CULTURA DA CULPA E DO CASTIGO – O FLAGELO QUE DOSTOIEVSKI NÃO ACEITOU DA EUROPA

 

Culpabilização da Cultura ocidental na Agenda do politicamente Correcto

Por António Justo

Depois da II Grande-guerra, as forças de ocupação aliadas implementaram programas de reeducação dos alemães, para fomentarem no povo vencido o sentimento de culpa da guerra.  Esta pressão mediática ainda a senti como estudante estrangeiro nos anos 70 (e posteriormente também) ao verificar que as TVs e outros meios de comunicação social, todos os dias, falavam das tiranias nazis na guerra; também as aulas de História se transformavam, por vezes, em pedagogia educativa tematizando sobretudo a desumanidade da guerra e do nacional-socialismo de Hitler. Perante tal insistência mediática cheguei a ter a impressão que os alemães tinham medo deles mesmos. (Não sou contra o cultivo da memória histórica como meio de aprendizagem e de aferimento do presente, o problema está em encontrar uma via justa do meio termo sem que se chegue a instrumentalizar nem a História nem as pessoas). Facto é que o programa de reeducação dos alemães levou a Europa à cultura da culpa histórica.

O complexo de culpa alemã e a escola de Frankfurt contribuíram para o fomento da culpabilização do passado europeu. Na ordem do dia político-social ocidental revelam-se como temas prediletos, o colonialismo europeu, a escravidão europeia e outros males que questionem as próprias raízes Históricas; isto nem daria nas vistas se estes problemas não fossem tratados unilateralmente como problema específico da cultura ocidental; o pensar politicamente correto investe assim no seu rendoso negócio com a culpa moral e política. Sabe que uma vez instalada a dúvida, esta castiga. Nota-se que a agenda política internacional de fomento da cultura marxista anti-ocidente tem grandes cabeças ao seu serviço conscientes que, a nível socialm, se torna muito mais eficiente mover a emocionalidade das populações do que usar a racionalidade.

No âmbito das nações unidas e de organizações internacionais segue-se a agenda de contraporo remorso, a vergonha e a culpa” às grandes aquisições da cultura ocidental. 

É próprio da lógica do poder não aceitar as próprias sombras que combate nos outros! Se assumissem o bem e o mal, também em si, tornar-se-iam mais moderados e fomentadores da paz.

Também em Portugal se quer instalar um ensino da História penitenciada, (1)  com acentuação no negativo da História e que favoreça o aspeto rebelde de ativistas, aquilo a que chamam as “questões socialmente vivas”( a escravatura); querem ver manipulada neste sentido a nova disciplina de História, Culturas e Democracia, do 12º ano. Querem uma interpretação da História que os legitime e sirva. Servem-se das universidades e da política para melhor colonizarem o pensamento ocidental para, sub-repticiamente, se irem tornando nos donos disto tudo.

Há que impor a emocionalidade contra a racionalidade na formação dos alunos passando os acusadores da História a fazer o seu negócio. Por outro lado, a culpa, desde que reconhecida, não legitima ninguém (o outro) a usá-la como crédito de autoafirmação perante o concorrente ou como justificação moral perante o outro. A culpabilização impede a expiação da culpa assumida sob a forma de responsabilidade.

De facto, para criarem no povo uma responsabilidade coletiva alemã, identificaram os nacional-socialistas com o povo alemão.  Porém, uma coisa é a culpa real e outra, os sentimentos de culpa criados. A culpa coletiva não pode ser assumida individualmente porque é atribuída ao grupo pelo facto de se ser membro dele (um mero assumir de responsabilidade por algo exterior ao próprio). No fundo, a questão da culpa coletiva alemã reduz-se a um assunto de perguntas sem respostas. Foram criados sentimentos de culpa nos vindouros alemães por uma culpa pessoalmente não cometida: isto pode originar reações precisamente no sentido oposto. Em questões de ética poder-se-ia aqui distinguir entre uma culpa moral e uma responsabilidade política; a culpa moral é decidida pela consciência. Que a Alemanha, por uma questão de responsabilidade coletiva histórica esteja “do lado de Israel” é muito natural, mas, que seja usada como refém no discurso político devido a uma culpa herdada, não é justo; isso deveria pertencer a padrões de pensamento autoritários já ultrapassados.

