A A32 ACORDOU A BRANCA


UM POVO À PROCURA DA NAÇÃO
António Justo
A caminhada da população da Branca, realizada a 19.07.2009 contra a destruição da sua fisionomia natural, revela a jornada mental progressiva duma população cada vez mais civil, mais consciente e menos anónima. Acordada pela irresponsabilidade política num Estado que ainda não conhece nem reconhece o cidadão nem as regiões, a população levanta-se contra os interesses de poderes anónimos abrigados pelos mercenários dos ministérios lisboetas. A Branca foi acordada, da sonolência geral, pelo pesadelo da planeada auto-estrada (A 32). Parece não se contentar com os malabarismos vaidosos duma Capital autista que se assenhoreia dos bens das diferentes regiões de Portugal. Nunca será tarde para o Estado descobrir o Povo e o povo descobrir a Nação.

Até agora a vila da Branca tem conseguido a atenção dos partidos das bancadas parlamentares, com excepção do partido do governo que tem sobressaído pela ausência e pela aposta em trocadilhos oportunistas e no tempo pós-eleições. Continuam a interessar-se apenas pelo seu poleiro: Lisboa, o poleiro dos galos de Portugal.

De facto, o que tem vingado é a ideologia e interesses partidários contra a paisagem natural e contra o património popular e cultural, contra as regiões.

O Ministro do Ambiente, movido por interesses escusos, optou, em Dezembro, por mudar o troço de construção da A32 de poente para nascente, querendo fazer passar a auto-estrada por cima do monte de S. Julião, a parte mais exposta e mais rica da Branca a nível ambiental, paisagístico, ecológico e histórico. A decisão tomada desmascara o ministro que não tem sensibilidade pelo Ambiente.

A Branca protesta em peso contra a destruição do património e do ambiente da sua cidade.
A luta da população contra a construção da A32 (uma auto-estrada para moscas e moscados!) que destruirá a sua imagem, sem respeito por espécies protegidas nem pela qualidade de vida da vila nem pelo investimento de capitais e sonhos em casas e urbanizações. O Governo, sem o mínimo de respeito por tudo aquilo que considera “província”, quer degradar uma zona paisagística de primeira classe.

Em iniciativas, manifestações, marchas, idas a Lisboa e reuniões nos espaços da Junta de Freguesia, a população tem-se mostrado incansável. Um inicial movimento de cidadãos contra projectos absurdos parece tornar-se num movimento cívico de cidadãos adultos, cada vez mais empenhados na defesa da terra contra os interesses políticos partidários e de comparsas. A Branca questiona o traçado poente inicialmente planeado e insurge-se contra a opção do traçado a nascente adulteradora do melhor que a Branca tem: a sua encosta que deve ser posta à disposição de interesses políticos e de seus cúmplices por uma “Lisboa” distante e arrogante para quem “o Norte” já fica em terras de ninguém. Na expressão lisbonense “vou ao Norte” parece estar sub-reptícia a sensação de se sair para o indeterminado, de se sair de Portugal.

Nélia Oliveira, presidente da “AURANCA” (Associação do Ambiente e Património da Branca Alb), Joaquim Santos e seus companheiros e companheiras de luta podem sentir-se orgulhosos pelos resultados obtidos a nível de movimentação da população e de fomento do espírito cívico. Conseguem mover a população de forma apartidária e com ela concretizar imensas iniciativas que são exemplo para outras populações, também elas sofredoras da arrogância dum centralismo irresponsável, mas sem terem acordado ainda da apatia habitual que as paralisa para qualquer iniciativa. Aquela apatia que surgiu com a morte de Camões e foi cimentada pelos mercenários do povo que se aquartelaram nas infra-estruturas do Estado e da nação a partir das invasões francesas.

Só um Governo orgulhosamente só e contra a natureza e cultura nacional poderá continuar indiferente à razão e à voz do povo, a tantas excursões de protesto à Assembleia da República, a tantas marchas e a tantas manifestações.

