TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO NO DIÁLOGO DOUTRINA-PASTORAL

Divorciados recasados admitidos aos sacramentos

Por António Justo
Com a Exortação Apostólica “A Alegria do Amor” Francisco I provoca uma nova liberdade pastoral e uma “descentralização salutar” nas relações entre a igreja mundial e as igrejas locais. Fundamenta uma certa flexibilidade na doutrina em questões de moral sexual, sem definir novas regras. Possibilita também a admissão de divorciados recasados aos sacramentos.

Pastoral versus Dogmática em „A Alegria do Amor”?

A fé e a Igreja não podem ser estranguladas na moral. Uma igreja universal que se quer católica tem que lidar de forma cautelosa (e “estadista”) com as diferenças inevitáveis em política, doutrina e moral. Francisco quer que a presença da Igreja na sociedade seja fraterna.

A Igreja católica mundial tem de manter o seu caracter essencial de comunidade institucional e de vida; como tal tem de incluir a fé como obediência à doutrina da Igreja e por outro lado respeitar a consciência e a experiência individual de cada cristão no aspecto místico que implica a relação pessoal com Deus: esta tensão característica no cristianismo é salutar para a Igreja e para a sociedade, garantindo-lhe desenvolvimento e perenidade.
Neste sentido, os padres têm de estar atentos para não se limitarem a uma ética de atitudes sem contemplar a ética da responsabilidade (1)

De facto, pessoas com a mesma atitude moral podem chegar a diferentes conclusões sem terem necessariamente de caírem numa moral situacionista; por outro lado somos definidos não só na qualidade de indivíduos mas também de comunidade orgânica. O mandamento do amor e a virtude da misericórdia também não podem anular, sem mais nem menos, a inteligência e a justiça humana.

Na teologia sempre haverá uma discrepância entre aqueles que consideram a fé como expressão de experiência directa com Deus e pensam encontrá-la em tudo e aqueles que crêem mais na obediência à doutrina da igreja, pensando que a questionação desta corresponde a uma ofensiva contra a Igreja. Cada pessoa tem um rescript de salvação e como tal, nestes assuntos, importa ter muita discrição e muita sintonia.

Integração da Teologia da Libertação

Desde 2013 a Igreja inteira (leigos, sacerdotes, bispos e cardeais) discutiu os vários assuntos de família e sexualidade no intuito de chegar a uma reforma da moral sexual católica. O Sumo Pontífice descontrai a sexualidade, clarificando em “Alegria do Amor” que para cada discussão não é necessário um esclarecimento doutrinal de Roma.

Temos um grande papa que consegue resolver o impasse entre teoria e praxis conjugando a ortodoxia na orto-praxia sem cair no relativismo nem no subjectivismo de um Deus elaborado “à la carte” como querem muitos movimentos exotéricos. Francisco põe em relevo a unidade de doutrina e prática, mas deixa espaço para a interpretação da doutrina. Esta prática exige grande maturidade da parte dos cristãos, conscientes de uma certa lei da ambivalência da realidade social e pessoal, não reduzíveis a uma mera ressonância de alma nem tão-pouco a uma doutrina racional.

Pelo que me é dado deduzir, com o papa latino-americano, dá-se um pequeno ajustamento de teologias: a teologia de âmbito doutrinal europeia (centrada na ortodoxia) abre uma janela no sentido da teologia latino-americana da orto-praxia dando espaço não só para o processo científico dedutivo como também para o indutivo pastoral. A unidade anterior pastoral-doutrina abre-se à teologia da libertação no sentido de uma legitimação teológica mais localizada (também maior autonomia das igrejas locais). As conferências episcopais passam em parte a ter poder decisivo quando se trata de interpretação prática de normas morais em questões de sexualidade e deste modo desabonar um pouco as congregações do vaticano (2).

Do balanço entre indivíduo e comunidade entre consciência e norma

O dilema, entre o ideal católico do matrimónio indissolúvel (entre homem e mulher) e a possibilidade das pessoas contornarem esse ideal através da sua consciência individual responsável, permanece, mas deixa uma porta aberta. De facto temos a doutrina da Igreja configurada nos dogmas (verdades científicas teóricas da fé) que dão coerência e sustentabilidade à Igreja e por outro lado a pastoral (litúrgica, profética e de serviço) que é a sua teologia aplicada e vivida sem perder a ligação ao exercício da autoridade da igreja petrina.

Para melhor se compreender a complexidade da questão, poder-se-ia estabelecer um paralelo simplificador entre o âmbito religioso e o âmbito civil: A dogmática (e o Papa) está para a Constituição dos países como a pastoral para o direito civil (A Constituição regalaria o ideal e a lei faz a adaptação à situação concreta das necessidades do cidadão). De facto, para a Igreja, a pessoa é centro e fonte de todo o direito: ela é portadora do germe divino; a dignidade humana vem-lhe do facto de todo o ser humano (crente ou não crente) ser filho de Deus e como tal portador de um valor moral e espiritual inerente que o torna soberano em relação aos seus actos e decisões baseadas na sua consciência responsável, não sendo subordinado a sacrificar novilhos aos ídolos sociais e institucionais. O homo cristianos é soberano, segue a sua consciência mas forma-a a partir do nós.

Um outro dilema será: ou seguem a autoridade magistral do papa como ele a não quer, ou não seguem o Papa para seguirem a própria servidão de cariz caseiro. Sim porque o cristão consciente, embora pense por ele, pensa a partir do nós, compreende-se como indivíduo e como comunidade e sabe que a ética é transmitida pela igreja; o Deus de Jesus Cristo não é só dos cristãos, Ele é de todos; é comunidade e também pessoa encarnada. Daí a difícil missão de uma igreja que se tem de manter católica. Constitui sempre um desafio para a Igreja conseguir manter o balanço entre indivíduo e comunidade entre consciência e norma, entre as subculturas e a cultura que lhes dá sustento.

