25 de Abril mais um Aborto da Nação – Porquê?

“Mais quero Burro que me leve que Cavalo que me derrube”

UM SISTEMA PARTIDÁRIO GERADOR DE MEDIOCRIDADES

António Justo

“Mais quero asno que me leve, que cavalo que me derrube”, é o mote encoberto da classe política portuguesa (e da nação), bem descrita na “ Farsa Inês Pereira “ de Gil Vicente. A classe política prefere ser levada por um povo asno (Pero Marques) do que ter um povo esperto (cavalo) que a controle.O mesmo se poderia dizer do povo.

Inês Pereira é uma moça interesseira e preguiçosa que vive insatisfeita na monotonia do dia-a-dia. Por isso pretende arranjar um marido progressista que a tire da pasmaceira duma vida insignificante. São-lhe apresentados dois pretendentes: Pero Marques (conservador, bom, rico, ingénuo e simplório) e o Escudeiro Brás da Mata (progressista, homem com maneiras, controlador e refinado). A dificuldade de Inês na escolha do marido, vem-lhe do conflito que traz consigo. Nela debatem-se duas mundivisões: a medieval (Pero Marques) e a moderna (Cavaleiro). Inês recusa o primeiro pretendente Pêro Marques, mas ao notar que o Escudeiro Brás da Mata (segundo pretendente) é demasiado exigente e não a honra; Inês, logo que se livra dele, casa com Pero Marques. Este é tão bobo e saloio, que cantando e bailando a leva às costas a um ermo onde ela pode dormir com um falso Ermitão (antigo amigo). Inês Pereira é ajudada por vários personagens, todos eles só estão interessados no negócio com o casamento.

Na Farsa, além do fadário do país na sua luta entre a visão tradicionalista e a visão modernista, reconheço a classe política representada pela protagonista Inês Pereira (oportunista) que trai o marido Pero Marques (povo tradicional) e não sofre as consequências disso. Em Inês podemos reconhecer tanto o rescrito da nação como dos partidos. Inês serve-se da esperteza para granjear a simpatia. A classe política também se tem servido da alcoviteira Lianor Vaz e dos judeus Latão e Vidal (TV, Media, etc.), dos Moços (do partido), dos Ermitãos (maçonaria e interesses internacionalistas, republicanismo mercenário, etc.) e da Mãe (Presidentes da República cúmplices dos jogos da classe política), para se servir a ela e aos seus acólitos.

Uma nação incapaz de integrar nela mesma a terra (conservadorismo) e a ideologia (progressismo) está predestinada a não se encontrar a si mesma e a expressar-se partida. Por isso a sociedade portuguesa não cresce organicamente de maneira continuada. A sua evolução dá-se, aos soluços, de crise em crise, num processo de querer adquirir o perdido nunca alcançado. Isto agravou-se a partir do séc. XIX. A partir daqui a ideologia assume o lugar da terra.

A Nação perdeu o Sentido da Realidade

 “Casa onde falta o pão todos ralham e ninguém tem razão”. A crise financeira portuguesa de 1891, (http://analisesocial.ics.ul.pt/documentos/1218726298J7kLR2hh1En65AF7.pdf) acompanhada das revoltas republicanas. culminou na abolição da monarquia em 1910. A Carbonária (“defensores da Pátria”), braço direito da maçonaria matara o rei e o infante em nome da defesa dos interesses nacionais e do modernismo, com a mesma ligeireza com que tinha atraiçoado a pátria ao saudar as invasões francesas como libertadoras. A 1ª república acaba também falida no golpe militar de 28 de Maio de 1926, que instala a ditadura militar até 1933. Com a Constituição de 1933, forma-se o “Estado Novo” (regime autoritário com tendências fascistas mas que não assume o fascismo); este entende-se já não como fruto da ideologia mas como tentativa de reabilitar o Estado através do corporativismo económico e social, compreendendo-se como “um Estado pluricontinental e multirracial”. Salazar tenta dar uma nova tarefa ao país: olhar para a terra e defender o ultramar.

A 25 de Abril de 1974 é demitido o regime autoritário de Salazar. A Junta de Salvação Nacional das FMA nomeou como presidente da República o General António de Spínola a 15 de maio de 1974. Segue-se o período anárquico dos revolucionários em torno do PREC (Processo Revolucionário em Curso). Surge o 25 de Novembro de 75 a corrigir um pouco a direcção anárquica com o Presidente da República Ramalho Eanes. A impaciência da liderança partidária e a pressão de “estrangeirados” como Soares, Cunhal, etc., interessadas em arrecadar para si o sol de Abril apressam a tarefa de impor os seus interesses partidários. A 25 de Abril de 1976 a terceira república restabelece o regime democrático, com a nova Constituição de orientação comunista e com as eleições.

Com a derrocada do regime autoritário de Salazar, o 25 de Abril de 1974 restabelece o caracter ideológico da primeira república com muitos avanços a nível de ideias e retrocessos a nível da terra. Portugal desconcilia-se ainda mais e continua a viver na superficialidade de ondas de ideológicas. Para Portugal ser fiel a si mesmo e se reconciliar internamente teria que permitir-se uma discussão séria entre conservadores como Salazar e socialistas como Azedo Gneco; doutro modo seguirá o mau caminho de dupla personalidade (esquizofrenia) à medida dum Mário Soares republicano comunista que depois salva a raposa republicana tornando-se socialista estrangeirado. A tática do seu PS foi difamar e defraudar sistematicamente a direita e a Igreja de maneira a criar na opinião pública num anti-conservadorismo como tinha criado com o anticlericalismo na primeira república (perpetuando uma mentalidade mesquinha do contra, seja ela anticlerical ou anticomunista). Assim um republicanismo jacobino consegue, através dum socialismo estrangeirista vaidoso, impor à nação uma prática cultural extremamente ideológica. Torna tabu tudo o que é conservador esquecendo que uma política séria e dinâmica teria de ter um aspecto conservador e outro progressista como partes integrantes e expressões duma só realidade. Enquanto o país não for capaz de equacionar uma política conservadora e uma política progressista teóricas próprias, auto-conscientes e bem fundamentadas, de origem e convergência nacionais, continuará nas mãos dum internacionalismo para inglês ver.

O país ainda não digeriu a revolução liberal (invasão francesa)! Não conseguindo apaziguar a terra com a sua ideia, vivendo ao rumo de ideologias interesseiras e estrangeiras. Também a primeira república, embora engordada pelos bens Igreja não serviu mais que os interesses dos que a fizeram, fomentando os barões do 5 de Outubro que em 16 anos produziu 39 governo e acabou na bancarrota em 1926. Afinal, o benefício do 25 de Abril foi dar à nação o desenvolvimento que os governos dos países vizinhos, sem o desvio da revolução, deram ao seu povo; caracterizou-se, no seguimento da primeira república, por criar novos barões (os novos ricos) quando o que se esperava era que produzisse cidadãos.

Tal como aconteceu na primeira república, a sociedade portuguesa, em vez de discutir objectivamente a melhor maneira de construir um Portugal solidário independente e de impedir a falência do Estado, é levada a cultivar um discurso partidário em torno duma rectórica de culpas e desculpas geralmente à margem da “coisa pública”. O maior impedimento momentâneo para o desenvolvimento do país encontra-se num estado ocupado a nível de estrutura e inquinado por um discurso unilateral do ou… ou… Neste sentido, o desinteresse da nova geração pelos seus pais, que ocupam a opinião política e pública, só poderá ser de benefício para a nação para o momento em que assumam eles a responsabilidade de dirigir o país.

A sociedade desperdiça-se no partido do contra

A sociedade portuguesa tem vivido dum grande equívoco: o equívoco de identificar os interesses de Portugal com os interesses dos partidos e o equívoco de identificar lógica (rectórica) com a realidade objectiva. 

De facto o que temos é uma nação travada pelas peias dos partidos sempre a mancar atrás do acontecimento e com uma classe política (de conservadores envergonhados e progressistas arrogantes a governar no enclave de Lisboa) a viver da improvisação (Cavaleiro) e a servir de manequim à moda que o estrangeiro produz.

Os que levaram o Estado português à ruina apresentam-se como a solução e, o que é mais grave, Portugal não tem alternativa de escolha: só pode escolher entre maus e piores (aliás uma tendência geral contemporânea!). Neste contexto, também o fenómeno Sócrates não é mais que um sintoma dum Portugal adolescente, melindrado e doentio, dum querer ir ao restaurante sem ter de pagar a conta, dum Portugal Inês Pereira.

