiram à Terre des Femmes porque foram forçadas a casar ou porque receavam vir a sê-lo (Cf. HNA 2.08.2015). Atendendo aos pedidos de auxílio registados num ano na organização Terre des Femmes é de imaginar a grande quantidade de casos não registados. Há meninas que não têm mais de 13 anos e já se encontram nesta situação. Famílias exercem chantagem sobre as filhas chegando mesmo a exercer violência maciça sobre elas.

A porta-voz da organização diz que um estudo mostrou que 3.443 casos de mulheres por ano se encontram em risco iminente de casamento forçado ou que se vêem obrigadas a realizar casamentos forçados.

Tais coisas acontecem em sociedades onde o homem está sobre a mulher e a mulher é considerada propriedade do homem ou da família. A implementação da presença feminina nas sociedades patriarcais dará a estas sociedades potencialidades de futuro inestimáveis. Nas mulheres estão latentes as forças necessárias de desenvolvimento, da renovação e da revolução que têm sido mantidas em banho-maria nas sociedades patriarcais.

Um Refugiado na Alemanha quanto recebe do Estado?

REFUGIADOS DA VIOLÊNCIA E DA POBREZA

Por António Justo
A distinção entre “refugiados” da pobreza e refugiados da perseguição ou da discriminação é mais uma questão burocrática. Com a discussão na Alemanha sobre a diferenciação entre quem tem direito ou não a estatuto de refugiado político só se espalha ainda mais a confusão e torna-se num motivo de desculpa para políticos que se surpreendem dos resultados da sua acção política ou para conversas de café. Muitos dos refugiados do Kosovo e da Albânia e muitos outros da África fogem à pobreza ou à dureza da lei islâmica. De facto a Lei alemã, de benefícios mensais para requerentes de asilo corresponde ao ordenado mensal de um polícia no Kosovo e na Albânia: 359 euros

Segundo a lei alemão cada exilado tem direito a habitação gratuita, apoio em caso de doença e a 359 euros por mês para viver enquanto residirem em instalações de recepção inicial do Estado. Neste caso, da quantia 359 euros, 143 têm de ser dados em dinheiro (dinheiro de bolso para as necessidades pessoais) ao requerente de asilo, o respo pode ser entregue em dinheiro, em géneros ou em senhas. No caso de casais, cada parceiro recebe 129 euros mensais e se tiver outros familiares a viver com eles, recebe cada um deles 113€, se forem crianças recebem entre 85 e 92 euros. Quando deixam de viver nas instalações de recepção do Estado as entidades locais assumem os custos de habitação e pagam 216 euros para agregados com uma só pessoa; crianças e outros membros do agregado familiar recebem entre 133 € e 194 € cada.

Os refugiados que se encontrem na Alemanha passam depois de 15 meses a receber 392 €, isto é o correspondente aos benefícios sociais ao nível da assistência social, dos alemães.

Segundo as estatísticas alemãs, de Janeiro até 30 de Junho de 2015, foram feitos 159.927 pedidos iniciais de asilo que se distribuem pelos seguintes países de origem: 32.472 (o que corresponde a 20,3%) da Síria e da República Árabe, 28.672 (17,9%) vêm do Kosovo, 21.806 (13,6%) da Albânia, 10.126 (6,3%) da Sérvia, 8.331 (5,r%) do Iraque, 7.932 (5,0%) do Afeganistão, 4.182 (2,6%) da Macedónia, 3.582 (2,2%) da Eritreia, 2.805 (1,8%) da Nigéria, 2.701 (1,7%) do Paquistão e 37.318 (23,4%) de outros países. (Cf: https://www.bamf.de/SharedDocs/Anlagen/DE/Downloads/Infothek/Statistik/Asyl/statistik-anlage-teil-4-aktuelle-zahlen-zu-asyl.pdf?__blob=publicationFile)

Atendendo ao agravar-se da situação, os estados alemães avaliam, até ao final de 2015, entre 300.000 e 550.000 o número de requerentes a asilo na Alemanha.

