Arte de Educar
Ciências da Educação e o pensar correcto
A Europa tornou-se na época de sessenta e setenta o campo de experimentação dos grandes protagonistas da liberdade e da renovação. De facto urgia uma mudança radical duma sociedade formalista com estruturas e comportamentos demasiado estáticos.
Da revolta contra os caudilhos do tempo (nazismo, estalinismo, fascismo italiano, autoritarismo português) e contra a tradição surgiu uma aliança concertada de todas as forças relevantes na sociedade europeia. Políticos, sociólogos, psicólogos e pedagogos assenhoreiam-se da ribalta do poder e dos lugares charneira da sociedade. Aliam-se na luta contra a autoridade, contra o poder estabelecido, numa atitude adversa a instituições e normas portadoras da memória da tradição. Pouco a pouco fazem o seu saneamento das instituições ocupando-as. A sociedade aplaude. Em nome dum antifascismo difuso abdica-se do carácter crítico e da dúvida metódica. O espírito sadio conservador é difamado e estigmatizado, refugiando-se inseguro à margem da sociedade. Iniciara-se a época do pensar correcto alérgico a personalidades com coluna vertebral erecta. Um discorrer social leve instala-se. De modo simplicista abdica-se da análise das formas e métodos de legitimações autoritárias, o que vem servir a nova classe na escalada do poder. Muitos dos manifestantes e arruaceiros de ontem são os senhores de hoje.
Assim dum movimento anti-autoritário e anti-reaccionário foi possível instalar-se nos novos sistemas a atitude autoritária escondida sob o manto do revolucionário, do democrata, do tolerante. Em contrapartida, em relação à verdade do passado, instala-se a opinião como absoluto, o que vem servir uma praxe irreflectida. É a época das ideologias e do pensar oportuno, do conveniente. A disciplina foi desautorizada por uma pedagogia nascida da reacção anti-autoritária, contra a chamada sociedade burguesa que exaltava a obediência. As ciências da educação tornam-se veículo do novo pensar oportuno. Nas instituições de ensino mais do que especialistas queriam-se assistentes sociais…
Decepção colectiva
Na consequência de tanto à-vontade, de tanta adolescência, as sociedades europeias e a sociedade portuguesa em particular encontram-se hoje à chuva. Apesar dum relativo bem estar domina por toda a parte um sentimento decadente e de insegurança. Observa-se uma certa desorientação, no público consumidor de imagens públicas, acompanhada dum certo descrédito em relação às elites. De facto os apóstolos da liberdade de ontem confundem-se hoje, nas suas formas de actuar, administrar e governar, com os actores do passado que destronaram e estigmatizam.
Porque mantêm as rédeas do poder, continuam com o espírito ensombrado, negam a necessidade de orientação e reflexão, escondendo-se por detrás de incógnitos apontando como fundamento do seu agir para o estrangeiro e para as orientações europeias. Ofuscados em nevoeiros de ideologias irreflectidas agarram-se a bolhas empoladas de promessas de progresso e à defesa das conquistas de Abril como se estas se tivessem tornado propriedade dos novos detentores do poder e da influência. Contraditórios em si acordam os espíritos sonâmbulos do passado. Reagem como as galinhas no poleiro ao sentirem o outro galo nas redondezas.
Mundivisões subjacentes às teorias concorrentes da educação
Educar quer dizer dirigir e pressupõe a capacidade de assumir responsabilidade. Na família, na escola ou nas instituições sociais e estatais quem dirige não pode abdicar da capacidade de orientar. Também na escola o docente deve ser modelo, orientador para ser reconhecido como autoridade.
Para Rousseau o ser humano é bom. Não precisa de intervenção, carecendo apenas de acompanhamento. O desenvolvimento positivo é para ele um pressuposto natural. Esta visão tem sido orientadora na prática da política escolar.