Uma cultura democrática, que limita o discurso político à satisfação de adeptos, como se o Estado fosse um relvado onde os políticos jogam o seu jogo perante um povo reduzido a assistência, uma população de claques logo satisfeitas com a perda do clube contrário, desautoriza-se e impossibilita, ao cidadão, a capacidade de referência à realidade. Suficiente parece ser o calor da afronta, pertencer-se ao partido do contra; é-se moderno e sabido na medida em que se tem opinião contra isto ou contra aquilo: contra o governo, contra a Igreja, contra a esquerda, contra a direita, contra a justiça e contra a injustiça… A essência do discurso político e popular parece reduzir-se a duas palavras: ser contra, pertencer aos contras dos contrários. O ser do contra acrítico confere estatura moderna e encobre a ignorância do contra e do contrário. Este espírito de contradição impede a formação duma cultura conservadora crítica séria e profunda e impede também a formação duma cultura progressista crítica séria e aferida ao país. A inveja e a pretensão completam-se…

Um povo é levado ao engano pelos modelos que se lhe apresentam. Só lhe resta a oportunidade de comparação entre os que o sistema político lhes apresenta e estes são reles porque o húmus republicano que os produziu, mais que na ideia, baseia-se num pragmatismo parasitário e oportunista condicionado e condicionante: um sistema de pensamento de matriz partidária.

A República Portuguesa, uma realidade muito enredada e mal feita, (talvez demasiado vergonhosa para poder ser contada nas aulas de História!) só poderá tornar-se frutífera depois dum autoexame crítico sem recalques. Sem o reconhecimento dos erros dos conservadores e dos progressistas, a partir duma grelha da cultura nacional, o país não sairá do ciclo vicioso de extremos pendulares. Fruto de ideologias importadas e mal digeridas, a república, têm conduzido Portugal de insolvência em insolvência, não conseguindo produzir políticos, à altura do povo histórico luso, nem da realidade contemporânea. Herdou da monarquia e da Idade Média os vícios que pretensamente queria combater com a mudança, mas que, de facto, ainda exacerbou ao incorporar as aspirações do “Escudeiro”: nobreza (elite) decadente, aventureira e parasita que vive da trafega do vinho azedado em odres novos!

Portugal na Avalanche do Efeito Decoy

Portugal ainda não terminou a guerra civil. Apenas transformou a guerra civil armada em guerras ideológico-partidárias, numa guerra da cidade contra o campo, do moderno contra o tradicional, do povo contra o povo. Os conflitos armados encontram a sua perpetuação através dos conflitos ideológicos nos partidos numa luta desigual de conservadores intimidados e de progressistas atrevidos.

Na tribuna pública da sociedade portuguesa (TV) reina o discurso partidário e a sociedade não se pode resguardar porque não tem infraestruturas capazes de criar alternativas reais e independentes. Não há grupos de imprensa fortes nem correntes de pensamento de relevância nacional capazes de provocar impacto político que obrigue a nação a reflectir para crescer organicamente. Um Estado ocupado por um sistema de bajulações e de “guetos secretos” pouco mais pode produzir que mediocridades a nível económico, político, cívico e social. Neste sistema, a correspondente ascensão partidária favorece a formação de líderes medianos de espírito mais esperto que inteligente, animais políticos, frutos de influências e jogos; expressam neles mais a esperteza árabe do que a inteligência francesa. Na falta de modelos políticos, económicos e sociais consistentes, Portugal não conhece alternativas aferidas à realidade. Apenas conhece alternativas partidárias, que centram a atenção em modelos particulares inferiores.A República só tem vindo a gerar alternativas atrofiantes. Nenhuma delas tem a qualidade de dominar a outra ou de ser integral. A opinião pública, dado adquirir o conhecimento político através da via demagógica, só é capaz de equacionar os problemas em alternativas binárias partidárias ou na irresponsabilidade de partidos pequenos com ideias luzidias mas não aferidas à realidade portuguesa. Considera como satisfação do seu ideal o servilismo a um partido, quando o ideal passaria por uma terceira via, fruto de uma análise científica fria independente, baseada na realidade, que o sistema impossibilita. Mesmo o povo pensante, aquele que não reduz a sua erudição ao saber acomodado da TV, não é confrontado com uma alternativa real, deixando-se levar pelo efeito Decoy. Assim, o sistema político português não gera alternativas adequadas ao povo e às necessidades da nação. São muitas vezes alternativas copiadas de países também elas decadentes porque baseadas na divisão e na exploração do mais fraco.

No seguimento de quem dá a ideologia e o pão

Lugar-comum das nossas revoluções tem sido o adiar da nação em nome de liberdades coloridas: Tal como elites portuguesas se tinham outrora colocado do lado do invasor napoleónico, também no 25 de Abril, os seguidores do mesmo espírito, se puseram ao lado da União Soviética passando as províncias ultramarinas portuguesas para a influência comunista. Agora, o 25 de abril tropeça na própria ideologia, porque, na realidade “quem dá o pão, dá a criação”. No tempo de D. Manuel o magnânimo, tínhamos os quintos das especiarias, depois o ouro do Brasil, as remessas dos emigrantes e os fundos perdidos. A incapacidade política do país, para acompanhar a nação e a evolução dos tempos, leva-a a viver num estado esquizofrénico (de personalidade fendida). Os egos dos partidos têm sido construídos à custa do povo e contra o ego da nação.

Gil Vicente, quando escreveu a farsa de Inês Pereira, certamente já previa na política de José Sócrates o Escudeiro Brás da Mata e, na de Passos Coelho, o Pero Marques! Na rotação, de noivado em noivado, Portugal emigra, envelhece e não gera.

O remédio é acordar e redescobrir a lusofonia!

António da Cunha Duarte Justo

antoniocunhajusto@gmail.com

www.antonio-justo.eu

 

Diálogo inter-religioso e intercultural – Um Desafio adiado?

Será que o Islão é agressivo?

António Justo

 

O incremento do diálogo inter-religioso e intercultural, necessário para assegurar a paz e a boa convivência entre os diferentes grupos, é contrariado por uma praxis agressiva que se dá em nome da ideologia e da religião. Actualmente, a religião mais perseguida é a cristã com um número de vítimas superior a 105.000 em 2012, segundo regista o “Observatório da Liberdade Religiosa”. A grande maioria das vítimas regista-se nos países islâmicos e comunistas. Um outro aspecto muito dificultador do diálogo intercultural é o facto de os grupos islâmicos imigrados se isolarem e exigirem para os seus grupos direitos que não reconhecem aos outros nos seus países. Isso é sentido por muitos cidadãos europeus como uma atitude não transparente numa tática de conquista suave. A Noruega já proibiu a Arábia Saudita de financiar mesquitas enquanto não permitirem a construção de igrejas no seu país. O ministro dos negócios estrangeiros norueguês Jonas Gahr Stor defende a reciprocidade de relações entre países e culturas e já anunciou que a “Noruega levará este assunto ao Conselho da Europa”.

 

Cada cultura nasceu duma religiosidade que se expressa num conteúdo de fé à volta do qual construiu a correspondente identidade. Assim se foram formando identidades contra identidades: umas mais guerreiras, outras mais pacíficas. Sob a capa da luta religiosa escondem-se tendências hegemónicas que em nome da religiosidade afirmam constructos de poder dominadores da pessoa e doutros grupos. O islão é hoje, com o sistema político chinês, o sistema com mais potencialidades de expansão e “conquista”, porque não permitem a formação de consciências complementares.

 

Experiência acrescida

O escritor Martin Walser, ao falar de religião, diz: “Religião é uma maneira de expressão como literatura, pintura, música…, fé é uma capacidade, um talento”. Religião é também uma experiência humana enriquecedora que fomenta a vida interior e alarga o horizonte humano ao procurar o desconhecido. A experiência da fé é pura e única, acontece para lá dos credos, das imagens, dos dogmas, dos mitos e das culturas. Estas deveriam preparar o caminho para a vivência do inefável na vivência da paz universal. O brilho não vem da capacidade lógica mas do talento da fé (vivência) amorosa, ao contrário dos poderes que se aproveitam daquela ânsia genuína humana.

 

Só temos uma terra com muitos sistemas ecológicos naturais/culturais e com grande diversidade. A diferença é uma constante num mundo feito de retalhos complementares. Se se pretende a paz verdadeira, a afirmação da identidade pela diferença não pode deixar de reconhecer o seu caracter subsidiário em relação ao todo.