Um refugiado do Kosovo ou da Síria não pode ser discriminado, devido à dignidade humana, independentemente se o movem motivos de ser perseguido ou de mera pobreza.

Como se vê os pretendentes ao direito de refugiados têm, a nível económico, no máximo o estatuto de pobres na Alemanha. Muitos deles para poderem chegar até cá, têm de pagar vários milhares de euros a transportadores ilegais, pondo a sua vista em risco como se constata pelas mortes no Mediterrâneo.

Na verdade o nosso bem-estar na Europa e na América do Norte começa a ter o seu preço directo pois tem havido muita gente que se priva para que possamos viver melhor.

A ajuda aos refugiados é uma correspondente compensação ao que ontem aconteceu e hoje acontece nas regiões da sua proveniência. Como o euro não chega a eles então eles têm de se chegar a ele. Atrás de si ficam cidades e aldeias onde o bem-estar não chegou.

Os políticos europeus chegaram ao fim do seu latim depois de tanta guerra-guerrilha que, directa ou indirectamente, fizeram ou apoiaram com os Americanos, desde o Afeganistão, Iraque, Líbia, Síria, até à Sérvia e à Ucrânia e o povo sente-se agora desconsolado. Agora já é tarde para se queixarem da chegada de tantos refugiados da barbaridade e da miséria.

O facto é que quem faz o negócio com as armas não pode ficar ileso; porém para fugirem com o rabo à seringa, falam da necessidade de uma distribuição “solidária” dos que procuram asilo por toda a Europa, quando apenas alguns países espalham a miséria naquelas regiões através das armas que vendem e do dinheiro que suas empresas e empreitadas ganham depois com a reconstrução dos países destruídos.

Com a vinda de tanta gente jovem para a Europa com a população tão envelhecida, o dinheiro que agora emprega nos refugiados é um empreendimento de rejuvenescimento. O único problema virá dos muçulmanos, não como indivíduos mas como grupo que, de uma maneira geral, não se tem integrado, tendo marcado a sua presença mais pela contra-afirmação em relação à cultura acolhedora. Só na Alemanha foram presos 1.500 traficantes de refugiados em 2015.

António da Cunha Duarte Justo
Jornalista
In Pegadas do Tempo www.antonio-justo.eu

NA FÁBRICA DAS DÍVIDAS E DA CULTURA CORPORATIVA

O Estado Purgatório Frisador de uma Igualdade que promete o Paraíso

Por António Justo
Passamos de uma economia, em que trabalho e produto se regulavam através da troca com dinheiro (capital), para a nova economia, a economia financeira do endividamento. O sociólogo e filósofo Maurizio Lazzarato, autor de “La fabrique de l’homme endetté”, analisa com perícia a crise do endividamento actual. A essência do capitalismo liberal é viver da dívida individual e estatal e para optimizar o seu lucro serve-se dos cortes na Segurança Social terceirizando os custos sociais apenas no pequeno empresário, no trabalhador e no contribuinte.

Para Lazzarato o “homo debitor”passa a ser a nova criação do homo economicus. “Passa a não haver direito a uma habitação, mas a um crédito para habitação (hipoteca), já não há direito à educação, mas – especialmente no modelo anglo-saxão – pede-se dinheiro emprestado para financiar os estudos.” Assim o estudante, no final do curso, com o futuro hipotecado passa a não ter problemas de divagações metafísicas ou ideias que o poderiam torna inseguro num caminho já predeterminado.

De facto, esta é a ideia da nova economia da Califórnia propagada por representantes do “Silicon Valley”. País moderno ou pessoa cliente procura viver o presente, num presente alegre mas fiado, à custa do futuro.

