Um Dia Santo para a Natureza para os Animais e Plantas – O PAPA E A ECOLOGIA

O PAPA E A ECOLOGIA

Um Dia Santo para a Natureza para os Animais e Plantas

António Justo

Na parte final do seu discurso no Parlamento alemão, Bento XVI referiu-se também ao movimento ecológico surgido na Alemanha, especialmente, a partir dos anos Setenta, afirmando que o ambientalismo “foi e continua a ser, um grito que anela por ar fresco, um grito que não se pode ignorar nem acantonar”. O papa com a ideia de não deixar acantonar o movimento ecológico num partido (Os Verdes) ou grupo do mercado quer que se ultrapasse uma visão antagónica do preto e do vermelho para uma visão dum verde que suporte todas as cores do arco-íris sobre ele. A lei da complementaridade na biosfera e nos ecossistemas culturais pressupõe um equilíbrio de relações entre todos os elementos e não a ditadura da economia (lucro exagerado) que ao destruir a natureza destrói também a pessoa. Requer-se uma mudança radical de mentalidade, uma consciência ecológica e humana que transcenda os guetos das ideologias.


Se no alvorecer da humanidade e no seu afirmar-se, o Homem, então em reduzido número, lutava por dominar a natureza, hoje que a explora e põe em perigo, tem que, como sua parte integrante, tornar-se seu protector assumindo a responsabilidade do Criador. De facto, hoje observam-se dois grandes buracos de ozónio: um na biosfera natural e outro nos ecossistemas culturais. O ar e a cultura, cada vez se intoxicam mais, correndo em abundância o veneno na água e na divulgação pública. Hoje, por vezes, tem-se a impressão de vivermos em tempos apocalípticos, do não há pai, salve-se quem puder.


Em tom brincalhão, o Pontífice fez um aparte, no discurso, dizendo que não estava ali a fazer propaganda por nenhum partido. Certamente não queria ficar como o papa verde! De facto o partido OS VERDES com 68 deputados num parlamento de 620 surgiu da defesa da ecologia. Com este louvor talvez o Papa queira estimular a Alemanha a continuar no seu estado pioneiro de empenho ecológico no contexto das nações e de ter sido a maior sociedade industrial a ter determinado o abandono da energia atómica para passar a investir em energias não poluentes e renováveis, como a eólica e solar. Isto tem como consequência a transição de investimento e transformação tecnológica e de investigação.


Não chega pintar de Verde as Fachadas das Fábricas e das Ideologias

Depois continuou: “A importância da ecologia é agora indiscutível. Devemos ouvir a linguagem da natureza e responder-lhe coerentemente. Mas quero ainda enfrentar decididamente um ponto que, hoje, como ontem, é largamente descurado: existe também uma ecologia do homem. Também o homem possui uma natureza, que deve respeitar e não pode manipular como lhe apetece. O homem não é apenas uma liberdade que se cria por si própria. O homem não se cria a si mesmo. Ele é espírito e vontade, mas é também natureza, e a sua vontade é justa quando ele escuta a natureza, respeita-a e quando se aceita a si mesmo por aquilo que é e que não se criou por si mesmo. Assim mesmo, e só assim, é que se realiza a verdadeira liberdade humana”. Critica-se assim a monocultura agrária e de espírito em via. A Biodiversidade dentro do ecossistema humano e natural pressupõe uma dimensão não só horizontal mas também vertical; pressupõe um horizonte aberto a tudo e a todos numa consciência da lei da complementaridade a nível de ecossistemas naturais, culturais, ideológicos e o respeito de uns pelos outros. A terra é de todos e de tudo; todos somos terra e nos tornamos terra.


O ambientalismo sério começa cá por casa, por cada um de nós (mudança de hábitos de consumo, de alimentação; um motivo de cada pessoa e não apenas de sistemas a afirmarem-se uns contra os outros. Não é preciso seguir a bandeira dum ecossocialismo nem dum ecocapitalismo. Os dois não apontam para a solução; fazem uso duma filosofia do contra em benefício da própria clientela não querendo, na discussão, aplicar a lei da complementaridade, que reina na natureza, ao relacionamento da vida social e ideológica: o que se reconhece no ecossistema natural nega-se no ecossistema cultural e na relação das ideologias umas com as outras. O neoliberalismo domina tanto os estados capitalistas como os socialistas. É cómodo encostar-se ao socialismo ou ao capitalismo quando a solução do problema terá de começar pela mudança de mentalidades das pessoas e por uma consciência da complementaridade das estruturas, todas elas deficitárias e até agora manipuladoras da cultura e das suas clientelas. Não chega pintar de verde as fachadas das nossas fábricas e das nossas ideologias. Muitos ouvem o alarme da natureza e o protesto de muitas pessoas e aproveitam-se da ingenuidade ou egoísmo de pessoas para melhor fazer o seu negócio, a propaganda da sua organização contra outras (na continuidade do mesmo espírito que levou à exploração da natureza: divide e impera). A solução não virá de ideologias mas duma luta supra-ideológica, dum movimento dos movimentos que está por nascer.