 

Iniciativa histórica

Uma iniciativa histórica em prol do diálogo inter-religioso foi a criação da “Jornada Mundial de Oração pela Paz” em 1986 (em Assis, Itália), por iniciativa do papa João Paulo II, onde cristãos, judeus, budistas, muçulmanos e representantes de religiões africanas e americanas se reuniram para rezar pela paz mundial. Joao Paulo II queria iniciar assim uma “viagem fraterna” dos diferentes caminhos das religiões na procura da Verdade. Isto pressupõe o diálogo inter-religioso como caminho das religiões no sentido de afirmar a dignidade do Homem e da natureza, onde todos se empenham em minorar as causas do sofrimento de pessoas e grupos e onde verdades coexistem de modo a possibilitar a probabilidade que leva ao desenvolvimento.

 

Para se falar dum diálogo inter-religioso que honre o seu nome teria de se pressupor que cada um dos parceiros reconhecesse a liberdade religiosa e respeitasse a decisão individual. O Vaticano II reconheceu esse direito mas as elites do islão não o reconhecem, tropeando assim qualquer forma de diálogo. Aposta no querer ter razão, substituindo assim a experiência interior (fé) por um sonho intelectual, por uma estratégia de dividir para dominar. Os muçulmanos que vivem no ocidente, talvez, num dia distante, provoquem uma espécie de concílio islâmico que o torne compatível com outras culturas.

 

Direitos humanos em conflito com direitos culturais

Na sociedade ocidental domina o primado do direito (direitos do Homem) e da democracia enquanto nas sociedades de influência árabe domina o primado da religião e do grupo. Enquanto o Ocidente educa o cidadão para o respeito dos direitos individuais, as elites muçulmanas empenham-se na afirmação dos seus valores culturais religiosos à custa dos direitos pessoais; partem também duma posição dogmática que não reconhece à sociedade permissiva o direito de exigir contrapartidas na práxis. Muitas vezes, lutam pela imposição e reconhecimento legal dos seus costumes (direitos culturais contra direitos individuais) sem se preocuparem com o espírito base das leis dos países de acolhimento. O próprio direito europeu e direitos nacionais europeus já têm sofrido retrocesso chegando a consignar valores culturais como superiores ao valor da pessoa humana: prática da circuncisão (RFA), imposição das leis da sharia em questões de divórcio (Inglaterra), imposição de ementas próprias em instituições públicas, isenção de aulas de biologia e de ginástica para mulheres, etc.

 

Uma minoria hermeticamente fechada e uma maioria indiferente

É notória a falta de cooperação entre os grupos minoritários e o grupo maioritário. Praticamente este só cede, sem contrapartidas. Da parte da sociedade acolhedora (cristã) observa-se uma atitude que vai da tolerância à indiferença. A parte maometana permanece dogmática. Quem se julga na posse da verdade não está disposto a procura-la. Não há disponibilidade enquanto dominar a doutrina declarada dum Islão autossuficiente, hegemónico, totalizante e intolerante. As comunidades maometanas encontram-se demasiadamente preocupadas na sua afirmação como grupo para poderem reconhecer os outros bem como a diversidade de necessidades individuais dos próprios membros. Não comportam lugar para a diferença. Por isso os países muçulmanos oprimem e discriminam quem não professar a sua fé porque consideram a opinião diferente como um atentado a uma ideologia que quer tudo igual. Talvez vejam na religião muçulmana o potencial de poder a contrapor ao imperialismo económico. Respondem a um imperialismo com outro imperialismo; um abusa dos cidadãos (democracia), o outro abusa da crença.

 

Cada cultura faz a sua interpretação do mundo, do homem e da sociedade com diferentes metáforas. Cada religião tem a sua maneira de equacionar e enroupar o misterioso transcendente. Este não pode ser exclusivo dum biótopo religioso nem duma experiência cultural antropológica ou sociológica. Cada pessoa, cada biótopo natural/religioso tem algo de diferente que o vizinho não tem. Para se reconhecer a diferença é necessário depor-se as armas do combate e da conquista para se permitir o crescimento espiritual no próprio biótopo religioso.

 

No reino da ecologia os biótopos, as realidades/verdades encontram-se, umas ao lado das outras, sem a necessidade de se negarem. Também deveria ser lógico e natural que num ‘biótopo’ cultural muçulmano fosse possível a coexistência, sem perseguição nem discriminação de outras religiões e vice-versa. Também deveria ser natural que cada religião se sentisse, intra muros, como a melhor sem necessidade de negar as outras.

 

A não existência de acordos bilaterais suborna a cultura ocidental

Na Europa, a discussão intercultural e inter-religiosa é orientada apenas para o folclore religioso cristão, judeu, hindu e muçulmano sem que se expresse algo das suas filosofias, antropologias, sociologias e teologias. Assistimos a abordagens superficiais em curto-circuito ou com afirmações e negações reducionistas à medida do politicamente correcto. Os governos e a sociedade laica não estão interessados numa discussão pública objectiva porque, a fazê-lo, o seu actuar seria questionado pelos interesses democráticos da sociedade acolhedora. Nos conflitos específicos maometanos com a sociedade maioritária, o politicamente correcto está interessado em reconhecer neles apenas questões de religiosidade individual. Reina o interesse, o medo. Também a Igreja não pode falar claro porque se o fizesse logo os cristãos que vivem em estados muçulmanos seriam objecto de maior discriminação e perseguição.

 

Por várias razões, o Estado laico não se tem preocupado com o diálogo intercultural internacional nem em estabelecer acordos bilaterais a nível de direitos de religião. Com o tempo, devido à presença massiva muçulmana, os estados europeus ver-se-ão na necessidade de reconhecer valor ao diálogo inter-religioso, tendo de o colocar na agenda das convenções internacionais.

 

A sociedade civil, ao não exigir bilateralidade na concessão de direitos religiosos, está a subornar a cultura ocidental e a contribuir para um futuro muito problemático. Enquanto o mundo cristão se empenha em propagar a tolerância possibilitando o exercício livre do islão e a construção de mesquitas na Europa, os estados muçulmanos como a Arábia Saudita, a Turquia e os países muçulmanos em geral, proíbem a construção de igrejas, sinagogas e escolas nos seus países, e, por outro lado, financiam a promoção do islão e a construção de mesquitas no estrangeiro. A tolerância religiosa ocidental é por vezes interpretada pelos que se aproveitam dela como sinal de fraqueza e como reconhecimento da superioridade do islão. Não compreendem que um grupo com convicção de verdade religiosa possa aceitar o outro.Em termos de poder e de estratégia, a atitude hegemónica muçulmana tem-se revelado como óptima para a sua ofensiva. Os estados europeus, ao considerarem a religião subjacente à própria cultura como coisa privada, e ao reconhecerem, por outro lado, o islão, como expressão religiosa, política e social desestabilizam o Estado laico e ao mesmo tempo reduzem a posição da maioria cultural e cristã ocidental ao nível duma minoria.

 

Aquela tolerância que parecia haver na Europa entre crentes, agnósticos e ateus tornar-se-á cada vez mais frágil atendendo à afirmação dum islão rígido, resistente à integração, que tende a qualificar e legitimar os cidadãos na categoria de crentes e de ímpios. Na Post-democracia a sociedade dá indícios de querer orientar-se já não por princípios de democracia partidária mas, paulatinamente, possibilitar a representação do poder estatal por grupos étnico-religiosos. A sociedade cede assim a sua concepção duma sociedade construída na base de valores e direitos humanos (filosofia cristã) a uma sociedade construída na base de valores e direitos não individuais mas culturais (filosofia islâmica).

 

Caminho difícil

O diálogo com o islão torna-se muito complicado porque este se definiu e define sobretudo na demarcação em relação ao judaísmo e ao cristianismo. Uma hipótese de diálogo estaria no caracter ambivalente (confuso) em que suras (versículos) do Corão se contradizem. A sua ambiguidade poderia possibilitar uma interpretação que acentue as suras do Corão benévolas em relação ao judaísmo e ao cristianismo. De facto, no Corão há as suras provenientes da primeira fase (Meca) em que Maomé era benévolo em relação ao cristianismo e ao judaísmo e as suras posteriores (de Medina) que são aguerridas contra o Cristianismo e o judaísmo. Nas mesquitas, os imames orientam-se por estas últimas. Por outro lado o islão só reconhece os crentes de Alá, não conhecendo a ideia do amor ao próximo como no caso do cristianismo e do judaísmo. Também por isso nunca se ouve uma autoridade islâmica criticar publicamente os terroristas islâmicos. Dado a ambivalência facilitar também a arbitrariedade, seria porém fácil demostrar aos fundamentalistas islâmicos que o seu fundamentalismo é relativizado pelo mesmo Corão, doutro modo teriam de aceitar que Deus muda de ideia na passagem da fase do Corão em que Maomé vivia em Meca para a outra fase em que passou a viver em Medina.