A ideologia do “Vale do Silício” serve-se do conceito de progresso na sequência da “racionalidade secular cristã” e da fé no além. Pretende criar uma maneira de ser e de estar baseada no capital com a consequente relação tipo credor-devedor… Substitui a culpa pela dívida, o paraíso pelo proveito e no caso de surgirem complicações cai-se no inferno da falência. O Estado passa a ser o Purgatório, aquele lugar de purgação que pretende acabar com as diferenças, colocando todos (trabalhadores, desempregados, produtores e consumidores) na plataforma de devedores ou dependentes. Os Governos perdem o brilho da soberania e a democracia é ensombrada pelas asas negras de diferentes demónios interessados apenas na radiografia da alma do credor através do ecrã do cartão de crédito.

O Adão moderno, anda sempre a caminho, com a dívida à frente; esta é companheira e justifica algum benefício já gozado no crédito do passado e nas vantagens de um viver presente que um novo crédito proporciona.

Todos se inculpam no capital onde buscam o crédito. Os riscos do novo “crente” são de responsabilidade limitada ao indivíduo cliente. O antigo pecado original que deu origem à economia social passa assim a uma economia das dívidas. A perversidade da nova crença económica está no facto de se transformar dinheiro em dívidas e dívidas em posse. O credor anónimo tem um poder mágico sobre o devedor. A dívida tem um efeito pedagógico e domesticador. Passamos a uma situação de leasing onde tudo é arrendado.

A economia do endividamento já não honra o trabalho nem considera o trabalhador; deixa-se a relação produtor-produto, para se passar à relação credor-devedor. Ao mesmo tempo tenho a impressão de nos encontrarmos numa época muito bela e rica mas que terá de estar atenta ao risco de reduzir a pessoa a indivíduo cliente e a sociedade a um grande mercado de meros indivíduos de personalidade tábula rasa.

O Estado Grego é um exemplo da nova matriz em via no mundo ocidental. Todos os Estados Europeus eternizam a dívida, de facto impagável, mas criam uma forma de viver aparentemente mais leve e livre, sem perguntar – à custa do quê e de quem? A racionalidade de cima (conhecimento tecnocientífico) ordena a irracionalidade de baixo (o proletariado). Alia-se o capitalismo cultural ao marxismo cultural. Viver passa a significar mais ter que ser.

O livro “A fábrica do homem endividado” de Maurizio Lazzarato questiona inteligentemente o sistema económico-financeiro actual mas não deixa propostas para nos desfazermos das dívidas. Para Lazzarato a melhor maneira de o devedor se livrar do sistema seria criar uma nova inocência segundo a qual os Estados não pagariam a dívida nem tomariam em conta a moral.

O capitalismo liberal e o marxismo cultural servem-se do Estado com Purgatório frisador da igualdade que promete o paraíso das boas intenções mas esconde o inferno delas cheio.

António da Cunha Duarte Justo
Teólogo e pedagogo
In Pegadas do Tempo www.antónio-justo.eu

OS RISCOS DO CRENTE AD HOC COM UMA IDENTIDADE INTERNET

A Caminho de um Estado Polícia e de uma Sociedade de Monopólios?

Por António Justo

Portugal pioneiro na Aplicação digital

Os dados biométricos dos bilhetes de identidade, encontram-se especialmente desprotegidos em Portugal por reunirem no Cartão do Cidadão o número de identificação civil, os dados de acesso à conta de saúde e os dados da Repartição de Finanças. Estes dados podem ainda ser complementados pela ligação da conta bancária às finanças, reunindo assim os pressupostos para a realização de um Estado Polícia.

O indivíduo ao ver o Bilhete de Identidade substituído pelo Cartão do Cidadão, com a possibilidade de interconexão dos dados, passa a ter uma outra plataforma de identidade de caracter meramente funcional. Portugal encontra-se a nível técnico na vanguarda da Europa dando a impressão de ser a cobaia para posteriores aplicações nos outros países da União Europeia que recolhem dados mas de maneira mais discreta devido à discussão crítica e pública do cidadão.