É possível um novo mundo, a mudança da civilização. O comércio tem vivido dum mundo fragmentado e da tentativa de mecanizar/automatizar a pessoa em contínua corrida sem segurança.

A ganância do lucro e o oportunismo impedem uma revisão equilibrada dos sistemas. A pessoa é reduzida a indivíduo e a mera força de trabalho, a mero produto. A ganância do lucro manterá a crise cultural, económica e ecológica da civilização. Não chega encontrar a causa do que se vê mas também a sua finalidade.


É necessário desenvolver uma tecnologia da libertação, correspondente a uma nova consciência. A natureza é rica, pobre é o espírito duma economia e tecnologia explorador. O crescimento económico justo e o desenvolvimento social pressupõem uma sintonia no respeito pela natureza e pela dignidade humana.


Os países ricos enriqueceram no desrespeito da natureza e na destruição dos biótopos em favor das monoculturas. Os países em via de desenvolvimento são tentados a seguir este mau exemplo. No Brasil entre outras organizações que se levantam contra a destruição da natureza, os bispos brasileiros têm-se insurgido contra a destruição da natureza que mata 100 pessoas por ano e leva a população rural a fugir para as cidades. A comunidade mundial terá de se tornar solidária com estas populações insurgindo-se contra a destruição de biótopos e ecossistemas naturais destas regiões. O sistema económico que actua a nível global chegou com o seu latim ao fim. Provocou um desequilíbrio entre meio ambiente e produção, entre emprego e desemprego, entre rico e pobre.


Bento XVI diz que o desastre que se observa na terra e na sociedade é consequência do desastre espiritual e cultural humano. A terra apenas se deixa contagiar pela doença do Homem. A natureza é parte de nós e nela encontramos o outro.

Já antes tinha chamado a atenção para a necessidade de mudança de mentalidade no sentido de Francisco de Assis, afirmando: “É fascinante em Francisco a sua rejeição resoluta ao mundo de bens e o seu amor não afectado pela criação, pelos pássaros, pelos peixes, pelo fogo, pela água, pela terra. Ele aparece como o padroeiro dos ecologistas, como o líder do protesto contra uma ideologia que se concentra apenas na produção e crescimento, como o advogado da vida simples.”


Francisco queria o jardim Terra não só como lugar para a agricultura para animais de pecuária mas para todos os seres, para os irmãos “as flores do campo e os lírios do vale” (Cant2,1), queria a natureza como lugar para toda a criatura poder viver em irmandade desde o “irmão burro” às “ irmãs flores”. E Bento XVI complementa: “O respeito para com as pessoas e o respeito para com a natureza pertencem juntos, mas ambos só podem prosperar e, finalmente, encontrar o seu nível, se respeitarmos o criador e sua criação nas pessoas e na natureza.”


Dignidade humana e da Natureza em relação de interdependência

Em comunhão de alma com a natureza, na qual corre a mesma seiva/sangue e se manifestam as mesmas diferenças como na sociedade humana, estamos chamados a fazer brilhar nela também o nosso sol, o sol do amor. Com o manto verde das suas plantas, a natureza alimenta o nosso respirar oferecendo-nos o oxigénio e juntando o seu respirar ao nosso. Também nós temos algo para lhe dar: o manto do espírito. Deus criou a natura e o homem criou a cultura, para, em conjunto, colaborarem no projecto do mistério a caminho. A força do sol e do vento com a ajuda da água conseguiram fazer da rocha dura campos férteis e fecundos. Nós pelo contrário, com a alma em erosão, estamos a contribuir para a desertificação da alma humana e do mundo. A natureza sofre enquanto o Homem não arredar caminho. A maneira como tratamos os animais é pior que a atitude de Caim contra seu irmão, representante duma outra cultura.


