EUROPA NA ENCRUZILHADA ENERGÉTICA

A verdadeira Luta não é entre Ocidente e Oriente, mas entre Oligarcas e Povos

A recente decisão da União Europeia de importar petróleo e gás obtidos através de fracturação hidráulica dos Estados Unidos, que corresponde a uma prática amplamente criticada pelos seus impactos ambientais, coloca em evidência uma contradição gritante. Se, por um lado, Bruxelas proclama a urgência da transição ecológica, por outro, cede à pressão económica e geopolítica, comprando energia que descredibiliza os seus próprios princípios. Será este um erro tático para evitar uma guerra alfandegária com os EUA? Ou um sinal de que a política energética europeia está refém de ideologias e incoerências?

A Hipocrisia do “Green Deal” e o Preço da Dependência

A Europa orgulha-se de ser pioneira no combate às alterações climáticas, mas a realidade mostra uma estratégia frágil, marcada por decisões precipitadas e contradições. O caso da Alemanha é paradigmático: ao abandonar a energia nuclear e, em seguida, o carvão, sem ter fontes renováveis suficientemente consolidadas, deixou-se refém do gás e do petróleo estrangeiros. Como bem resumiu O ex-ministro alemão Peter Altmaier, resumiu bem a situação  ao dizer, esta foi “a política energética mais estúpida do mundo”.

A dependência energética europeia não só enfraquece a sua autonomia estratégica como mina a credibilidade do discurso ecológico. Se o sol e o vento são o futuro, por que continuamos a depender de combustíveis fósseis obtidos através de métodos poluentes, como o fracking norte-americano? A resposta é simples: porque a transição energética, tal como está a ser conduzida, é mais ideológica do que pragmática.

O Perigo do Extremismo Verde e o Empobrecimento da Europa

A narrativa apocalíptica sobre as alterações climáticas, amplificada diariamente pelos media, transformou-se numa ferramenta de doutrinação quase diária. Em vez de um debate racional sobre custos, prazos e viabilidade técnica, assistimos a uma polarização que coloca os Verdes como “profetas do fim dos tempos”, enquanto qualquer visão crítica é taxada de negacionismo.

Que resultado temos desta política? Uma Europa que, na ânsia de ser moralmente superior, expulsa as suas indústrias mais competitivas, indo com elas empregos e prosperidade. Como alertou o economista Hans-Werner Sinn, “a fuga de capitais e empresas para regiões com energia mais barata e menos regulada já começou”. Se continuarmos neste caminho, o continente arrisca-se a tornar-se um museu industrial, enquanto China, EUA e outros players globais prosperam sem as mesmas amarras ideológicas.

Trump, Von der Leyen e a Geopolítica da Energia

O acordo tarifário com os EUA pode ser um ponto de viragem, não por ser justo, mas por obrigar a Europa a encarar uma verdade incómoda: não podemos ditar as regras do jogo global sozinhos e infelizmente todo o mundo tem ajudado os EUA a ditá-las. Donald Trump, enquanto pragmático defensor dos interesses norte-americanos, lembra-nos que a política internacional é movida por poder e conveniência e não por idealismos. Entretanto a maior parte do jornalismo e das pessoas contenta-se a perder o folgo na corrida atrás das canas dos foguetes.

Já Ursula von der Leyen, ao alinhar-se com um globalismo duro, parece mais interessada em agendas distantes das necessidades reais dos cidadãos europeus. A sua abordagem não só fragiliza a economia alemã que tradicionalmente tem sido o motor da EU, como coloca também em risco a coesão do bloco. Se a Alemanha cair, não haverá quem ampare a derrocada. (De notar que de momento também a Alemanha, no meu entender se encontra no caminho errado).

O Caminho da Dignidade Humana e do Equilíbrio

Em contraste com a visão materialista de Trump, temos outra voz vinda dos EUA, não da Casa Branca, mas do Vaticano. O Papa Leão XIV, defende uma política baseada na dignidade humana, na paz e no diálogo. A Europa faria bem em arredar caminho e ouvi-lo.