 

O diálogo entre islão e cristianismo é difícil de tratar, atendendo às diferentes abordagens e perspectivas com que pode ser exposto e aos interesses a elas implícitas e às diferentes sociologias e antropologias subjacentes a cada cultura. Um outro factor dificultador do diálogo vem da estratégia humana de argumentação, uma argumentação para ter razão, e que para defender uma posição como verdadeira tende a declarar a outra como falsa. Este extremismo tem sido acentuado especialmente a partir do iluminismo sob o manto do espírito crítico e cientista.

 

A discussão hodierna entre judeus, cristãos e muçulmanos procura partir dos pontos que os une. O Vaticano II afirma mesmo que os muçulmanos acreditam no mesmo Deus que judeus e cristãos. Isto embora entre as concepções de Deus haja diferenças enormes.

 

Uma exegese islâmica, que desse prioridade às suras do Corão da sua primeira fase, em que Alá era benigno, possibilitaria um diálogo autêntico.

 

O diálogo entre cristãos e judeus torna-se mais fácil. As diferenças não provocam conflitos na convivência social, dado a súmula do Antigo e do Novo Testamento se resumirem na mesma premissa “Ama a Deus e ao próximo como a ti mesmo”. No Cristianismo, como no judaísmo, o caminho de Deus passa pelo próximo e o próximo é o outro, o diferente. O caminho do Homem passa por Deus no próximo e no mundo. Na prática o resumo da Bíblia é “não faças aos outros o que não queres que te façam a ti”. Deus é o mesmo, o resto tradição.

 

António da Cunha Duarte Justo

Teólogo e Pedagogo

antoniocunhajusto@gmail.com

www.antonio-justo.eu

 

Islão – Um Desafio à Cultura ocidental e à Religião

Diálogo – Uma Estrada de Sentido único

 

António Justo

 

A forte emigração muçulmana para a Europa, as maiores taxas de natalidade dos muçulmanos e as condições do casamento de muçulmanos com mulheres doutras religiões são factores que conduzem a um grande avanço do Islão. A expansão, que não pode fazer através das armas, consegue-a através da procriação, da discriminação de minorias nos próprios países, da política de gueto no exterior, de leis de casamento e da severidade da religião. Por outro lado, a política ocidental aceita, sem contrapartidas, a sua autoafirmação dentro dos próprios Estados pelo facto da religião islâmica fazer parte do poder político e estatal dos países muçulmanos e também devido à dependência dos Estados ocidentais do petróleo árabe, e à possibilidade de investimento neles.

 

A linguagem das Estatísticas

Um estudo realizado nos finais de 2011 e publicado pelo US- Pew Research Center e seu foro Religion & Public Life, sobre o futuro global dos muçulmanos nos próximos 20 anos, revela que a população mundial muçulmana aumentará de 35%, isto é, passará de 1,6 mil milhões para 2,2 mil milhões. Nos países muçulmanos com menor formação escolar das mulheres, cada mulher dá à luz, em média, 5 filhos, enquanto nos países muçulmanos com maior formação escolar, a média por muçulmana é de 2,3 crianças.

 

O estudo prevê para a Europa de 2030 um aumento de, actualmente, 44,1 milhões de muçulmanos para 58,2 milhões; nos USA de 2,6 milhões para 6,2 milhões. Nas nações europeias, os muçulmanos sofrerão grande aumento: na Inglaterra passarão de 2.869.000 para 5.567.000; na Bélgica de 638.000 para 1.149.000; na Alemanha de 4.119.000 para 5.545.000; na França de 4.704.000 para 6.860.000; os Países Baixos também aumentarão de 914.000 em 2010 para 1.365.000 em 2030.

 

Mundivisões diferentes

O que está em questão entre a sociedade ocidental e a sociedade islâmica é o encontro de duas concepções de Deus-Homem-Sociedade totalmente diferentes e secundadas por práticas e estratégias contrárias de auto-afirmação. A sociedade islâmica caracteriza-se pela autoafirmação pela defensiva cultural (monocultura) pela acentuação do grupo e a sociedade ocidental (cristã) afirma-se pela abertura (interculturalismo), pela acentuação do indivíduo.

 

Assim não se proporciona um diálogo intelectual sério entre maometanos e o ocidente. A política está interessada numa opinião pública de nivelamento das religiões; não está interessada em diferenciações que tornem inquietas as maiorias. Sem discussão, a sociedade acolhedora vai cedendo às exigências dos guetos muçulmanos, procurando, por outro lado, fomentar oportunidades da sua integração indirecta através de aulas de religião islâmica nas escolas e através da criação de cursos da religião maometana (“Centros islâmicos”) nas universidades. Estes esforços dão-se na espectativa de fomentar entre os muçulmanos o espírito científico e o diálogo interdisciplinar, no intuito de levar os muçulmanos a fomentar o espírito académico teológico na sua discussão interna e a não se limitar ao âmbito moral (leis) e de costumes.

 

Na Alemanha há 900 mesquitas com os seus Imames (orientadores religiosos) normalmente, enviados pela Turquia em sistema rotativo; estes têm, geralmente, pouca formação geral, o que se tem revelado como um dos factores fomentadores do espírito de gueto.

 

Cerca de 70% dos muçulmanos alemães são sunitas; os alevitas (mais democráticos) são 12%,  os xiitas 7%  e os Ahmadiyya 1,7%. Dentro da comunidade maometana há também a pequena minoria dos salafistas – grupo extremamente radical – muitas vezes envolvidos em ataques à sociedade não islâmica.

 

Entre maometanos alemães, levantam-se vozes raras, como a da deputada Lale Akgün, que considera a crescente “islamização desastrosa para muitas áreas da vida em que a religião não tem lugar”.

 

De facto, esta civilização que não conheceu o renascimento não aceita uma sociedade laica a rivalizar com ela e para quem o ser humano é concebido apenas em parâmetros culturais religiosos (homo religiosus). A propaganda contra os judeus tem aumentado substancialmente entre os imigrantes turcos bem como na etnia árabe e norte-africana. 90% da imigração para a Europa, desde os anos 90,  é muçulmana.  O fomento político desta imigração foi considerado como um erro por Helmut Schmidt, antigo chanceler alemão.

 

A estratégia muçulmana de auto-afirmação pelo gueto e a negação do modernismo em contraposição com o relativismo de valores ocidentais tem-se revelado vantajosa para a afirmação da religião muçulmana. Na França há mais de 1.000 mesquitas. No sul da França, já há mais mesquitas do que igrejas.

 

O diálogo intercultural urge e não pode continuar tabu

O tema da imigração muçulmana tem sido considerado tabu pela maioria dos intelectuais europeus e dos políticos. Não se dá uma discussão séria entre a cultura árabe e a cultura ocidental devido aos interesses das elites económicas, políticas e ideológicas. Nunca é tematizado o caracter da relação totalitária da religião a nível concepcional, social e humano.

Qualquer análise mais crítica relativamente ao islão e às atitudes dos imigrados islâmicos é abafada de início com o carimbo de islamofobia e de extremismo. Do islão ou se fala bem ou não se fala. O ditado do politicamente correcto da informação conduz a uma verdadeira desinformação e as pessoas, mesmo no convívio privado têm medo de se expressarem sobre o assunto. Devido à grande quantidade de muçulmanos os políticos estão interessados neles como votantes, com as consequências que daí derivam. É verdade que uma discussão aberta poderia, por um lado, ajudar os imigrantes maometanos a compreender melhor os parâmetros por que se orienta a sociedade civil ocidental, mas por outro criaria inquietação na sociedade acolhedora, correndo o perigo de se fomentar a xenofobia.

 

O comportamento exigente das comunidades islâmicas e a sua política de gueto na sociedade europeia aberta, que lhes permite liberdade total, fomenta muitos medos nos povos ocidentais.

