Das Verdades que nos governam à Verdade em que vivemos: Entre Sombras e Luz
Vivemos rodeados de verdades. Umas são-nos impostas, outras somos nós que escolhemos acreditar nelas, e outras aceitamo-las sem as questionar. Mas o que é, afinal, a verdade? Será um facto imutável, uma construção social ou algo mais profundo?
As Verdades que nos governam
O filósofo Michel Foucault introduziu o conceito de ‘regimes de verdade’ para descrever os sistemas de normas, regras e práticas que determinam o que uma sociedade aceita como verdadeiro ou falso. Estas “verdades” não são eternas, mas sim construções sociais e discursivas que mudam com o tempo, com o poder, com as maiorias.
Foucault demonstra como os discursos, além de descreverem a realidade, a moldam, formatando activamente as opiniões individuais e sociais. As populações, expostas a esses constructos, passam a confundir a narrativa imposta com a realidade objetiva, tornando-se meros produtos históricos da sua época, isto é, a instrumentos passivos de uma máquina de poder. Infelizmente ameaça tudo ir na enxurrada, mesmo os multiplicadores e guias sociais.
Um exemplo flagrante desse mecanismo é o modus operandi de instituições como Bruxelas, a NATO ou a ONU (sob influência dos EUA), que aplicam sistematicamente o princípio de vigilância e controlo para formatar as mentalidades e, consequentemente, dominar os corpos (os cidadãos). Vivemos numa ditadura suave, quase imperceptível, onde o Panóptico de Bentham, analisado por Foucault, se tornou o modelo de disciplina por excelência e, mais grave ainda, o estilo de governação dominante.
Habitamos num mundo onde a verdade parece negociável, moldada por consensos, maiorias, interesses ou conveniências. Será saudável aceitar passivamente o que nos é imposto? Já notaram a forma como as notícias nos são dadas pelos media, como se viessem das alturas, sem uma análise, sem um juízo de valor, sem uma tomada de posição, como se não fossem leituras ou interpretações de factos? Perguntemo-nos sobre o que acontece nos debates públicos: quem decide o que é válido? Quem tem voz e conduz os debates públicos?(1) Será que a verdade de hoje será a mesma daqui a dez anos? As leis mudam, as ciências avançam, os costumes transformam-se. E, no meio deste turbilhão, muitos de nós cansamo-nos de pensar e simplesmente seguimos o que nos dizem sem questionar os regimes dominantes.
Uma autoconsciência crítica implica esforço e é cansativa, e muitos preferem a comodidade de seguir verdades pré-fabricadas. Seguir a opinião pública ou o Zeitgeist é abdicar da nossa capacidade de discernimento, é alienar-nos de nós mesmos, da nossa ipseidade (a essência do “quem sou”).
As diversas faces da verdade
Na lógica do real intuído, deparamo-nos com múltiplas dimensões da verdade: a verdade empírica, mensurável configurada ao objeto, submetida ao crivo da ciência e da observação; a verdade transcendente, arraigada na revelação ou na fé, que transcende os limites da razão instrumental; a verdade estético-afetiva, opinião, expressa no juízo singular do gosto; esse território onde ‘bom’ e ‘mau’ são moldados pela subjetividade; e, por fim, a verdade pragmática, contingente e utilitária, que se justifica a si mesma pela sua eficácia circunstancial, ainda que efémera.
Mas será que alguma delas nos guia de forma plena? Ou andamos perdidos, trocando uma certeza por outra, sem nunca encontrarmos um alicerce sólido?
A Necessidade da Verdade que oriente
Seja sob uma perspetiva relativista ou absolutista, o ser humano anseia por uma verdade que vá além do superficial, que não seja apenas útil, mas que ofereça orientação e dê sentido à vida. No Novo Testamento, a verdade não é uma mera abstração, mas fidelidade: a promessa cumprida em Cristo. Jesus não apresenta a verdade como teoria ou um conceito, mas como pessoa: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida” (João 14:6), unindo discurso e accão.
A verdade que nos falta não é uma teoria, mas uma presença. Não é algo que se debate, mas que se vive; é um modo de vida, não havendo separação entre o que é dito e o que é vivido. “Pelos seus frutos os conhecereis” (Mateus 7:16), ou seja, a verdade é uma realidade transformadora que se revela na ação, no amor, na coerência.
Enquanto os regimes de verdade do mundo são instáveis e transitórios, a verdade cristã propõe-se como fundamento estável: uma verdade que não se limita a dizer “acredita nisto”, mas que diz “segue-me e verás”.
Que Verdade queremos seguir?
No labirinto das verdades humanas, todos escolhemos a nossa bússola. Podemos seguir as verdades passageiras do mundo: as que mudam conforme a opinião pública, o poder ou a moda, ou podemos buscar uma verdade mais profunda, que não nos controla, mas nos liberta.
Por vezes sentimo-nos como barco à deriva, empurrado por correntes contraditórias. Como no mar ao longo da costa assim ao longo da vida há sempre um farol fixo que indica o porto seguro. A consciência disto cria-nos mecanismos de defesa próprios que nos imunizam das contraditórias verdades sociais de modo a não sermos arrastados no seu redemoinho nem a desviar-nos da nossa ipseidade.
Se a verdade que seguimos hoje desaparecesse amanhã, o que restaria para nos guiar? O mais seguro é seguir a verdade que caminha!
A Modos de conclusão
Imaginemos um viajante perdido numa floresta escura. À sua volta, vozes sugerem direções contraditórias: algumas baseadas em mapas antigos, outras em rumores, outras ainda em interesses ocultos. Cansado, ele senta-se e reza. Então, vê uma luz à distância, não um fogo efémero, mas uma lanterna firme, segurada por alguém que conhece o caminho. “Eu sou a verdade”, diz a voz. “Segue-me.”
O viajante hesita: “E se eu preferir o meu atalho?” A resposta é simples: “Podes escolher, mas só a minha luz atravessa a escuridão.”
Essa luz interior encontra-se no âmago de cada um de nós e é aquela que nos torna ancorados na transcendência, para lá do que outros pensam, consistentes connosco mesmos a viver em harmonia, autoconfiança e compreensão do mundo. Sim, porque somos astros criados com luz própria e não meros satélites de algo ou de alguém.
António da Cunha Duarte Justo
Pegadas do Tempo
(1)
Um exemplo flagrante desse mecanismo é o modus operandi de instituições como Bruxelas, a NATO ou a ONU (sob influência dos EUA), que aplicam sistematicamente o princípio de vigilância e controlo para formatar as mentalidades e, consequentemente, dominar os corpos (os cidadãos). Vivemos numa ditadura suave, quase imperceptível, onde o Panóptico de Bentham, analisado por Foucault, se tornou o modelo de disciplina por excelência e, mais grave ainda, o estilo de governação dominante.