É verdade que, como diz o presidente alemão, “Os criminosos eram pessoas. Eles eram Alemães!” , ou melhor pessoas alemãs; um discurso que pretenda tornar-nos imunes contra o mal terá que reconhecê-lo individualmente em cada um de nós, como pessoas e não como membros de um Estado. Há que distinguir um discurso político e do poder, de um discurso ético individual. De facto, o segredo da salvação está na memória (por isso a igreja católica celebra no ritual da eucaristia a memória) mas o cultivo da memória não pode ser apenas aproveitado para gerir a história, mas principalmente para implementar a reconciliação. De resto, o mal e o bem são constantes, quer individualmente quer socialmente.

Os nazistas procuraram desumanizar os judeus atribuindo-lhes números (Tatuagem) em vez do nome e hoje corre-se o perigo de se desumanizarem grupos (os concorrentes da praça pública). Não é legítimo que os moralistas dos opostos partidários agitem o povo na praça pública com a chibata da própria ética como se fossem os cães de guarda de um rebanho que politicamente lhes pertencesse.

A solução antecipada em “Crime e Castigo”

O Romance “Crime e Castigo” de Dostoievski é um ponto alto da literatura mundial que li aos 18 anos e me ficou gravado na memória como uma parábola da vida. Por muito diferentes que sejam os caminhos que percorremos sempre nos deparamos com a realidade que Dostoievski tão bem soube descrever num género mítico universal.

Os pensamentos iluministas, que legitimaram a ação assassina do protagonista do romance Raskolnikow, não contaram com a consciência russa que o perseguiria, depois do ato sangrento.   Para ajudar sua mãe pobre e para ter dinheiro para financiar os próprios estudos, Raskolnikow deixou-se levar pelo ódio e matou a penhorista usurária no sentimento de que com o seu assassínio vingava a injustiça que grassava em Petersburgo. O inicialmente socialista Raskolnikow fazia parte dos que queriam importar o ateísmo e o racionalismo Iluminista europeu para a Rússia. Ele assassina a mulher em nome da razão e do progresso.

Contudo, a sua consciência russa cristã permanece indelével nele sobrevivendo à ideologia materialista racionalista; finalmente, no cativeiro, reconheceu a humanidade do cristianismo que leva a sério o Homem todo.

A brutalidade cria desespero e frieza de coração no herói do romance. A prostituta Sonja que se prostituiu para alimentar a família, representa a miséria social de Petersburgo (é interessante ver como Raskolnikow, perante a injustiça social, se torna cúmplice com a injustiça usando também ele da violência como meio de a vingar  e, por outro lado, Sonja (a alma russa) assume as consequências da injustiça em si mesma ao adotar o papel de prostituta para saldar a injustiça de que ela e a família eram vítimas). É encantador ver como o companheiro de Sonja, no cativeiro, vai aprendendo a questionar o seu comportamento agressivo (a ideologia) e a sentir a necessidade de mudança. Já o matemático e físico Blaise Pascal constatava: “O coração tem razões que a própria razão desconhece”.

É fantástico verificar como Dostoievski, em “Crime e Castigo” equaciona, nos dois protagonistas (Raskolnikow e Sonja), o problema da injustiça e da culpa e também a questão entre a ideologia modernista (estrangeira) e a mentalidade russa cristã.  A condição para se perdoar a si e aos outros pressupõe a consciência de que somos falíveis (virtude da humildade).

Consequentemente, Raskolnikow escolhe Sonja para lhe revelar o segredo do seu assassínio e ela ensina-lhe o caminho não só da confissão da culpa, mas sobretudo do reconhecimento dela para, assim se poder libertar da culpa. Por fim, no cativeiro, Raskolnikow e Sonja aprendem a amar-se e casam-se; deste modo Dostoievski resolve a questão da culpa e da expiação, de modo sublime, advogando para tal o espírito cristão.

O pecado original da humanidade (espécie de culpa coletiva) no pensamento cristão implica o assumir-se como pessoa portadora de bem e de mal. De facto, o mal moral não pode ser reduzido apenas a uma deficiência da matéria, mas sobretudo a uma desordem na liberdade humana (como defende a doutrina); a pessoa na qualidade de ser membro do género humano que também é pecador, assume-a também, mas na consciência de que já se encontra remida por Cristo. Um resto de culpa individual assumida é saldada através de expiação-penitência-perdão na plataforma da graça de Deus (redenção e remissão). A expiação e o perdão andam juntos; o arrependimento, no sentido católico, também paga o débito originado pela culpa. O reconhecimento prepara a mudança de atitude porque a ideia leva à ação.

