A Geopolítica da Mentira e a Guerra como Negócio
Vivemos num mundo de cortinas de fumo, onde a verdade é refém de interesses obscuros. Enquanto as populações são formatadas por uma informação pós-factual e manipulada, as elites jogam xadrez com vidas humanas. O recente encontro entre Putin e Trump não é um mero acaso diplomático: é mais um movimento num tabuleiro geopolítico onde a guerra, o consumismo e a pressão social servem para distrair as massas do essencial que é o poder e o controle.
A Traição como Estratégia
Os dois blocos – Rússia de um lado e os EUA e a NATO do outro – alimentam-se da mentira:
A Rússia, que em 1991, nos Memorandos de Budapeste, prometeu respeitar a soberania ucraniana em troca das suas armas nucleares, (documento confirmado por arquivos desclassificados e estudiosos como John J. Mearsheimer), hoje justifica a invasão com o fantasma da “desnazificação”.
Por seu lado os EUA e a NATO, que, segundo registos diplomáticos revelados (cable de 1998 do embaixador dos EUA em Moscovo, Thomas R. Pickering), asseguraram verbalmente não se expandir para Leste, de facto engoliram metade da Europa Oriental, provocando Moscovo, violando o que o ex-embaixador norte-americano na URSS, Jack F. Matlock Jr., chamou de “promessa não escrita, mas real”.
A Ucrânia é o campo de batalha onde se joga muito mais do que território, ela é a luta pela hegemonia global. Em maio de 2022, um acordo de paz estava em cima da mesa, mas como confirmou o então mediador israelita Naftali Bennett, a NATO convenceu Kiev a rejeitá-lo.
E porquê? Porque, como analisa o professor Jeffrey Sachs (Columbia University), a guerra serve aos interesses estratégicos do Ocidente, mesmo que signifique o sacrifício de um povo inteiro.
A nova Partilha do Mundo
Estamos perante um novo Tratado de Tordesilhas, onde as potências redesenham o planeta conforme a sua conveniência. Tal como Espanha e Portugal dividiram o mundo no século XV, hoje EUA, China, Rússia e Europa disputam esferas de influência. Tal como o historiador Timothy Snyder descreve em “The Road to Unfreedom”, a Rússia e o Ocidente travam uma guerra de narrativas, onde a soberania dos Estados é secundária perante os interesses dos grandes blocos. Ao contrário do passado, a guerra não é apenas territorial é também económica, tecnológica e ideológica.
A Filosofia da Guerra Perpétua
Enquanto o filósofo Immanuel Kant sonhava com uma paz perpétua, o pensamento de Leo Strauss (e dos seus discípulos neoconservadores como Paul Wolfowitz e Robert Kagan) domina a política actual, segundo a qual a paz leva à decadência, a guerra mantém a ordem. Paul Wolfowitz, após a queda da URSS, defendeu que os EUA deveriam manter a supremacia militar e impedir a ascensão de qualquer rival, inclusive a Europa. Daí as revoluções coloridas, os golpes suaves, as guerras por procuração.
O cientista político John Mearsheimer (“The Tragedy of Great Power Politics”) diz que a expansão da NATO em direcção à Rússia foi um erro estratégico que inevitavelmente provocaria a Rússia. Esse erro estamos todos nós agora a pagá-lo e a justificar a militarização da indústria. Por seu lado, Noam Chomsky denuncia que as revoluções coloridas (como a Laranja na Ucrânia, 2004) foram operações de mudança de regime apoiadas pelo Ocidente.
Os fins justificam os meios (neste aspecto Leo Strauss opinava que Maquiavel “parecia ser um professor da maldade”. A lei moral é vista como instrumento de controle, não de ética. E, segundo esta lógica darwinista, os fortes devem dominar os fracos.
A Manipulação das Massas
Os media europeus e norte-americanos, seguindo a lógica da “Manufacturing Consent” (como definido por Edward S. Herman e Noam Chomsky), transformaram Putin no novo Hitler, porque uma população assustada aceita melhor a guerra. A Ucrânia é o pretexto, mas o verdadeiro objectivo, como escreve Michael Hudson em “Super Imperialism”, é manter o dólar como moeda global e o complexo militar-industrial no poder.
A Ucrânia é o pretexto, mas o verdadeiro objectivo é enfraquecer a Rússia, conter a China e garantir que o dólar e o complexo militar-industrial continuem a dominar o mundo.
Ao mesmo tempo, as pessoas discutem futebol, reality shows e inflação, ignorando que estão a ser usadas como peças num jogo muito maior.
Perante a situação real só resta acordar
Torna-se muito difícil não se deixar enganar. Por trás das bandeiras, dos discursos moralistas e das “causas justas”, há sempre interesses obscuros. A guerra na Ucrânia não é sobre liberdade é sobre poder, como demonstra Christopher Layne (“The Peace of Illusions”). O encontro Putin-Trump não é sobre diplomacia é sobre realinhamentos estratégicos e negócios.
O mundo está a ser repartido de novo. E, se não abrirmos os olhos, seremos apenas espectadores da nossa própria servidão. Os líderes da União Europeia não só perderam o rumo da Europa, traíram-na. Submissos, ajoelham-se perante os interesses bélicos e financeiros de Washington, esvaziando o continente não apenas geograficamente, mas também cultural e espiritualmente. Enquanto enterram o legado humanista europeu, transformam-nos em vassalos do projeto imperial americano, condenando a Europa a ser mero apêndice na nova ordem multipolar.
António da Cunha Duarte Justo
Pegadas do Tempo