MULTICULTURALISMO FALHADO
Encontramo-nos no Início dum novo Maio de 68
António Justo
O multiculturalismo „falhou redondamente”, acaba de dizer a chanceler alemã.
Isto significa a repulsa dum multiculturalismo de costas viradas uns para os outros e a afirmação dum interculturalismo aberto nos dois sentidos. A Europa perdeu demasiado tempo no jogo do pingue-pongue político que apostava numa tolerância que não passava de comodismo e indiferença.
Também a Chanceler Angela Merkel, na sequência de outros políticos e intelectuais, faz passar a mensagem, aos imigrantes de cultura árabe, de que não podem continuar a viver na Alemanha sem aceitarem os valores da Constituição alemã. O Presidente alemão, de visita à Turquia, fará lá passar a mesma mensagem e exigirá sinais concretos da sociedade turca no sentido de deixarem de perseguir os cristãos e as minorias.
A mensagem transmitida por Merkel aos Cristãos-Democratas (CDU) é uma resposta à voz do povo. Exige que os turcos aceitem que a Alemanha se orienta por ” valores cristãos”. Repete o apelo doutros políticos ao insistirem que aprendam a língua alemã. Esquece, porém, que na França a população islâmica fala bem o francês e os problemas ainda são maiores.
Assiste-se a um fenómeno novo na sociedade alemã. Toda a sociedade fala dos problemas da divisão da sociedade alemã, fala de xenofobia e da xenofilia. Em Hamburgo o povo impede uma reforma escolar do governo, em Estugarda o povo manifesta-se de maneira premente contra um projecto esbanjador de dinheiros públicos no plano megalómano da construção duma nova estação de comboio. Os 650 mil livros de Sarrazin com estatísticas sobre a realidade migrante e os problemas do precariado manifestam a impaciência dum povo demasiado habituado a ser açaimado com uma moral ideológica dos meninos-bem do pós-guerra.
Os políticos cada vez têm menos mão no povo, por isso vêem-se obrigados a descer à rua. Encontramo-nos nos começos dum Maio 68 diferente.
Na realidade assistimos a uma classe média apoquentada e desesperada perante uma economia e uma política distante de todos. A classe média, que era tradicionalmente a portadora de cultura e do bem-estar, constata que os seus filhos se encontram cada vez com menos perspectivas e em situação precária.
Uma sociedade, mais adulta, verifica também que os políticos não têm poder nem capacidade para domarem um turbo-capitalismo feroz e um liberalismo desumano.
O estado social que a velha burguesia criou na Europa encontra-se ameaçado. Por um lado a política desmiola-o e parte da migração vive dele; ao contrário do que acontece no Kuwait, USA, Canadá, e outros países fora da Europa. O bem-estar social alemão foi criado pelas pessoas simples . Os novos ricos desprezam tudo o que é povo!
Um jornalismo de ânimo leve fala com facilidade de xenofobia. Quem vê na discussão pública alemã um discurso anti-imigração não se deu conta ainda do que se passa na Alemanha nem dos verdadeiros problemas que preocupam o povo.
A radicalização do discurso público é uma resposta aos radicais da economia e da ideologia. Corresponde a um atestado de incompetência e de desconfiança nas pseudo-elites irresponsáveis e sem personalidade. O povo sacode os políticos e os intelectuais para que se dêem conta do que se passa.
António da Cunha Duarte Justo
antoniocunhajusto@googlemail.com
Caro António Justo,
Compreendi bem as suas palavras e as razões do radicalização do discurso público.
Mas….será que o modelo de sociedade multicultural não permite o diálogo e a convivência entre as comunidades? Teremos que optar entre o direito de fazer exigências ou a prioridade do dialogo?
O radicalismo do discurso e a xenofobia não é um problema só da Alemanha. É também de outros países europeus.
Contudo a formação da Europa surgiu da multiculturalidade. E as guerras também! Será que a Europa não consegue gerir os valores da multiculturalidade? Será que esta intolerancia não comstitui uma ameaça à “construção” da União Europeia?
Já o Canadá , o Brasil, os EUA, etc. conseguiram gerir melhor a multiculturalidade dos milhões de seus imigrantes.
A Europa vai bem?
Saudações,
Margarida
Prezada Margarida,
O problema começa pela definição de sociedade multicultural e de cultura.
Quanto a diálogo não o tem havido. Os alemães com o medo de serem apelidados de racistas e com o complexo de culpa herdada da segunda guerra mundial não se atreveram a discutir deixando-os andar à vontade. Um pressuposto essencial para o diálogo é a abertura das duas partes e o interesse no diálogo. Na Alemanha, a nível de imigrantes há diálogo e interesse de parte a parte; a maioria turca não se abre e quando o faz é apenas no trabalho ou por interesse próprio. Mesmo nas tentativas que associações e famílias alemãs tomam para os convidar, só aparecem os representantes, sem o povo; se, por acaso, o homem visita uma família alemã não retribui o convite para a própria família. (De notar que os migrantes turcos provêm das partes mais conservadoras e atrasadas da Turquia e muitos conservadores turcos têm mais hipótese de defender os seus hábitos tradicionais na Alemanha que na Turquia (uso do lenço nas escolas…). Até princípios de 80 a emigração dava-se para as empresas de trabalho. A partir da crise do petróleo a imigração turca continuou mas mais para as instituições sociais.