Em vez de travar guerras económicas com a China, a Rússia ou os BRICS, deveríamos buscar compromissos e aliados sem olhar a ideologias porque uma economia complementar prepararia o caminho da paz entre os povos. Todo o bloqueio económico não passa de uma guerra dos mais fortes contra os mais fracos em favor dos mais fortes. A verdadeira luta não é entre Ocidente e Oriente, mas entre oligarcas e povos. Se queremos sobreviver nesta era de blocos (passagem do bloco hegemónico dos EUA para uma multiplicidade de blocos), a Europa deve abandonar o belicismo económico e o ambientalismo radical, abraçando uma via pragmática que equilibre ecologia (sobriedade), bem-estar, soberania e humanidade

Menos Ideologia, mais Realismo e mais Humanismo

O actual rumo é insustentável e a sua fraqueza torna-se mais visível na sua propaganda ecológica exacerbada. Ou a Europa reconhece que a transição energética exige tempo, investimento real e cooperação global, sem demonizar indústrias e cidadãos, ou acabará como um continente enfraquecido, dividido entre o sonho verde e a dura realidade do poder alheio.

A prosperidade requer indústria, e a indústria precisa de energia. O caminho de promoção da indústria de armamento, que a UE e a Alemanha estão a seguir para tapar o buraco provocado pela emigração de outras indústrias, poderá preencher, por algum tempo, a lacuna pretendida, mas não é séria nem sustentável e põe em risco o futuro.

O filósofo espanhol Ortega y Gasset tinha toda a razão ao escrever que, “a vida é uma série de choques com o futuro; não é uma soma do que fomos, mas do que desejamos ser”. A Europa deve decidir: ou continuar a colidir com a realidade e a agir contra si própria e contra a própria tradição, ou, com sentido de tarefa responsável, adaptar-se para construir um futuro verdadeiramente viável; doutro modo continuará a desestabilizar as comunidades e a inquietar os cidadãos e com eles a nossa cultura de caracter democrático.

 

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

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FOGOS DEVIDOS AO FACILITISMO E À SISTÉMICA FALTA DE GOVERNANÇÃO

Teorias sobre Incendiários dominam o Debate desculpando o Facilitismo e o Desinteresse partidário

A repetição anual dos incêndios e a narrativa dominante sobre incendiários misteriosos ou interesses económicos obscuros, muitas vezes, servem como explicação simplista para um problema muito mais complexo.

Portugal é o país da Europa que mais arde devido a uma combinação de fatores naturais, humanos e de gestão territorial. Por um lado, as condições climáticas e geográficas como o clima mediterrânico com verões quentes e secos, com temperaturas frequentemente acima dos 30°C e baixa humidade, criam condições ideais para incêndios; por outro lado a vegetação seca com muitas áreas de florestas densas com espécies altamente inflamáveis, como eucaliptos, pinheiros e mato , que ardem facilmente, tudo isto acrescido dos ventos fortes que favorecem a rápida propagação das chamas, são factores básicos da catástrofe que se repete.

A estes factores vem juntar-se o abandono rural e mudanças no uso do solo: o despovoamento do interior levou ao abandono de terras agrícolas, permitindo o crescimento descontrolado de vegetação seca; a falta de vegetação variada mista e a monocultura do eucalipto, altamente inflamável, domina grandes áreas devido à sua rentabilidade para a indústria de celulose.

Uma outra razão é a falta de gestão florestal eficiente, com a correspondente falta de limpeza dos montes: muitas zonas não têm manutenção regular (como desbaste e limpeza de matos), acumulando material combustível. Uma política virada só para os centros urbanos e para a região litoral tem descurado gravemente as regiões agrícolas e florestais o que conduz a uma legislação insuficiente porque embora existam leis, a fiscalização e aplicação são fracas, especialmente em terrenos privados abandonados.