A Microfísica do Poder

O tecto metafísico que tem regulado as normas de comportamento da sociedade ocidental revela-se demasiado exigente para uma sociedade de vida ad hoc. À regulamentação religiosa segue-se a regulamentação política que tenta, em nome de valores convencionados, criar um tecto legislativo e uma rede digital que proteja a sociedade dos abusos da liberdade individual. À medida que o autocontrolo ético e moral de caracter espiritual se esvai, aumenta o controlo externo do foro penal estatal. A desresponsabilização e a despersonalização em via levam o indivíduo a prescindir de elementos de identificação baseados em deidades e em espiritualidades para centrar a sua acção numa ética da concorrência de luta livre pela vida. Passa-se do homo faber que vivia do trabalho com o suor do seu rosto para o homo economicus liberto da culpa mas subjugado à dívida. Nesta sociedade de transição, o homo economicus prescindirá, ocasionalmente, de muitos dos elementos de identidade porque o âmago da sua alma se encontra identificado no Chip (microplaqueta) do Cartão Multibanco.

No Cartão do cidadão e na conta Google encontra-se já simbolizada a “microfísica do poder”.

A Multipersonalidade de Pessoa e as Identidades digitais

Quem viajava nos mundos de Fernando Pessoa encontrava-se já no âmago da era da transição hoje em via. O magnífico poeta futurista Fernando Pessoa procede ao desdobramento do “eu” fazendo-o corresponder a diferentes identidades. Ele confirma: “Multipliquei-me para me sentir, Para me sentir, precisei sentir tudo,… E há em cada canto da minha alma um altar a um deus diferente…”

Fernando Pessoa, um vate para iniciados, é a expressão da fé moderna que exercita cedo o alargamento da sua Identidade nos Heterónimos e que hoje se constata no originar-se de identidades digitais. A internet torna-se como na continuação da sua literatura.

A transmissão e circulação de dados possibilitam também, a nível individual (User) a criação de “identidades digitais”. O User (utilizador) na qualidade de receptor e emissor, tal como acontece em literatura, pode proceder ao alargamento da sua imagem. O mesmo indivíduo cria diferentes papéis e personagens à imagem de Fernando Pessoa com os seus heterónimos (Alberto Caeiro, Ricardo Reis, Álvaro de Campos) que apontam para a pós-modernidade. A Rede (Net) pressupõe a possibilidade de criar novos perfis ou de modificar uma sua imagem já existente.

Os instrumentos digitais facilitam a melhor acomodação ao ambiente e possibilitam uma formação mais abrangente com aprendizagens mais rápidas e a formação de um pensar mais diversificado. Tudo isto tem as suas consequências na formação de uma nova identidade. Esta mover-se-á mais entre virtualidade e realidade entre aldeia e mundo, criando a ilusão da identificação de indivíduo-casa-aldeia-mundo com um outro estilo de vida e uma nova convivência. Da aldeia o usuário, através da janela do seu computador, tem a sensação não só de ter o mundo em casa como também a intuição de ser mundo. A sua individualidade acompanha as linhas do seu horizonte que se desloca no sentido global.

A autopromoção digital através da rede acontece num surfar (“Surfing”) que faz lembrar um discurso literário com diferentes metáforas e jogos que dão asas à fantasia e criam a ilusão de descorporização e da ampliação dos próprios contornos na construção de uma nova identidade que se encontra em processo entre o virtual e o real. À deslocação do foco do Horizonte segue-se a deslocação (“glocalização”) das próprias periferias, criando-se novos espaços virtuais, numa imitação da realidade a que se segue a criação de uma nova realidade.

Investigações no campo dos jogos virtuais e de outras potencialidades da Internet chegam à conclusão que o utilizador (User) cria em si uma certa anonimidade através da ausência do corpo, de apelidos (Nicknames), de confraternizações no jogo, da possibilidade de mudar de género e da comunicação com todo o mundo. Isto cria nele uma vivência especial e a formação de um novo desenho da própria ipseidade. A nova personalidade torna-se dependente do real e do virtual e a percepção do real e do virtual passa a resultar da dependência da interação da noção de virtualidade e de realidade.

