Europa na Rectificação – AfD o seu Mecânico?

 

Quem não marra não mama – Em vez de Lamentos Grupos de Pressão

Por António Justo

No fim de semana de 30 de Abril para 1 de Maio realizou-se na Alemanha o congresso do partido AfD (Alternativa para a Alemanha) para discutir e aprovar o programa básico do AfD e assim alinhar as diferentes tendências do partido e se preparar para as próximas legislativas de 2017; a secção do AfD Sarre foi excluída do partido pelo Congresso, por manter contatos com a extrema-direita.

O declarado objectivo do novo partido AfD (actualmente com 23.000 membros) é, em relação à Alemanha, “entrar no Parlamento Federal” e, em relação à EU, defender uma “Europa das pátrias” soberanas.

O Programa

O jornal HNA 2.05 cita as seguintes decisões aprovadas no programa do partido: a Turquia não deve tornar-se membro da EU, a EU deve ser reformada de maneira a restituir a soberania aos estados nacionais, regressar à comunidade económica CEE, ser diminuído o número de abortos, proceder-se à expulsão de estrangeiros criminosos, iniciar uma saída ordenada do ensaio Euro, reintroduzir-se o serviço militar obrigatório para os alemães, “a imigração de refugiados não regulamentada” prejudica a Alemanha, precisando esta de “imigrantes qualificados com vontade de se integrarem”; pretende também que a responsabilidade criminal seja já a partir dos 12 e não dos 14 anos. O programa afirma que o islão não é compatível com a Constituição Alemã. Entre outros apelos regista-se a proibição do uso da burca e do niqab em público, bem como o apelo do muezim (1) e a construção de minaretes (torres das mesquitas), prolíferos devido ao financiamento árabe. Defendem a energia atómica, o sistema escolar dividido em escola industrial, escola comercial e liceu em vez da “escola secundária integrada”; contra a ideologia multicultural e consideram o Islão como o adversário do ocidente.

 São críticos em relação aos “partidos do consenso” e a uma “Alemanha contaminada pela geração 68” e reconhecem na Suíça o grande exemplo de participação civil na política.

O fenómeno que sociopolítico que se observa na Alemanha, uma sociedade extremamente temperada é indício de na Europa se iniciar um período crítico em relação a uma esquerda que actuou desenfreadamente perante uma direita, que se tinha reservado, socialmente, o papel de espectadora.

Segundo Bild am Sontag, a última sondagem Emnid conclui que se agora houvesse eleições o AfD seria a terceira força partidária da Alemanha com 13% de eleitores, os Verdes com 12%, o CDU/CSU 33%, o SPD 22%, o Esquerda 9% e o FDP 6%.

Os partidos estabelecidos procuram defender-se da nova força política, dando-lhe os atributos de extrema-direita e de populistas. Esta atitude revela mais fraqueza que força de argumentação porque é injusta no que respeita à atitude da maioria dos membros do partido (muitos deles eram membros dos partidos que dominam o poder na cena política: são os desiludidos da maneira como a esquerda europeia tem sido iconoclasta e irreverente em relação às tradições culturais ocidentais, são os críticos e os perdedores do sistema.).

O AfD obriga os outros partidos a ocuparem-se a nível de conteúdo com os problemas prementes que incomodam a maioria da população.

A classe política, apesar das perdas, sabe que pode continuar a governar sem grandes mudanças porque o grupo que a contesta é constituído por diferentes e concorrentes interesses que desestabilizam a nova formação política.

O que contribuiu para a formação do novo partido

Depois de 50 anos de domínio ideológico da esquerda surge agora, pela parte determinante da Europa, a resposta da direita. Até ao surgir do AfD, a Alemanha era um país em que os imigrantes de cultura árabe se encontravam à vontade e até com exigências desmedidas. Os governos alemães não elaboraram uma política de estrangeiros em termos sociais; tinham uma política só virada para a economia e em questões problemáticas consideravam o tema de estrangeiros na opinião pública como tabu. O tema sobre os problemas do gueto e de integração não podiam ser tratados com objectividade porque os interesses do status quo e grupos políticos da esquerda logo se insurgiam com o epíteto de racista a quem apresentasse algo crítico em relação aos árabes.

