Fátima: Lugar de Oração e de Meditação

Maria acentua o lado feminino da Devoção

António Justo

Fátima e a reza do Terço proporcionam, a muita gente, um acesso especial a Deus: um acesso que se poderia classificar de via natural ou feminina (Cf.: Curar é Santificar: https://antonio-justo.eu/?p=1350  ; Meditação e Respiração: https://antonio-justo.eu/?p=1354; Fátima Lugar do Encontro: https://antonio-justo.eu/?p=4244 ); Fátima: Técnica contra a experiência sensitiva?: https://antonio-justo.eu/?p=1330).

 

Na devoção a Maria e na reza do Terço mistura-se o céu e a terra, junta-se o Pai-nosso à Ave-maria e em Fátima verificam-se também ligações subcutâneas anteriores ao cristianismo. Na devoção mariana, expressa em visões e aparições, encontra-se o homem todo: a fé unida à superstição.

 

Em Maria, a feminidade, assume um caracter divino que incardina nele também a parte humana da Redenção; é uma espiritualidade própria, uma via para chegar a Jesus.

 

Em Fátima, observam-se cenas não edificantes, como joelhos sangrentos a rastejar, o que provoca compaixão, arrepios e até crítica por parte de círculos mais esclarecidos ou elitistas.  O agradecimento, de um pedido-promessa a Maria em Fátima, torna-se, muitas vezes, numa abstracção onde a transcendência diminui a dependência de uma situação existencial e social carente. A situacao é espiritualmente sublimada numa visão transcendente que não humilha nem julga a condição de necessitado; por outro lado a condição do pedinte é dignificada pela nobreza do interlocutor espiritual (Maria).

 

Isto não pode, porém, legitimar, socialmente, uma devoção em que transmite a impressão de que Deus parece ser tornado num comerciante que proporciona uma troca de mercadorias e interesses: dou para que tu dês. Esta seria uma visão tão pobre como a daqueles que se julgam superiores desprezando e condenando os peregrinos, sem compreenderem a sua ipseidade nem lhes darem chance para se explicarem. O facit da crítica não passa muitas vezes de autoafirmação e definição à custa dos outros.

 

Deus é amor transbordante e por isso não precisa de entrar no negócio; quem precisa, porém, ao encontrar-se numa situação sem saída e de emergência, recorre aos meios que lhe são próprios e que tem, como meio para se ajudar a si mesmo a chegar ao lugar do amor, onde, fora do julgamento, das contas e da física, experimentará o reconhecimento e a admiração, numa contemplação de amor em hosmose do “eu estou aqui e Tu estás aí”!

 

Na Terra não há nada puro, não há corpo sem alma nem alma sem corpo, por isso a tolerância também será aqui chamada, seja ela de índole mais masculina ou feminina; como na natureza há coisas, pessoas, costumes e culturas mais ou menos puras.

 

Fátima faz parte de um povo e de uma cultura com diferentes nuances e de uma devoção com muita expressão simbólica; há que reconhecer que não se pode ter simultaneamente, no mesmo organismo social ou numa pessoa, ao mesmo tempo, os diferentes estádios (infância, adolescência, juventude e adulto). Independentemente da fase em que se encontre a pessoa, o mais importante a descobrir nela é a sua procura e o desejo de transcendência, independentemente da sua expressão. “Não julgues e não serás julgado”. Em Fátima expressam-se atitudes nossas, do nosso povo que oferecem à Igreja uma oportunidade privilegiada para evangelizar.

 

Muitas vezes fiquei surpreendido ao encontrar na fé simples de minha mãe e na sua reza diária do terço, uma fonte de sabedoria e critério (clarividência, simplicidade e tolerância) que, por vezes, não se encontra em pessoas doutoradas. Com a reza do terço em conjunto acabavam-se as animosidades do dia.

 

Um certo elitismo masculino, intelectualista e iconoclasta revela-se, muitas vezes como antimariano e como tal desconhecedor de uma via importante de acesso à realidade.

 

Em Maria o céu e a terra uniram-se de forma que só o mistério se revela como chave da vida. O sim de Maria é um sim à terra e ao céu, um sim à esperança como germe de vida (masculinidade e feminilidade); em Maria realiza-se de forma prototípica o compromisso e a capacidade livre de dizer sim a Deus e à existência no rio da vida. Maria tornou-se no domicílio da divindade; com ela e nela a mulher continua a concretizar a esperança da humanidade.

 

António da Cunha Duarte Justo

Teólogo e Pedagogo

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António da Cunha Duarte Justo

Actividades jornalísticas em foque: análise social, ética, política e religiosa

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