Da fé num Deus criador e pai surgiu a ideia da dignidade humana e dos direitos humanos. Do mesmo princípio se deixa deduzir o respeito por todas as criaturas, pela natureza inteira, obra do mesmo criador. O Papa não se cansava de repetir “onde Deus está, lá está futuro”. Por isso precisamos dum dia santo para a natureza e não apenas dum feriado dela. Temos vivido do que se tem roubado à dignidade humana e aos animais, encontrando-se agora a natureza inteira a sofrer.


A Bíblia quer que também os animais tenham um dia santo, ao afirmar que também eles não devem trabalhar ao sábado e também a terra precisa dum ano sabático. A civilização tem atraiçoado a natureza ao degradar o Homem para objecto de produção e consumo amarrando-o à fábrica e ao shopping. O espírito que tem dominado a exploração do Homem pelo homem domina na exploração da natureza pelo Homem. Ao profanarmos o Homem profanamos a natureza também.


Os animais encontram-se encurralados em campos de concentração indignos do homem e do animal. É-lhes roubado o seu espaço vital como se também eles não tivessem direito a um ambiente digno. A terra é mãe de todos. As plantas não cortaram o cordão umbilical com ela mas sofrem as consequências da depravação humana; o animal homem, seu filho pródigo, esquece que ela é não só sua substância mas seu chão também.


Nela saltitam as nossas paixões e voam sonhos como andorinhas. Meus pensamentos não são mais que seus pássaros a voar. Como eu, também a planta, o animal, a raiz tem seus sonhos, a sua esperança. O Homem continua a violar a fecundidade da terra e depois admira-se que ela reaja magoada.


Na teologia da trindade e encarnação podemos encontrar um modelo de pensamento e acção que transcende a objectivação de tudo o que é ser para os integrar na sua relação complementar. Assim espírito e matéria unem-se num processo actual e teleológico, o espírito torna-se terra para nela se divinizar e ressuscitar. Como a natura segue a orientação do Sol assim a cultura terá de descobrir o seu sentido a caminho da transcendência. Teilhard de Chardin fala do percurso do Alfa para o Omega e do Cristo cósmico que resume o caminho e a aspiração da natureza e do Homem.


Há várias portas de acesso à Realidade, possibilitando cada qual uma panorâmica diferente da mesma: a natureza, a fé, a razão. Quanto mais abertura e mais chaves tivermos mais larga será a panorâmica da nossa visão.


António da Cunha Duarte Justo

Teólogo e Pedagogo

antoniocunhajusto@googlemail.com

www.antonio-justo


Falta de Cultura da Europa face a outras Culturas mundiais

Europa Berço da Cultura jurídica da Humanidade

Da Visita de Bento XVI à Alemanha

António Justo

O seu discurso no Parlamento alemão foi tido por todas as fracções parlamentares como uma aula académica de alto nível sobre os fundamentos intelectuais do Estado.

O ecossistema cultural ocidental já manifesta grandes buracos de ozono na sua cúpula metafísica que provocam um estado de perturbação e uma atmosfera decadente. Bento XVI mostra-se preocupado com o desenvolvimento da sociedade e recorda: “A cultura da Europa nasceu do encontro entre Jerusalém, Atenas e Roma, do encontro entre a fé no Deus de Israel, a razão filosófica dos Gregos e o pensamento jurídico de Roma. Este tríplice encontro forma a identidade íntima da Europa. Na consciência da responsabilidade do homem diante de Deus e no reconhecimento da dignidade inviolável do homem, de cada homem, este encontro fixou critérios do direito, cuja defesa é nossa tarefa neste momento histórico.”

“Os teólogos cristãos associaram-se a um movimento filosófico e jurídico que estava formado já desde o século II a.C., num encontro entre o direito natural social, desenvolvido pelos filósofos estóicos, e autorizados mestres do direito romano. Neste contacto nasceu a cultura jurídica ocidental, que foi, e é ainda agora, de importância decisiva para a cultura jurídica da humanidade. Desta ligação pré-cristã entre direito e filosofia parte o caminho que leva, através da Idade Média cristã, ao desenvolvimento jurídico do Iluminismo até à Declaração dos Direitos Humanos e depois à nossa Lei Fundamental alemã, pela qual o nosso povo reconheceu, em 1949, «os direitos invioláveis e inalienáveis do homem como fundamento de toda a comunidade humana, da paz e da justiça no mundo».

