Um voto contra a corrupção do Estado
A 25 de Março de 2007, num acto de desobriga entre abrilista e setembrista a RTP1 elegeu “O Maior Português de Todos os Tempos”!
Os tempos estão para os que costumam andar de ouvido colado aos baixios do povo atentos aos seus rumores anais.
No mesmo caldeirão Salazar e Cunhal. O odor que surge da cozinha televisiva convida a tirar o testo da panela. A mistura promete e favorece o espírito de campanha, desta vez alarmista… À hora de repouso de crianças mais uma sondagem para distrair das mazelas da civilização.
No concurso televisivo das personalidades pretensamente mais importantes de Portugal verificou-se que nas restantes 10 personalidades votaram cerca de 200 mil portugueses. Destes, cerca de 80 mil votaram em António Oliveira Salazar, que adquire o 1º lugar com 41%, seguindo-se-lhe Álvaro Cunhal com 19.4% dos votos.
Portanto:
1º António Oliveira Salazar 2º Álvaro Cunhal 3º Aristides Sousa Mendes 4º Dom Afonso Henriques 5º Luís de Camões 6º Dom João II 7º Dom Henrique, o marinheiro 8º Fernando Pessoa 9º Marquês de Pombal 10º Vasco da Gama
Neste tema polarizador entre Salazar e Cunhal os outros 8 propostos tiveram apenas um papel de tripés. Portugal e a sua história são reduzidos às suas dimensões reais no tratamento dos problemas nacionais. A nossa sociedade é tão liberal que até a verdade já é elegível, também a histórica…
A memória portuguesa tem um limite de 50 anos, com um ideário restrito mas muito presente. Tem-se a sensação de que Portugal quer continuar a persistir em não merecer mais do que polémica e negociantes da banha da cobra.
Vai-se cristalizando a impressão de que do povo só interessa o blasonar. Foi sempre assim mas na época da demagogia demoscópica e mediática sempre se vão ouvindo os arrotes do povo embalado como música para adormecer.
Para uns “Salazar é o símbolo de honestidade, de inteligência administrativa e de dedicação à pátria”, que segurou o império português contra o comunismo internacional. Para outros Álvaro Cunhal, é o grande democrata pró-soviético de grande impacto na sociedade portuguesa.
Cada regime tem os seus beneficiados e as suas vítimas. Ontem pecava-se pelo nacionalismo, hoje pelo internacionalismo. Os feiticeiros do 25 de Abril atolados no legado que Salazar terá deixado e os sonhadores do século 21 atolados à herança que os abrilistas deixarão? A história tem sonos longos!… Também é verdade que o povo é quem mais ordena mas seguindo sempre os que levantam o facho na mão.
Mas “assim se fazem as cousas…” Quem estiver ilibado que atire a primeira pedra… A verdade é que eles são parte de nós, povo, que lhes demos a oportunidade…
O povo elegeu dois símbolos que constituem dois pólos antagónicos. Dum lado o conservadorismo patriota até nacionalista e do outro o socialismo marxista internacionalista.
Será que o resultado terá sido “ um murro no estômago do esquerdismo cultural” vigente? Não, apenas mais uma oportunidade para os que vivem de campanhas. De premeio sente-se um protesto contra a situação e não contra a democracia. É a manifestação do sentimento de impotência dum povo moribundo há já vários séculos. De resto, este espectáculo foi mais uma oportunidade para os mesmos actores da história que se sucedem e cuja diferença quase se esgota nas máscaras que trazem.
Quem fala de “branqueamento do fascismo” não percebe o que é o fascismo. Não se deve tratar de humanizar ou desumanizar as figuras de Salazar e de Cunhal nem de difamar os actores da história. Interessante seria discutir as suas ideias e voltar a descobrir a ideia de povo e de concelho que remonta aos primórdios da nossa história vinda já dos suevos. Os senhores do poder e dos dogmas estarão certamente mais interessados em imagens construídas e nos tabus. Pensar seria incómodo e isso não se aprende na escola.
Seria oportunismo, com base no argumento de que o povo Português desconhece a história, querer agora instrumentalizar mais ainda as aulas de História e de Português em nome dum multiculturalismo irreflectido é à sombra do qual medram os pregadores do internacionalismo. Quem nega a própria história recorrendo à sua difamação (reduzindo-a a cruzadas, colonialismo, racismo, escravatura e caça às bruxas) sem estabelecer a cor local dos acontecimentos com os seus actos heróicos e barbáricos branqueia com isso as barbaridades de hoje.
Alguns mostraram-se preocupados com a «péssima imagem de Portugal» de Portugal no estrangeiro perante a escolha feita. (O estrangeiro escandalizar-se-á pela escolha de Salazar ou de Cunhal?) O problema não está na imagem que os estrangeiros possam ter de nós mas na mentalidade que faz expressar esse receio. Com slogans de liberdade e de cravos tem o povo caído na cantiga do outro. Apesar de 30 anos a nossa democracia continua virgem
Em programas da televisão como estes quem ganha é a televisão e quem perde é a nação. De resto a democracia vive da polarização, facto que a revela decadente, tal como o foram os sistemas que ela substituiu. Os cravos da democracia encontram-se murchos e o povo encravado.
A verdade é que se mudam os tempos mas não as mentalidades. Há muita letra e muita música, só faltam os instrumentos.
António Justo