A isto junta-se ainda o comportamento humano e incêndios criminosos: agricultores usam fogo para limpar terrenos, mas muitas vezes perdem o controlo e muitas vezes ligados a conflitos fundiários, seguros e passagem de terrenos florestais/agrícolas para urbanos.

Dificuldades no Combate aos Incêndios

Um grande obstáculo é o terreno acidentado com áreas de difícil acesso para os bombeiros. Por outro lado, a política disponibiliza recursos limitados, o que apesar dos esforços, especialmente do empenho sobre-humano de bombeiros, os meios de combate a incêndios nem sempre são suficientes para grandes ocorrências de fogo simultâneos.

O Mito do “Incendiário Anónimo”

É verdade que Portugal tem uma taxa elevada de incêndios criminosos (cerca de 30% dos casos, segundo o ICNF), mas esquece de referir que muitos são reincidentes ou negligentes (queimadas mal controladas, foguetes, cigarros), poucos são “pirómanos” ou criminosos organizados dado a maioria ter motivações locais (limpeza de terrenos, vinganças, conflitos entre vizinhos) e  falta uma investigação eficaz, ficando muitos casos sem culpados identificados, o que alimenta teorias conspiratórias.

É mais fácil culpar um “bode expiatório” (incendiários, empresas) do que admitir falhas estruturais (má gestão florestal, abandono rural).

A imprensa tende a destacar casos espetaculares (como os de Pedrógão Grande ou Odemira) ou de casos individuais, mas ignora as causas sistémicas.

A Indústria do Eucalipto e os Interesses Económicos

Nos interesses económicos da indústria haverá um fundo de verdade, mas não é a causa principal, pois o eucalipto arde facilmente, mas não é o único problema (o pinheiro-bravo, o mato seco e a carqueja também).

Também é verdade que as celuloses (Navigator, Altri) beneficiam do eucalipto, mas não há provas de que provoquem incêndios. Activistas atribuem responsabilidade direta às grandes celuloses, Navigator Company, Grupo Altri e a associação Celpa, nos incêndios florestais (1). O problema, porém, é a monocultura sem gestão: Muitos terrenos estão abandonados ou são malcuidados, mesmo os de grandes proprietários.

A crítica é legítima se feita ao modelo ao modelo florestal português, mas transformar isso numa “teoria da conspiração” tira o foco das soluções reais (como ordenamento territorial e fiscalização).

A Indústria do Combate a Incêndios

É um facto que o Estado (ou seja, nós os contribuintes) gasta milhões em meios aéreos e bombeiros, mas o problema é a prevenção, não o combate. Há quem diga que interessa que haja fogos para as empresas de combate ganharem dinheiro. Empresas privadas (como a Everjets) ganham contratos, mas não há indícios de que promovam incêndios.

Teorias da conspiração muitas vezes circulam no âmbito da especulação (com algum aspecto de verdade) mas o que verdadeiramente as mantem é a desconfiança generalizada em relação ao Estado e a grandes empresas (capitalismo) bem como a falta de transparência do Estado nos gastos públicos com incêndios ou com outros sectores da vida pública.

O Desinteresse político

Os incêndios repetem-se ciclicamente porque não há fiscalização eficaz em terrenos privados abandonados; as autarquias não têm recursos para impor a limpeza de matos; o Plano de Defesa da Floresta (PNDF) falha na execução (ex.: rede de faixas de gestão de combustível não é mantida) e ainda o que piora tudo é o êxodo rural; a política fomenta a emigração da gente do campo para as cidades e isso provoca mais terras abandonadas e mais mato acumulado.

Para populações mal-informadas e para partidos torna-se mais fácil e cómodo culpar “os incendiários” ou “as empresas” e louvar o esforço abnegado de bombeiros, do que exigir políticas de eficiência a longo prazo.

De facto, o que fata é consciência e coragem política para mexer em interesses (como o do negócio com a celulose) e investir em prevenção.