O acesso à casa da realidade tem várias portas, quem conhece apenas a razão ou o materialismo como porta de entrada reduz a realidade e a pessoa.

Bento VXI reconhece o contributo da ciência positivista do mundo, como “parcela grandiosa do conhecimento humano”, mas chama a atenção para os seus exageros e para o facto do banal funcional do dia-a-dia não poder ser suficiente fonte do direito nem a razão positivista poder atribuir-se o monopólio e considerar-se como o único critério de acesso à realidade. Bento XVI convida os deputados e a ciência à reflexão dizendo: “O conceito positivista de natureza e de razão, a visão positivista do mundo é, no seu conjunto, uma parcela grandiosa do conhecimento humano e da capacidade humana, à qual não devemos de modo algum renunciar.” Contudo, esta “não é, no seu conjunto, uma cultura que corresponda e baste ao ser humano em toda a sua amplitude… Onde a razão positivista se considera como a única cultura suficiente, relegando todas as outras realidades culturais para o estado de subculturas, aquela diminui o homem, antes, ameaça a sua humanidade. Digo isto pensando precisamente na Europa, onde vastos ambientes procuram reconhecer apenas o positivismo como cultura comum e como fundamento comum para a formação do direito, enquanto todas as outras convicções e os outros valores da nossa cultura são reduzidos ao estado de uma subcultura. Assim coloca-se a Europa, face às outras culturas do mundo, numa condição de falta de cultura e suscitam-se, ao mesmo tempo, correntes extremistas e radicais. A razão positivista, que se apresenta de modo exclusivista e não é capaz de perceber algo para além do que é funcional, assemelha-se aos edifícios de cimento armado sem janelas, nos quais nos damos o clima e a luz por nós mesmos e já não queremos receber estes dois elementos do amplo mundo de Deus.”

Ao falar “ sobre os fundamentos do direito”, Bento XVI adverte que o lucro material e o sucesso não pode ser o último critério e motivação para a actividade do político. “O sucesso pode tornar-se também um aliciamento, abrindo assim o caminho à falsificação do direito, à destruição da justiça”. “A política deve ser um compromisso em prol da justiça e, assim, criar as condições de fundo para a paz.”

Questiona a verdade sem fundamentos filosófico-éticos baseada apenas em estatísticas e votos de maiorias.

“É evidente que, nas questões fundamentais do direito em que está em jogo a dignidade do homem e da humanidade, o princípio maioritário não basta…”

Torna-se incompreensível que precisamente o Catolicismo seja hoje a religião mais atacada por uma camada intelectual desiludida que viu os seus ideais falhados na queda do sistema soviético e por um modernismo racionalista unilateral, quando esta religião foi a que possibilitou a distinção entre direito divino e direito de estado. “Dai a Deus o que é de Deus e a César o que é de césar”, dizia o mestre da Galileia.

“Ao contrário de outras grandes religiões, o cristianismo nunca impôs ao Estado e à sociedade um direito revelado, um ordenamento jurídico derivado duma revelação. Mas apelou para a natureza e a razão como verdadeiras fontes do direito; apelou para a harmonia entre razão objectiva e subjectiva, mas uma harmonia que pressupõe serem as duas esferas fundadas na Razão criadora de Deus”.

Hoje tudo parece ser negociável. “Vivemos num tempo em que se tornaram incertos os critérios de ser homem. A ética foi substituída pelo cálculo das consequências“, constata Bento XVI.

«Só quem conhece Deus, é que conhece o homem» – disse uma vez Romano Guardini. Sem o conhecimento de Deus, o homem torna-se manipulável”.

Independentemente do aspecto moderno ou conservador, de se ser crente ou ateu, facto é que o Papa é quem mais tem contribuído para a civilização ocidental no que ela tem de mais humano e genuíno. Ele considera-se “um colaborador da verdade”!

António da Cunha Duarte Justo

antoniocunhajusto@googlemail.com


Aforismos e Pensamentos


Quem faz alguma coisa dá erros

Quem não faz nada não erra

Quem não erra é promovido!



A farsa da vida tem os seus intervalos.


Desespero é a distância entre o que já sabemos e o que falta saber.


Sem massa não há classe. A massa popular produz a classe com massa.


À sombra da minha ignorância prosperam os melhores erros.