A velha luta continua

A ideologia atualmente predominante de caracter iluminista materialista (socialismo radical) procura materializar a culpa histórica da Europa de maneira a poder tornar refém  a atual  cultura ocidental e instrumentaliza-la para implementar uma cultura ideológica própria!  Como filhos de um iluminismo exacerbado dão prioridade à lógica do poder como substituto dos princípios éticos.

A Alemanha é certamente o país que historicamente mais se penitenciou pelas barbaridades nela cometidas durante as guerras mundiais e em especial pelos crimes do regime de Hitler.

Assim, muita gente de ânimo leve interessada no derrotismo e para agradar procura esconder o próprio complexo de culpa, optando por temas de tensão colocando, para isso, na ordem do dia, assuntos culpabilizantes, como nazismo, islamofobia, escravatura, colonialismo, inquisição; temas do género são depois exageradamente papagueados por multiplicadores da política e do jornalismo no estilo de Pilatos; deste modo impede-se uma abordagem racional dos factos.

Em alguns meios sociais da Alemanha, após o nazismo, propagou-se um certo masoquismo (auto-castigo) que levou muitos alemães a satisfazer o seu complexo de culpa na negação da própria nacionalidade (ter vergonha de ser alemão!).  Este sentimento de culpa penhorado tem sido aproveitado para fomentar uma consciência europeia de cultura culpada; a ser sempre confrontada com o medo e a insegurança no horizonte de culpa nevoeirenta que não deixa ver o sol nem o amanhecer em si e o leva a procura-lo fora ou a viver na dúvida.

A Subtileza da Argumentação culpabilizante

Uma Europa complexada pelas maiores barbaridades da História europeia (Estalinismo e Nazismo) facilmente se tornou refém da culpa e dos que entenderam fazer dela o seu negócio.  Os ativistas internacionalistas reduziram a culpa à Alemanha capitalista e deste modo conseguiram alargar o sentimento de culpa a todas as nações da Europa (consideradas imperialistas e capitalistas), como se um problema alemão fosse necessariamente o problema europeu.  De facto, uma vez confinado o delinquente, torna-se fácil à ideologia marxista a demarcação da sociedade num mundo dos bons e inocentes, no mundo dos maus, os outros!

Cria-se uma lógica da culpa, um ciclo vicioso que dá razão a quem culpabiliza. O poder da lavagem cerebral social parece até atingir cérebros pacatos que passam a argumentar que os males que outros cometem são justificados porque nós já fizemos o mesmo ou até pior. Há-os que consideram a invasão islâmica como um castigo merecido e aceite como expiação dos pecados da Europa na História; outros mais positivos constatam que uma Europa habituada a superar crises também superará as crises atuais.

O pensar politicamente correto fala da culpa dos outros como se a Europa não fosse todos nós; cria-se um discurso destrutivo – de ativistas ilibados – que fomentam uma Europa de cultura dividida numa Europa dos bons e numa Europa dos maus.

Seria um absurdo tornar a cultura europeia no bode expiatório da má conduta doutros povos, mesmo pelo facto de muitos carenciados se refugiarem nela; mas para que a política não seja atestada de culpada então terá de passar a investir no desenvolvimento económico desses países porque o desenvolvimento de um povo não depende de apelos morais. Tanto o capitalismo exacerbado como o socialismo marxista são o problema e não a solução.

A ideologia racionalista não tem problema em matar em nome da razão e do progresso; como não acredita no Homem aposta na troica de um Estado marxista reduzida a uma luta de interesses por interesses. Por isso no romance “Crime e Castigo” a solução não vem do iluminismo nem do socialismo que o protagonista primeiramente advogava como meio de acabar com a miséria.

Uma viragem histórica responsável virá do ressurgimento moral individual que um dia atingirá os lugares altos da sociedade. Dostoievski acreditava que somente o cristianismo, levava o Homem a sério em todas as suas dimensões e, como tal, podia salvar a Europa da raiva cega do pensamento racionalista, económico e nacionalista.

O velho nacionalismo jacobino e o materialismo iluminista  encontram-se hoje expressos em ideologias do bota abaixo e no comportamento de muitos ativistas sociais. Com a sua contínua luta e protesto pela vida negam a própria vida. No dizer do cabaretista Kindler “As emoções negativas são a força motriz do movimento”.

© António da Cunha Duarte Justo

Teólogo

In “Pegadas do Tempo”

(1) https://observador.pt/opiniao/a-leitura-emocional-da-historia/?fbclid=IwAR14_i33vejwi_4eiYhsXFElJgivc8yzuOxgSGOGdfYijuPEKuHcpx2FxSk

 

“NÓS ESTAMOS DO LADO DE ISRAEL”

Ontem (23.01.2020) comemorou-se em Israel a libertação do campo de extermínio de Auschwitz, há 75 anos.