Seja como for a Branca quer “Lutar até vencer”, até curar as maleitas de que o nosso Estado sofre. As 500 pessoas da Branca, presentes na caminhada de protesto contra a A32 estão conscientes de se encontrarem no bom caminho representando os interesses dos 6.000 habitantes da vila e das gerações futuras. Terão de continuar alerta para que a razão e a sensibilidade vinguem. Numa sociedade sem consciência cívica nem nacional (de patriotismo bacanal) vive-se segundo a estratégia infantil: “quem não berra não mama” e se a pequenada não está atenta… eles comem tudo e não deixam nada!… O biberão do Estado é sempre o mesmo e nas mãos dos mesmos. Fascismo e democracia revelam-se como pretextos… Há que acordar, para o Homem, para a nação, para a comunidade, para si mesmo…

António da Cunha Duarte Justo
Um munícipe da Branca Alb
antoniocunhajusto@googlemail.com

A SORTE DO MUNDO NA COLEIRA DUM CÃO


Da Falta de Sintonia com a Natureza
António Justo
Ali no monte de S. Julião mora um cão, o Faísca. Não é um desses caninos felizardos, dos de regaço, mas sim um prisioneiro que vê a sua liberdade reduzida a metro e meio de cadeado. A sua casota, encostada à casita da dona é o espelho duma vida desalentada. A única consolação que tem está no tacho atrasado e na voz longínqua dalgum irmão que, ao anoitecer, o convida a unir a sua voz ao hino do pôr-do-sol.

O Faísca, de olhos caídos, passa a maior parte da vida em posição meditativa, a sonhar talvez a Vida que os humanos não pensam…

Nas férias, a vida triste e negra do Faísca passou a ser iluminada por miminhos de fim da tarde que uma turista com ele repartia nos seus passeios habituais à natureza. Todos os dias, mal o cachorro sentia a sua passagem, logo iniciava uma dança de alegria acompanhada de grunhidos de amor recalcado. Um mar de vida em movimento, todo ele é suspenso pela coleira no fim da corrente, num vaivém de ondas, de maré enchente e maré vazante.

O cão estava já habituado às festinhas de Carola que me acompanhava sempre nos passeios na natureza. Um dia registou que só eu aparecia. Falei com ele, mas não lhe toquei. Então, o Faísca empoleirou-se no muro abanando a cauda e grunhindo à espera duma carícia; espera em vão. Apenas lhe lancei um sorriso e palavras carinhosas. Apesar da sua simpatia comunicativa, o cão recolheu-se parecendo esconder no rosto a mágoa de todas as carícias até então não recebidas.

No dia seguinte passei de novo com Carola que já de longe lhe atirava bocados de afecto timbrados por modos de mãe.

Na noite passada ela tinha chorado a sorte do mundo na coleira do Faísca. Também eu sentira apoderar-se de mim um nevoeiro triste que se apossava da minha consciência. Sentira a aragem dum ar húmido de culpa colectiva ainda visível na aura das lágrimas do seu rosto.

Desta vez, o Faísca abana a cauda, mas já não salta logo para o muro. O cachorro encosta-se contra o costume ao ferro da sua prisão. Um molho de sentimentos feridos parecia ruminar a falta do dia anterior. Olha a Carola absorto numa posição que revelava o sentimento duma relação ofendida. Na sua imagem via a dele. A dignidade acordada naqueles furtivos encontros lembra a empatia ferida à sombra dum eu perdido. A sua natureza de cão sofre, naquela ausência, toda a ausência duma vida condensada na experiência daquele dia.

Depois dalguns momentos de hesitação, o cão salta para cima do muro e dá rédeas ao seu folgar. Nos seus olhos e gestos, numa entrega total, dança toda a criatura, sem discriminação. Faísca e Carola, irmanados na mesma admiração, comprazem-se repondo o estado original da criação por alguns momentos.

Pouco depois a vida continua atrás dos muros: uma vida sem aurora para a dona e para o cão. Ambos lambem as feridas da pobreza, do mesmo lado, no mesmo canto da vida.

Na hierarquia da dor, o sol do bem parece não querer chegar aos inocentes. A miséria da vida teima andar de mãos dadas com a pobreza de espírito e com a exploração.

Num tempo que aos outros pertence, o Faísca e a dona continuam a esperar pela luz do respeito que os outros faz crescer. No caso doutros “Faíscas”, a dor resulta da crueldade e da superficialidade no viver. Apesar do queixar comum, e das queixas ladradas em casas de “pessoas de bem”, a vida canina continua a ser uma vida na desonra, à medida da consciência desonrada de quem os trata assim.
António da Cunha Duarte Justo
Pegadas dos Animais
antoniocunhajusto@googlemail.com

O que o seu cão acorrentado lhe diria se pudesse falar

Querido Dono, querida Dona:
Estou preso desde pequenino, a minha vida é uma prisão. Não vês o meu pescoço ferido e a tristeza no meu olhar? Que fiz eu para ser prisioneiro?
Tens um amigo ao teu lado e não notas.