A obcecação pela tecnologia e pela digitalização

A obsessão pela tecnologia e pela digitalização de tudo torna fatal o optimismo do progresso pelo facto de querer realizar tudo o que seja possível, como se vê na doutrina do centro do poder do séc. XXI em acção a partir do Silicon Valley. A experiência milenária mostra que à concentração do poder se segue o abuso de poder. O objectivo de se querer um mundo melhor não justifica o uso de todos os meios e, para mais, quando os seus líderes não aceitam correctivos e não se importam com as infraestruturas da sociedade e da pessoa. Precisa-se da fomentação de um sistema em que as pessoas participem, de maneira a resolverem os verdadeiros problemas da natureza (ecologia) e da humanidade (paz, amor e justiça).

De facto o que se encontra no centro dos interesses é o dinheiro e o poder; a mudança da sociedade e do mundo acontece como aspecto colateral ou por acréscimo. Assim, o progresso não pode tornar-se num regresso à imaturidade. Aqui põe-se a questão de quem fomenta e quem controla.

Vivemos num período de transição em que também a controvérsia se torna produtiva. Dave Eggers resume no seu livro “The Circle” os aspectos negativos da sociedade virtual preocupada em se encaixar no sistema e para melhor realizar o seu papel perde de vista o que realmente está a acontecer em todos os sectores da sociedade. As fábricas do pensamento criam realidades de facto como as do Vale do Silício (Google,etc.) e só passados tempos se reflecte sobre a situação criada e eventuais problemas a ela ligados. Como comentadores encontramo-nos numa luta perene atrás da desgraça e do medo mas com a satisfação de o fazer para que não haja tantas vítimas do silêncio. Conscientes de que o centro dos interesses é o dinheiro e o poder, importa com o nosso contributo não contribuir para o ruído seja ele em termos de crítica ou de aplauso, de que tão bem tem vivido o mundo do poder e do dinheiro rindo-se da caravana barulhenta que passa enquanto eles ficam.

O romance “The Circle” de Dave Eggers, adverte para a visão de uma sociedade-Internet; nela a virtualização global e a transparência exigidas por organizações globais contradiz a liberdade e a dignidade do cidadão. A IT (Vale do Silício), segundo a visão pessimista do romance, quer dotar cada um e toda a população com uma única identidade: a identidade de transparência Internet que facilita o controlo global. O “Círculo” é uma superpotência Internet, maior e mais radical que todas as empresas até agora existentes. O círculo, como coleccionador de dados pessoais, servindo-se da transparência e da rede sabe mais sobre um indivíduo que ele mesmo.

O busílis da questão, na procura de uma solução que dê continuidade ao progresso e ao mesmo tempo se preserve a dignidade da pessoa, situa-se no facto da cedência dos próprios dados proporcionar benefícios aos que os cedem mesmo com o risco de se abusar deles. O marketing digital usa e abusa das técnicas psicológicas de Pavlov que constam de incentivos e recompensas: se quero ter acesso a uma página de internet, o irmãozão Google só me permite tal gosto se deixar lá os meus dados pessoais. Prémio e castigo constituem os fatores do triunfo do marketing digital.

É porém consolador saber que o futuro continua a depender de cada pessoa e que esta não pode ser reduzida à consciência que tem do tempo.

O preço que todos estamos a pagar por tantas facilidades é a liberdade do indivíduo, o direito à comunidade e a opção de não ter de fazer o que outros querem. A alta tecnologia do Vale do Silício determina o futuro sem que a política se pronuncie sobre ela e o cidadão pensa que pensa ao falar dos defeitos e das virtudes dela, quando com isso, se não interfere, segue é os interesses dela.

Consequentemente haverá que dar mais valor ao entendimento de que a privacidade é um direito humano inalienável.
Sigo a reflexão no próximo artigo “NA FÁBRICA DAS DÍVIDAS E DA CULTURA CORPORATIVA”
António da Cunha Duarte Justo
Teólogo e pedagogo
In Pegadas do Tempo www.antonio-justo.eu