Na discussão pública alemã procura-se branquear a praxis agressiva islâmica actual com argumentos de tolerância islâmica em eras passadas e sente-se a necessidade de enxovalhar o cristianismo de hoje com argumentos desfavoráveis do passado (cruzadas, inquisição, etc.) na esperança de que o maometanismo também se mude. Um irracionalismo de último grau ao denegrir-se o cristianismo portador no seu seio dos valore individuais e da democracia. A hipersensibilidade muçulmana com as suas reacções públicas imediatas, atemoriza os políticos e muitos membros da sociedade contribui assim para uma hipocrisia nas relações. A opinião publicada e o politicamente correcto paralisam qualquer opinião crítica em relação às comunidades islâmicas e ao islão.

 

O desenvolvimento da economia ocidental criou a necessidade de mão-de-obra; nesse sentido, os políticos abriram as portas à imigração contando apenas com mão-de-obra mas, depois de algum tempo, depararam com pessoas que traziam com elas, como é natural, os seus costumes. Quando os políticos se viram confrontados pela afirmação de costumes e éticas culturais questionadores da harmonia social meteram a cabeça na areia, tal como faz a avestruz, quando se encontra em perigo. Agora a política (União Europeia) aceita as crenças sem contar que com elas vêm as religiões e os conflitos interculturais. O direito à imigração é um direito inalienável; o que se precisa é responsabilidade e respeito pela dignidade humana da parte dos acolhedores e dos acolhidos.

 

Dificuldades no Diálogo inter-religioso e intercultural

Na Europa, a religião encontra-se enquadrada por um pano de fundo de tendência liberal capitalista e socialista; estas são orientações aparentemente contraditórias, mas complementares na instrumentalização da pessoa e do seu modo de sentir e viver. O que conta é a matéria e o produto que se faz dela. Uma filosofia relativista suporte, justifica o consequente individualismo consumista e a massificação duma sociedade, cada vez mais incapaz de distinguir e analisar.

 

Neste panorama, o cristianismo, fundamento da civilização ocidental, encontra-se de retirada. É sentido como demasiado complicado e exigente para uma sociedade que se quer consumista e proletária. Vão-se sucedendo ondas da moda a nível de ideias e de consumo, numa espiral de desresponsabilização individual e institucional.

 

Assim, na Europa dos anos 70 esteve em moda o induísmo que ainda acreditava em Deus. Depois seguiu-se-lhe a onda ateísta com o budismo. O Budismo (novo budismo), como é percebido e espalhado no Ocidente, vem mais de encontro às necessidades de pessoas que se satisfazem com um budismo de tipo coquetel espiritual à la carte, virado para o momento do agora e aqui. Procura-se o prático e o útil. Não se trata de crer mas de experimentar. As pessoas sentem-se bem num budismo que junta o útil ao agradável, ensinando técnicas de vivências pessoais e criando espaços para se descansar dum pensar esforçado e duma vida estressada.

 

Muitos ocidentais aprendem a aprofundar-se no cristianismo através do desvio do budismo. Um cristianismo, por vezes demasiadamente intelectual e fixado no além recebe assim uma rectificação intuitiva.

 

Um outro desafio, não só à religião cristã mas à cultura ocidental em geral constitui o aumento crescente e militante do islão que com uma doutrina simples (subjugação) e uma ética fácil se vai espalhando na Europa.

 

Duas concepções de Homem e sociedade diferentes têm a oportunidade de se encontrarem na responsabilidade e respeito pela dignidade humana. Para isso o politicamente correcto não deve adiar uma discussão séria que ajudaria acolhedores e acolhidos a melhor compreender os parâmetros por que se orienta a sociedade árabe e a sociedade ocidental e ambos trabalharem no sentido de um progresso comum.

 

António da Cunha Duarte Justo

antoniocunhajusto@gmail.com

www.antonio-justo.eu

 

LUSOFONIA A CHANCE DE FUTURO DOS PAÍSES LUSÓFONOS

Ontem submergiram às Colonizações das nações e hoje não resistem às das Civilizações

A Hora da Lusofonia está a chegar (3)

António Justo

Não, a Lusofonia não “ é a última marca de um império que já não existe” como quer António Pinto Ribeiro. (1) A construção de biótopos culturais /identidades nacionais não é contraditória à sua afirmação numa supraestrutura capaz de concorrer com outras supraestruturas mundiais.

 

Uma característica de quem se empenha na nobre tarefa da Lusofonia será, precisamente, através duma fábrica de pensamento, não adiar os problemas para o futuro mas sim encará-los com realismo para se antecipar a ele, numa estratégia de sustentabilidade. É necessário prever-se o perigo para termos a chance de lhe dar solução. Parte-se do status quo para se chegar ao que se deveria ser. Se queremos salvaguardar o bem-estar futuro, urge reformar o presente. A isto estão chamados, com conceitos e projectos concretos, os governos, as empresas, as universidades, as igrejas, os sindicatos, as associações e os cidadãos adultos interessados em construir um mundo adequado à dignidade humana e aos sinais dos tempos. A Lusofonia seria a realização de uma terceira via diferente.

 

Filosofia desejável para a Lusofonia

 

A Lusofonia não é nem foi, faz-se. Lusofonia poderá ser uma maneira diferente de ser e estar no mundo. Quer fomentar uma nova maneira de estar no tempo e no espaço, um novo modo de ver, agir e sentir o espaço geográfico-cultural lusófono e seus intervenientes. Essa maneira de estar já foi em parte exercitada, na miscigenação brasileira. A Lusofonia pretende fomentar a via especial dos povos lusófonos; uma terceira via diferente, não reduzível a um compromisso entre sistemas económicos/ideológicos (capitalismo e socialismo). Não se fica pelo pensamento bipolar. Raciocina, também, com uma lógica polivalente não fixada no “verdadeiro” e no “falso” mas reconhecendo no “possível” o elemento personalizador que leva a reconhecer a evidência da realidade. Não se fecha no “ou… ou” mas realiza-se numa prática e lógica aberta do “não só… mas também”, imbuída de complementaridade, enfim, uma via integral a-perspectiva. Também não rejeita a existência de padrões de comunicação: importante é a tentativa de integrar a posição do outro.

 

Os parâmetros filosóficos da Lusofonia incluirão uma consciência da complementaridade orientada pelo ideário de vida pensada e realizada a partir do nós, numa relação pessoal geradora de “eus” e “tus” adultos, gratos e gratificados. O “nós” será o ponto de partida e de chegada do pensar e agir.

 

Alternativa: ser satélites dos outros ou planetas do próprio sistema

Os países lusófonos têm que estar conscientes da alternativa do seu futuro: ou ser satélites anónimos de algumas potências ou tornarem-se eles mesmos os planetas do próprio sistema lusófono, tendo como seu centro a língua portuguesa e um ideário comum expresso numa relação mais que de cidadãos de irmãos. Não é assim que já nos tratamos quando falamos dos irmãos timorenses, brasileiros, angolanos, etc.? Se na palavra “irmãos” já temos um indicador de consciência fraterna e solidária, porque não investir nela a nível político, económico, cultural e humano? Já se esqueceu a solidariedade fruto dessa consciência lusófona, tida com Timor? A “Língua é a nossa pátria”! Unidos, ninguém nos destruirá e a Lusofonia (Comunidade Federal) transformar-se-á numa verdadeira potência de humanidade e fraternidade.

Como nações desorganizadas estaremos determinados a andar sempre atrás do progresso sob o ditame económico e político dos outros; como confederação lusófona (mais tarde federação) traria a si o poder de se autodeterminar e influenciar o futuro a nível global com uma política e economia próprias. Para tal pressupõe-se a união da inteligência racional à inteligência emocional, se não nos queremos perder deixar levar e perder na ditadura do factual e nos meandros duma emotividade nacionalista míope.

O movimento da lusofonia irmana a consciência de diferentes perfis antropológicos e sociológicos na resposta a dar aos sinais dos tempos como indicadores de futuro. Numa altura em que o imperialismo americano, chinês e europeu se aproveitam do globalismo para se imporem às nações e a grupos desacautelados, a resposta adequada será a organização das identidades lusófonas no projecto supranacional da Lusofonia: Um ecossistema cultural e humano à altura da nova reorganização civilizacional.

 

O conceito Lusofonia é realmente abrangente não podendo ser demasiadamente definido porque toda a definição bem contornada poder-se-ia revelar como limitadora do processo de desenvolvimento de identidades.

 

Já não chega uma boa relação entre os povos lusófonos; é preciso um sonho, um programa, uma vontade declarada de todos apostarem num ideário civilizacional comum, prometedor dum céu e duma terra para todos, com uma praxis de supremo respeito pela dignidade humana e pelo direito à diferença como valor.