O Governo da Turquia envia regularmente para a Alemanha 970 imames (orientadores religiosos de mesquitas) que rotativamente se renovam de cinco em cinco anos, enquanto a mesma Turquia proíbe a entrada e a acção de padres ou pastores na Turquia. Deste modo, o governo turco com o seu ministério do culto, direcciona política e religiosamente, os turcos e seus descendentes na Alemanha chegando o presidente turco Erdogan a considerar a integração “um atentado contra a humanidade”.

Os partidos, até agora ignoraram o facto de muitas famílias turcas impedirem as filhas de frequentarem a ginástica (natação) na escola; não tomaram a sério nem puseram na ordem do dia o facto de jovens muçulmanos manifestarem desrespeito pelas professoras; ignoraram o facto de em algumas mesquitas se pregar contra princípios democráticos da sociedade ocidental; não se preocuparam com o problema da radicalização em torno das mesquitas, nem dos casamentos forçados, nem da matança primitiva de animais para a festa do sacrifício; evitaram também tematizar crimes de honra, a liberdade individual e a igualdade dos géneros entre os muçulmanos.

Desonrou-se a tolerância, tolerando a intolerância e agora que surge um novo partido (o AfD) a fazer concorrência aos partidos instalados, estes já se começam, oportunisticamente, a preocupar com o problema da integração e com a realidade de sociedades paralelas que fomentaram.

Outrora o povo barafustava não sendo tomado a sério pela classe política, agora que se organiza em termos de poder já é tomado a sério sendo até copiado  nalgumas exigências.

Lição da história: em vez de lamúrias e queixumes contra a classe do poder instalado, a solução é organizar-se em grupos de pressão, tal como fazem os que dominam. Basta seguir o exemplo dos grupos que têm nas mãos o poder: partidos, lóbis da economia e das finanças, maçonaria, sindicatos, etc. Doutro modo terão de se deixar reduzir à categoria dos que seguem o mote de “quem não berra não mama”; estes porém estão sempre dependentes do leite e da mãe. A política e o povo têm a melhor alegoria do seu comportamento na vaca leiteira e no seu bezerro: se o bezerro marra a vaca, esta deixa correr o leite. Em vez de berrar para mamar seria mais adequado lembrar-se da experiência de que quem não marra não mama. Alternativa: chorar ou marrar?

Aqui se nota a razão de povos vocacionados ao queixume! Em vez de seguirem o mote “quem não berra não mama” tornem-se activos mudando de atitude e de consciência, cientes de que quem não marra não mama! A prova vem dos grandes que marram tanto na teta do povo que chegam a nadar no leite. «Ou há moralidade ou comem todos»!

Somos livres de continuarmos a ser um povo que “não tuge nem muge” mas então não nos queixemos de sermos vaca só para alguns. No meio de tudo isto não desprezemos o outro provérbio português que avisa: “Onde reina a força, o direito não tem lugar.”

António da Cunha Duarte Justo

www.antonio-justo.eu

  • “Não há nenhum deus além de Deus (Alá) e Maomé é o seu profeta”. Este grito é uma provocação diária em relação a todos os que não são maometanos e para mais é entoada nas mesquitas europeias sem qualquer preocupação. A política que penaliza quem levanta o braço na repetição do gesto de Hitler aceita como normal a entoação religiosa de uma confissão de superioridade e de exclusão dos outros. O povo parece resignar, na consciência de que é melhor não pensar para não sofrer! Esta cultura que sobe ao rubro por qualquer ninharia cristã acumula energias negativas no povo ao verificar que se respeita mis a cultura do próximo que a própria.