A mudança do mundo tem a mesma raiz que a minha.


Se não fosse a paixão da água, o rio não tinha cachão…


Na fogueira da vida arde a verdade e a mentira. Do calor ficam as cinzas!


António da Cunha Duarte Justo


Apreciar Todo o Mundo e Ninguém

Todo o mundo choraminga

E ninguém se queixa

Hoje quero-me queixar

Sem choramingar

Todo o mundo anda apressado

Ninguém tem tempo para dar

Todo o mundo quer gozar

Ninguém se lembra

Para gozar é preciso tempo

Tempo para apreciar

António da Cunha Duarte Justo

Razões da Situação Precária de Portugal


O Narcisismo do meu País

António Justo

Portugal tem uma população muito trabalhadora mas economicamente ineficiente. O maior problema da sociedade portuguesa está no facto de ter uma classe média acomodada e presunçosa com falta de espírito empreendedor, geralmente colada ao Estado e a burocracias ineficientes.


Em nome do progresso, o povo foi submetido a um ritmo de mudança tal que perdeu a visão geral dos problemas, entrando num processo desorientação e numa despersonalização que se expressa no exagerado consumo de antidepressivos em relação a outros países. Encontramo-nos perante um país com um Estado cobaia sempre a importar novos conceitos mas sem tempo para os digerir nem para desenvolver conceitos próprios com base na própria experiência (isto pude constatá-lo durante 30 anos nas formações anuais do Ministério da Educação – uma semana por ano). A vida dura leva-o a sonhar: ir ao shoping, ver futebol não restando tempo para ler.


Enquanto países como a Alemanha se preocupam em receber imigrantes qualificados para as suas empresas, Portugal fomenta a emigração duma juventude sem lugar para ela na sociedade.


Como emigrantes, os portugueses, são bons camaradas e ao mesmo tempo amigos do pratão. Enquanto os portugueses no estrangeiro aforram, na terra gastam mais do que produzem. Os não emigrados, julgando que os “emigrantes” ganham o dinheiro sem suor, vêem-nos de resvés. A inveja não suporta outros de cara lavada.


A assimetria no desenvolvimento de maiorias e minorias fomenta a inveja. Uma política partidária narcisista tem acentuado o problema.


Enquanto na França há 1,99 crianças por mulher, na médias dos 27 países da EU 1,58, Portugal consegue, com 1,32 por mulher, ser na Europa, o país que menos filhos gera. Portugal ainda os poucos filhos que tem obriga-os a emigrar, não criando espaço económico para eles. Sangra-se. Paulo Morgado denuncia, com objectividade, Portugal com um Estado colosso como um polvo que tudo abafa não permitindo concorrência na vida económica e cultural portuguesa. “O mercado português ainda se move mais pela parte relacional do que pela competência”. Isto podemos constatá-lo desde a administração pública às Câmaras Municipais, onde há chefes de si mesmos (sem um mínimo de pessoal a administrar) com projectos artificiais (para colocar amigos).


O Estado não se tem preocupado com política familiar, castigando quem tem filhos; não se tem preocupado com o fomento de empresas pequenas e médias, aquelas que poderiam criar emprego e produção portuguesa. Cada um, onde está faz por si. Na arena pública da nação são constantes os discursos políticos; a discussão económica tem sido pouco séria, muitas vezes apresentada sob uma perspectiva de autodefesa ou de culpabilização dos outros. As empresas e o discurso cultural encontram pouco espaço na discussão pública.


A classe política, na sua incompetência da gestão pública, desqualificou-se ao deixar chegar o país à beira da insolvência.


A via para sair da crise será “o saber de experiência feito”

“Porque é sono o não saber”, constatava já Fernando pessoa.

As instituições não têm assumido responsabilidades. Os problemas políticos, sociais e económicos, são em geral discutidos nos Media sob uma perspectiva político-partidária, o mesmo se dando no parlamento. Nota-se falta de competência económica, no discurso nacional. Muito discurso é meramente teórico sem experiência adquirida nas empresas e nos laboratórios das universidades. Muitos dos assessores têm apenas um curso universitário e o cartão do partido. Perdemos o ideal que pautava os arquitectos dos nossos descobrimentos: “o saber de experiência feito”.