Para a visão cristã ao contrário o género humano vive na polaridade entre bem e mal; traz em si potenciais positivos e negativos de toda a ordem. Por isso precisa de modelos comunicativos e de orientação participada para fortalecer o bem que traz em si e transformar as forças do mal em factores potenciadores de bem. O respeito mútuo gera autoridade. Aqui não se trata tanto de aplicação de ideias mas sim de vivência no relacionamento.
É ilegítimo formar-se o ser humano à base e em serviço duma ideologia ou da própria imagem. O ser humano, como imagem e participador do divino não pode ser petrificado numa imagem desejo, numa doutrina, teoria ou práxis. Só na autonomia poderá atingir um estado de consciência livre não amarrado a ideologias ou crenças sejam elas pedagógicas, científicas, políticas ou religiosas. Conduzir e orientar alguém implica em si o risco da petrificação dum sistema. A orientação acontece em processo, num decurso em que o educador desbrava o caminho do jovem para a liberdade, para si mesmo. O encontro da liberdade é porém feito pelo jovem não sendo este reduzido a objecto obrigado a seguir a liberdade que eu penso. Cada pessoa terá de descobrir, conquistar a liberdade na disputa consigo mesmo e com o mundo. Tem de se dar a si mesmo à luz. Os outros são as parteiras conscientes da sua missão.
O equívoco da esquerda
A esquerda reagiu com razão a uma sociedade e a uma pedagogia que vivia de atitudes e de virtudes petrificadas e portanto alienadoras. O problema é que a esquerda tendo embora feito uma crítica justa à sociedade burguesa caiu no erro do fundamentalismo ideológico militante, ainda reinante. Apenas substituíram umas crenças e práticas por outras caindo nos mesmos dogmatismos e oportunismos sem chegarem a perceber o espírito místico que estava por detrás da revolta. Tornaram-se cegos a guiar outros cegos!
A partir dos anos 60 a esquerda ao basear a sua imagem do ser humano em Rousseau que considera o ser humano como bom em si e a sociedade como má, inicia uma avalanche de consequências incalculáveis. A sociedade ascendente apadrinha este modelo atendendo às esperanças socialistas em curso e à revelia contra as instituições e a igreja tidas como mal e impedimento ao desenvolvimento do bem do homem espontâneo.
A nova elite abandona o indivíduo a si mesmo interessando-se apenas com a mudança e o melhoramento da sociedade. Equivocava-se ao pensar que alterando certas situações ambientais da sociedade o homem se modificaria automaticamente. Desleixa assim o essencial. Os seus actores que inteligentemente ocuparam a política, a administração do estado e os serviços continuam irreflectidamente de cabeça erguida sem ter de dar contas a um povo que apenas pressente a decadência mas já não tem espinha dorsal nem entendimento para saber o que quer nem o que se passa.
Assim, nas últimas duas gerações as crianças e a juventude foram abandonadas a si mesmas e confrontadas com formas autoritárias desautorizadas num ambiente lascivo de desinteresse. É notória a falta de participação interior. A vida agora acontece na rua, na ágora onde o que vale é a máscara. Em nome da liberdade querem-se “boys” e másculas. A sociedade civil, também no caso de Portugal, erradamente para se auto-afirmar, desautoriza a disciplina e as autoridades, mete no caixote do lixo da história indiferenciadamente autoridades e atitudes autoritárias. Ao fim e ao cabo trata-se duma sociedade experimental em que todos reagem sem saber porquê nem entender bem para quê.
É óbvio que uma educação integral e equilibrada não poderá deixar de apontar para as atitudes autoritárias nas formas de trato ou de governo, não se limitando a difamar sistemas e pessoas. Todos eles têm aspectos positivos e negativos independentemente do seu carácter manifesto ou axiomático. A atitude é formada através da experiência no currículo de cada um, não havendo uma explicação monocausal para a realidade social e individual como pretende a ideologia.
