Saber Lógico contra Saber Figurativo
A Documenta 12 continua a tradição duma arte intelectual que nasce e morre na cabeça. Uma arte plástica para ser explicada. Como se a explicação não tivesse outras disciplinas próprias na literatura e na filosofia. Deste modo a arte atraiçoa os próprios artistas porque se autonomiza para ser explicada pelo olhar limitado do pensamento e dos que se ornamentam com ele instrumentalizando-a em benefício do discurso político.
Assim se violam as belas artes subjugando-as ao pensamento, ao discurso. Por trás disto está o interesse em reduzir a percepção da realidade ao pensamento. Este não é tão complicado revelando-se no melhor meio manipulador das massas. O interesse em extinguir a capacidade de percepção da linguagem por imagens não é inocente. A ditadura das ideias consegue assim recalcar outras formas de abordagem da realidade.
A arte plástica torna-se escrava dum órgão selectivo, restringidor. Já Pascal sabia que o coração conhece razões que a razão desconhece! As novas elites, especialmente a partir do século XIX, estão interessadas no pensamento conceptual. O universo porém é mais que um acto narrativo a querer-se explicitar, ele é também manifestação, criação não totalmente explicável pela razão. Quem mede a realidade com o texto, com a razão, talvez a resuma mas mata-a. O pensamento é como o autopsiador, trabalha com cadáveres, sem uma referência anterior. Fazem com a arte o que tentam fazer com a religião reduzindo-as a conceitos.
O pensamento racionalista e materialista procuram acabar com o saber figurativo que é específico da religião e da arte. O saber religioso e artístico (a experiência) é imediato enquanto que o saber conceptual é mediato. Políticos e iluministas para se apoderarem do poder e da cena discriminam o saber religioso e artístico proclamando o saber conceptual como a única forma do conhecimento arrumando assim com os rivais instituindo-se eles em mediadores hegemónicos da política e da vida, declarando outros modos do conhecimento como ilegítimos. Declaram o pensamento como um absoluto para assim poderem apoderar-se do poder e do povo que não possui o saber conceptual. Dá-se um reducionismo absoluto não reconhecedor da finitude e da limitação do conhecimento. Assim o povo duma só cajadada passa a ser considerado estúpido, não lhe sendo reconhecidas outras formas de abordagem da realidade. É a ditadura das ciências naturais contra as ciências humanas que relegam outros modos do de abordar a realidade para o mundo da fantasia. As virtudes sinais no caminho não se querem num mundo proletário. Este quer-se pronto a seguir, sem energia própria, sem vontade, quando muito eclético. O povo, e os académicos, cada vez perdem mais o acesso à imagem vivendo na e da subserviência ao discurso.
O saber da arte foi subjugado ao saber conceptual e posto ao serviço da ordinarice do factual nas mãos de fanáticos do saber conceptual. Assim constroem a democracia com alicerces sobre a areia em vez de a consolidarem. Continuam a querer um povo distraído a viver apenas na ágora ao som dos seus altifalantes, sem acesso à própria vida, sem imagens interiores nem transcendentes. Muitos continuam a correr atrás das cansados foguetes da modernidade ou da Pós-modernidade, esquecendo que esta época já está a passar. Repetem-se e acabaram por se desviarem do âmago da arte, da observação viva do mundo e da sua tradução para se entregarem a apresentações da arte ao serviço da política, da sociologia e da filosofia sem reconhecer a sua essência.
A qualidade da arte passa a ser ditada por homens do intelecto e do dinheiro que se organizam internacionalmente em cartéis e organizações de interesses. É o que constata o célebre artista Dieter Asmus ao afirmar que uma casta de teóricos “vigia internacionalmente sobre uma Modernidade já morta há muito tempo”. Também acha sintomático que uma arquitectura ainda alérgica ao ornamento do estilo Bauhaus de há 90 anos “continua a valer como o Nonplusultra do avantgardismo”.
Quem não estiver ao serviço do progresso e se atrever a um estilo próprio, diferente é apelidado de reaccionário. Os nossos “doutores da lei” são muito mais perigosos que os seus predecessores; eles não só nos querem apenas obedientes mas também limitados e triviais como o seu modo do conhecimento reduzido à ordem lógica e à retórica em serviço duma mediação política própria. Naturalmente que a reflexão deve ser um acompanhante atento e pressuposto na razão do coração e que os saberes abstracto, experimental e intuitivo se complementam.
.
Dieter Klaus critica a arte da pós-modernidade afirmando: “os artistas permaneceram durante um século inactivos observando como lhe foi tirada a competência de interpretação e decisão sobre as suas obras. Abri a boca!” De facto o saber do artista e do homo religiosos é imediato podendo ser auxiliado pelo saber conceptual já em segunda mão. Eduard Beaucamp afirma no FAZ: “Hoje parece faltar a força para despedir a Modernidade e descobrir de novo contra ela uma outra história da arte”.
Há iniciativas como a do “Gruppe Zebra” que já desde os anos sessenta critica a arte moderna. Muitos deles consideram a Documenta como senil pelo facto de continuar o credo da modernidade. Eduard Beaucamp refere que, apesar da vitalidade dos artistas, os especialistas têm medo do novo e da crítica maliciosa dos colegas, optando por manter a mentira da vida para não perderem os benefícios.
É preciso libertar a arte da prisão do discurso. Ela tornou-se arbitrária como se pode constatar também na Documenta 12. Chega-lhe a esperteza da interpretação à luz de interesses muito imediatos. É o problema fundamental dum sistema que se estabilizou especialmente num racionalismo materialista que só conhece o mundo das ideias adulterando assim o mundo da realidade. A arte é a única instância no hemisfério ocidental que cria sentido através dos sentidos e da forma, não apenas como ideias através do intelecto. Este problema da intelectualização observou-se também na religião. Na época das ideologias absolutas o exagero teórico, a retórica é que conta, não o conteúdo, muito menos a procura da verdade.
António Justo