 

Urge a Colaboração económica entre os países lusófonos

 

Trata-se realmente de unir, pessoas, povos e continentes para que da união surja uma força cultural, económica e política capaz de resistir a novos imperialismos. É importante apresentarem-se conceitos e estratégias capazes de alertar os governos para os perigos que se escondem por trás de acordos com firmas e potências que possam comprometer o seu futuro (a China, aproveitando-se da irreflexão europeia e da crise americana já conseguiu muito!). Os poderes das grandes potências camuflam-se através de influências anónimas que paulatinamente amarram governos, estados e nações. No futuro os Estados não terão sequer a oportunidade de corrigir os erros do passado com revoluções nem com nacionalizações. As intrigas internas serão controladas pelas grandes potências que não terão pejo de apoiar grupos contestatários de governos legítimos. No século passado as nações com pouca força económica ainda podiam optimar negócios jogando com os interesses concorrentes entre capitalistas e socialistas (USA e União Soviética), hoje, com a reorganização dos Estados em grupos de interesses económicos estratégicos e políticos torna-se dificílimo para os governos avaliar a longo prazo os compromissos que assumem com os grupos concorrentes (China, Liga Árabe, USA, EU, Rússia, etc.). Numa fase de ainda não consolidação duma união dos estados lusófonos, toda a África deveria, por razões estratégicas de futuro, privilegiar as relações com a Europa, precavendo um possível cenário que poderá ser o de os possíveis conflitos  entre a Ásia e a Europa se realizem na África, à imagem do que já aconteceu no passado em África relativamente aos interesses das nações e ao conflito da “guerra fria”.

 

Uma política favorecedora de colaboração com firmas e fluxos migratórios dos países lusófonos entre si revelar-se-ia como medida inteligentíssima contra o imperialismo económico que amarra o futuro das nações. É uma dor de alma ver como tantos académicos portugueses são aliciados por potências fortes, como a Alemanha, quando esses técnicos poderiam emigrar para os países lusófonos, contribuindo para o seu enriquecimento. É importante a salvaguarda de recursos humanos, étnicos, culturais e económicos numa cooperação multilateral que não avassale nenhum “biótopo” lusófono. A união faz a força. Cada país lusófono, no continente em que se encontra, constitui uma riqueza estratégica imensa.

 

A África continua em situação precária, sendo palco da cobiça e dos jogos de interesses ocidentais, árabes, chineses, russos, etc. Estas potências pretendem cimentar aí zonas estratégicas de influência. Ao contrário do autor inicialmente citado, sou do parecer que hoje a Lusofonia, à semelhança da posição de Portugal com a sua pretensão do Mapa Cor-de-Rosa na Conferência de Berlim (1884-85), pretende acautelar a defesa dos interesses das diferentes identidades étnico-culturais ameaçados por forças internacionais com mera intenção de domínio económico e estratégico. Às línguas estão subjacentes interesses de toda a espécie; em torno delas surgem as verdadeiras constelações do futuro. Hoje, tal como na Conferência de Berlim, as potências querem alargar as suas zonas de influência para depois, fazerem de terreno alheio e distante, o campo de batalha para as suas lutas de concorrência económica e política.

 

As zonas da lusofonia não seriam bem aconselhadas se, abandonadas à lei da inércia, sem organização, se deixassem enredar por problemas ideológicos e programas não aferidos à realidade actual.

 

Quem torpedeia a construção da Lusofonia, uma maneira moderna de dar resposta ao desafio do turbo-capitalismo e ao imperialismo comunista chinês, apoia precisamente aquelas forças e princípios imperialistas que o Mapa Cor-de-Rosa queria impedir (ao pretender salvaguardar o direito histórico e geográfico contra o direito da ocupação e repartição da África). Seria fatal se a lógica da ocupação económico-política seguida pelo ultimato inglês (1890) continuasse a imortalizar o princípio do mais forte. Não! Com a Lusofonia, trata-se de recorrer a um outro instrumento da evolução que não seja apenas o selectivo mas o da cooperação dos pequenos entre si, para poderem subsistir ao lado dos mais fortes.

 

Quer-se uma lusofonia construída na complementaridade partilhada por todos sem imposições dos mais fortes e acautelada de estratégias de afirmação por actos consumados de ocupação dos espaços económicos e culturais.

 

Naturalmente que Portugal não deve irradiar da sua consciência as barbaridades que cometeu em África nem desculpar-se com o preexistente comércio dos negreiros árabes. As suas brutalidades cometidas ao longo da história não são, porém, comparáveis à brutalidade sistemática doutros colonizadores, facto que não desculpa os erros cometidos mas prova uma outra mundivisão. Por vezes fala-se muito do colonialismo de ontem para se distrair das novas formas do colonialismo. Por outro lado, também seria ingénuo cair-se na cegueira de não reconhecer a luta da vida. A pequenez de Portugal e o seu caracter sonhador predispõe-no a ser conciliador, potenciando-o a ser um bom interlocutor no processo da Lusofonia. Por outro, Portugal, dentro da concorrência brutal em via na Europa sofre um ataque forte à sua instituição como Estado. Esta experiência poderia salutar se aproveitada nos espaços lusófonos como exemplo do que se dará mais tarde neles mesmos se não se prevêem.

 

Não é intento fazer do espaço da lusofonia um “império” mas um espaço global moderno de configuração a-perspectiva capaz de se manter e afirmar ao lado doutros constructos.

 

Também não se quer defender a ideologia dum luso-tropicalismo superior a outras civilizações, mas sim defender uma maneira de estar lusa ao mesmo tempo universal e respeitadora das culturas regionais. Portugal nunca assimilou mais que 1% da população colonizada. Havia a coexistência tolerante de culturas e hábitos (Cf. ideia da democracia racial em “Casa-Grande e Senzala” de Gilberto Freyre). De facto, desde o século XVI até Salazar (1940), não havia instituições coloniais nem um sistema de educação pública nas antigas províncias ultramarinas. Também a declaração da independência colonial em África não foi um acto contra Portugal mas o resultado de interesses económicos e ideológicos internacionais.

 

Já no 25 de Abril havia uma vertente da população portuguesa mais aberta à opção pelo ultramar do que à opção pela Europa. O espírito luso é arredio a ser encerrado num só país ou continente; ele é intercontinental, universal.

 

 

Encontramo-nos num momento de desenvolvimento histórico que não permite já a construção dum país pós-colonial. Os países foram uma forma anterior de socialização antes de se chegar aos constructos civilizacionais USA, EU, Liga Árabe, China, Rússia Índia…

 

Temos que ousar o salto de grupos étnicos ou nacionais para estruturas superiores. Doutro modo, os países, cada um por si, individualmente, sem um sonho nem um plano comum tornar-se-ão vítimas da cobiça das civilizações e potências fortes tal como aconteceu outrora.

 

É necessário equacionar-se os interesses de maneira convergente e não divergente. Já não nos encontramos no século XIX em que era ordem do dia a formação de nações. Hoje os sinais dos tempos apontam todos para a formação de órgãos/sociedades supranacionais. A experiência da formação da EU pode ser um exemplo de como se não deve proceder para criar um conglomerado. Apesar da génese e da filosofia ser baseada sobretudo pela concorrência e pelo poder, a EU afirmar-se-á. Muito mais prometedora e oferecedora de futuro seria a formação duma federação dos países lusófonos, no respeito dos biótopos naturais e culturais.

 

Seria um erro histórico crasso e constituiria um retrocesso se intelectuais africanos se afirmassem pela posição do contra, na intenção de construir uma identidade étnico-nacional.

 

O futuro já não se equacionará em termos de ideologias de esquerda ou direita nem de colonizadores e colonizados. A Lusofonia quer futuro e este só pode ser assegurado por uma terceira via diferente das outras. Temos realmente de construir uma nova matriz civilizacional.

 

Os Povos precisam dum Projecto novo e duma nova Bandeirância

 

Portugal iniciou outrora a grande aventura colonizadora hoje a Lusofonia poderá lançar-se na aventura humanizadora. A bandeirância que Portugal outrora assumiu como ponta de lança da civilização ocidental, na aventura colonizadora, terá de ser assumida hoje pela Lusofonia no sentido de construir um tecto metafísico possibilitador de relações humanas, económicas e culturais solidárias que sirvam de exemplo para a humanidade. As novas tecnologias podiam ser aproveitadas no sentido de superarem barreiras de aprendizagem e de mentalidades.