De resto, de uma maneira geral, a sociedade prefere o drama do momento (notícias de incêndios) em vez de exigir em privado e em público, mudanças estruturais (2).

O problema dos incêndios deveria tornar-se em questão de prioridade nacional (para isso partidos, candidatos a presidente, deveriam apresentar estratégias e projetos para uma solução real do facto dos incêndios). Imagine-se que em vez de Portugal comparticipar com milhões em despesas para a guerra na Ucrânia ou para instituições ecológicas mundiais empregava esse dinheiro, a mente e o esforço numa reflorestação e numa ecologia portuguesa sustentável. Afinal, que interesses estão em jogo e que cartadas valem mais? Não é primeira obrigação dos nossos deputados e governantes afirmar os interesses do seu povo e defendê-lo da cobiça alheia?

Para isso seriam necessários programas de redução de monoculturas inflamáveis e promover a diversificação das espécies sem perder de vista que o pinheiro é uma planta natural e que o sobreiro com ele contribuiria para o equilíbrio ecológico em parte das nossas florestas.

Obrigar a limpeza de terrenos com fiscalização pesada, mas implementá-la com apoios estatais, e projectos de reflorestação, dado tratar-se de uma incumbência nacional que tem também a ver com a natureza do território.

Enquanto isso não acontecer, o ciclo vai repetir-se – e as teorias sobre incendiários e conspirações vão continuar a dominar o debate.

Portugal é um temporal perfeito para incêndios: clima propício, vegetação inflamável, abandono rural, gestão florestal deficiente e factores humanos. A solução exigiria uma combinação de reflorestação com espécies menos inflamáveis, melhor gestão territorial, fiscalização rigorosa e investimento em prevenção.

 

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo: https://antonio-justo.eu/?p=10182

(1). Activistas: https://arquivo.climaximo.pt/2022/07/18/acao-eucalipto-e-fogo-e-a-navigator-a-altri-e-o-icnf-sao-responsaveis/

Aspecto complementar: A Navigator exporta cerca de 91% dos seus produtos para 130 países dos cinco continentes e a Altri exporta 530 milhões de euros (2019): https://www.publico.pt/2020/07/27/sociedade/noticia/altri-navigator-concorrentes-negocio-aliados-combate-incendios-1925982

(2) Fogos: um problema que se repete repetindo-se os mesmos lamentos: https://www.mundolusiada.com.br/portugal-atafegado-com-o-fumo-dos-fogos-e-da-corrupcao/

https://antonio-justo.eu/?m=201710

 

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A DEMOCRACIA PORTUGUESA E A DIÁSPORA: UM CASO DE DESENCONTRO

O Voto dos Emigrantes não chega para legitimar mas questiona

A cerimónia de tomada de posse da Comissão Nacional de Eleições (CNE), no dia 25 de julho de 2025, trouxe à luz um problema que há muito se arrasta: a relação frágil entre a democracia portuguesa e os seus emigrantes. O Presidente da Assembleia da República (PAR) abordou, com pertinência, a alarmante abstenção de 80% e os 30% de votos nulos entre os portugueses no estrangeiro. Estes números não são apenas estatísticos, (1) eles são um grito de desencanto, um sintoma de um sistema que falha em incluir quem, mesmo longe, não só mantém Portugal no coração como concorre substancialmente para o seu desenvolvimento.

Mas por que razão os emigrantes portugueses, uma comunidade vibrante e economicamente relevante, se afastam das urnas? E o que diz este afastamento sobre a saúde da nossa democracia?

Quais são as Barreiras que afastam os Emigrantes das Urnas

O discurso do PAR identificou alguns dos obstáculos que desencorajam a participação eleitoral:

Uma burocracia excessiva exigindo registo prévio, prazos curtos e a necessidade de deslocação a consulados distantes transformam o ato de votar num verdadeiro obstáculo, não num direito;  a falta de informação concorre  para que muitos emigrantes desconheçam o impacto do seu voto ou desconfiam da eficácia do sistema político; o desencanto com a política que vem da  sensação de que os partidos veem a diáspora como um alibi eleitoral, e não como uma comunidade com necessidades específicas, mina a confiança.

