Campo de Futebol – O Altar da Nação
António Justo
O futebol expressa o sentimento das nações; todos içam a bandeira e em cada cidadão rejubila a nação inteira. Nesta altura até a esquerda é patriota. Em nome da Selecção, enquanto a corrida para o título dura, acabam-se as discórdias entre os clubes e as sobrancerias de classes e posições. No reino do futebol, a nação une-se por um momento e até a política consegue passar ainda mais desapercebida. A nação deita-se a pensar em futebol e levanta-se a sonhar futebol.
No canto chão da rua encontra-se o chão da nação. Com o campeonato a mente popular estimula-se dando lugar à perdida memória colectiva da nação. Não fosse Portugal futebol e o Brasil Carnaval e futebol, por onde andaria a consciência de povo e a fama da nação!
Porquê tanto interesse, tanto entusiasmo, tanta admiração, em torno do futebol?
O Homem não é de pau e precisa de festa, precisa de ritos e liturgias, precisa de pontos altos que o eleve da banalidade do quotidiano. A liturgia profana da política é muito circunscrita e reservada só para alguns.
No futebol, o campo torna-se no altar da nação! Aí, a vítima é imolada à imagem dos ritos religiosos dominicais. Cada adepto levanta a sua prece ao seu ídolo, de forma ordenada e recolhida nas bancadas.
No Olimpo das nações, os seus deuses continuam a comportar-se à maneira dos deuses gregos. A nação vitoriosa (Paraguai…) até chega a dedicar um dia sabático para que o fervor do acto seja depois prolongado em acto de memória e como acção de graças aos deuses do poder. A divindade da nação sacrificada (Nigéria…) e ofendida troveja, do alto do seu Olimpo, castigos e actos de reparação para os seus sacerdotes…
Com o futebol, na orgia dos sentimentos, ganham todos: os contentes e os descontentes. Ele integra sentimentos e normaliza as tensões; permite também picar sem fazer doer.
Os jornalistas, satisfeitos, especulam em torno de jogadores e adeptos. Quando a equipa da nação perde chegam até a ir ao arsenal da História procurar motivos para aliviar o desconsolo da derrota.
Uma sociedade ainda não desquitada procura pessoas com quem possa sofrer em conjunto e com quem estar orgulhosa.
No canto da rua apenas uma desafinação: árbitros com atitudes desconformes, mancham o azul do céu. Esperanças desiludidas, as vítimas da canelada e da “febre-amarela” que por vezes chega mesmo ao rubro e das equipas castigadas com apitos arbitrários ou com golos oportunistas dos habituais espertos que jogam bem mas fora de jogo. Afinal também esta liturgia festiva mostra as suas limitações apontando para as carências do dia a dia banal. Enfim, vive-se de gozos precários mas sempre à procura da felicidade.
Também os políticos, com a sua táctica, procuram a proximidade do futebol e dos futebolistas num passe de jogo de alegria selecta baralhada na alegria popular espontânea. A política serve-se, louvando, instigando, comentando. Chama-lhe um figo em campanha da promoção. Neste momento todo o mundo é solidário, oprimidos e opressores cantam a mesma canção. O banho ocasional dos políticos nos sentimentos positivos do povo só traz vantagens além da certeza de serem citados nas notícias e mostrados no telejornal.
O espectáculo torna o governo mais amado e o jugo esquecido. Desvia do dia a dia.
As elites das rasteiras têm mão no jogo e o jogo na mão! Em campo não há crise, todo o mundo joga e ganha. A guerra doce serve a globalização; contribui para a identidade da nação, alivia do saber que faz doer e serve a bolsa da promoção.
Para os críticos resta a demarcação de S. Mateus que dizia: “nem só de pão vive o Homem…”
De resto, a nação cumpriu a sua função: de trabalho e de distracção se faz a ração.
António da Cunha Duarte Justo
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