Quanto a exigências, as lobies turcas têm feito muitas sendo-lhe cedidas algumas. A nível cultural, os únicos que têm cedido são os alemães. As crianças turcas perdem oportunidades na sociedade alemã porque crianças turcas, filhas de turcos nascidos na Alemanha vão para a escola sem saberem o alemão. Se desejar ler algo sobre a solução deste problema leia por exemplo:
http://antonio-justo.blogspot.com/2008/06/bilinguismo-vantagem-de-ser-diferente.html
Diálogo pressupõe que as duas partes cedam. Não falo de cor porque dei muito da minha vida na defesa dos interesses dos turcos e muitas vezes até contra os alemães. A minha ingenuidade levava-me a falar como muito boa gente fala hoje sobre o problema da integração na Alemanha. Como chefe redactor da revista Gemeinsam tive oportunidade de conhecer as lobies estrangeiras. O problema não está nos turcos que são muito boa gente a nível popular; o problema está nas suas lobies e na indoutrinaçao que a Turquia exerce mas mesquitas da Alemanha. O governo turco envia mais de 600 ‘imans’ por ano que não sabem o alemão e fomentam guetos herméticos . Um outro problema é que a discussão sobre a multicultura foi enchida com conteúdos ligados principalmente a um partido onde turcos fazem carreira e que recruta muito do seu eleitorado daí. O tema multicultural não é inocente com será noutras partes do mundo onde a multicultura não surgiu da ideologia mas da vida partilhada que se tornou intercultura. Por esta e por outras sou um defensor do termo intercultura porque pressupõe o diálogo e o interdiálogo sem preconceitos das duas partes; multicultura, no contexto referido pressupõe a afirmação da cultura turca contra a cultura dos alemães.
O termo multicultura tem uma má conotação porque aqui se utilizou para defender, nos anos 80, valores culturais contra direitos humanos.
A Europa é um bom exemplo duma sociedade intercultural e aberta. Não é fácil porque tem uma camada social muito grande que se dá conta da problemática.
O Canadá, a USA e outros colocaram quotas e condições para a imigração não permitindo a imigração para a assistência social e para a Caixa de Previdência. Quem vai para o Brasil não vai fazer concorrência aos que vivem da assistência social.
A Europa vai mal, porque nela se prova o futuro do desenvolvimento do mundo. O mal dela é ser mais rica que outras regiões e atrair os pobres. A sua riqueza deve-se também devido ao colonialismo e à exploração de outros povos, o que justifica que agora seja a sua vez de bater à nossa porta exigindo para eles também uma fatia do bolo. Também se pode dizer que a Europa vai demasiado bem, senão não tinha os problemas que tem.
O mal está é no preconceito e na conversa fiada de muita boa gentinha que fala por falar ou se deixa instrumentalizar por grupos de interesse. Infelizmente a realidade não permite uma visão linear dos assuntos e muita argumentação e muita gente perde-se nas entrelinhas.
Pena é que imigrantes turcos tal como muita gente do precariado sofra, sendo vítimas da própria situação e da arrogância dos outros.
Fala-se contra turcos e contra alemães mas ninguém se dá conta que quem tem sido instrumentalizado e explorado têm sido alemães, turcos e estrangeiros por uma economia que para solucionar os seus problemas cria outros.
Hoje não teríamos os problemas e a discussão em curso se as bolsas do Estado estivessem cheias como nos anos 60.
O tema é demasiado complexo e de tal modo diversificado de continente para continente que não pode ser compreendido cabalmente.
Se seguíssemos o apelo do amor ao próximo e entendêssemos todos a parábola do samaritano, os problemas seriam menores. O problema começa quando uns começam a ter razão sobre os outros e quando a riqueza e o bem estar de uns se adquire à custa dos outros. Teria imenso para dizer mas quanto mais se diz menos se acerta! Por de trás de palavras iguais encontram-se ideias e experiências diferentes.
Sou do parecer que não chega uma cultura do diálogo, do eu e do tu. Precisamos é duma cultura do triálogo, do eu-tu-nós. Esta encontra-se escondida na Trindade e na física quântica, penso eu! Até chegarmos a uma cultura integradora e não apenas dialéctica teremos que sofrer todos um pouco mais.
Um abraço cordial
António Justo
Caro António Justo,
Conforme diz, a situação da integração dos imigrantes na Europa varia de país para país. Na Alemanha, por exemplo, imigrantes e alemães vivem muito paralelamente e pouco, conjuntamente. Pergunto: Pode fazer uma comparação sobre a mesma situação em Portugal? A relação dos portugueses com os imigrantes? Quanto à relação dos muçulmanos com outras comunidades, sei que em Portugal a convivência é pacífica!