Se o voto não produz efeitos visíveis, por que razão haveriam os emigrantes de se dar ao trabalho?

O que podemos aprender com outros Países?

Portugal não está sozinho neste desafio, mas outros países encontraram soluções eficazes que poderiam servir de inspiração:

O Brasil:  tem voto facultativo e simplificado, registo automático (sem renovação anual), voto presencial em consulados ou por correio; em 2022, cerca de 700 mil brasileiros no exterior votaram.

A França: tem voto por procuração (um eleitor pode delegar o seu voto a outro), tem equipas consulares móveis que se deslocam a cidades sem representação; em 2022, 50% dos franceses no Reino Unido votaram por procuração.

A Estónia: tem voto online seguro desde 2005 (com ID digital ou telemóvel) e deste modo redução drástica de custos logísticos; a participação dos emigrantes subiu de 6% (2005) para 44% (2023).

A Itália: tem 12 deputados e 6 senadores eleitos exclusivamente por emigrantes e deste modo representação direta no Parlamento, os partidos apresentam listas específicas para o exterior; em 2022, a participação foi de 30% (acima da média europeia).

Os EUA: têm voto postal em massa devido a envio automático de cédulas em alguns estados e a prazos longos (até 2 meses antes da eleição); em 2020, 65% dos votos de americanos no exterior foram postais.

O que falta a Portugal? Vontade política?

Os exemplos internacionais mostram que há soluções. Mas em Portugal, o problema persiste por falta de acção.

O voto eletrónico, já testado com sucesso noutros países, poderia ser implementado progressivamente e alguma região ou país de emigração poderia servir como início experimental.

O voto postal universal (hoje restrito a casos excepcionais) deveria ser uma opção normal real, sem necessidade de justificação. Poderia fazer parcerias com serviços postais internacionais (ex.: DHL) para entrega segura.

Consulados móveis, como os da França, poderiam chegar a comunidades distantes.

Mais deputados da emigração (4 são claramente insuficientes) e debates parlamentares focados na diáspora. Mas há um obstáculo maior: interesses partidários.

Razão por que o PS e Outros resistem à Mudança?

Rumores insinuam que os partidos tradicionais temem que a facilitação do voto no estrangeiro beneficie forças políticas mais centristas ou contestatárias. Os resultados das últimas legislativas confirmam essa tendência: O CHEGA venceu nos dois círculos da emigração (26% dos votos), a AD ficou em segundo lugar (16%), o PS, pela primeira vez, não elegeu nenhum deputado pela diáspora (2).

Deputados eleitos na Europa: José Dias Fernandes pelo CHEGA e José Manuel Fernandes pela AD.

Fora da Europa: Manuel Magno Alves pelo CHEGA e José de Almeida Cesário pela AD.

Se o sistema continuar a dificultar o voto, a abstenção manter-se-á alta e a legitimidade democrática, baixa.

A Diáspora merece mais que Promessas

A intervenção do Presidente da AR foi um primeiro passo, mas precisa de ações concretas:

Simplificar o voto (eletrónico, postal, por procuração), aproximar as instituições das comunidades emigrantes e combater a desinformação e envolver as associações da diáspora e jornais de papel ou online com verdadeira incidência no meio dos emigrantes.

Os emigrantes não são apenas “portugueses de segunda categoria”, são um pilar económico e cultural do país. Se a democracia portuguesa quer ser verdadeiramente inclusiva, tem de olhar para além-fronteiras.

Caso contrário, continuaremos a assistir a um divórcio perigoso entre Portugal e os seus filhos espalhados pelo mundo e a desperdiçar uma potencialidade já inserida nos diversos países. Eles são os verdadeiros embaixadores de Portugal.