A educação terá de ser desideologizada e passar a ser assistida por uma ciência ainda a emancipar-se do pensar correcto do tempo, para, no encontro e reconhecimento do indivíduo como ele é, – no seu ser “bom” e “mau” – , possibilitar o estímulo das potencialidades no processo de desenvolvimento. Na educação é necessária uma discussão sobre o equilíbrio entre o carácter individual e social e entre as relações família e estado. Paradoxalmente o Estado liberal adoptou certos vícios dos sistemas marxistas sendo os consequentes defeitos já palpáveis no estado doentio em que se encontra a família e concludentemente a sociedade.
Revolta – o factor constitutivo de identidade
Para o educador a dificuldade estará em manter o balanço entre obrigação e liberdade. Não há caminho para a liberdade sem catarses nem subordinação. O educando terá de reflectir e dar-se conta do seu ser condicionado. A subordinação à vida no reconhecimento das suas leis não significa a abdicação de ser para a liberdade mas sim o desenvolvimento da consciência no sentido de integrar em si o todo sem permanecer rebelde, o que, neste caso, significaria uma emancipação desintegrada, superficial e anómala contra a realidade de se ser ente interrelacionado. O ser humano não é só espírito, ele é também matéria, muita matéria em processo de espiritualização.
O adolescente para concretizar o corte do cordão umbilical tem de se tornar resistente e mesmo de se revoltar, tal como fizeram Adão e Eva no processo de passagem ao estado adulto. A revolta está na essência do ser humano, a auto-afirmação perante o ambiente e a norma. Só assim se chega à própria identidade, doa ela ao ambiente, à ideia de Estado ou de Deus! A tendência de impedir a revolta em vez de a reflectir é uma reacção egoísta e exploradora por parte da sociedade e do educador de reacções primárias. Pais e professores devem estar preparados para aceitarem a revolta adolescente. Estes é que são as pessoas de relação, da autoridade, ocasionalmente representantes da proibição do comer da árvore proibida mas que transmitem ao vivo princípios morais comuns e valores como solidariedade, respeito, honestidade, afecto e responsabilidade na liberdade.
O educador tem um certo adiantamento no que respeita ao valor de certas experiências e potenciais aquisições, bem como na avaliação dos talentos e inclinações do educando. O educador consciente aprende também ele, no contacto directo com o educando, a distanciar-se dos próprios desejos e projecções no respeito pelo formando que é um original único. Não lhe pode aplicar uma forma pré-idealizada. Decide-se em diálogo, mas uma vez iniciado o caminho não se cede à primeira resistência.
No diálogo e na abertura, pode-se não saber exactamente o caminho mas na caminhada comum vão-se tornando claros os passos a seguir. Na provisoriedade, o adulto porém sabe que o que propõe é bom para o adolescente. Como adulto sei que há coisas positivas e tenho de dar segurança ao filho ou ao aluno. Essa segurança é porém dinâmica e processual, até porque o adulto não é nenhum produto acabado, e a educação é processo dinâmico.
A função do educando é dolorosa, é um processo maiêutico porque por um lado não pode abandonar o adolescente a si mesmo e por outro não deve impor a sua ideia. Educação é um sistema que envolve as duas partes em crescimento recíproco de maturação na caminhada educativa conjunta de relação e ressonância, progredindo as duas partes na experiência, não dependentes de ideias mas abertos à fantasia. Como caminhada comum há diferentes fases a transcorrer.
Concorrência entre os parceiros
Um problema é a concorrência entre a intervenção do Estado que a partir dos 16 já permite o consumo do álcool e do tabaco, além doutros direitos por que se não responsabiliza. Independentemente da função protectora do Estado, este intromete-se demais entre a criança e os pais, entre alunos e docentes. Muitos educadores para não entrarem em conflito com interpretações da lei desinteressam-se e abandonam os educandos a eles mesmos.