Seria esclarecedor da situação se se fizesse um estudo sobre a proveniência profissional dos deputados com acento no parlamento: quantos são empresários, quantos provenientes do serviço público, quantos ecónomos, engenheiros, juristas, pedagogos, médicos, etc. Assim se saberia os modelos de pensamento que dominam o parlamento. Daí se poderia concluir da sua competência económica e social. O jogo de xadrez do poder político cada vez descarrega mais figuras políticas na liderança de grandes empresas de relevo nacional. A objectividade cede a interesses encostados às burocracias. Um tal sistema fomenta um espírito providencialista e parasita. Um bom tema de doutoramento seria uma investigação séria sobre as grandes empresas nacionais e o número de quadros vindos da política.


Já chega de “português para inglês ver“. Em Portugal  Tudo fomenta um narcisismo latente na administração e na sociedade. O sistema fomenta a ascensão de pessoas narcisistas como se pôde verificar no currículo de Sócrates. Exagerado senso de auto-estima sob o substrato duma realidade deprimente. Ciumentos estão sempre prontos a dar a culpa aos outros e com dificuldades de relações pessoais autênticas concentram-se, por isso na sua carreira: os fins justificam os meios. Geralmente, pessoas que se encontram à frente do pelotão não sentem empatia pelos outros. Em vez da empatia têm um sentimento de grandiosidade sem limites. Querem admiração sem crítica, não se importando, a nível prático, com a exploração dos outros. O que conta é dinheiro, poder e prestígio. No mercado das opiniões, sentem-se vítimas colocando os outros no lugar do transgressor.


Vive-se uma vida ad hoc. Quem não produz mais que consome age contra a natureza! Já David Hume constatava que “não é a razão que nos orienta na vida mas o hábito”. Daí a necessidade de vozes da consciência nacional que chamem a atenção do perigo da inércia, o perigo dum hábito irreflectido em que tem vivido toda a nação: uns da cópia e os outros da imitação. Por isso a primeira exigência que se coloca a um cidadão formado é ser um cidadão céptico mas consciente de que a crítica esconde a desilusão. Não se pode continuar a viver segundo o lema: já que não se tem o que se quer, aceita-se o que se não quer. Na sociedade portuguesa por onde quer que nos movimentemos tropeçamos no narcisismo. As ondas do narcisismo que emanamos são tão perigosas como as ondas de radioactividade atómica.


A primeira república portuguesa rendeu-se ao estrangeiro, a actual também. O futuro está nas nossas mãos de cidadãos! Portugal ou acorda agora ou quando acordar já não é Portugal.


António da Cunha Duarte Justo

antoniocunhajusto@googlemail.com



A Minha Razão e a Razão dos outros – Duas complementaridades


Não chega a sabedoria vadia nem a lógica rimada

António Justo

“Duas coisas preenchem a mente com admiração sempre nova e crescente… o céu estrelado sobre nós e a lei moral em mim”, dizia Immanuel Kant. A mim duas coisas me assombram: a aerosfera sobre a terra e o tecto cultural de cada civilização; a atmosfera que cobre os diferentes biótopos da natureza e o sistema de pensamento que cobre os biótopos individuais e sociais. As mesmas leis meteorológicas que regem a natureza lá fora parecem soprar no nosso espírito cá dentro e nas culturas (ad intra et ad extra).

A natureza, a sociedade e a psiché humana atravessam uma fase de altas pressões. O desequilíbrio entre altas e baixas pressões é tal que os tsunamis parecem sacudir os fundamentos da sociedade e da moral. O nevoeiro generalizado chega a impedir de ver as estrelas e a diluir os contornos éticos, pondo em questão a sustentabilidade da humanidade e da terra.

Aqui fora, na minha terra, a atmosfera torna-se cada vez mais fria e rude; a tempestade, que nela grassa, varre jardins e telhados. Da borrasca ficam paisagens humanas devastadas e sentem-se os ecos de brados de gaivotas no ar. Uma natureza humilhada chora nas plantas e nos animais por o saber humano não respeitar o saber da natureza. Por todo o lado se observam ventanias e razias no meio ambiental e no meio cultural. O mesmo se diga no foro social e individual. Natureza e cultura ao desafia, o Homem contra o Homem.

A crise de identidade, com as crises dela resultantes, abala a pessoa e as instituições. Os ventos que correm na razão e no coração são stressantes. Na sociedade muitos afirmam-se pela negação do outro, outros pela acomodação. Por isso cada vez surgem mais árias para embalar o sentimento e para adormecer a razão. Tudo é belo, as sereias cantam e encantam. Cada um puxa ao rubro as cordas da razão ou do sentimento para fazer ouvir a sua composição.