Urge usar a diáspora como força económica e política. Se Portugal soubesse aproveitar o potencial da sua diáspora, não só eleitoral, mas também económico e cultural, poderia tornar-se num caso de estudo em democracia inclusiva. Basta querer e agir. Continuar encerrados em meros interesses de imagens individuais e partidárias (3) corresponderia a continuar cada vez mais na mesma não acompanhando os sinais dos tempos. Os partidos ainda se sentem tão seguros que se permitem exigir dos votantes sacrifícios desproporcionados. Encontramo-nos num processo de desenvolvimento cívico em que as instituições quer sejam religiosas quer políticas (se se querem afirmar-se) têm de se dirigir ao povo e não o povo a elas.

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

(1) Inscritos estavam 1.584.722. Votos em branco: 1,39 % com 87.598 votos; Votos nulos 2,73 % que representa 172.379. Só chegaram a Portugal 18,77% dos votos dos emigrantes e houve mais de 113 mil votos dos emigrantes nulos o que corresponde a 32 % da votação final. Ver entre outros https://pt.wikipedia.org/wiki/Elei%C3%A7%C3%B5es_legislativas_portuguesas_de_2025_no_Estrangeiro

(2) https://www.rtp.pt/noticias/politica/chega-vence-circulos-eleitorais-do-estrangeiro-e-passa-a-ser-lider-da-oposicao_e1658037

(3) O Ensino da Língua Materna: https://antonio-justo.eu/?p=10089

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A EUROPA SOB O JUGO DE TRUMP NA “FEIRA DA LADRA” POLÍTICA

Geopolítica, belicismo e a erosão da soberania à custa do humanismo original

Os acordos recentemente firmados entre a União Europeia e os Estados Unidos carregam a marca indelével de Donald Trump. Com tarifas de 15% para automóveis e outros produtos, a UE parece avançar, mais uma vez, em direção à sua própria insignificância geopolítica. Mas os números revelam um cenário ainda mais preocupante: a Europa comprometeu-se a comprar 750 mil milhões de dólares em energia dos EUA, a investir 650 mil milhões no mercado americano e a adquirir centenas de milhares de milhões em equipamento militar. E, ao mesmo tempo, abre seus mercados sem tarifas para Washington.

A estratégia europeia, alinhada com o belicismo germânico-francês e o utilitarismo económico britânico, canaliza os orçamentos dos Estados-membros, incluindo os mais pequenos, para uma guerra política (1) que não é sua. No fim de contas, a UE subsidia o imperialismo norte-americano, importando material bélico que não possui, numa tentativa vã de se afirmar como potência militar. Por seu lado, Bruxelas parece aplicar, a nível interno, o que se poderia chamar de “imperialismo mental”: uma dominação que vai além da economia, moldando as consciências através de políticas e Media alinhados.

Trump é o senhor do jogo

Donald Trump, o negociador implacável, mantém-se como o grande condutor deste tabuleiro geopolítico. No início do conflito ucraniano, mostrou-se favorável a negociações porque sabia que sairia beneficiado. Mas, ao perceber que Berlim, Paris e Londres estavam totalmente comprometidas com a escalada bélica, viu a oportunidade de reforçar a sua influência. Agora, a UE segue o seu ditado, entregando a soberania em troca de uma suposta proteção.

A Europa, outrora berço do humanismo, parece hoje reduzida a um regime autoritário-militarista, traindo a sua tradição latina em favor do pragmatismo anglo-saxónico. Os líderes europeus, enredados em jogos de poder, pouco se importam com os mortos na Ucrânia, na Rússia ou em Israel/Gaza. O que lhes interessa são matérias-primas, estratégias de medo e a manutenção de um sistema que beneficia magnatas económicos e políticos.