Mas o problema da integração dos imigrantes e filhos continua problemático em toda a Europa. Suponho. Os dados da Alemanha são preocupantes, quando se sabe, que entre as crianças e jovens de famílias imigrantes “diminui a participação no sistema educacional em cada grau mais elevado de ensino”. O resultado é que 40% dos jovens, com passaporte estrangeiro, não possuem formação profissional e que apenas 8% conseguem aprovação no Abitur, o exame médio que dá direito de acesso às universidades. E que a mais alta cota de adultos sem qualificação profissional, 72%, é registrada entre homens e mulheres de origem turca.
Mas estes dados, certamente, que se repetem em outros países, nomeadamente em Portugal. A Europa está com dificuldades em dar uma resposta positiva às migrações. Não sabe como lidar? A França agora expulsou os ciganos romenos. E a crise está provocando atitudes xenófobas por parte dos europeus em relação aos imigrantes. Em muitas latitudes provocando tensões explosivas. Na França por exemplo!
Mas é claro que não podemos comparar as relações dos “nacionais com os imigrantes” na Europa com a nos EUA, Canadá, Brasil.
Este assunto é muito importante para mim. Há que acompanhar.
Saudações,
Margarida
Querida Margarida,
Não me sinto suficientemente informado e não tenho experiência directa para poder dar resposta sobre a situação dos imigrantes em Portugal. Além disso Portugal não tem iniciativa a nível de política. Os Governos vão administrando a miséria criada ou cultivada estando mais preocupado com problemas de imagem do que com realidades sejam elas económicas ou sociais. Portugal vive à sombra da EU e da emigração; por isso creio que saberá administrar bem a questão dos imigrantes. Quanto ao povo esse é um povo de boa gente habituado a uma relação boa a nível de indivíduo para indivíduo. Os pobres são solidários entre si. O problema conflitual é mais uma questão de superstruturas que sabem canalizar as disputas para o povo à medida dos seus(elites).
Sim, a convivência dos muçulmanos em Portugal parece pacífica, tal como o era na Alemanha no tempo em que a sua quantidade de muçulmanos no país ainda era irrelevante em termos de percentagem populacional. Os Estados Unidos, que têm tantos muçulmanos como a Alemanha teve um comportamento diferente na política de imigração; a mesma USA faz pressão sobre a Europa para que deixe entrar os turcos!
Naturalmente que os pobres e com eles muitos emigrantes têm dificuldades numa sociedade competitiva; o problema turco/árabe na Europa está nos seus Guetos. Querem aproveitar o máximo da sociedade empenhando-se menos. Têm certas características comuns à raça cigana (ambas culturas nómadas) e por isso têm problemas e criam problemas às culturas sedentárias!
Quanto aos dados estatísticos não há critérios aferidos para se fazer uma comparação. Por outro lado a preocupação dos políticos em Portugal no que diz respeito à formação é diferente à da Alemanha ou das nações fortes. A Alemanha está preocupada em dar uma formação sólida a todos os seus habitantes porque sabe que da formação surge o desenvolvimento; Portugal, por seu lado, está a fazer o contrário: proletariza a formação escolar e desce cada vez mais os critérios de exigências aos alunos. Enquanto a Alemanha está preocupada em formar técnicos que enriqueçam o país, Portugal, isto é as elites preferem um povo incapaz de argumentar para as deixar viver em paz; para o governo basta-lhe que o povo se arranje e se emigrar não há problema porque a sua saudade os fará mandar as remessas de dinheiro para Portugal e assim continuar a manter uma mentalidade parasitária encostada à administração e ao Estado. Portugal tem população mas ainda não tem povo, tal como acontece no Brasil, Moçambique, Angola, etc. Por isso é fácil para as elites fazer o que querem.
Naturalmente que um país quanto mais tem mais egoísta se torna. Facto é que ciganos e outros não procuram os países onde o Estado não é providencial e onde não haja um mínimo de respeito pelos pobres. A sua cultura não se orienta para o trabalho e têm outros critérios de vida e de valores que muitas vezes contradizem os dos autóctones.
O maior problema está no facto de diferentes povos terem diferentes conceitos de economia e de se arranjar economicamente cada um à sua maneira.
Os políticos deixaram-se levar nos anos 60 e sequentes pelas promessas das multinacionais, tal como hoje se deixam levar pela sua nova estratégia turbocapitalista a nível global.
Os políticos europeus cometeram o erro de atraiçoar os interesses do povo a longo prazo e agora o povo tem que aguentar os estilhaços que as elites deixam no povo e nas nações.
Este assunto é muito importante o problema é que é utilizado para a defesa de ideologias e de preconceitos formados!
Escrevi tudo a correr pois devido à escrita que continuamente tenho entre mãos não me permite tempo para correcções ou aferimento de ideias.
Um abraço cordial
António Justo