No evento estiveram entre muitos outras personalidades internacionais, o presidente russo, o presidente francês, o Vice-presidente dos USA, e o presidente alemão.

O discurso do presidente alemão Frank-Walter Steinmeier em Israel pode considerar-se um discurso histórico (1).

Corajoso reafirmou: “a nossa responsabilidade alemã não passa”… “Esta Alemanha só fará justiça a si mesma se estiver à altura da sua responsabilidade histórica”. E especificou: “Nós combatemos o antissemitismo! Nós desafiamos o veneno do nacionalismo! Nós protegemos a vida judaica! Nós estamos do lado de Israel (Também poderia ser traduzido “Nós estamos ao lado de Israel)! Eu renovo esta promessa aqui no Yad Vashem perante os olhos do mundo.”

Este discurso foi acolhido com muito aplauso pela imprensa alemã.

Yad Vashem ( “monumento e nome” ) em Jerusalém é o memorial e museu mais importante para as vítimas judaicas dos nazistas.

António da Cunha Duarte Justo

In Pegadas do tempo

(1) Discurso em alemão: https://www.morgenpost.de/politik/article228221477/Die-Rede-des-Bundespraesidenten-in-Yad-Vashem-im-Wortlaut.html

TRÁFICO DE PESSOAS – ESCRAVIDÃO MODERNA

Na Nigéria uma Menina custa 750€ e um Menino 1.245€

Embora a escravidão tenha sido legalmente abolida, há redes criminosas que raptam mulheres e adolescentes recorrendo também a outras formas de coerção, sequestro, fraude e engano. Muitas menores são raptadas e obrigadas a sexo até ficarem grávidas.

Muitas delas são levadas para fábricas de bebés onde o comércio de bebés floresce nas sombras da lei.

A Organização das Aldeias de Crianças SOS chama a atenção da necessidade de implementar processo criminal contra traficantes de seres humanos que são mediadores de crianças para o mundo inteiro, especialmente para os sem filhos. No dizer da Organização, a maior parte das fábricas de bebés encontram-se no sul da Nigéria. O problema já é antigo; em 2006 foram libertadas 300 mulheres dessas fábricas.

Há muitos casos de adoções ilegais, mas também os há de escravidão infantil, abuso sexual e tráfico de órgãos.

O chefe da polícia de Lagos afirmou que meninos custam 1.245€ (500.000 Naira) e meninas um pouco mais de metade (Cfr. HNA, 18.01.2020).

O comércio com bebés também se dá no Gana, Chade, Libéria, Egipto, Etiópia, Serra Leoa, Uganda, África do Sul.

A burocracia para a adoção de crianças é muito complicada, o que facilita o negócio dos traficantes de crianças.

O tráfico com crianças e da escravidão de pessoas atinge dimensões orbitantes.  Também na Europa há muitos casos de escravidão, especialmente na prostituição.

Segundo estimativas das organizações da ONU, atualmente, no mundo, há cerca de doze milhões de pessoas em situação de escravatura. Metade delas são crianças e adolescentes. O tráfico de menores é, depois do comércio de armas e drogas, o mais lucrativo.

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

CONSERVADORES ABUSAM DE BENTO XVI CONTRA O PAPA FRANCISCO NA CONTROVÉRSIA SOBRE O CELIBATO

 

 “Do profundo do nosso Coração” – Igreja contra ela mesma?

António Justo

Com a publicação de um livro de 144 páginas e com o título “Do profundo do nosso Coração” (“Des profondeurs de nos cœurs”) em defesa do celibato, ultraconservadores do Vaticano tentam manipular em seu favor escritos do emérito papa Bento XVI. O Cardeal Robert Sarah, Prefeito da Congregação para o Culto Divino, advoga a coautoria do livro dele e de Bento XVI.

O livro coloca o Papa Francisco em situação difícil. De facto, Francisco estava a preparar uma Exortação sobre o Sínodo da Amazónia onde deveria tomar posição, em breve, sobre o celibato e provável abertura do clero para mulheres a nível regional.

O livro declara-se expressamente contra posições do Sínodo para a Amazónia, onde se previa o sacerdócio para pessoas casadas. Concretamente, questiona a resolução 72 aprovada pelos padres sinodais do sínodo da Amazónia. De facto, o sínodo da Amazónia não acabou com o celibato, mas abriu uma brecha para familiarizar a ideia e com o tempo concretizá-la.