A desconstrução da Europa

A União Europeia, nas mãos de tecnocratas globalistas, perdeu qualquer vestígio de consciência europeia. Em vez de defender a sua cultura e tradição humanista, entrega-se a negócios globais que a enfraquecem. O povo, vítima deste “polvo global”, é manipulado por narrativas pós-factuais, emocionalmente carregadas, que justificam as más intenções dos que estão no poder.

Enquanto Trump personifica o imperialismo económico tradicional, Ursula von der Leyen encarna o imperialismo mental; este é ainda mais perigoso, porque combina opressão material com dominação psicológica. Os cidadãos, formatados por uma ideologia que não questionam, tornam-se cúmplices involuntários de sua própria subjugação.

Encontramo-nos na feira da ladra geopolítica

A Europa desmonta-se a si mesma. Os anglo-saxónicos e a Alemanha defendem, na prática, apenas os seus interesses económicos e bélicos, aplicando a velha máxima do “dividir para reinar”. Se com o século XVI começou na Alemanha a divisão da Europa entre espírito germânico nórdico e alma latina com a imposição do espírito germânico, no século XXI dá-se um passo em frente através do desenraizamento cultural geográfico passando-se ao processo da dominação mental. Não será de admirar que a China nos levará um dia a redescobrir que éramos o berço do humanismo.

Os povos europeus, humilhados, mas de cabeça erguida por se relacionarem com Trump, assistem à transformação das suas sociedades numa “feira da ladra”, onde se negoceia soberania, dignidade e futuro. Resta perguntar: haverá resistência possível, ou a Europa já aceitou o seu papel de vassalo? A Europa ao negar as suas origens perde o seu rumo e sentido.

Porém, a intervenção de Trump, por má que seja, servirá para que a EU assuma de futuro uma política mais realista e aferida às potências concorrentes.

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

 

(1) Segundo o European Council on Foreign Relations (ECFR), a dependência europeia em equipamento militar dos EUA aumentou 42% desde 2022.

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EM NÓS AS CICATRIZES DO UNIVERSO

(Feminilidade e Masculinidade sob as Circunstâncias

entre o Suspiro e o Canto )

 

Tu, noite minha, manto de silêncio e estrelas,

o céu se curva sobre meu corpo em ruína.

Sou o deserto que clama por rios,

a sede infinita, na gramática do universo.

 

Meu coração é um vaso de argila rachada:

o infinito a escorrer em gotas de desejo.

Busco-te na sombra que me habita (1),

na carne que arde e não se ateia.

 

Somos véus do mesmo mistério rasgado,

tu, o rio que afoga, eu, o fogo que invade.

Mas vivemos como sóis apartados,

órbitas cegas, danças do acaso.

 

Ah, se fôssemos mapa e bússola,

o masculino e o feminino entrelaçados

como tinta e pergaminho, brasa e lenha!

Mas somos dois cântaros vazios,

ecoando a mesma canção quebrada.

 

O amor não é só véu, não é só prece:

é o dedo que traça o sulco das costas,

o sopro que desata o nó do tempo.

É o corpo que se faz altar,

a encarnação em cada movimento.

 

(Quem nos ensinou a temer a chama?

Quem secou os rios, quem apagou a fogueira,

deixando-nos sombras de um nome antigo?)

 

Em ti, mulher, não busco só o ventre,

sonho a união que Maria anunciou,

espírito e matéria fundidos,

vinho e água no cálix da aurora.

 

Somos o cosmos em miniatura,

dois pavios na mesma labareda,

dois rios no mesmo leito.

Deixa-me ser a lança que fende o abismo

e nele se perde,

para que enfim sejamos inteiros.

 

No fim, restará apenas o Silêncio,

aquele em que Deus diz o nome

que tu e eu não ousámos chamar.

Até lá, seguimos escrevendo

com lábios de sal e mãos trémulas

o poema que só juntos poderemos assinar.

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

 

(1) Somos a sombra de Deus.

Em nós, as circunstâncias são o cadinho onde alma, corpo e espírito, feminilidade e masculinidade se podem fundir.

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