A ALEMANHA POLÍTICA ENCONTRA-SE INQUIETA E EM FERMENTAÇÃO

O novo Partido AfD afirma-se afirmando que o “Islão é incompatível com a Constituição”

Por António Justo

Passaram-se os tempos em que a opinião pública era determinada pela classe pensante. A passagem do Marco alemão para o Euro e em especial a política de boas-vindas aos refugiados, da Chanceler Merkel, secundada pelo seu governo (com alguns desacordes do CSU) e pela oposição, puxou muita gente para a rua que já há muito tempo sofria de dores abdominais e agora reage abruptamente num acto de insegurança perante o “terremoto” dos refugiados.

Grande parte da população anda desconsolada com tanta abertura e compreensão da política para com os imigrantes de cultura árabe. Em 2014 tinham solicitado requerimento de asilo na Alemanha 202.645 refugiados e segundo os registos oficiais, a Alemanha em 2015 deu albergue a mais 1,1 milhão de refugiados. O coração das autoridades e do povo tinha-se aberto numa onda de filantropia sem igual. Uma tal subida, secundada de experiências menos positivas no contacto com muitos dos chegados, provocou um choque social, não se fazendo esperar a reacção.

Surgiu o partido AfD (“Alternativa para a Alemanha”); este, em menos de um ano de existência; conseguiu superar os 10% nos estados federados onde houve eleições comunais. Os partidos estabelecidos, CDU/CSU, SPD e Verdes, já temem a nova força concorrente que se candidatará para as eleições federais em 2017. As estimativas de previsão para as eleições parlamentares federais de 2017 confirmam a tendência obtida nas eleições para as comarcas. O AfD beneficiará, também do contestado acordo com uma Turquia, de pouca credulidade, que, além do mais, a troco de muitos milhares de milhões de euros, impede os refugiados de virem para a Europa, ganhando assim uma posição de poder chantagear a UE.

O AfD é recebido na praça da polis com semelhantes reacções como foi recebido, nos anos 80, o surgir do partido Os Verdes. Enfim: poder perturba poder, e os meios de uns e outros não conhecem as águas de uma moral pública onde se possam lavar.

De momento o AfD prepara-se para o seu congresso, onde elaborará o programa para as próximas legislativas. As suas afirmações sobre o Islão abanam a discussão pública e fazem tremer a alma de alguns mais sensíveis às intempéries. Uma sociedade mais preocupada e competente em princípios económicos do que em princípios de religiões parece acordar agora para a realidade da força da religião como factor fomentador de identidade.

O AfD que também quer uma fatia do bolo do poder, polariza a discussão provocando a reacção da classe política e de muitos jornalistas do consenso. O AfD, que surge do meio da sociedade – facto que atemoriza os poderes já instalados – insurge-se publicamente contra o islão político e lá do alto do seu minarete, afirma: “A maior ameaça para a democracia e para a liberdade parte hoje do Islão político”. A imprensa da praça insurge-se contra, afirmando que embora haja partidos muçulmanos que dão mais valor a princípios religiosos do que a direitos individuais de liberdade, na Alemanha não há partidos islâmicos e a maioria dos muçulmanos na Alemanha obedecem aos princípios democráticos.

Um outro ponto de crítica a querer lugar no programa do partido regista: „o AfD rejeita os Minaretes como símbolo de dominação assim como o apelo do muezim (almuadem), segundo o qual, com excepção de Allah (deus) islâmico não há Deus “. Os críticos do AfD respondem comparando o Minarete islâmico com as torres cristãs. Quanto ao credo professado nas cinco vezes do apelo diário à oração, a saber: “Não há nenhum deus além de Deus (Allá) e Maomé é o seu profeta”, a opinião publicada desculpa-os argumentando que tal apelo e oração expressa convicções religiosas que contribuem para uma maior ligação dentro do islão (Cf. HNA 20.04.2016). (Devo pessoalmente confessar que este apelo repetido todos os dias publicamente em todo o mundo é um distúrbio da ordem pública e uma provocação, apesar da admiração que se possa ter pela voz do muezim!)