 

Sem sonho não há futuro. Sem mitos nem sonhos comuns deixaremos que as grandes potências económicas e os dinos do dinheiro repitam, de forma moderna e disfarçada, o que os países colonizadores conseguiram fazer de etnias outrora não unidas nem cristalizadas pelo tradicional processo de colonização interna. Neste sentido são necessárias fábricas de pensamento que preparem um projecto humano alternativo às tradicionais formas de domínio. O tempo do nacionalismo já foi ultrapassado pelo desenvolvimento histórico. Os novos contextos civilizacionais prescindem dele. A África não deve cair na tentação de procurar nos modelos nacionais ultrapassados do séc. XIX paradigmas para os novos Estados. Hoje, na ordem do dia estão as ligas, as uniões de estados pelo que a união dos estados lusófonos seria a consequência lógica duma estratégia actual e realista. Não reconhecer isto e apostar em nacionalismos é colaborar mercenariamente com potências estranhas. O que facilitou outrora a colonização foi o facto das tribos e grupos étnicos não se encontrarem unidos. Ontem não resistiram ao impacto das nações (Portugal, Espanha, Inglaterra, Franca, etc.) e hoje não resistirão ao impacto das civilizações (USA, Liga Árabe; China, Rússia, EU). Lógica: iniciar a alto nível conversações para uma confederação.

 

Os povos lusófonos precisam dum sonho, dum projecto próprio e duma Bandeirância que expresse a vontade subjacente. Não podemos deixar as etnias, os povos, as nações nas mãos dos oportunistas e dos jogos de grupos só interessados no proveito imediato. É preciso que os políticos dos países das lusofonias se juntem e procurem fazer das universidades alfobres de lusofonia, verdadeiros construtores de futuro e de progresso humano e fraternal. Criem-se parcerias com universidades; de não menosprezar universidades católicas devido à sua experiência internacional e à incardinação nos interesses do país, independentemente do credo. O gene da lusofonia reúne em si as melhores heranças biológicas e culturais que as civilizações legaram (Miscigenação, inculturação aculturação, uma ética alta e universal, etc.).

 

Promoção da Arte como Estratégia de Implementação da Lusofonia como consciência comum

 

A promoção recíproca da arte lusófona será a fórmula mágica duma estratégia, que a ser tomada a sério, se poderia tornar tão eficiente como a cristianização no século XV. Esta ideia terá de ser levada aos nossos políticos, que andam muito preocupados com as tarefas do dia-a-dia, sem tempo para poderem notar que por trás duma grande obra se encontra uma filosofia coerente e humana.

 

Uma grande tarefa a assumir igualmente por todos os estados lusófonos seria o fomento concreto da arte e da literatura dos parceiros para que esta se torne cadavez mais parte do sentir comum. Para isso será preciso que os Estados que anteriormente impuseram as suas matrizes culturais a outros povos implementem mais as artes daquelas culturas que antes reprimiram ou deixaram na letargia. Todos os órgãos dos Estados membros e as instituições da sociedade (universidades, igreja, partidos, sindicatos, associações) devem empenhar-se e dar expressão a tal intento, concebendo e apoiando projectos, com novas caravelas a afrentar os novos desafios, sejam eles económicos, tecnológicos culturais ou políticos. Há que apostar nos multiplicadores culturais e programas fomentadores das histórias nativas pré-coloniais.

 

Urge um estudo sistemático das semelhanças dos povos e construir-se uma sinopse das características antropologias e sociológicas que também em Portugal podem ser identificadas. Em todos os cursos universitários e especialmente nos de antropologia, sociologia, história e português não deveriam faltar cadeiras de lusofonia com as interferências interdisciplinares que a lusofonia implica.

 

O Acordo Ortográfico deveria ter sido obra acabada dos especialistas de diferentes países e de diferentes disciplinas e não condicionado por interesses económicos ou políticos.

Também o Instituto Camões ao pecar pela falta duma estratégia de promoção da cultura portuguesa, não sei se por intensão, se por fraqueza, poderá sinalizar precisamente uma atitude não colonizadora…

 

O dinheiro que Portugal poupa em conselheiros culturais deveria investi-lo na investigação e na implementação de programas interculturais a nível de universidades fomentadoras do espírito lusófono. O fomento de multiplicadores culturais da lusofonia efectuado pelo poder estatal, poderia ser contrabalançado pelo fomento de outros artistas, através de outras instituições e associações livres. Assim poderia estrategicamente proceder-se à proliferação de eventos musicais, literários, folclóricos dos países irmãos. Ministérios e comarcas poderiam pôr como condição de apoios financeiros às associações de arte e cultura a inclusão em seus programas de eventos de interculturalidade dos países lusófonos.

 

No novo enquadramentos histórico a lusofonia oferece a possibilidade da construção de novas identidades históricas abertas que não se afirmem umas contra as outras mas cresçam num espírito de complementaridade, ao serviço dum todo abrangente …

 

Precisa-se duma supraestrutura da lusofonia capaz de se afirmar na concorrência civilizacional: Uma Lusofonia como lugar das oportunidades das novas gerações de angolanos, brasileiros, guineenses, portugueses, moçambicanos, timorenses, cabo-verdianos e das diferentes etnias conscientes de só assim poderem sobreviver contra os novos desafios e imperialismos.

 

Será necessário pensar-se em espaços de séculos para nos não deixarmos subjugar por interesses imediatistas. No espaço cultural português e na alma portuguesa de hoje encontramos vestígios culturais, étnicos, que vão dos godos, fenícios, gregos, judeus, romanos bárbaros, árabes, africanos, etc., mas tudo isto só foi possível mediante um ideário e um sonho integrador acompanhado duma vontade política.

 

Seria ingénuo ignorarmos que o desenvolvimento histórico acontece à margem da formulação dos interesses económicos e culturais e abandonar a lusofonia aos interesses ocasionais de grupos económicos organizados. Não seria racional fixar-nos no fantasma dum colonialismo passado que nos distrai dos novos colonialismos em via. Importante é no meio de tudo isto manter a vontade emancipatória. Todos nós temos uma grande tarefa: fazer do património do mundo o património da lusofonia e fazer da lusofonia o património e a missão de cada país da lusofonia.

 

Lusofonia é um modo específico de estar humano, cultural, económica e política com expressão em Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor Leste que se deveria tornar numa política comum a todos os estados lusófonos. Se antigamente a unidade cultural se formava em torno da religião hoje pode ser implementada através do fomento da arte das subculturas em torno da língua. À volta da lusofonia não se pode abdicar dos elementos racional e emocional.

Do lusitano formou-se o português tal como do Angolano, do brasileiro, do moçambicano, do português, se pode formar o lusófono.

 

 

© António da Cunha Duarte Justo, www.antonio-justo.eu

antoniocunhajusto@gmail.com

(1) Esta parece-me uma abordagem da Lusofonia em termos arcaicos próprios duma lógica binária alijada ainda em mundivisões demasiadamente coniventes com ressentimentos étnicos e nacionais e do divide et impera. Seria fatal continuar a avaliar os tempos modernos com critérios e mentalidades de outros tempos.

União Europeia exporta Pobreza para a Periferia e furta-lhe a Mão-de-Obra

Emigrantes desesperados à Procura do Futuro

A União Europeia exporta a Pobreza para a Periferia e furta-lhe a Mão-de-Obra

 

António Justo

À Imigração precária segue-se a Procura da Imigração qualificada

A Alemanha que nos anos 60 precisava de trabalhadores desqualificados para dar resposta ao milagre económico alemão necessita hoje de mão-de-obra qualificada para as novas apostas no futuro. Outrora, com a imigração carente provocou a concorrência a nível de classe operária nacional e estrangeira, conseguindo iniciar assim um nivelamento do operariado pela base. Foi a fase da concorrência entre as camadas baixas da sociedade. Disciplinou a classe obreira para o combate económico iniciado com a globalização. Actualmente procura-se disciplinar e dominar a camada social média. A luta passou a dar-se entre a camada média alemã com os seus técnicos e a classe média estrangeira, imigrantes especialistas internacionais. Assim a Alemanha consegue manter-se como o lugar privilegiado da tecnologia e do desenvolvimento, assegurando assim para a Europa a vanguarda do progresso tecnológico e económico.

A crise do Sul da EU beneficia os povos mais ricos que, por sua vez, desestabiliza os estados da periferia. Exercita neles possíveis cenários de conflitos laborais e sociais de gerações vindouras dos actuais países fortes. Portugal é o país que exporta mão-de-obra mais qualificada deixando assim um buraco de menor produção no país. Estes emigrantes são altamente motivados e contribuem, pelo seu perfil biológico e currículo para o incremento do nível social alemão (países fortes) e consequentemente para o empobrecimento do nível social português/ da periferia. Geralmente emigram os melhores, com maior espírito criativo e de mobilidade.