Na escola, como posso observar na minha actividade docente, muitos adolescentes já esperam com ansiedade por cada etapa para poderem dar-se aos excessos que a lei lhes permite, numa atitude de auto – afirmação perante os educadores e os colegas. O legislador tem uma perspectiva errada ao partir da ideia de que há um método de introdução ao consumo do álcool ou do sexo que conduza automaticamente à aprendizagem do trato regrado do mesmo. Uma escola que se limite a ensinar coisas não compreendeu o essencial que é ensinar e viver o sentido delas.
O problema põe-se sob o ponto de vista do desenvolvimento psicológico do adolescente no aferimento da experiência a fazer com a sua maturidade. Logicamente a vida é, em grande parte, o resultado de experiências e ao fim e ao cabo cada um é o resultado das suas. Isto porém não justifica a conveniência de uma experiência qualquer. Dado que cada pessoa é diferente torna-se quase impossível situar o ponto da sua maturidade para cada acção a desenvolver no seu currículo. Ensino – aprendizagem é um processo dinâmico na abertura para a liberdade.
Aqui encontramo-nos numa encruzilhada sem sinais de trânsito. A questão situa-se a nível de legitimação dos critérios de maturidade, e autonomia. Nisto cruzam-se interesses familiares, escolares, individuais, políticos, económicos e ideológicos muitas vezes em concorrência. O fenómeno torna-se mais complicado quando um estado pretensamente democrático faz tudo por tudo por manter o monopólio do ensino escolar. Isto contraria o princípio democrático e o princípio da liberdade de ensino e da liberdade de sistemas e de indivíduo.
Educar é ensinar a aprender
A educação quer possibilitar a estabilidade de auto-consciência no educando de maneira a este poder resistir com eficiência às contrariedades do dia a dia e do ser. Para isso precisa da confiança e dum espaço próprio onde se possam abrigar e recuperar forças para encarar os novos desafios. Naturalmente que o adolescente, perante as nuvens ameaçadoras do mundo adulto que repudia, poderá ter a tendência a regredir ao seio materno onde a protecção é meramente maternal ou ao seio de grupos afins. A questão a pôr será – qual o lugar de protecção será melhor: o escolhido pelo adolescente ou o oferecido pelo educador…
Os jovens encontram-se desprotegidos perante um mundo meramente mercantil que apenas está interessado em ganhar dinheiro com as suas necessidades. O Estado, por seu lado encontra-se sobrecarregado sendo inapto para a tarefa que assume por estar sujeito à ideologia de quem assume o governo e por leis de mercado a que o Estado se obriga. Tanto a configuração dos estabelecimentos de ensino bem como pedagogias e didácticas não se encontram em conformidade com os nobres objectivos do ensino em geral. Há um precipício entre a realidade e as intenções dum estado isento. Neste sentido o Estado mais que interessado em que o educando aprenda a aprender está empenhado em conduzi-lo. Por isso está mais empenhado em que o aluno aprenda coisas do em que ele compreenda o sentido delas. As últimas medidas do ME em relação à avaliação dos professores apontam mais para que os alunos andem na escola a aquecer os bancos da escola do que em que saiam delas capacitados e habilitados para a vida. Quer-se uma democratização da incompetência, apesar dos resultados das investigações PISA que documentam o estado catastrófico do nível dos nossos alunos. Educar, mais que ensinar a prender, é um processo mútuo de aprender a aprender, doutro modo constroem-se mundos paralelos: o das ideias e o da prática.
Pedagogia dos anos sessenta e setenta em função da política
A pedagogia dos anos 60 e 70 sonhava com um lugar de protecção para o indivíduo em que este, longe do medo, conseguisse experimentar e experimentar-se. Esta ciência pedagógica surgiu da reacção contra o fascismo e contra a tradição.