Quanto ao lenço de cabeça que muitas muçulmanas trazem, lê-se numa moção a apresentar no congresso: ” A integração e igualdade das mulheres e raparigas assim como o livre desenvolvimento da personalidade contradizem o lenço de cabeça como símbolo religioso-político de subordinação das mulheres muçulmanas aos homens “. Oponentes desta tese vêem no trazer do lenço um testemunho por uma norma moral de fundamentação religiosa. O HNA também relata que o vice-presidente do AfD afirma: “Eu creio que o Islão, na sua forma actual não é integrável numa sociedade ocidental, muitas pessoas sim mas o Islão não”. Embora haja muitos fluxos islâmicos de salafistas crescentes, há também muitas outras comunidades religiosas islâmicas que não se opõem à ordem social em que vivem.

No projeto do programa também se lê “O Islão já se encontra no seu caminho declarado de domínio do mundo em 57 dos 190 países. Estes declararam a Sharia como o seu sistema legal na Declaração do Cairo de 1990 e, deste modo, a Carta de 1948 dos Direitos Humanos da ONU como irrelevante”. Há quem contradiga fazendo a observação que a OIC (Organização de Cooperação Islâmica) não é uma aliança de estados mas apenas uma organização intergovernamental cujos acordos não são obrigatórios para cada Estado membro.

No passado o Estado Secular não tem tomado a sério a força religiosa imanente ao Homem e tem até procurado discriminá-la. Negar ou ignorar tal realidade contradiz o espírito democrático e um encontro de culturas de olhos nos olhos. A imprensa e os intelectuais não são amigos do Islão se o tratam como um coitadinho que só pode ser defendido e compreendido: querer-se-ia um islão de baixo sem compreender a sua verdadeira filosofia.

Concretamente: seria incúria se o Estado secular e a intelectualidade europeia continuassem a ignorar o problema sem se ocupar de maneira científica e humana da questão da compatibilidade ou incompatibilidade do Islão com a Democracia; só assim se poderão fomentar a paz social e ajudar o mundo islâmico a uma revolução pacífica interna. Os Estados islâmicos terão de enfrentar o problema do seu autoritarismo e da sua desconsideração das necessidades de libertação do povo, como já se manifestou no movimento da primavera árabe. Urge a mudança no sentido de reconciliar as autoridades com o povo e os princípios com a vida. Sem a paz entre os muçulmanos não haverá paz mundial.

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

MIGUEL DE CERVANTES NO SEU 4° CENTENÁRIO – UM CRENTE DA FANTASIA QUE INVERTE A FIGURA DO HERÓI NO ROMANCE

Dom Quixote (idealista) e Sancho Pança (realista) tornam-se Arquétipos do Homem e da Sociedade a Caminho de si mesmos

Por António Justo

Miguel de Cervantes morreu há 400 anos no dia 23.04.1616 (1). Publicou, em 1605, o romance “Dom Quixote da Mancha” com 640 páginas e em 1615 a sua continuação (2).

Cervantes, com o “Dom Quixote”, criou o melhor romance de todos os tempos. A sua luta contra os moinhos de vento inclui uma missão de resgate do mundo, criando um novo tipo de herói (herói é o que perde, o fracassado a viver à margem de uma realidade que, para o ser verdadeiramente, inclui o ideal) que, no seguimento do Crucificado, passa a inspirar também outros géneros da arte. O escritor Cervantes compreendeu bem a mensagem cristã ao fazer do derrotado o herói num mundo de alucinados de um combate em torno do poder e do sucesso. Acaba com a primariedade de uma visão que fazia do herói um protagonista infalível. Com Dom Quixote, Cervantes inicia assim uma nova forma de fazer romances ao inverter-lhe os termos. O fidalgo Dom Quixote afronta o escárnio e o ridículo de sociedades renitentes incapazes de compreenderem o seu ideal.

Passados quatro séculos, a obra continua a ser o testemunho de um idealismo perene que não se deixa apagar pela sombra da História. Ontem como hoje constata-se a mesma queixa de Cervantes: uma sociedade perdida no dinheiro e no mercantilismo de interesses e de arbitrariedades.