Com esta minha composição não quero embalar mas tentar acordar para a mensagem de Ulisses ao passar pela ilha das sereias. Como na composição as desafinações têm o seu sentido também o desacordo compreensivo tem o seu lugar! A dissonância torna possível a harmonia. Não poderíamos falar do dia se não conhecêssemos a noite. A realidade ultrapassa porém a visão que advém do contraste.

Na praça pública, encontram-se demasiados textos feitos de frases soltas em bemol e de sabedoria vadia com lógica rimada ao sabor do anónimo dirigente ou textos beligerantes que só conhecem a própria razão. Dum lado o grupo dos afinados acomodados e do outros o grupo dos desafinados que tomam o semelhante como adversário. Neste grupo cada um quer, à margem da orquestra, tocar o seu instrumento sem diapasão, sem conferir a afinação. Cada um afirma-se naquilo que parece opor-se a ele. As desafinações são salutares se nos levarem a reconhecer o valor da harmonia, uma harmonia que comporta desafinações na afinação. Mal da sociedade quando cada um quer assumir o papel de diapasão. No mercado das ideologias e das opiniões assiste-se a uma grande desafinação. Cada um quer ter razão à custa da razão do outro.

Aqui a natureza pode vir em ajuda da cultura. A Natureza tem as mais variadas sementes, cada qual, com uma expressão de vida característica. A semente é formada pela casca tendo dentro dela o tecido de nutrição e o embrião. Também a sociedade/ cultura tem as mais diferentes sementes: filosofia, religião, ciência, arte, economia, política, ideologia, opinião. Cada uma destas tem a sua correspondente casca constituída por leis, dogmas, concepções. Estas (cascas) encerram dentro delas uma determinada vida (embrião). O mais importante não é a casca mas a vida que estas encerram. Enquanto na natureza (botânica) as cascas que envolvem o embrião (a vida), se amaciam e abrem para darem oportunidade à vida do embrião grelar e dar oportunidade à vida, na sociedade as sementes fixadas na casca lutam umas contra as outras. As pessoas (ideologias ou concepções) fixam-se naquilo que as delimita, a casca; naquilo que circunscreve o objecto do seu discurso/combate à casca; não fazendo sequer ideia do que esta encobre, comportam-se como se só elas tivessem direito à razão, à vida. Assim, para os que apenas têm a consciência do seu ser casca, só resta a estratégia da auto-afirmação pela negação dos outros. Então levantam-se os dogmáticos da religião (os fixos na casca da religião mas que não percebem nada de religião) contra os dogmáticos da ciência (os fixados na casca da ciência mas não percebem nada da essência da ciência), e vice-versa; o mesmo se dá nas diferentes nominações com as respectivas lutas entre grupos/casca. A casca da opinião talvez seja a mais dura delas todas porque muitas vezes não passa de uma casca formada doutras cascas, à margem da própria vida (identidade) e da mesma vida que flui ao mesmo tempo dentro da própria casca e dentro das cascas dos outros.

Olhai as sementes das plantas na natureza. Umas têm a casca mais dura que as outras, umas são maiores, outras mais pequenas. Em todas elas corre a seiva da vida sem se negarem umas às outras. Seguem um chamamento comum pressentido por todas; crescem em direcção ao Sol, apoiadas pela vontade. O ser humano, pelo contrário, encrusta a verdade/vida na delimitação (casca) da sua subcultura/opinião. Em vez de reconhecer a vida que se encontra dentro da demarcação (casca) afirma a sua casca contra a do outro e vice-versa. O ser humano ao não se tornar consciente da mesma vida que corre nele e nos outros fixa-se na carapaça do pensamento transformando-o em escudo, em casca contra a outra casca.