Queria-se uma educação em liberdade, uma nova sociedade correctora daquela que tinha levado às guerras europeias. Contra o tabu da tradição cria-se o tabu do novo, do progresso, em contra – afirmação. Acredita-se ingenuamente ou funcionalmente na verdade e na liberdade. Ao querer-se um ser humano livre como um passarinho esqueceu-se que este também tem ninho e está sujeito à assistência dos pais…
Na luta por impor novos ideais sociais para criarem uma sociedade civil secular, desvalorizaram os rituais religiosos e familiares da configuração do dia e da semana (refeições comuns e liturgia semanal) sem criarem rituais seculares substitutos. A autoridade foi questionada como se ela fosse um impedimento ao desenvolvimento. A autoridade do professor foi sistematicamente minada, questionando-se o seu carisma, submetendo-o a práticas protocolares para assim o desvincular do aluno e o tornar totalmente disponível para a ideia colectivista do Estado em voga.
(Ao contrário, a experiência de quem ensina confirma que o aluno manifesta respeito pela autoridade. Esta prática pude fazê-la já bem cedo em Bragança nos anos 71-73. No meu primeiro ano de estágio como professor procurei aplicar as teorias aprendidas na psicologia e pedagogia anti-autoritária (A.S.Neill, Virgínia M. Axline, Wilhelm Reich, Paulo Freire e outros ) introduzindo também o tu no trato entre professor e aluno. No fim do ano confrontei-me com o meu descontentamento e com o descontentamento dos alunos. No ano seguinte adoptei o método baseado na psicologia do desenvolvimento da personalidade e do comportamento de Carl Rogers tendo-se patenteado então grande sucesso e contentamento por parte de toda a comunidade escolar. O colégio era um internato e externato ao mesmo tempo com alunos internos de bom quociente de inteligência que provinham de meios degradados do Porto e de Coimbra. A estes era-lhes proibido sair do colégio sem acompanhamento atendendo ao perigo de fuga e outros. Facto é que, no segundo ano, a estes alunos já lhes era permitido passear por Izeda sem a contínua presença do professor monitor.)
Nos anos sessenta e setenta a pedagogia e a psicologia deixou-se obcecar pela ideia de liberdade individual procurando explicação para todos os maus sintomas individuais do jovem e da criança na malfazeja educação dada por pais e instituições. Isto vinha de encontro aos interesses da política que queria pôr a família e o indivíduo sob a sua tutela. Via-se nas famílias e na sociedade, que tinham sido responsáveis pela história trágica europeia, os malfeitores a combater. Na escola deu-se o mesmo processo. Ainda hoje se cede à tentação de reduzir a disciplina de história a uma disciplina de pedagogia. É enjoativa a maneira como se assiste a acções de formação para professores em que a ideologia é bebida imperceptivelmente por docentes desatentos. Uma pobreza franciscana entre pessoas todas bem intencionadas!… Seria de chorar se não fosse tão divertido!…
O mesmo se pode observar na tendência de acabar com a disciplina de Filosofia nos cursos do ensino complementar. Querem-se pessoas dóceis ao sistema com capacidade para terem opinião ideológica mas com incapacidade crítica para as questionar.
Assiste-se ao costumado jogo do rato e do gato. Questiona-se a problemática em termos de gerações o que leva a culpabilizar os mais velhos desautorizando-os. O processo ideológico da era sessenta era tão radical que envolvia todos os sectores do saber. Por outro lado a geração pós-guerra acumulou tanta riqueza na Europa central que o optimismo económico não deixava momento para se questionar a prática social.
A prosperidade fomentou uma moral longe da realidade humana, uma moral para meninos-bem filhos de pais com cargos, uma atitude irresponsável e leviana de que hoje todos sofremos.
Facilmente a reacção contra uma sociedade monolítica impeditiva de qualquer emancipação justificou oposição tão exagerada deslegitimando toda a autoridade legítima ou ilegítima.
Tal, como confessa Daniel Cohn-Bendit instala-se contra a ideologia autoritária a ideologia anti-autoritária questionadora não só da autoridade como também da ordem social.