Opta pela vida de cavaleiro andante, movido pela crença num mundo caldeado de fantasia criativa e de abertura ao diferente. Recalca a outra parte de si (o companheiro Sancho Pança) para afirmar a sua parte mais nobre (o Dom Quixote) e assim fugir à banalidade do factual habitual. Dom Quixote sobrevive ao tempo por ter um ideal, uma vontade e uma missão envolventes. Deste modo sobrevive a todos os que se amarram na defesa de interesses próprios (dinheiro e sucesso) e por isso não passam de meros sucessores da lista da história numa tarefa de adiadores e enegrecedores do horizonte social.

O autor que não se contenta com a leitura/feitura de romances numa vida desafogada

Cervantes nasceu em 1547 nas redondezas de Madrid; estudou teologia na universidade de Salamanca e na idade de 22 anos torna-se serviçal do Cardeal Giulio Aquaviva. Pouco tempo depois abandona Roma para seguir a voz da aventura, distinguindo-se como soldado na defesa da cristandade contra o poder muçulmano. Depois da batalha naval de Levanto, com a mão mutilada, inicia o regresso a Espanha; com o romance pronto a ser publicado, foi aprisionado por corsários argelinos e depois já em fuga oferece-se como fiel penhor dos companheiros. O governador de Oran condenou o poeta a duas mil chicotadas; Cervantes volta a fugir sendo depois resgatado por monges com os 300 ducados dados em resgate pela mãe e a irmã; finalmente volta a Espanha depois de 5 anos de escravidão e prisão. Depois combateu ainda como soldado em Portugal (o Prior do Crato oferecera resistência a Filipe II de Espanha!). Cervantes regressa depois a Espanha continuando a ser malfadado pela sorte.

Cervantes, como a sua figura Dom Quixote, combate contra moinhos de vento. Isto não é apenas uma mania sua porque ele estará consciente que os gigantes que combate fazem parte de uma realidade feita de factual e fantasia, não hesitando em deixar-nos hesitantes da realidade da sua crença: se o real do factual se o real da fantasia. A vida é feita de mistério e como tal fermentada pela fantasia num moer de moinhos e vento.

Cervantes criou magistralmente os arquétipos Sancho Pança – o realista com os pés bem assentes na terra- e Dom Quixote – o idealista que quer antecipar o futuro (num presente a fazer-se de passado e futuro). São dois polos de uma dinâmica de que é feita a vida. Cervantes dá preferência à fantasia na figura do fidalgo Dom Quixote (que no cavalo segue a aventura) ao colocar como servidor deste o fiel escudeiro Sancho Pança (realista e pragmático que, seguindo em cima do seu burro, não compreende idealismos nem teorias que complicam). Sancho Pança revela-se bom conselheiro mas só segue o caminho na esperança de alguma promessa.

A caminho de si mesmo

O caminheiro, se observa bem as caminhadas da natura e da cultura, encontra-se a si mesmo em percursos de vidas, todas elas a jorrar na procura da mesma meta; o caminheiro redescobre-se então em novos panoramas de alma que se abrem nos ecos do mesmo silêncio que bate e o acompanha nas pegadas do coração; neste peregrinar chegamos assim à vivência do ritmo universal de uma inspiração e expiração que ilustra e inspira novas orientações e novos caminhos.

Dom Quixote (idealista) e Sancho Pança (realista) são paradigmas do Homem a caminho de si mesmo. (Em termos da metáfora cristã dir-se-ia que estes modelos do mesmo ser se realizam no caminho e na meta JC, o protótipo do caminhar num processo de reunião de todo o ser e na união de todas as paisagens materiais e imateriais numa mesma existência).

 António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo https://antonio-justo.eu/?p=3547

(1)  No mesmo dia fenece também um outro grande luzeiro da literatura mundial: Shakespeare o maior dramaturgo da humanidade. Este é lembrado por todos no seu mote “Ser ou não ser, esta é a questão” onde se reconhece a pergunta que ultrapassa a questão da vida e da morte e reconhece a existência como feita de bem e de mal, de intrigas e confusões amorosas, de ganância e desespero.