Segundo o livro, o sacerdócio celibatário pretende libertar o sacerdote do ciclo matrimonial e da sujeição aos bens terrenos (posse) para não estar sujeito ao “fluxo do tempo”.

É altamente questionável que Bento XVI tenha querido uma autoria comparticipada.  Colaboradores de Bento XVI dizem que “Bento está completamente alheio a esta operação e mediática evidente”. Também vários jornalistas do Vaticano de renome negam o envolvimento do ex-pontífice na publicação do livro e dizem que Bento “não tinha visto ou aprovado a primeira página ou o facto de ter sido publicado um livro a quatro mãos “. Trata-se mais de uma “operação mediática” com “manipulações mediáticas” em curso, das quais Bento se dissociou (1). O cardeal Sahra apresentou como prova da cooperação três cartas com o cabeçalho e a assinatura de Bento XVI. Mas não há neles qualquer menção de cooperação num livro.

Uma pessoa íntegra como Bento XVI nunca poderia tomar tal atitude que constituiria um perigo para a unidade da Igreja. De facto, nestas questões quem teria uma palavra a dizer, ao lado do Papa seria o Colégio dos Cardeais” a quem competiria interferir.

Tudo leva a indicar que não há “transparência” entre o que os textos que Ratzinger terá escrito e o que aparece agora em livro conjunto. Certamente em breve sairá uma comunicação de Bento XVI a pôr cobro às especulações.

É bastante evidente que os ultraconservadores procuram minar a autoridade do Papa Francisco. Para isso revelam uma boa estratégia, conscientes de que hoje o que mais determina a opinião pública são as manchetes dos jornais e agendas de grupos com influência nos Media. Uma vez colocada em movimento a massa dos sentimentos já não haverá oportunidade para mais reflexões e diferenciações.

Porém a realidade que subsiste é que quem está com o Papa está com a Igreja!

António da Cunha Duarte Justo

Teólogo

In Pegadas do Tempo

 

  • (1) https://www.katholisch.de/artikel/24197-ist-benedikt-xvi-wirklich-der-co-autor-des-zoelibat-buchs

 

A MODO DE BALANÇO ENTRE A ERA DA ENERGIA FÓSSIL E A ERA DA ENERGIA RENOVÁVEL

Na Passagem da Era do Petróleo e do Carvão para a Era das Energias renováveis

Por António Justo

Com 2020 iniciamos um ano redondo de fim de década, o que convida a fazer uma tentativa de balanço sobre o passado e o que nos espera no futuro.

Como pontos relevantes de referência básica temos a primeira guerra mundial que iniciou o fim das nações na qualidade de potências individuais. Temos o comunismo a tornar-se no elo de ligação e coerência que deu expressão mundial à União Soviética como grande potência que hoje se prolonga na influência ideológica; por outro lado os USA com o capitalismo que deixaram de ser apenas um país para se tornarem na superpotência mundial, a partir da sua intervenção na I e II Guerra mundial. Ficaram assim a atuar no subconsciente dos povos e nos bastidores do palco mundial, de um lado, o capitalismo americano e do outro, o socialismo facetado.

A uma Europa enfraquecida pelas guerras e reduzida ao mero âmbito de nações, para poder sobreviver em relação aos USA, à Rússia, às potências surgentes da Ásia só lhe resta a alternativa de se organizar através de convenções e contratos na União Europeia.

À II Guerra Mundial seguiu-se o grande crescimento económico europeu, tendo dado origem ao maior período de paz na História da Europa e consequentemente houve um grande desenvolvimento no que se refere aos direitos humanos, responsabilidade social, espírito democrático, liberdade de imprensa e de mercado e à revolução tecnológica em via.

Temos pela frente o grande dilema climático e a necessidade de produção de energia sem base no carvão e no petróleo (grande problema tecnológico a solucionar será o do armazenamento de energia em baterias) para apostar certamente no desenvolvimento e construção de reatores de fusão à base de hidrogênio, como os ingleses já procuram fazer.

Como a vida social e política costuma andar atrelada à económica, tudo dá a entender que, no futuro, as zonas geradoras de riqueza e de conflitos passarão do Ocidente para o Oriente, como se observa na afirmação mundial da China em relação aos USA. As tempestades económicas são sempre acompanhadas por devastações sociopolíticas.

A destruição do Globo não tem que acontecer, talvez as nossas esperanças se encontram mais flutuantes nesta era muito caracterizada pela mudança e pelo receio do domínio de “dinossauros „económico-políticos.