Na sociedade actual domina imperceptivelmente uma ideia do politicamente correcto e um certo sentimentalismo do bonzinho que podem ser tão nefastos para o progresso do indivíduo e da sociedade como a violência que “bons” e “maus” criticam. Não chega ter um coração bom, é preciso activar também uma inteligência iluminada, doutro modo chega-se ao ponto de se confundir justiça com injustiça (vejam-se diferentes problemas políticos actuais). Uma atitude cristã de identificação com os humildes, de defesa dos pobres, da paz e dos direitos humanos implica grande capacidade de saber e de discernimento, porque nem todas as desigualdades sociais nem cada controlo nas fronteiras se pode declarar como não éticos ou não cristãos. Quem exclui a negatividade da vida torna-se unilateral e terá de pagar a factura com a saúde ou fazê-la pagar a alguém. A vida existencial é polar e um polo não pode excluir o outro; não há o eu sem o outro nem o outro sem o eu, não há sombra sem sol. Importa fomentar uma sociedade de pessoas boas conscientes que são portadoras das forças do bem e do mal mas com uma vontade forte de praticar o bem; a inconsciência cria a espécie do mauzinho ou do bonzinho que cospem descontentamento.

Jesus, no caso da mulher adúltera, prescindiu de explicar uma ideia de casamento, família e sexualidade, deixando a análise do problema à pessoa, à Igreja e aos teólogos. Jesus não julga ninguém definitivamente; a Igreja também não, ela sabe que a vida é relação resumida na fórmula trinitária Pai-Filho-Paráclito e na de Deus com a sua criação no mistério do Deus-Homem. O Paráclito acompanha cada pessoa e expressa-se de maneira relevante na relação (cura animarum) entre o padre e o cristão. Francisco I, como pastor, segue o princípio de João: “Nem eu te condeno”. Em vez de cavalgar no cavalo alto da moral, o Papa procura descer a todo o lugar onde há pessoas.

Com “A Alegria do Amor” o papa não muda as leis da Igreja; apenas alarga o âmbito pastoral de reflexão e de interpretação. Pressupõe maior capacidade de reflexão e de autonomia responsável no cristão em geral e na pastoral. O pastor, o cura, não deixa de apregoar a fé da Igreja, no diálogo íntimo com o fiel deixa-se orientar por uma pedagogia da graça e deixa a este a decisão.

Segundo a doutrina católica Deus tem um relacionamento directo com todas as pessoas, independentemente do facto de serem acompanhadas pastoralmente ou não. Na Cura de almas cada cristão é chamado e capacitado a exercer o cuidado pastoral de acompanhamento numa relação de empatia com o irmão e na consciência de que faz parte de uma comunidade de vida espiritual.

O Papa defende-se dos críticos

A Exortação Apostólica “A Alegria do Amor”, dirigida sobretudo ao clero, provocou críticas nalguns cardeais que apresentaram dúvidas sobre o documento que trata do amor, da família e do celibato. Os defensores da doutrina pura (dogmática) desejam saber se divorciados que casam de novo ou que vivem com uma outra pessoa podem participar no sacramento da comunhão depois da absolvição do sacramento da penitência.

Dentro da igreja e especialmente na cúria vaticana formou-se resistência contra ele e contra a sua exortação porque têm medo de ele ir longe demais no seu desejo de mudança. O papa responde “ que não são as engelhas que devemos temer na igreja mas sim a sujeira” porque os seus planos de reforma não são apenas operações de beleza para eliminar as rugas. O papa quer ver nas reformas um sinal da veracidade e do processo do crescimento de uma Igreja viva que não cheire a naftalina. Aceita a opinião dos críticos e da discussão teológica mas adverte que não se refugiem por trás das aparências de tradições ou do habitual, alegando que a “resistência muitas vezes vem vestida em peles de cordeiro”.

O papa não respondeu directamente a quatro cardeais que voltaram à questão argumentando terem escrito “movidos por um cuidado pastoral profundo”.
Naturalmente nem o papa deve dispor da mensagem cristã, como obstam alguns, devendo apenas administrá-la. Facto é que Francisco anuncia a mensagem cristã e pratica-a. Francisco I procura Jesus Cristo também nas margens da sociedade e não apenas no endurecimento institucional. Ele exorta os padres a olharem para a sociedade com um olhar de mãe e não apenas com um olhar de pai rigoroso porque sabe que Deus é pai e mãe.
Como dito, a questionação do sacramento do matrimónio não pode ir longe demais mesmo a pretexto da misericórdia.

Divorciados novamente casados podem frequentar os sacramentos

Francisco é um papa que não se limita nem refugia na autoridade clerical. Quer renovar a igreja no que ela tem de exterior investindo numa pedagogia da misericórdia. Também na família quer mais misericórdia pastoral no tratamento dos divorciados. A partir de agora, os padres – em sintonia com as conferências episcopais – podem permitir o acesso ao sacramento da Comunhão a divorciados recasados e invocar como fundamento a “Amoris Laetitia”.A exortação apostólica abre as portas aos divorciados recasados, e tem em conta a vida humana como processo e não como algo acabado num determinado momento da História ou da vida, mas ao mesmo tempo não descura o aspecto orgânico da vida social. Acentua o aspecto pastoral sobre a dogmática (doutrina) nas convicções extramaritais. O papa reconhece de facto, a admissão dos divorciados recasados à comunhão em cada caso individual. O padre tem um papel de responsabilidade acrescentada de cuidar dos fiéis interessados na caridade pastoral. Nova é a ideia introduzida pelo Papa ao possibilitar o voltar a casar e o receber os sacramentos da Penitência e da Eucaristia, sem anulação do casamento anterior. Naturalmente, também esta via permanece aberta. Há situações que exigem uma assistência pastoral mais pessoal e que pressupõem uma grande capacidade de discernimento em relação à pessoa e à comunidade. Numa nota de rodapé de “A Alegria do Amor”, o papa diz que divorciados novamente casados poderiam “em certos casos” tirar proveito da “ajuda dos sacramentos”. O papa restitui ao cristão a responsabilidade de divorciados novamente casados, serem responsáveis e discretos ao aproximar-se do sacramento da comunhão. Havia bispos que antes desta exortação apostólica recomendavam a comunhão espiritual a divorciados novamente casados. Alguns bispos sugerem um processo de aprofundamento da própria consciência (uma via paenitentialis – caminho da penitência) com o apoio de um bom acompanhante para depois de um exame de consciência profundo, o cristão seguir a própria consciência e esta decisão ser respeitada. Francisco I apela para a responsabilidade da consciência individual (como última instância moral do cristão). Um papa que no sentido cristão deixa muita folga para a liberdade e responsabilidade individual pode ser incómodo também numa sociedade civil, cada vez mais massificada e alienada pela ditadura do pensamento politicamente correcto (uma sociedade, por vezes pedante e ingénua, que se julga apta a poder julgar outras sociedades não se dando conta que é prisioneira do próprio espírito do tempo tal como outras o foram). Naturalmente, não será fácil fazer despertar uma consciência e uma atitude cristã adulta numa polis em que as pessoas são demasiadamente condicionadas pelo ego infantil e pelo superego.

O confessionário não é uma “câmara de tortura” mas sim um lugar de misericórdia; dele surgiu o aconselhamento psicológico laico. Porque nunca Por fim o que prevalecerá será a decisão do penitente se deverá ou não ir à comunhão.

“Na Igreja, a autoridade e a jerarquia são um serviço”, titula o “Observatore Romano”. “Alegria do Amor”, nas suas 300 páginas, deixa lugar para interpretação e para experimentação sem que os bispos se insurjam uns contra os outros nas diferentes posições. Também não é contrária à carta de João Paulo II “Familiaris Consortio” (1981). Ouvi do cardeal de Viena, Christoph Schönborn a afirmação de que o papa, com “laetitia Amoris”, permite em cada caso individual, a admissão à comunhão.

O Papa reformador que mexe com o mundo

Eleito papa a 13.03.2013, vive de maneira simples e sobressai nele o braço estendido para acolher, saudar e abençoar. Na sua simplicidade e atitude atingiu os corações do povo comum e mesmo daqueles que não crêem. O papa procura estabelecer pontes em todo o lugar onde é possível, na Suécia esteve presente no início do 500° aniversário do reformador protestante Lutero. Também o encontro do papa Francisco com o patriarca russo ortodoxo Kyrill I em Havana foi um grande passo: foi a primeira vez que um papa se encontrou com um patriarca de Moscovo. Em relação aos refugiados solicita que se combata contra a “globalização da indiferença”. Na sua visita à Polónia foi um pouco incómodo para com o governo ao defender a aceitação de refugiados. É excelente na defesa do meio ambiente com a sua encíclica “Laudato si’ (24 de maio de 2015) ao estabelecer uma relação directa da exploração da terra (esgotamento dos recursos naturais) e da injustiça social. Tornou possível o diálogo entre os Estados Unidos e Cuba e entre Israel e Palestina. Com a reforma da Cúria romana conseguiu juntar competências estabelecendo um ministério para assuntos de família, leigos e protecção da vida e um outro para migração, combate à pobreza, direitos humanos e defesa do ambiente.

Sem memória não há pensamento! A Igreja institucional é o depósito da memória que se vai sempre alargando e concretizando num diálogo íntimo entre indivíduo e comunidade.

Para concluir: A solução argentina apoiada pelo Papa

A exortação apostólica pós-sinodal “Amoris Laetitia” (AL). “http://www.agencia.ecclesia.pt/netimages/file/papa-francesco_esortazione-ap_20160319_amoris-laetitia_po.pdf, é um documento com assunto controverso e passível de interpretações.

Quanto à possibilidade de acesso à comunhão os bispos argentinos deduzem da AL a possibilitação da frequência da Comunhão, depois de muita reflexão e ponderação, para as pessoas em situações canonicamente problemáticas; nesse sentido determinaram orientações práticas.

O Papa Francisco confirmou e aprovou a orientação dos bispos da região de Buenos Aires (http://www.kathpedia.com/index.php?title=Amoris_laetitia ) dizendo claramente que “não há outras interpretações”; que, em casos individuais, os sacramentos são possíveis para os católicos “a viver em situação objectiva de pecado”. Pessoas a viver em situação objectiva de pecado seriam sobretudo os recasados. De facto AL refere já no artigo 305 com a nota 351 que “a Eucaristia não é uma recompensa para a perfeição, mas um generoso remédio e alimento para os fracos”. Isto não significa porém um acesso indiscriminado aos sacramentos pois pressupõe-se um processo de discernimento no diálogo com o confessor acompanhado da reflexão e da oração.

As premissas estão dadas na Amori Laetitia”; as consequências serão tiradas pelos bispos com o Papa no campo pastoral e na discussão teológica futura. AL não pode ser uma panaceia de receitas pelo que exige responsabilidade pessoal e eclesial. O Cardeal Christoph Schönborn já adiantou que todas as declarações doutrinárias sobre o matrimónio e a família devem ser lidas e observadas à luz de “Amoris Laetitia”.

Concretamente, os bispos argentinos alegam que é de sugerir a divorciados recasados, se possível, a abstinência sexual. Mas esta nem sempre é uma solução viável. No caso da culpa da pessoa em causa ser limitada ou trazer danos às crianças da nova relação a “Amoris laetitia” abre a “possibilidade de acesso aos sacramentos da Reconciliação e da Eucaristia”.

Os pastores argentinos têm bem presente o espírito do papa Francisco e os parágrafos de “Alegria do Amor”. De facto, „as culturas são muito diferentes entre si e cada princípio geral (…), se quiser ser observado e aplicado, precisa de ser insculturado”» (AL 3). «A Igreja não deixa de valorizar os elementos construtivos nas situações que ainda não correspondem ou já não correspondem à sua doutrina sobre o matrimônio» (AL 292). «Trata-se de integrar a todos, deve-se ajudar cada um a encontrar a sua própria maneira de participar na comunidade eclesial, para que se sinta objeto duma misericórdia “imerecida, incondicional e gratuita”»(AL 297). E ainda: «Os divorciados que vivem numa nova união, por exemplo, podem encontrar-se em situações muito diferentes, que não devem ser catalogadas ou encerradas em afirmações demasiado rígidas, sem deixar espaço para um adequado discernimento pessoal e pastoral» (AL 298). Não devem sentir-se excomungados, mas podem viver e maturar como membros vivos da Igreja (…). Esta integração é necessária também para o cuidado e a educação cristã dos seus filhos» (AL 299). O grau de responsabilidade não é igual em todos os casos”, as consequências ou efeitos de uma norma não devem necessariamente ser sempre os mesmos» (AL 300). «É verdade que as normas gerais apresentam um bem que nunca se deve ignorar nem transcurar, mas, na sua formulação, não podem abarcar absolutamente todas as situações particulares. Ao mesmo tempo é preciso afirmar que, precisamente por esta razão, aquilo que faz parte de um discernimento prático duma situação particular não pode ser elevado à categoria de norma» (AL304). http://arquisp.org.br/noticias/leia-a-sintese-da-exortacao-a-alegria-do-amor .

A situação crítica de divorciados pode perturbar a mente e deste modo a liberdade… o que objectivamente poderia, à primeira vista, ser considerado como situação objectivamente defeituosa pode, subjectivamente, ser considerada boa. Até o direito civil penal conhece a situação psiquiátrica…

Na Igreja peregrina a vida é processo. Também o Concílio Vaticano II já não via o casamento como contrato mas como aliança, abandonado assim a visão de casamento que via a procriação como objectivo principal do casamento. Com o divórcio acaba a ligação pessoal entre os cônjuges divorciados.

O caracter da indissolubilidade (3) assenta no facto da união assumir o caracter divino (Rom 11, 29); este faz do divórcio também uma violação dos mandamentos, o que complica a realização de um novo casamento pela igreja e a liberdade dos divorciados se sentirem desvinculados embora a ralação com um outro parceiro já não ser considerada de relação sexual adúltera; o novo casamento também pode ser nulo mas não pecaminoso.

Os mais fortes na fé e mais perto do ideal de Cristo não precisam de se sentir enganados com a sua ascética e fidelidade a Deus perante os que frequentam a comunhão sem serem tão consequentes.
O documento deixa lugar para interpretação e para a controvérsia num processo de vida e de discurso que consta de resolução de problemas. A Exortação constitui a base para a admissão dos divorciados recasados à comunhão, como comenta a maioria dos cardeais e bispos.
Não coloca limites à integração dos recasados, pressupõe porém o cultivo da consciência.

A abertura não deve criar confusão na doutrina da indissolubilidade do matrimónio. É preciso formar consciências e não substituí-las.

©António da Cunha Duarte Justo
Teólogo e pedagogo
Pegadas do Tempo,
(1) ÉTICA ENTRE CONVICÇÃO E RESPONSABILIDADE: https://antonio-justo.eu/?p=3884; Ética Republicana https://antonio-justo.eu/?p=3895 ; Um Exemplo De Ética Republicana Socialista Aplicada: http://www.solnet.com/09set16/pena&lap/penalap3.htm ; POLÍTICA DO POSTFACTO – ÉTICA ENTRE CONVICÇÃO E RESPONSABILIDADE – DO COMPROMISSO ÉTICO ENTRE IDEALISMO E REALISMO: http://antonio-justo.blogspot.de/2016/10/politica-do-postfacto-etica-entre.html; Ética da Responsabilidade pressupõe a Educação para a Liberdade: http://palopnews.com/index.php/cronistas/antoniojusto/1721;. O divórcio da política e da ética: http://www.debatesculturais.com.br/o-divorcio-da-politica-e-da-etica/ ; Num outro texto escreverei sobre a ética de timbre cristão! Estaria disposto a publicar livro se fosse manifestado interesse.
(2) No que toca ao aborto, à teoria do género e ao casamento gay permanece como orientação o catecismo da Igreja católica. Deixa à consciência individual a decisão interior sobre o emprego de meios de anticonceptivos e sobre a decisão de recasados irem à comunhão.
(3) O Evangelho diz “Aquele que se casa novamente após o divórcio comete adultério (Lc 16:18; Mc 10:11; Mt 5,32; 19,9) e acrescenta “O que Deus uniu, não o deve separar o homem” (Mc 10,2-9; Mt 19,3-8); “quem se divorciar de sua esposa, (…) destrói o seu casamento! “( Mat. 5, 32). Assim se reconhece diferentes níveis de culpa. O arrependimento e a história individual (consciência) são essenciais na avaliação, o que leva o assunto a ser um caso individual e a ser resolvido como tal.

IDEIAS FORTES PARA TEMPOS FORTES

Deixo aqui algumas ideias de um dos meus filósofos preferidos, Henri Bergson:

“A coesão social deve-se, em grande parte, à necessidade de uma sociedade se defender de outras.”

“O olho vê somente o que a mente está preparada para compreender.”

“A vida é um caminho de sombras e luzes. O importante é que se saiba vitalizar as sombras e aproveitar a luz.”

“A inteligência é caracterizada por uma incompreensão natural da vida.”

“Pense como um homem de ação, atue como um homem de pensamento.”

“Um ser inteligente traz consigo os meios necessários para superar-se a si mesmo.”

“O que me impressiona em Jesus é este apelo a ir sempre adiante. Pode-se dizer que o elemento estável do cristianismo seja precisamente essa ordem de nunca parar.”

“Há coisas que só a inteligência é capaz de procurar, mas que por si mesma nunca achará. E essas coisas só o instinto as acharia, mas nunca as procura”. Henri Bergson

Para encontrar as coisas que a inteligência nunca achará resta o caminho da intuição que ultrapassa os limites das coisas e conduz ao espírito que tudo embebe.

Continuação de Boas festas

António Justo

 

 

O QUE POR AÍ CORRE A RESPEITO DA HISTÓRIA DE CUBA

De 1492 a 1902, Cuba foi uma colónia espanhola.
Em 1902 tornou-se independente. Como de costume, com uma mãozinha dos EUA a ajudar, para lá cuidarem dos seus interesses.
A ditadura de Fulgêncio Baptista durou de 1934 a 1959.
‎Agora leia-se o que se passou em Cuba enquanto foi possessão espanhola e até mesmo durante a ditadura de Baptista.

Desconhecia totalmente que Cuba tivesse tido tamanho desenvolvimento em tempos idos!

Afinal, o que foi que aconteceu em CUBA ?

Pois…, teve o que os outros não tiveram, Fidel de Castro.

1º) Enquanto foi espanhola:

  • * A primeira nação da América latina que utilizou máquinas e
    barcos a vapor foi Cuba, em 1829.
    * A primeira nação da América Latina, e a terceira no mundo (atrás da Inglaterra e dos EUA), a ter uma ferrovia foi Cuba, em 1837.
    * Foi um cubano quem primeiro aplicou anestesia com éter na
    América Latina em 1847.
    * A primeira demonstração, a nível mundial, de uma indústria
    movida a electricidade foi em Havana, em 1877.
    * Em 1881, foi um médico cubano, Carlos J. Finlay, que descobriu o agente transmissor da febre-amarela e definiu a sua prevenção e tratamento.
    * O primeiro sistema eléctrico de iluminação em toda a América
    Latina e Espanha foi instalado em Cuba, em 1889.
    * Entre 1825 e 1897, 60 a 75% de toda a renda bruta que a Espanha recebeu do exterior veio de Cuba.
    * Antes do final do Século XVIII Cuba aboliu as touradas por
    considerá-las “impopulares, sanguinárias e abusivas com os animais”.
    * O primeiro “carro eléctrico” que circulou na América Latina foi
    em Havana, em 1900.
    * Também em 1900, antes de em qualquer outro país na América Latina, foi a Havana que chegou o primeiro automóvel.

2º) Aqui já era independente… com os americanos a investir lá

* A primeira cidade do mundo a ter telefones com ligação directa (sem necessidade de telefonista) foi Havana, em 1906.
* Em 1907, foi estreado em Havana o primeiro aparelho de Raios-X de toda a América Latina.
* Em 19 Maio de 1913 quem primeiro realizou um vôo em toda a
América Latina foram os cubanos Agustin Parla e Rosillo Domingo, entre Cuba e Key West, que durou uma hora e quarenta minutos.
* O primeiro país da América Latina a conceder o divórcio foi Cuba, em 1918.
* O primeiro latino-americano a ganhar um campeonato mundial de xadrez foi o cubano José Raúl Capablanca. Ele venceu todos os campeonatos mundiais de 1921-1927.
* Em 1922, Cuba foi o segundo país no mundo a abrir uma estação de rádio e o primeiro país do mundo a transmitir um concerto de música e a fazer notíciários radiofónicos.
* A primeira locutora de rádio do mundo foi uma cubana: Esther
Perea de la Torre. Em 1928, Cuba tinha 61 estações de rádio, 43
delas em Havana, ocupando o quarto lugar no mundo, perdendo apenas para os EUA, Canadá e União Soviética. Cuba foi o primeiro no mundo em número de estações por população e área territorial.

3º) Sob o ditador Fulgêncio Baptista, mesmo assim:

* Em 1937, Cuba foi o primeiro país de toda a América Latina a
decretar a jornada de trabalho de 8 horas, o salário mínimo e a
autonomia universitária. Não, isto não foi obra do Fidel!
* Em 1940, Cuba foi o primeiro país da América Latina a ter um
presidente da raça negra, eleito por sufrágio universal, por maioria absoluta, quando a maioria da população era branca. Adiantou-se pois em 68 anos aos Estados Unidos.
* Em 1940, Cuba aprovou uma das mais avançadas Constituições do mundo. Na América Latina foi o primeiro país a conceder o direito de voto às mulheres, igualdade de direitos entre os sexos e raças, bem como o direito das mulheres ao trabalho. E isto também não foi obra do Fidel.
* O movimento feminista na América Latina apareceu pela primeira vez no final dos anos trinta em Cuba. Ela se antecipou à Espanha em 36 anos, que só veio a conceder às mulheres espanholas o direito de voto, a posse de seus filhos, bem como poder tirar passaporte ou ter o direito de abrir uma conta bancária sem autorização do marido, depois de 1976.
* Em 1942, um cubano tornou-se o primeiro director musical
latino-americano duma produção cinematográfica mundial e também o primeiro a receber indicação para o Oscar. Seu nome: Ernesto Lecuona.
* O segundo país do mundo a emitir uma transmissão pela TV foi Cuba em 1950. As maiores estrelas de toda a América foram para Havana para actuarem nos seus canais de televisão.
* O primeiro hotel a ter ar condicionado em todo o mundo foi
construído em Havana: o Hotel Riviera em 1951.
* O primeiro prédio construído em betão armado em todo o mundo ficava em Havana: O Focsa, em 1952.
* Em 1954, Cuba tinha uma cabeça de gado por habitante. O país ocupava a terceira posição na América Latina (depois de Argentina e Uruguai) no consumo de carne per capita.
* Em 1955, Cuba é o segundo país na América Latina com a menor taxa de mortalidade infantil (33,4 por mil nascimentos).
* Em 1956, a ONU reconheceu Cuba como o segundo país na América Latina com as menores taxas de analfabetismo (apenas 23,6%). As taxas do Haiti eram de 90% e as da Espanha, El Salvador, Bolívia, Venezuela, Brasil, Peru, Guatemala e República Dominicana eram de 50%.
* Em 1957, a ONU reconheceu Cuba como o melhor país da América Latina em número de médicos por habitantes (1 por 957 habitantes), com a maior percentagem de casas com energia eléctrica, depois do Uruguai, e com o maior número de calorias (2870) ingeridas per capita. E isto não foi obra do Fidel tampouco!
* Em 1958, Cuba é o segundo país do mundo a emitir a cores uma transmissão de televisão.
* Em 1958, Cuba era o país da América Latina com maior número de automóveis (160.000, um para cada 38 habitantes). Era o país com mais eletrodomésticos por 1000 habitantes e o país com o maior número de quilómetros de ferrovias por km2 e o segundo no número total de aparelhos de rádio.
* Ao longo dos anos cinquenta, Cuba detinha o segundo e terceiro lugar em internamentos hospitalares per capita na América Latina, à frente da Itália e com mais que o dobro que a Espanha.
* Em 1958, apesar da sua pequena extensão e possuindo apenas 6,5 milhões de habitantes, Cuba era a 29ª economia do mundo.
* Em 1959, Havana era a cidade do mundo com o maior número de salas de cinema (358) batendo Nova Iorque e Paris, segundo e terceiro lugares, respectivamente.

E o que foi que aconteceu depois de 1959?

Veio a Revolução… e nunca mais por lá se “pregou um prego”!

 

ATENTADO CONTRA OS SISTEMAS POLÍTICOS OCIDENTAIS E CONTRA O CRISTIANISMO

Berlim como símbolo do cristianismo e Nice como símbolo da República

Por António Justo

O atentado em Berlim provocou 12 mortos e 49 feridos (destes encontram-se 14 em perigo de vida). Eram pessoas que se alegravam como outros, nos milhares de mercados de natal que tradicionalmente se realizam durante as quatro semanas de advento, em todas as cidades e aldeias da Alemanha. Fica a compaixão com as vítimas.