Compreendo muito mais do que tu pensas, compreendo trezentas palavras ou frases, mas tu nunca falas comigo. Claro, não sei falar, mas compreendo tudo mesmo que não fales. Sinto a tua tristeza, a tua alegria como se fossem minhas. Não encontras um amigo entre os seres humanos que seja assim.

Gostava muito de passear contigo, proteger-te não só em casa, mas também nos teus caminhos, gostava de andar, andar. Isto faria tão bem aos meus ossos com reumatismo e aos meus músculos já hirtos.

Só sinto alegria quando me dás a comida, quando passas por mim, quando olhas para mim, dizendo uma palavra com um pouco de carinho. Em vão, espero por tuas festinhas.

Ouviste dizer que um animal não pensa e não sente dor ou alegria. Nada está mais longe da verdade. Fico louco de alegria quando me ligam, quando me tocam com carinho, quando me louvam. E sofro como um louco por não poder andar à solta, não poder brincar e não ter companhia. Vivo na solidão.

O meu trabalho é proteger-te a ti, a tua casa. A Bíblia diz que os animais também têm um dia santo, que não devem trabalhar no sábado. Mas nem no dia santo passeias comigo. Eu, para ti, não passo dum sistema de alarme, isto é: dum aparelho, duma coisa. Eu sou um ser vivo como tu, que sente e sofre, eu sou:

O teu amigo mais fiel.

PS. Para diminuir o sofrimento dos cães seria oportuno copiar-se esta carta e colocá-la no correio de donos com cães acorrentados.

Carola Justo
In http://antonio-justo.blogspot.com/

LÓBIS MINAM A DEMOCRACIA

Deputados Vítimas das Máquina Instaladas
António Justo
A influência dos grupos de pressão (Lóbis) está cada vez mais presente nas antecâmaras do poder (ministros e políticos). Só nas salas de visitas da Comissão Europeia em Bruxelas, segundo imprensa alemã, são avaliados em cerca de 15 a 20 mil lóbistas (lóbis) profissionais e em Berlim cerca de 5.000. Interesses organizados procuram influenciar as decisões políticas e económicas.

A pressão dos representantes de interesses de agremiações é de tal ordem na feitura das leis e na concessão de encargos que, por vezes, põe em questão a legitimação política. Ao contrário dos lóbis americanos, os lóbis portugueses e doutros estados europeus ainda não se encontram regulamentados. Naturalmente que o Estado não pode ignorar a importância dos lóbis. O que a sociedade não pode é comportar-se como se eles não existissem. As suas comunicações são muito importantes para governos e deputados. São porém informações de interesses organizados muitas vezes contrários ao bem-comum.

A decisão livre e objectiva de deputados torna-se cada vez mais difícil e é muitas vezes dificultada pelos próprios governos. Também estes organizam os seus grémios e comissões de peritos à margem da generalidade dos deputados. Organizam, por tudo e por nada, comissões de “peritos” matando assim com uma só cajadada dois coelhos: influência dos resultados e dar pão ao padeiro do partido. Os deputados vêem-se obrigados a aprovar, por vezes sem verdadeiro conhecimento de causa, o que as comissões de “peritos” lhe apresentam para legitimar.

A política torna-se cada vez mais tecnocrata numa sociedade reduzida a máquina de peças cada vez mais prescindíveis ou desfuncionalizadas. Em nome dos peritos, a máquina do partido e dos poderes de pressão afirmam-se perante os deputados. Estes, indefesos, com demasiada música nos ouvidos e sem tempo para trabalho específico, tornam-se dependentes e decidem sobre questões de que não deveriam assumir responsabilidade. Para mal da democracia, os deputados ainda têm de obedecer à razão do partido e às suas determinações. Doutro modo é difamado como sujador do próprio ninho.

Naturalmente que hoje não é fácil governar…Políticos sérios confessam que estão dependentes da informação dos lóbistas de interesses organizados e dos peritos que para eles trabalham nos ministérios.

Na Alemanha há um banco de dados crítico que publica casos de lóbis sob a direcção www.keine-lobbyisten-in-ministerien.de. É uma tentativa de defesa duma sociedade civil.

Não haveria nada a objectar contra as posições dos lobiistas se estas fossem públicas e englobadas no processo da discussão pública. Naturalmente que em todas as formas de governo só caça quem tem armas. Isto pode ser triste mas é a pura realidade. Os caçadores apostam na caça que descansa!…
O problema é que mesmo a caça mais atenta não conta com os cães dos caçadores!

Ulrich Müller, chefe da LobbyControl na Alemanha constata: “só a liga Indústria Química Europeia (CEFIC) tem mais colaboradores em Bruxelas do que todas as organizações do ambiente juntas”.