 

A Alemanha absorve 400.000 imigrantes por ano

A Alemanha precisa dum contingente de 400.000 imigrantes por ano para equilibrar a o défice demográfico. O problema da diminuição da população alemã com os consequentes problemas para o pagamento de reformas futuras, segurança social equilibrada e pagamento das dívidas, anteriormente prognosticado por cientistas, já não mete medo devido à crescente imigração para a RFA.

A crise do Sul beneficia os povos mais ricos para onde emigram. Segundo relata a revista “manager magazine” 1/2013 alemã conta-se, pelo menos, com um aumento de 2,2 milhões de habitantes na Alemanha até 2017, e, perante a “tristeza de depressão do sul da Europa”, a afluência podia até aumentar. Este ano a imigração para a Alemanha já atingiu os 400.000; isto corresponde a duas cidades médias por ano.

 

Erro crasso dos Governos do Sul

Em 2011 emigraram 44 mil portugueses. Portugal e os países da periferia ficam com as dívidas, com a sangria da sua juventude qualificada, com as pessoas idosas a manter e com um operariado não confrontado com a concorrência operária (entre firmas) mas sim com o receio entre emprego e desemprego. No século passado estados nacionais compensavam a sangria, provocada pela emigração, com uma maior natalidade e com as remessas dos emigrados. Nessa altura as potências europeias viam no incremento da imigração uma espécie de apoio ao desenvolvimento económico dos países pobres considerando as remessas como crédito para estes países poderem pagar as suas encomendas. Hoje esta seria uma conta errada tanto para os estados credores como para os devedores. A situação dos países devedores é tal que para poderem alimentar o povo e evitar revoltas sociais terão de exigir uma nova ordem económica na Zona Euro. Dado os países fortes serem os beneficiados desta zona teria de ser criado um instrumente equilibrador das diferentes regiões económicas. Os países economicamente fortes teriam de efectuar uma transferência solidária de dinheiros para as regiões mais fracas. Além disso na Alemanha unida há o “imposto de solidariedade” que cada empregado paga para que a zona da antiga Alemanha socialista (DDR) consiga atingir o mesmo nível de vida da antiga parte ocidental da Alemanha (BRD). Esta contribuição de solidariedade corresponde a 5% dos impostos que se pagam.

Pelo que se observa os nossos políticos deixam-se enganar hoje com as remessas dos emigrantes como ontem com os apoios da EU. A mão-de-obra especializada é a melhor ‘matéria-prima’ dum país moderno.

Portugal, conjuntamente com os países da periferia, repete hoje o mesmo erro que cometeu com a política de fomento da União Europeia limitando-se a dar resposta às imposições do grande capital internacional. Os governos tornaram-se nos servidores do capital internacional aplicando apenas as suas directrizes estruturais. Há porém uma grande diferença entre as pequenas economias e as economias dos estados potências. Estes têm as políticas aferidas às suas elites financeiras enquanto os estados pequenos não têm elites financeiras capazes de estratégia política para concorrer a nível internacional. A EU implementou a construção das infraestruturas da periferia com avultados apoios financeiros, créditos e investimentos a fundos perdidos. As grandes multinacionais europeias em parcerias com os seus estados através da política da EU, conseguiram assim aproveitar-se dos fundos europeus fazendo investimentos nos respectivos países. Passados poucos anos as firmas abandonaram os países levando com elas os lucros para os investirem na competição das firmas a nível global (China, etc.). Provocaram a ruína das firmas autóctones rudimentares e deixaram as economias nacionais destruídas e consumidores exigentes. A colaboração dos Estados fortes com as suas empresas no investimento do desenvolvimento tecnológico faz destes estados os lugares privilegiados na renovação tecnológica, a única estratégia capaz de manter a supremacia sobre os países emergentes. A Alemanha é a nação da EU mais preparada e vocacionada para dar resposta ao desafio do futuro. A criação do euro não passa duma tentativa estratégica e capitalista para disciplinar a política, os estados e o operariado.

 

 

Remessas de 2.254,580 milhões de Euros para Portugal em 2012

O maior aumento de remessas em relação a 2011 foi o da Alemanha que passou de 92,1 milhões para 142,7 milhões €; na França diminuiu de 749,8 milhões € para 712,9 milhões €.

 

Segundo as estatísticas do Banco de Portugal as remessas dos emigrantes portugueses para Portugal atingiram, nos primeiros dez meses de 2012, os 2.254,580 milhões de Euros. Isto são os números oficiais porque há muito outro dinheiro que se leva directamente para Portugal. Os países de maior envio foram: França 718,934 milhões €, Suíça 540,870 milhões € (230mil portugueses), Angola 219,072 milhões € (100.000 port.), Alemanha 142,732 milhões € (92 mil port.), EUA 113,922 milhões €, Reino Unido 107,708 milhões (84 mil portugueses). Espanha 105,595 milhões € (146 mil port.), Luxemburgo 62,464 milhões €; Bélgica 42,057 milhões €, Canadá 39,370 milhões €.

 

Numa era em que os estados nacionais se dissolvem, a europeização se alarga e a instabilidade económica aumenta e os emigrados não se sentirão a aumentar remessas para zonas instáveis. Já hoje, muita dos emigrantes da velha geração, que se encontra reformada, não se sente motivada a regressar e chega mesmo a lamentar o não ter investido atempadamente na nação de residência em vez de o ter feito na nação mãe. Isto nota-se principalmente nas mulheres. A nova geração de emigrantes fará uma aplicação mais racional que emocional das suas poupanças. Prevendo-se isto urge uma nova política nacional e europeia.

A actual política da EU revelar-se-á catastrófica para o sul. Enquanto o sul sofre a Alemanha (e países centrais) esfrega as mãos de contente. Os imigrantes provenientes da periferia europeia são bem-vindos porque são trabalhadores qualificados e não causam os problemas de guetos que os imigrantes muçulmanos criam. Para agora chegam os imigrantes da periferia e têm a vantagem de serem mais qualificados; por isso se reserva para mais tarde o fomento da angariação os emigrantes da África do Norte, Ásia, etc. Assim não se precisa de prover a uma política de família responsável. Em 2012 a Alemanha deu trabalho a 25.000 especialistas imigrados provindos de Espanha, Portugal e Grécia. As firmas recrutam o pessoal de forma objectivada procurando engenheiros nos ramos de engenharia de construção e engenharia elétrica. Recrutam os melhores absolventes das faculdades estrangeiras, tal como sempre fizeram os americanos. Principalmente o sudoeste alemão aponta para o futuro apostando na imigração qualificada. Há agências especializadas no recrutamento de engenheiros e profissões qualificadas.

A união do mercado europeu favorece os seus epicentros da economia. Assim podem com os imigrados manter as indústrias no país não precisando de fundar sucursais nas periferias. Muitos médicos e engenheiros emigram também devido à atracção da estabilidade social alemã. Um aspecto interessante de algumas firmas pequenas alemãs é o facto de se preocuparem também com o bem-estar familiar do empregado, apoiando-o, por vezes, no sentido de encontrar lugar de trabalho também para a namorada. Para a nova geração de emigrantes é muito importante a estabilidade.

 

EU actualmente ao serviço do grande capital

A União Europeia (EU), desde o início, desenvolveu uma estratégia de fortalecimento das suas elites financeiras através do fomento da EU e da criação do Euro para elas poderem fazer frente às elites financeiras americanas e mundiais. As nações fortes da Europa elaboram as suas políticas com base em prognoses e programas económicos científicas a longo prazo. Assim asseguram o bem-estar dos seus cidadãos dando resposta adequada aos problemas do seu futuro económico. As nações mais débeis, porque não têm grandes elites económicas, limitam-se a reagir às macropolíticas sem pensar nos verdadeiros objectivos a elas subjacentes.

Nos anos oitenta e noventa a Alemanha seguiu uma política de fortalecer as grandes empresas nacionais para estarem preparadas para o combate económico da globalização; essa política revelou-se nacionalmente inteligente por dar resposta ao grande problema da concorrência com os países emergentes e a fortaleza da sua indústria atrair imigrantes técnicos que compensam a falta de mão-de-obra devida à baixa natalidade (o grande problema do futuro).

 

António da Cunha Duarte Justo

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