Ao não ouvir o chamamento da natureza, fixa-se em si mesma, como sendo um absoluto pedra,  desprezando o fluxo da vida para se fixar na maior ou menor consistência (fragilidade) das cascas, prescindindo da vida e do espírito que cada casca encobre para assim a poder negar. Na natureza temos as diferentes sementes/plantas (os diferentes biótopos/ecossistemas) que com as suas potencialidades vitais formam a riqueza da cobertura vegetal terrena. Na cultura temos diversos biótopos/ecossistemas culturais científico-filosófico-religiosos, cada qual com as suas configurações (cascas) que formam a cobertura cultural da humanidade. Cada sistema, do mais complexo ao mais simples (da civilização à opinião) tem a sua crusta (casca) que encobre a vida. Geralmente, no reino da opinião e do debate, limitamo-nos a abordar a crusta, refutando-a sem reconhecer a vida que se encontra escondida em cada uma, confundindo a semente com a casca. No fundo a vida que a tua crusta esconde é a mesma que flui debaixo da minha. É verdade que a casca (as concepções, os dogmas, as leis, os programas) tem a função de defender a vida que comportam contra a dissecação e contra energúmenos ou outros microorganismos. As cascas, religiosa, científica, familiar, nacional, ideológica, opiniosa, têm o seu direito e justificação. Encontram-se porém, como organismos, em serviço dum bem maior dentro dum macro organismo. Só o rompimento da casca permite o crescimento do embrião/vida para o exterior. A disseminação dos frutos e das sementes têm a função de preservarem a espécie e de se desenvolverem. A missionação com a sua potencialidade de inculturação e aculturação possibilitam a evolução não só da espécie como de toda a sociedade. A afirmação de uma não pode acontecer à custa da negação da outra, mas no respeito, no respeito da abertura voltada para o Sol. Como na natureza assim na sociedade/cultura: nada há igual, tudo é diferente e da diferenciação surge o desenvolvimento, a evolução. A própria liberdade tem um sentido, o sentido do Sol. Se na natureza se observasse o que se observa especialmente hoje no discurso cultural ainda não teríamos passado da verdade da anémona, da verdade peixe, da verdade hominídea ou da verdade gorila, da verdade emocional, da verdade racional: verdades encrustadas num sistema (verdades casca). Com isto não se relativiza a importância das cascas, sem elas não haveria individuação nem diferenciação, não haveria evolução, desenvolvimento material e  espiritual. Importante será descobrir a vida que cada casca encerra e verificar, sem combater nem negar, a vida que se encontra em cada semente, dentro de cada casca com as potencialidades do seu embrião. Umas serão mais carvalho, outras, mais oliveira, mais toupeira ou mais leão.

O verde de todas as plantas, aparentemente mais ou menos relevantes, transporta o oxigénio da atmosfera de que todas se aproveitam. Semelhante deveria dar-se nas culturas (ecossistemas culturais) com os seus diferentes credos (religiosos ou seculares). A esperança vital da humanidade que se encontra sob o firmamento cultural e embrionada nos diversos ecossistemas culturais também não pode ser estancada em nome duma crusta comum.

Os diversos credos, religiosos (feminidade) ou seculares (masculinidade), são imprescindíveis para o tecto metafísico cultural tal como o verde para a atmosfera que respiramos. A verdura transportada pelo conjunto da cobertura vegetal é expressão do esforço comum das diferentes individualidades vegetais. A atmosfera não precisa só do oxigénio mas também do dióxido de carbono, embora este seja mais notório pelas suas qualidades negativas!

”Oh culpa feliz” reconhecia o apóstolo Paulo. A culpa é a casca da semente, a vida encrustada que possibilita, doutro modo, o fluir da vida profunda e activa. Sem o pecado não há relação. Ele separa para possibilitar a religação consciente. A nós compete a missão de desfazer os nós que a motricidade da vida produz com o seu desgaste próprio. Cada um de nós “crente” ou “não crente” contribui com o seu credo, com a sua opinião para o tecto espiritual da cultura. Como na natureza, não há nada igual. Da diferença aparentemente contraditória surge a riqueza individual e cultural que contribui para o concerto universal de natura e cultura. Cada um traz consigo os seus ferimentos e estes fazem a diferença. Porque nos afirmamos uns contra os outros negando ao outro a sua razão em vez de nos reconhecermos como complementares duma Realidade maior? Na realidade andamos todos à procura de nós mesmos (do brilho da nossa divindade), à procura da própria casca para nos podermos agarrar; uns procuram-se no teatro, outros na religião, na arte, na ciência, na política, na palavra, na afirmação, na contradição, esquecendo talvez que tudo isto não são mais que as cascas que encobrem o nosso verdadeiro ser: vida em germinação. Cada um traz em si o espartilho do seu biótopo, estando predestinado a confundi-lo com a natureza toda, com a verdade…


António da Cunha Duarte Justo

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