Já não serão as políticas nacionais a determinar o desenvolvimento das regiões, mas sim grandes empresas anónimas (Google, Apple, Facebook, Amazon, Tencent, Alibaba, Visa, AT&T e outros que surgirão, chamarão a si as atenções e os interesses); estas concorrerão entre elas na tentativa de concentração de capitais e de poder ao lado do poder ideológico político na disputa comum pelo domínio das grandes massas.

A inovação tecnológica necessária, se acompanhada por uma cultura do senso comum e da honestidade, prometerá um futuro melhor e ainda mais agradável do que o de hoje. Para isso seria necessário que os valores surgidos da civilização judaico-cristã e greco-romana (baseados em relações pessoais humanas) não sejam substituídos por relações individuais baseadas no útil comercial (influência asiática).

A vida é contínua mudança e a plataforma que lhe dará consistência e sustentabilidade é a fé/esperança que nos acompanha no caminho, não nos deixando ficar sozinhos! Um povo, que não cultive a fé e a esperança, patina em si mesmo e não avança.

A esperança assemelha-se ao nadador que, para se afirmar em frente, se apoia na resistência que lhe oferece a fragilidade da própria água que o sustem.

A atitude da classe política europeia ao transpor para o povo o peso das dívidas e ao reservar para as elites o luxo descomunal, fomenta assim a chamada reação do “populismo” e dos ‘coletes amarelos’; estes são muito sensíveis à mudança axial que paira no ar e de que muitos ainda se não deram conta e por isso se limitam, por vezes, a discursos do medo do medo!

O Brexit pode ser interpretado como uma reação de medo no mesmo contexto e também um sinal da falta de coesão de uma Europa envelhecida incapaz de dar respostas de caracter orientador e de sentido para o tipo de nova sociedade que vai surgindo (O Papa Francisco poderia servir de modelo para o novo homo politicus que urge criar – as peias ideológicas impedem, porém, os políticos de reagir aos sinais do tempo. A mentalidade extremista e exclusivista de uma esquerda ativista e de extremistas da direita mais não são que a continuação do fanatismo das antigas guerras de religião só que encoberto com indumentárias de democracia e de luta em nome de algum bem desgarrado.

Pelo seu lado, o mundo do operariado do sector produtivo sente-se inseguro perante a inteligência artificial que o vai arrumando pouco a pouco. O capital que o trabalhador possuía era a energia do seu trabalho manual sublimado no Dinheiro. Atendendo à dicotomia entre economia produtiva e a economia financeira e correspondente anulação dos juros, desvaloriza-se também a energia laboral do trabalhador em benefício da energia das máquinas e do anónimo. As inovações tecnológicas já se fazem sentir também no clima dos trabalhadores e seus receios em relação ao futuro; cada vez se torna mais seu anseio serem funcionários do aparelho estatal.

Por seu lado, as elites já incluem no seu agir a instabilidade social e o incómodo social; elas vão dando um passo de cada vez, tendo assim já abdicado da História.

Embora a pobreza mundial diminua, nunca houve uma época com tão grandes desigualdades sociais como a de hoje: regentes e oligarcas permitem-se a nível de salários e de gestão da vida (energia desviada) o que não se permitiam reis em relação aos seus súbditos: hoje estamos a ser cada vez mais burilados, através também do pensamento politicamente correto, como massa súbdita e anónima na grande máquina da anonimidade económica e política, que vê o seu trabalho simplificado através do controlo total de tecnologias e cabecilhas.

Estamos a passar do século do petróleo para a era das energias renováveis… O expansionismo económico chinês em rivalidade com o americano obrigar-nos-á, pouco a pouco, a desquitarmo-nos do domínio americano e também de muitos dos valores da sociedade ocidental. A não ser que o poder asiático se torne tão forte que provoque a união dos povos do ocidente com a Rússia.

Por enquanto a sociedade ocidental encontra-se numa fase de desconstrução não só por fraqueza própria, mas pela concorrência de novos protagonistas mundiais e por interesses estratégicos da ONU, interessada em desvalorizar a influência cristã no mundo no sentido de adquirir o controlo total sobre as sociedades para ir substituindo a concepção cristã da pessoa pela de indivíduo da China (relação mais de serviço). Se olharmos para os dados estatísticos do desenvolvimento económico dos países neste século, será de esperar que depois dos anos 70 já não será relevante a problemática política e económica entre a China e os USA, mas sim entre a China e outros países asiáticos.

© António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo