Universo – Uma Metáfora

Como começou o universo, de que consta e o que é que o mantém? Estas perguntas permanecem constantes em toda a humanidade e durante todos os tempos.

Cada época dá diferentes respostas às mesmas perguntas. Isto corresponde à necessidade de se querer ordenar o mundo, de querer arrumá-lo. Para uns o mundo começa com o Big Bang (Explosão inicial) para outros com Deus.

Com Nicolau Copérnico a Terra passou a ser ordenada no sistema solar. A consciência de se estar no centro do mundo foi-se. A Terra deixa de ser o centro do universo e com isto surge uma nova consciência humana. Com a insignificância da terra também o ser humano passa a ser satélite, uma função mecânica anónima. Do humanismo dá-se o passo para o materialismo. Hoje os astrónomos relegam a Terra para a periferia dum universo ao lado de muitos outros. E o ser humano onde se encontra?

A visão do universo correspondente à visão da matéria. Microcosmo e macrocosmo correspondem-se. Da matéria dos átomos passa-se às formações universais. O universo consta apenas de 1 a 5% de matéria visível e é activado por uma força invisível; os cientistas especulam sobre os 95% que faltam falando então de matéria escura e de energia escura. A força que move o universo não é conhecida; o universo está cheio do que se não conhece. Fala-se mesmo de vários universos. As imagens da realidade dos cosmólogos são tão diversas como as dos teólogos sobre Deus e o mundo. David Groß, prémio Nobel americano, afirma: “Nós mesmos não sabemos do que falamos”. Constroem-se teorias que depois se procuram provar. A investigação dos macrocosmos e dos microcosmos complementam-se.

Lee Smolin da University of Waterloo refere que “hoje a maior parte do que os teóricos publicam sobre as bases da física não se pode examinar”. É difícil encontrar provas para a nova mundivisão. A origem e a estrutura base do universo não foram ainda equacionadas em fórmulas.A física encontra-se empenhada na procura duma nova imagem do mundo, na procura da sua fórmula.

A física conhece 5 estados da matéria: sólido, líquido, gasoso, plasma (gás ionizado que forma mais de 99% do universo visível) e condensado, segundo Bose-Einstein (um estado em que os átomos participantes vibram na mesma frequência e se alcança à temperatura de -273 graus Celsius). Temperatura é energia do movimento.

O universo é uma metáfora de Deus. À semelhança dos mundos “físicos” formam-se as mundivisões.

Para a física astronómica o universo originou-se dum “ponto nulo” através da explosão original. Para a matemática o ponto é um nada. Para a filosofia ele é a medida de todas as coisas. Para a teologia cristã é Deus, que se especifica na fórmula trinitária.

O filósofo Euclides definiu já 300 anos antes de Cristo o ponto como “algo que não tem partes.” O ponto negro é um ponto infinitamente pequeno de tal modo comprimido que materialmente não existe e ao mesmo tempo contem a matéria das estrelas solares mortas. Ele é de tal modo comprimido que nem sequer luz irradia.

Chegamos a uma imagem do mundo de céu aberto em que o centro se encontra em toda a parte e se reconhece o não-material como origem do mundo material visível. Isto implica a formação duma nova consciência e duma nova mundivisão com consequências inestimáveis para o futuro.

Para Teilhard de Chardin matéria e espírito são os dois rostos do mesmo elemento cósmico, dois estados da criação. A criação é um acto contínuo da evolução biológica e histórica e “Deus é o coração de tudo, o coração da matéria…” (O cientista e teólogo Teilhard de Chardin antecipa a nova consciência que ainda continua a passar desapercebida na pós-modernidade. A mudança iniciada no séc.XX só pode ser comparada com a mudança de consciência do renascimento, só que desta vez para melhor! A globalização em curso é um fruto exterior da mentalidade nascente).

A medida da humanização do ser humano orienta-se para o ponto Ómega, a incarnação. Tudo se encontra a caminho desse ponto. Cada um, por vias diferentes, está a caminho na procura da luz que se encontra na matéria: “Eu sou a luz do mundo”.

“Consola-te, tu não me procurarias se me não tivesses já encontrado”, já sabia Blais Pascal. Agostinho juá tinha chegado à mesma experiência.

Aqui se torna latente o irromper duma nova consciência, uma nova maneira de estar no mundo que é comum à Física, à Cosmologia e à Teologia. A política ainda não despertou para a nova realidade!