A polícia judiciária Federal alemã busca o tunisino Anis Amri, disponibilizando um prémio de recompensa pela captura que vai até 100.000 euros. No camião foram encontradas impressões digitais e os documentos do refugiado tunesino (tolerado) de 24 anos de idade (em posse de diversos documentos de identidade); Anis Amri já tinha sido condenado a quatro anos de prisão na Itália mas a Tunísia não o aceitou e ele depois de cumprida a pena submergiu na sociedade pedindo depois refúgio na Alemanha. A Alemanha tolerava-o dado não o poder enviar para a Tunísia. Os Verdes não estão de acordo considerar os países do norte de áfrica como países seguros onde se possa reenviar refugiados não reconhecidos como tal.

O delinquente islamista era “soldado do Estado Islâmico”, segundo declarou o porta-voz do EI Amak.Os extremistas consideram “soldados” do islão quem é jihadista e se torna mártir no exercício de acções ou missões para atingirem os seus fins. Neste sentido o assassino poderia ser considerado “soldado” da sua guerra santa, mesmo sem pertencer ao IS.

As pessoas de boa vontade e o povo alemão encontram-se assustados e tristes e a chanceler sente-se “horrorizada, chocada e profundamente triste”. Para estas coisas “não há respostas simples”, confessa ela. Este é o maior ataque na Alemanha que atinge profundamente a chanceler dos refugiados.

Atentado contra os símbolos da cultura ocidental

O atentado de Berlim repete a estratégia do atentado de Nice perpetrado na França a 14 de julho passado, dia nacional da República, e que provocou 86 mortos e 400 feridos. Na França são atacados os valores republicanos da revolução francesa e em Berlim é atacado o cristianismo, como sua fonte.

Apesar do grande empenho e da alta competência e actividade do sistema de segurança nacional, a Alemanha não conseguiu impedir o que um dia teria de acontecer.

O islamismo fanático está consciente da importância dos símbolos, dos mitos e das ideias como motivadores de acção e como fundamentos em que assenta a história de toda a cultura, nação ou civilização. Por isso escolhem bem os espaços e os tempos da sua intervenção na sua luta anti-cultural. O mercado atacado tem grande densidade de significado e conteúdo: fica mesmo ao lado da “Igreja do Memorial”, que é símbolo da paz e da reconciliação e como mercado do advento prepara a festa do Natal.

A logística do fanatismo cria rituais e contra-símbolos como mensagens estatuídas, nos minaretes do tempo, a avisar contra os símbolos dos adversários. De fora operam com atentados, de dentro não aceitando as canções de natal ou a festa do são martinho, cruzes, etc. Pelo que observo, nas sociedades onde se encontram, como pessoas são geralmente muito simpáticas mas como grupo religioso, geralmente lutam pelo seu direito de grupo mas não pela humanidade ou pelos direitos da pessoa (a defesa destes enfraqueceria o grupo!).

O problema não está nos refugiados mas na ideologia. Não se trata agora de criminalizar tantos refugiados vítimas da guerra nem de abdicar de uma sociedade aberta e livre mas de levar os chegados a abrir-se à abertura que lhes permite serem eles (e, por outro lado verificar até que ponto os imigrados são integráveis; sim porque uma civilização não pode transformar-se numa floresta aberta). Não chega perseguir aqueles que em nome do Islão praticam a barbaridade, é preciso que o islão se transforme de maneira a aceitar os outros como pessoas e não apenas como crentes de um lado e adversários do outro. Doutro modo o Ocidente passa a viver na reacção ao medo e na caça daqueles que alimentam a suas energias negativas a partir do Corão (até surgiu a ideia de encerrar todos os mercados de natal na Alemanha assim como a de evitar festas de natal nos jardins de infância ou nas escolas para se não ferirem susceptibilidades islâmicas! Entretanto optaram por colocar cubos de cimento nos acessos aos mercados de natal). Há que purificar as águas do abuso na fonte, doutro modo tudo não passará de maculatura. Uma sociedade aberta não se pode desculpar por ter de defender a abertura, uma sociedade aberta tem o direito de exigir dos hóspedes também a abertura que eles exigem para si. Doutro modo autodestrói-se. Combater os nazis e seus dizeres e ignorar os dizeres (suras) do Corão que são mais desumanos que os dizeres dos nazis é confundir e enganar a sociedade. O Corão precisaria de ter notas explicativas que neutralizassem a guerra e que justificam.

Os políticos e a economia são os mais responsáveis do estado a que chegamos porque pretendem enganar o cidadão dizendo que na guerra declarada à cultura ocidental se trata apenas de casos individuais ou de grupos extremistas e, por isso, não exigem o estabelecimento de acordos bilaterais de abertura que assegurem nas sociedades islâmicas o respeito pelos cristãos e ateus como acontece nas sociedades ocidentais com os muçulmanos. A troca e o intercâmbio não é suficiente nem honesta se uma parte se preocupa apenas com o dinheiro como se o mundo se reduzisse a um supermercado.

Também é verdade que uma cultura se afirma em grande parte pela economia e tecnologia mas estas não são monopólio eterno do Ocidente e no futuro quem mais se afirmará serão as culturas com economias fortes. O ocidente vive na ilusão de poder continuar a abdicar da sua cultura e só com a economia e meia dúzia de valores desencarnados poder continuar a influenciar determinantemente o mundo sem uma plataforma cultural vivida; equivoca-se não se tornando consciente das razões da sua decadência. Nos inícios havia a guerra entre tribos, depois entre nações e agora dá-se entre civilizações. O ocidente encontra-se num momento da História semelhante ao dos judeus no tempo em que os romanos lhe destruíram o templo. Deles poderia o Ocidente e em especial a Europa aprender muito. O povo judeu integrou nele  a interculturalidade sem perder nem renegar a sua identidade. Por isso continua a ser no mundo uma referência positiva e ao mesmo tempo, com o cristianismo, um grande impulsionador da história humana. Nos países onde os judeus se encontram, a civilização avança sem que se imponham. Estes poderiam constituir para as elites europeias um exemplo de abertura e de autodefinição na medida em que ad intra se aceitam como judeus crentes e judeus seculares e ad extra se afirmam no respeito pelas leis que vigoram nos países onde se integram sem quaisquer devaneios ideológicos de grupo.