O sonho do movimento anti-autoritário era conseguir uma forma política geralmente de cunho marxista que se impusesse por ela mesma, tornando a autoridade supérflua. Um sonho que também eu sonhei mas que não passa duma utopia. Importante é a abertura à experiência como factor corrector, pressuposto difícil para caracteres obsessivos. A experiência mostra que a legítima aspiração e exigência do ser humano para a autonomia e independência terá de acontecer numa dinâmica entre o indivíduo e a sociedade não podendo aquele viver sem esta.
O desenvolvimento é doloroso mas, nessa dialéctica, a supra-estrutura deve reconhecer na autonomia e individuação de cada membro o seu mais elevado motivo e fim.
A palavra anti-autoritário desapareceu da ciência pedagógica, permanecendo porém o direito à revolta. Seria óbvio que esta revolta passasse a ser um direito humano que assiste a toda a pessoa. O direito de tudo questionar mas não como ideologia ao serviço dum sistema político ou social, tal como acontece no pensar correcto estabelecido. Todo o pensamento deve ser corrigido pela vida.
A revolta porém não pode ser arvorada em bandeira ou no direito do adolescente perturbar a aula e não respeitar o docente. O aluno tem, no sistema escolar, meios de recurso e de auto-defesa institucionalizada.
A dificuldade é que o Estado não cria as infra-estruturas escolares com um mínimo de pressupostos para que a turma ou conjunto de turmas dum nível escolar tenham um desenvolvimento sadio numa comunidade escolar coesa. O Estado confessando-se embora democrático tem uma prática antidemocrática. Ele desresponsabiliza o indivíduo logo à partida, no seu processo de formação, considerando apenas a turma e o professor como aplicador dum programa rígido superiormente ordenado.
A auto-suficiência dos professores é geralmente questionada por uma política que não aceita o erro no seu sistema. Isto independentemente de haver muitos professores sem vocação para a profissão que exercem ou que foram obrigados a perder a aptidão que inicialmente tinham.
Numa sociedade que se quer terreno de construção não são aceites valores nem o cultivo da tradição. Antigamente dava-se importância à aprendizagem de muitas virtudes, entre elas a das boas maneiras. Uma estética do trato anteriormente aprendida também na escola tendente a formar personalidades é hoje vista como teias de aranha do passado a remover. Cortesia cheira a corte, a monarquia, a princípios. A virtude reduz-se a palavra arcaica e certos valores pelo facto de terem sido abusados na sociedade tradicional são agora vistas como impedimento ao desenvolvimento e à implementação do novo regime. Obediência cheira a burguesia, hoje quer-se subserviência. A virtude todavia é o meio de dois extremos o que proporciona um bom termo de orientação. Cortesia significa tomar o outro em consideração. Isto vai naturalmente contra a centralização no ego o que não agrada à ideologia anti-autoritária. O problema da pedagogia de ontem e de hoje permanece o mesmo: fazer da civilidade adestramento. De resto ainda resta a questão dos destinatários da educação: a mediocracia ou o precariado…
É um equívoco condicionar a liberdade do adulto à liberdade da criança como queria Rousseau e um certa tendência da psicoterapia. O problema da sociedade de hoje é que tem pedagogos a mais e personalidades a menos.
O desenvolvimento da história acontece de forma pendular de um extremo para o outro sobrevivendo sempre o meio-termo. Cada biótopo social precisa duma outra pedagogia dado esta ser relação, caminho em conjunto e este implicar encontro, identificação, compaixão.
Numa sociedade cada vez mais fria e mais sujeita à lei do mercado torna-se cada vez mais carente, mais carente também de certas virtudes de que já não se faz ideia hoje. Para reconhecer e respeitar a juventude é preciso conhecê-la primeiro e entender o seu ambiente. Um pressuposto para o desenvolvimento será abandonar a forma de pensar orientada para os problemas substituindo-a por um pensar orientado para as soluções.
António Justo
Pedagogo
“Pegadas do Tempo”
António da Cunha Duarte Justo