(2)  A vida e a obra de Cervantes têm ressaibos da odisseia de Ulisses. Personalidades como Camões, Shakespeare e Cervantes marcam e perpetuam o Renascimento!

A ELITE DE ABRIL ATRAIÇOOU O IDEÁRIO UNIVERSAL PORTUGUÊS EM NOME DA LIBERDADE E DO PROGRESSO

O Jacinto de “A Cidade e as Serras” é o Protótipo do Português moderno autêntico

Por António Justo

 

Eça de Queirós, no romance “A Cidade e as Serras”, revive o espírito luso, ao incarnar-se no seu protagonista Jacinto e defender a reconstrução de uma sociedade tipicamente portuguesa que acompanhe a civilização mas sem se corromper.

Jacinto que levava uma vida afrancesada, progressista e artificial transforma-se no símbolo do verdadeiro português, de autoconsciência madura, que integra na natura e na cultura, de maneira criativa, as novidades da civilização sem destruir a própria cultura.

A obra “Cidade e as Serras” consegue idealmente integrar e reconciliar Portugal e nele, reconcilia o exterior com o interior, irmana a tradição com o progresso.

As nossas elites de Abril, “afrancesadas” e “sovietizadas”, ainda se encontram na fase de Paris, vendendo a alma portuguesa aos demónios socialista e capitalista, mercantilizando o povo e o espírito da sua vida; vivem ainda unilateralmente nos andares da razão do artifício (polar dialético) sem se preocuparem pela integração de razão e coração (corpo e alma); aquele modo de estar tem-nos levado à promoção da desconciliação e à alienação do cultural e natural num movimento de entropia contrariador do espírito luso de inclusão.

A elite pós-25 de Abril, ao contrário do personagem do romance, Jacinto, iniciou uma viagem já não de Paris para Portugal mas de Portugal (natureza) para as cidades da ideologia sem regressar nem capacidade para renovar Portugal porque apenas lhe oferece os enlatados estranhos que, a nível cultural, não produzem humos alimentícios que alimentem a terra mas apenas entulheiras de enlatados amontoados.

“Paris” é a ideologia, é moda que passa em gestos de dançarinos públicos, é espírito que corrompe, se não regressa à frescura e inocência da natureza campestre (o nosso Portugal, que integrou nele o mundo todo não se deixando cativar pelos cantos de sereias nem perder nos extravios de uma Europa decadente porque envelhecida). Enquanto Jacinto moderniza as serras e se junta ao povo, a nossa elite de Abril destrói as serras e desertifica as aldeias; em vez de se casar com a província (Joaninha) prostituem-na com a falsidade e a corrupção de citadinos degenerados e malabaristas sem consciência; em vez de se tornarem no pai dos pobres, tal como fez Jacinto, desprezam e negligenciam o povo e os seus costumes.

O Ideal de Jacinto de Tormes deveria consistir em reconciliar a cidade com o campo (a tradição com o progresso) promovendo uma condição digna também para o povo de baixo. As nossas elites atraiçoaram os ideais de Portugal; Jacinto de Tormes é o protótipo do português autêntico, o contrário da nossa elite que figura no palco da nação, uma elite desenraizada sempre atarefada a correr atrás da moda e de olhos fixos no que faz e diz o estrangeiro como se as modernices não fossem apenas fulgores passageiras condenadas a tornar-se velhices. A situação actual, analisada sob a perspectiva característica da identidade portuguesa descrita no romance “A Cidade e as Serras”, tornou-se mais numa tragédia que num romance…

Resta-nos agir e esperar que a nossa elite progrida e se desenvolva tal como aconteceu com Eça de Queirós, primeiramente iludido e seguidor incondicional do progresso e depois, mitigado pela naturalidade humana do povo e da natureza, se tornou num grande português como se retrata e descreve no Jacinto, e no grande romance “A Cidade e as Serras”. (Este romance, que revela ainda o génio de Portugal e não as suas ideologias, deveria ser leitura obrigatória para todo o aluno).

Não se trata de vendermos a nossa alma ao passado nem ao futuro mas de sermos sempre nós, sempre em processo a tornar-nos nós mesmos, na concretização do presente: um agora feito de passado e futuro. Assim realizaremos a intercomunicação da alma tipicamente portuguesa expressa na saudade, onde ressoa o divino e o humano, a natureza, o tempo e a eternidade.

Também Eça, tal como Jacinto, se deu ao luxo de uma vida desregrada em Paris mas amadureceu deixando de ser um eterno adolescente para voltar, tal como o filho pródigo, à casa paterna, à natureza bem portuguesa das terras do Douro.

Chegou a hora de a nossa elite pôr de lado o cinismo e a vida irónica e dupla e seguir o exemplo de Eça no seu Jacinto para se reconciliar com o povo, com a natura e com a cultura genuinamente portuguesa: uma natureza aberta ao mar que é parte do seu corpo a abraçar o mundo, uma cultura inclusiva e universal que vê e sente o mundo e a humanidade a partir de dentro porque o génio sinceramente português é feito de terra mar e céu.

De facto, seria catastrófico, continuarmos a agir apenas em nome da ganância e do progresso atraiçoando assim o ideal português de ideais éticos e de inclusão numa consciência humilde de complementaridade.

Chegou o tempo de parar para reflectir e sentir o mundo nas pegadas de um Afonso Henriques, de um D. Dinis, de um Santo António de Lisboa, de um infante D. Henrique, de um Vasco da Gama, de um Camões, de um António Vieira, de um Feranando Pessoa e de tantas e variadas personalidades portuguesas que se sentiam na missão e tradição de se realizarem, cumprindo Portugal sem que este abandonasse o seu papel de pioneiro na realização da civilização…

António da Cunha Duarte Justo

www.antonio-justo.eu

 

ATEUS PROTESTAM CONTRA O GESTO PROTOCOLAR DO BEIJO DO ANEL DO PAPA PELO PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Da Intolerância de uma República ciumenta

Por António Justo

O nosso Presidente visitou o Papa Francisco e no acto da recepção beijou o anel do sucessor de Pedro. Isto que muitos outros estadistas não portugueses também fazem tornou-se em cavalo de batalha e motivo de protesto e indignação da AAP (Associação Ateísta Portuguesa). Reagem de maneira azeda contra o que tenha a ver com a crença dos outros (em especial a católica). Alegam que o beijo do anel “é sinal de submissão”; a sua insatisfação é tanta que lembra uma reação recalcada a ponto de ver no gesto um acto de subjugação à “teocracia europeia”, como relata o DN (1). Enfim, uma tomada de posição jacobina com que muitos ateus sensatos não concordam.

Penso que o que está por trás do protesto será um complexo de inferioridade ou a necessidade de autoafirmação do próprio ego à custa do maldizer que parte de uma sensibilidade altamente pessoal (PAS). A questão passaria desapercebida se não fossem os cães de guarda de uma república, sujeita à imagem e semelhança da sua opinião.

O problema não está no Presidente ir à mesquita ou em beijar protocolarmente a mão do Papa ou de uma mulher (Também o facto de o Pro DR. Rebelo de Sousa ir à mesquita na qualidade de PR não revela um acto de identificação ou subjugação ao islão). O problema está em fazer-se de um acto protocolar um motivo de protesto para os que não vêm com bons olhos, um católico assumido à frente dos destinos da nação e façam tudo por tudo para o desmontar! A coscuvilhice vive bem do falar mal de pessoas da direita e da esquerda em vez de se ocupar com o que estas fazem ou deixam de fazer em bem do país e do povo.