 

A culpa repartida traz mais juros para as partes

Quem é o culpado do atentado? O assassino, o EI, o Islão? Esta é uma questão complicada e difícil de responder na nossa sociedade, habituada a culpar o cristianismo pelas maldades acontecidas em épocas passadas. O ressentimento é alimentado e cultivado por grupos de interesses que se aproveitam do sistema e procuram justificar-se buscando a culpa nos outros.

Por vezes tem-se a impressão que a culpa repartida traz mais juros para todos os grupos de interesses organizados no Estado, de forma autónoma, mesmo contra os interesses da nação e do povo. Por vezes tenho a impressão de encontrar um certo paralelo na atitude de tanatofilia dos suicidas bomba muçulmanos na defesa do islão e uma atitude de tanatofilia de muita gente da esquerda radical que consciente ou inconscientemente disputa pela morte da própria cultura.

 Independentemente da realidade manifestada nos factos, cada partido reage aos atentados segundo a sua ideologia e programa, o que é natural em democracia. O que se torna estranho é o facto dos adversários de dentro se aproveitarem do inimigo de fora como aliado de luta para defesa da própria ideologia e ataque da do concorrente político; o factual passa à margem e o todo também. Agora, na rua, formam-se manifestações paralelas da direita e da esquerda, umas contra as outras; o que não se vê são manifestações de muçulmanos contra a barbaridade cometida. Procura-se tirar capital político das acções abomináveis em que cada parte aponta no sentido do polo contrário. Alguns falam de “mortos de Merkel” e da culpa da política de refugiados do governo alemão, outros vêm no acontecido um mal menor numa sociedade aberta, outros sentem satisfação e interesse em que se caia no caos, porque este lhes ofereceria mais oportunidades, que uma sociedade ordenada e próspera não ofereceria.

A discórdia e a luta de uns partidos contra os outros é aquilo que mais alegra e dá força aos islamistas. A sociedade se não quer ver a sua liberdade roubada terá de a defender, mas a sociedade de interesses encontra-se polarmente dividida predominantemente empenhada em fazer valer os interesses de uma parte contra os da outra perdendo-se na concorrência partidária sem se empenhar por encontrar um consenso do que constitui as colunas da própria identidade cultural que possibilita a uns e outros uma existência baseada na sustentabilidade.

Aos problemas da dinâmica democrática junta-se os parâmetros de uma outra sociedade concebida em termos fascistas que se exprimem, cada vez mais, numa sociedade com mais de 5 milhões de muçulmanos (quatro milhões de turcos cujas associações que de facto se sentem mais ligadas a Erdogan do que à constituição alemã). Os interesses de uns e de outros encontram-se à mistura e repartidos por diferentes facções políticas e económicas, todas elas interessadas no negócio com eles. 

O islão-político conhece bem as fraquezas do Ocidente que, sem uma identidade comum será fácil de dividir ainda mais e de dominar tal como aconteceu a Roma perante os vizinhos bárbaros.

Enquanto o terrorismo internacional servir os interesses de algum grupo dentro de um país, ele não poderá ser combatido consequentemente sem haver “guerra-civil” ideológica. Haverá sempre a compreensão e os aliados que sacrificam a vítima em favor da agressão, tal como acontece hoje na Síria.

De facto não se trata já de deixar o terrorismo entrar na sociedade, ele já se encontra nela, camuflado de diferentes formas; o que se combate fora encontra-se dentro e vice-versa. Torna-se grutesco que vítimas da injustiça se tornem injustas tornando suas vítimas os humanos que os acolhem. A guerra gera guerra.

A paz não pode ter um só sentido em vias paralelas, pois nunca nos encontraríamos, doutro modo ganhará o que tiver a estratégia de autoafirmação exclusiva e mais agressiva.

O atentado de Berlim não é um ataque à Alemanha mas aos fundamentos da sua identidade na sua vertente religiosa do Natal e na vertente política da revolução francesa.

Apesar das provocações na própria casa, os cristãos têm de defender a abertura que lhe é própria na convivência com o próximo; para o cristão a dignidade é inerente ao homem e não a uma confissão. No caso, como se trata de interesses políticos não seria oportuno, depois de se ter apanhado na face direita, oferecer a esquerda, mas de fugir ao círculo vicioso de pagar o mal com o mal. O ódio é o pior companheiro porque, além de vingativo e cegar, traz consigo danos emocionais, físicos e espirituais. O mal não vem de fora; ele só se afirma porque se encontra dentro de nós e na sociedade que deformamos.

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

“O ISLÃO É INCOMPATÍVEL COM A DEMOCRACIA OCIDENTAL”

MUÇULMANOS PODEM SER DEMOCRATAS – O ISLAO NÃO

Por António Justo

O cientista e politólogo Hamed Abdel-Samad constata que “o Islão é incompatível com a democracia, muçulmanos podem muito bem ser democratas… são democratas não por serem muçulmanos mas apesar de serem muçulmanos” (HNA 11.11.2016).

Muçulmanos e não muçulmanos defensores de uma modernização do islão na Europa, declaram-se fracassados e impotentes nos seus esforços de implementação de um islão mais democrático e aberto, dado a política europeia favorecer um islão de lenço e não apoiar as pessoas defensoras da modernização do islão nem um laicismo islâmico.

 O cientista muçulmano Prof. Dr. Bassan-Tibi que sempre lutou por um islão filantrópico, democrático e humanista na Europa, vê tal intento frustrado, numa entrevista ao Cícero. Também segundo ele, muçulmanos liberais não são tomados a sério pelas instituições sociais nem são convidados pelas instituições públicas; convidados são os representantes tradicionalistas de organizações muçulmanas e mesquitas. Geralmente, em torno das mesquitas formam-se associações de utilidade pública que fomentam o gueto.