O trabalho dos lóbis deve ser tornado público e transparente se não queremos uma democracia minada. Uma democracia participativa pressupõe que todas as associações de interesses sejam ouvidas e não apenas as mais poderosas, que à socapa se impõem. Ulrich Müller e a sua associação exigem o registo obrigatório decretado “no qual se registem todos os lobiistas, independentemente de trabalharem para associações, empresas, agências, fábricas de pensamento ou chancelarias de advogados”.

Os lóbis podem ser de muito interesse para a sociedade desde que seja regularizado.O legislativo terá de actuar para que a influência de grupos de interesse se torne transparente e as decisões de poder público não sejam determinadas por interesses privados.

Naturalmente que os grupos de pressão se sentem legitimados perante um sistema de democracia que parece só conhecer o partido em desfavor da vontade cívica. Só um cidadão consciente possibilitará e poderá tornar-se garante duma sociedade mais democrática.
António da Cunha Duarte Justo
antoniocunhajusto@googlemail.com

ANIMAIS E PLANTAS – NOSSOS COMPANHEIROS DE VIAGEM

Deus também está nos Animais
António Justo
Regresso de férias, resta na minha consciência um mau sabor a natureza desprezada! Enquanto me espreguiçava no jardim da minha casa da Branca, ouvia o sofrimento a ecoar pelo monte de S. Julião fora. Aqui, a natureza, atada a um cadeado, numa ânsia de libertação, ladrava infeliz, para o ar, os pecados e os erros de quem a aprisiona; de quem aprisiona a natureza num cão. Acolá projectos humanos que desrespeitam e ferem a fisionomia e o brilho da paisagem. Enfim, uma desfeita à natureza numa natureza cada vez mais desfeita.

Deus criou o homem à sua imagem e semelhança e criou a natureza a espelhar a imagem do homem. No Homem e na Natureza se revela a imagem de Deus e na natureza se encontra e reflecte a imagem do Homem. Uma má visão e um mau trato da natureza implica uma má visão e um mau trato do ser humano e de Deus, diria hoje Tomás de Aquino. Imagem e realidade encontram-se numa relação intrínseca e mútua.

A natureza encontra-se doente porque o espírito humano se encontra atrofiado e enfermo numa relação doentia de objectivação e mercantilização da vida. O Homem sofre ao ser reduzido a mercadoria e a natureza sofre ao ser reduzida, por falta de consciência natural, por falta de dignidade humana; falta esta que o leva a desprezar o seu corpo, a natureza.

O Homem encontra-se atado ao cadeado das necessidades imediatas, às cadeias do governo e do emprego e por isso não sofre ao amarrar o cão à sua casota, reduzindo-o à sua imagem de animal útil. O Homem instrumentaliza-se a si mesmo ao instrumentalizar a natureza, escraviza-se ao torná-la escrava e não senhora.

O processo de desnaturalização do Homem acentuou-se com o mecanicismo materialista e com o racionalismo exacerbado. A urbanização da sociedade distanciou mais o ser humano de si mesmo e do seu biótopo natural. Com a desespiritualização da natureza processa-se a demonização do Homem e consequentemente a falta de horizonte da natureza e do Homem.

O olhar perturbado do homem ao reunir em si todos os olhares de todos os animais, de todas as plantas, de toda a natureza, perturba a sua visão individual. O homem torna-se paulatinamente num ser estranho e desnaturado, vivendo sem respeito pelas outras criaturas com se também elas não tivessem direito a uma vida condigna. Ao deixar de contemplar os horizontes espirituais de si mesmo, deixa de admirar a paisagem natural e começa a desconsiderar as espécies. Não só se torna cego mas deixa também de ouvir a voz das espécies. Conhece a sua cidade mas desconhece a sua terra, o seu lar. Uma vida em segunda mão, desnatura-se e atraiçoa a natureza, desconsidera o seu biótopo natural refugiando-se em substitutos virtuais, em ideologias, moralismos ou fobias.

A Terra deixou de ser o Éden onde animais e Humanidade, irmanados viviam na complementaridade e na harmonia do respeito mútuo. Ao desprezar a natureza o Homem despreza-se a si mesmo, perde a consciência da realidade e perde o horizonte divino dum Sol que brilha para todos, sem distinção. Deus sentiu agrado ao criar o Homem, depois de três biliões de anos de vida na Terra sem o ser humano. Este porém não aceita ser parceiro de Deus e torna-se cada vez mais o desagrado da Natureza, cada vez mais alheio a Deus no sistema ecológico. A vida que foi dada a todos como bem comum é arrebanhada pelo Homem sendo assim destruído o seu sentido. Não se trata de dispor do outro mas de todos nos encontrarmos na disponibilidade dum serviço mútuo.