Críticos alegam que querem um presidente sem rosto em questões de representação da República. Será que o Estado terá de professar a sua crença laica tendo, para isso, de negar todas as outras crenças, não podendo suportar o convívio de umas com as outras? Muitos ainda não notaram que a “religiosidade” (crenças, ritos e rituais laico-religiosos) são comuns e subjacentes aos crentes laicos e aos crentes religiosos! Querer ver-se o Homem nu e submeter-se tudo só ao metro da razão (sem corpo) significaria desconhecer a realidade e negar o circunstancial em nome de um absoluto abstracto que não pode existir circunstancialmente. O problema está na percepção e na linguagem que lhe dá forma!

O problema virá da interpretação ao querer-se confundir gestos protocolares com a honra ou desonra da nação. A consequência lógica seria exigirmos dos representantes da nação uma atitude virgem sem crenças nem ideologias, o que é impossível. A República tem de aprender a viver na tolerância de todos os crentes acreditem eles na existência ou não existência de Deus sejam eles agnósticos, monárquicos, republicanos, comunistas ou capitalistas. Torna-se estranho que uma minoria que se reporta tanto aos direitos da democracia não aguente com a realidade de se encontrar numa cultura de reminiscências católicas maioritárias e queiram para si – em nome de uma república laica intolerante – encarcerar toda a gente no seu cerco ideológico de uma visão republicana redutora.

Em tal situação o único meio de evitarmos guerras e guerrilhas será investirmos mais na tolerância. As diferentes crenças e ideologias terão de compreender-se como complementares e como tal organizar a vida de maneira harmónica, como os diferentes animais no “paraíso terreal”. A intolerância de um lado alimenta a intolerância do outro.

O azedume chega a não compreender gestos de cortesia, como se a neutralidade religiosa do PR fosse questionada com isso.

De facto, quando mulheres representantes de Estado vão à Arábia Saudita e colocam um lenço na cabeça isso não constitui um acto de submissão de um Estado em relação ao outro (apenas uma questão de delicadeza protocolar). O Papa quando foi à América Latina e colocou as penas indianas na cabeça não significou um acto de submissão mas apenas respeito por uma cultura; o mesmo se diz quando um Papa ao poisar o território beijava o solo. Tenho vários amigos ateus e sempre constatei neles muita tolerância; no caso da AAP chega a ter-se a impressão que querem ter o rei na barriga necessitando para isso de um cavalo de batalha no seu território contra o catolicismo, como se tem observado em outras reacções. Se este campo de batalha de muitos servisse de tubo de escape para as próprias desilusões e agressões, o facto até seria desculpável se na própria vida do dia-a-dia isto os ajudasse a ser muito bons maridos, bons amantes, bons pais, bons companheiros e amigos! Os condicionalismos humanos são muito complicados!

Os estadistas, nos seus contactos com outros povos e culturas, assumem atitudes de respeito porque sabem que cada cultura constitui apenas uma complementação da outra. As leis da cortesia são muitas vezes sábias porque sabem distinguir entre o que é individual e o que é oficial, entre o subjectivo e o objectivo. A fé na república, que diferentes grupos reclamam para si, é também ela insuficiente, dado a república não ser um neutro nem a sua crença nela constituir um absoluto; ela é constituída pelo emaranhado de pessoas de diferentes crenças sejam elas católicas, ateias, morais ou políticas, sejam elas de tendência mais ou menos republicanas ou mais ou menos monárquicas. Todas são necessárias! Tudo o que levasse à imposição de uma ideia meramente secularista ou religiosa seria tendencioso e perigoso. Uma filosofia dialética exclusivista conduz à guerra e à intolerância.

O problema vem do facto de, do alto do nosso trono individual, nos armarmos em juízes dos outros, sofrendo da ilusão de que a própria opinião é sentença aplicável aos outros. Em nome dos ideais e das boas opiniões se justificam as guerras e o desprezo pelos outros! A tua e a minha opinião são apenas pontos de vista de uma janela mais ou menos larga mas sempre incapaz de abranger o todo do panorama.

Há gente que até dá largas aos seus rumores viscerais pelo facto de um político ou outro se apresentar em representações de Estado sem gravata, hábito que o protocolo contemplava. Quem quiser implicar encontra sempre razões para isso.

António da Cunha Duarte Justo

www.antonio-justo.eu