 Abdel-Samad critica a vigente cultura de debate social que evita ou impede de falar a quem analisa objectivamente as coisas e fala texto claro e, por outro lado, concede palco a quem ideologiza e tudo isto em nome da tolerância que se baseia no medo de uma análise científica do assunto e, como tal se evita, com o pretexto de que uma discussão aberta e livre poderia fomentar a xenofobia. Com medo de encarar a realidade como ela é, prefere-se viver de diálogos oportunos para fazer salão e para alguns, mas que não tocam o âmago das questões e deste modo não servem também o islão.

Os nossos políticos estão interessados em que não haja uma discussão aberta sobre o assunto porque por um lado perderiam adeptos islâmicos e eleitores não islâmicos e triam de tomar mais medidas em favor da integração. Esta é uma questão muito complicada devido aos muitos interesses em jogo, sejam eles de assunto partidário e política ou de interesses profissionais como é o caso de assistentes sociais, advogados, médicos, professores, indústria e todo o comércio.

O islamismo considera a mulher como despojo nas suas conquistas e permite aos homens bater nas suas mulheres ou considerá-las como objecto sexual e como “sementes de colheita” (Corão), diz Abdel-Samad, defensor de um islão moderno.

Muito da nossa boa gente e até intelectuais preferem viver de ideias de um conhecimento superficial do islão para poderem aparecer nos palcos públicos (vivendo da ideia errónea de que as religiões defendem todas o mesmo), não notando que assim estão a apoiar o radicalismo islâmico e a impedir a formação de um islão moderno.

“O Corão protocola diferentes estádios ou condições em que Maomé e a sua comunidade se encontravam. Quando se sentia fraco e oprimido pregava a tolerância e o perdão e quando formou um exército com a comunidade, entrou em conflito com povos politeístas, judeus e cristãos, então são protocoladas no Corão as passagens de exclusão (xenofobia) e de ódio”, atesta Abdel-Samad. Uma vez que o Corão é visto como a última palavra de Deus imutável e intangível torna-se difícil pronunciar-se, sendo lógica a contradição e a ambiguidade do esmo Corão. “O Corão ordena aos muçulmanos que não façam amizade com cristãos nem com judeus porque são piores que animais e são impuros”; isto contradiz a dignidade e a igualdade; revela-se como uma boa estratégia porque o contacto poderia levá-los a comparar e a pensar mais diferenciadamente. Em geral, como nos Testemunhas de Jeová, o contacto inter-familiar de muçulmanos e cristãos não é desejado, a não ser no trabalho e com representantes.

Na crítica que se faz é determinante distinguir-se entre pessoa e ideologia. Uma coisa é o islão e outra coisa são os muçulmanos. Estes não devem ser abordados com preconceitos nem devem ser excluídos.

Uma pesquisa feita na Alemanha em 2015 revela que 57% dos residentes na Alemanha vêem o islão como ameaçador e 61% dizem que ele não se enquadra na democracia e dois terços rejeitam a afirmação de que o islão faz parte da Alemanha.

Muitos crentes fazem guerra fora e dentro: em nome da liberdade religiosa, exigem direitos especiais (acabar com a carne de porco nas escolas, pôr salas de oração à sua disposição, libertar as meninas de aulas de natação, de viagens de estudo, etc. e evitar gestos de cortesia, como apertar a mão a mulheres; estas são consideradas impuras no tempo da menstruação.

Em democracia é natural que os grupos de interesse se juntem para defenderem os seus interesses; a democracia, porém deveria estar mais atenta a quem se serve dela para impor costumes e leis antidemocráticas. Na Alemanha cada vez se sofre mais com a ligação do chauvinismo nacional turco promovido e controlado pelo governo turco que envia os seus funcionários para dirigir as mesquitas e por grandes organizações turcas numa Alemanha com 4 milhões de turcos que apoiam maioritariamente o regime fascista de Erdogan.

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Espírito no Tempo,

GRANDE OFENSIVA CONTRA ISLAMISTAS NA ALEMANHA – ASSOCIAÇÃO SALAFISTA PROIBIDA


Aumento da Roupa islâmica nas ruas é Sinal do Avanço do Islão radical

Por António Justo

No dia 15.11.2016 realizou-se a maior operação policial em 10 estados federais. 1900 polícias fizeram buscas em 60 cidades a 200 habitações, escritórios e mesquitas da organização salafista “A Verdadeira Religião”( rede de pregadores), foi proibida na Alemanha por ser contra a Constituição. O seu chefe Abou-Nagie encontra-se actualmente na Malásia. (Ele já tinha recebido ilegalmente, com a família, apoios sociais em Berlim no valor de 53.000€).

A polícia confiscou armas, computadores, várias facas, um facão, um soco-inglês e pirotecnia, ninguém foi preso na altura. Através do controlo policial geralmente discreto, a Alemanha consegue evitar actos de violência maiores na sociedade.

O Gabinete Federal para a Proteção da Constituição avalia o crescente número de radicais salafistas islâmicos na Alemanha em cerca de 1.200 homens e mulheres (20% mulheres!). A tática da organização é: primeiro distribuir o Corão e, em seguida, levar a aderir ao “Estado Islâmico”.

Sob o pretexto da distribuição do Corão em zonas de peões, a organização “Lê” fazia reclame pelo Estado Islâmico (Distribuíram na Alemanha, até 2016, 3,5 milhões de exemplares do Corão e no estrangeiro cerca de 26 milhões). Na Alemanha há cerca de 9.200 salafistas; 140 jovens foram radicalizados pelo grupo tendo ido como jiadistas para as zonas de combate na Síria e no Iraque.

Muçulmanos salafisas rejeitam a democracia e apenas reconhecem a jurisprudência islâmica (Sharia) e a “ordem islâmica” como única forma legítima de Estado e da sociedade. No início, quando o salafismo começou a distribuir o Corão nas zonas de peões, ninguém imaginava a pólvora que ele contem e então diziam não se poderem discriminar porque também se pode distribuir a Bíblia.

Na rua cada vez se nota mais a roupa islâmica como o sinal do avanço do islão radical. O Problema do Lenço tem a ver com o islão político, com aspectos religiosos, feministas, minorias e direitos humanos, geralmente não tratados. A mulher muçulmana que tapa o corpo e põe o lenço assume uma áurea de vítima: vítima do islão e da sociedade ocidental porque na sua decisão não é livre de fugir à pressão social de timbre fundamentalista muçulmano nem à pressão de timbre emancipatório ocidental.

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Espírito no Tempo