O ser humano teima em viver em segunda mão, criando para si um mundo virtual, o mundo das ideias que já não tem, como nos tempos bíblicos, lugar para toda a criação. Deus fez a aliança com o Homem para que este continue a aliança com a natureza. Na mesma arca, com a natureza caminhamos e “convergimos” no sentido do ponto Ómega de Teilhard de Chardin. O lugar privilegiado do Homem bíblico é um lugar de responsabilidade, numa relação de filho adulto em relação ao “irmão Sol, ao “irmão burro”, ao outro. O Homem, espelho da divindade, embacia-se de tal modo que embacia os animais e as plantas.

A força centrípeta do ser humano (o egoísmo) parece automatizar-se de modo a não reconhecer a órbita do sistema a que pertene. Ameaça assim afundar-se em si mesmo e desequilibrar todo o sistema e toda a natureza. Esta já geme de rosto afogueado e protesta através dos seus elementos. A força centrífuga (altruísmo) terá de ser reforçada para podermos fazer uma caminhada comum, se bem que em diferentes velocidades, no sentido Ómega, a natureza de Cristo. O Homem e o Animal, o Homem e o seu biótopo pressupõem uma complementaridade do ser e do existir no diálogo do eu com o tu numa plataforma comum dum nós trinitário.

Na natureza, podemos descobrir o brilho do nosso rosto que é o fulgor de Deus. Ele criou e dignificou a matéria e todas as espécies na pessoa de Jesus (matéria) e de Cristo (divindade). “Não separem o que Deus uniu”: feminilidade e masculinidade, matéria e espírito, tempo e espaço!

Os animais e as plantas já existiam, por si mesmas, muito antes do Homem. Que direito tem o ser humano, pelo facto de ser o mais novo na criação, de apoderar-se do que Deus já criara antes? A natureza já se encontrava toda desde o início a germinar na natureza de Cristo. Deus realiza-se na Natureza e não apenas no ser Humano. O olhar de Deus transcende em toda a natureza e dá-lhe forma. O tempo e o espaço é roupa que a todos nos cobre.

Se todos somos a sombra da divindade, porque nos arrogamos o direito de instrumentalizar umas sombras em benefício das outras? Só o respeito e a consciência do mistério, que nos são comuns, nos poderão preservar juntos. Nós só sobreviveremos com a natureza. Ela pode sobreviver sem nós. O Deus bíblico criou-nos solidários e interdependentes. O ser humano é a sua cabeça. Uma “cultura contra natura” só favorecerá a visão dum Homem desnaturado.

“Lembra-te que és pó e em pó te hás-de tornar”, recorda-nos a liturgia de quarta-feira de cinzas. Por mais que nos distanciemos da terra e do casulo, como a borboleta, teremos de voltar a ela, para com ela ressurgirmos.

Só uma natureza acarinhada nos acompanhará. Há dois anos adquiri um gato de 8 semanas. A princípio acarinhava-o e levava-o comigo nos meus passeios da tarde a um parque perto de minha casa. Hoje quando saio de casa ele salta e acompanha-me, como se fosse um cão, todo o caminho.

Em conjunto, animais e plantas, conseguiremos superar a crise ecológica. Em conjunto tornar-nos-emos uma sinfonia, um salmo de louvor ao Senhor. Para isso teremos de aprofundar o nosso olhar teleológico de toda a natureza em conjunto e com ela caminhar no sentido do mistério da Trindade. Uma ideia de Homem e da natureza apenas racional atraiçoaria o Criador e o seu projecto. O olhar da razão seria insuficiente para descrever a realidade se não fosse complementado pelo do sentimento e da mística. Daí surgirá uma nova atitude perante os animais e as plantas. A dignidade humana não pode ser arquitectada de modo parasita em relação aos animais e aos seres em geral. A hominização da natureza só será legítima se no sentido da divinização do Homem e da Natureza. Naturalmente que a vida, mais que uma comédia é um drama, mas não uma tragédia.

Se o mundo levou tanto tempo a dar à luz o ser humano, não há que desesperar se o Homem adolescente ainda precisa de algum tempo para se transformar e, com ele, o mundo. Se a terra caminhou para o Homem, o Homem caminhará para o Espírito no respeito de tudo o que é vida. O ladrar do cão pode deixar de ser uma queixa e tornar-se num louvor. Tudo depende de nós.
António da Cunha Duarte Justo
antoniocunhajusto@googlemail.com