António Justo

António da Cunha Duarte Justo
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União Europeia – Razão e Fé

Partidos à Margem da Nova Mundivisão Científica

A Europa foi desbravada com a charrua da fé e da razão. Também Portugal, na sua fase áurea, foi à conquista do mundo, com o arado da fé e da razão, contribuindo com a sua obra colonizadora para o desenvolvimento das civilizações.

Em que se terá de basear hoje a Europa para a conquista do futuro? Na redescoberta da união da fé com a razão, na reunião da filosofia e das Ciências Naturais?

O que resta de Cristão no Ocidente? A investigação do específico religioso na cultura europeia não se pode reduzir a um trabalho de arqueologia. Exige uma tarefa de argumentação dialógica. A Europa é judaica, grega, romana, bárbara, ortodoxa, católica, protestante, revolucionária, dialéctica e mística. Dela surgiu a globalização que é o início da resposta ao espírito novo, à nova consciência do ser humano a que o século XX deu base com a superação das contradições de espaço e tempo no contínuo espaço-tempo e a superação do dualismo matéria-energia. Esta descoberta ainda não entrou na consciência política europeia.

Desenvolvimento da Consciência Europeia
No desenvolver das nações, nos seus altos e baixos, houve sempre uma linha condutora que ligou a Europa. O cristianismo manteve o culto da razão no equilíbrio polar de corpo e alma.

Com o início da época moderna no séc. XVI e a correspondente divisão das ciências e fragmentação política e religiosa, sob a égide das ciências naturais obteve-se um grande desenvolvimento tecnológico na Europa.

Galileu Galilei no século XVI dá início ao credo da nova época determinando o absolutismo da nova ciência com o seu programa:”Medir tudo o que é mensurável e tornar mensurável o que ainda não é.” Descartes com a geometria analítica e o exagero do princípio dualista realiza a separação completa de corpo e alma.

Com a passagem do pensar lógico para o pensar racionalista exagerado, o iluminismo e a Revolução francesa (e seus sequazes) querem banir tudo o que é cristão e substitui-lo pela sua nova ideologia em toda a Europa. Depois da revolução francesa afirmam-se no espaço político dum lado as forças restaurativas (socialismo e republicanismo) e do outro as forças conservadoras. Nesta época o racionalismo impõe-se à razão e à religião desembocando na praxis tecnológica e tecnocrata. A grande actividade renascentista levou também aos becos sem saída mecanicista, materialista e racionalista. A pós-modernidade procura um caminho para sair da crise. O espírito ocidental manteve-se mais num espírito católico que não cede ao dualismo e não se perdeu no experimentalismo.

No século XIX e XX o socialismo queria tornar-se o sentido da Europa. As novas descobertas da física relegam o socialismo para uma ideologia presa ainda no espírito do séc. XIX. O fracasso do sistema socialista e das ideias da geração de 68 tornam-se cada vez mais visíveis. Incapaz de se modernizar a família socialista ainda actua desesperadamente estoirando os seus últimos cartuxos. Procura, com uma determinada maçonaria, influenciar a Europa a nível da sua Constituição e instituições, bem como com intervenções autocráticas, quando se encontram em funções governamentais. Perde-se na luta cultural. O seu problema está em ter perdido o comboio da história e da ciência. Enquanto que o catolicismo muito lentamente se adapta à nova visão da ciência os credos políticos apenas se aproveitam das suas marginalidades mantendo a sua mundivisão antiquada. O seu desespero manifesta-se no militantismo dum progressismo ultrapassado contra uma sociedade de espírito cristão que, apesar de vagarosa, por não ter concorrentes sérios a nível de visões e modelos intelectuais de sociedade, está segura da sua presença no futuro da Europa e do mundo. Os democratas cristãos e os conservadores europeus distanciaram-se do missionarismo marxista mas também eles, desorientados, se deixam similarmente levar pelo mero pragmatismo.

Assim a União Europeia tornou-se numa realidade de grande sucesso à margem da ideia do ocidente cristão. No debate sobre a Europa do futuro, o elemento cristão é imprescindível. Ignorá-lo significaria a abnegação de si mesmo. Há forças ligadas à tradição extremista da revolução francesa (um certo liberalismo, socialismo e o republicanismo laicista), agarradas às velhas ideias mecanicistas, materialistas e racionalistas da velha ciência, que continuam empenhadas em desacreditar a história do ocidente. O laicismo quer declarar a religião como coisa privada. À margem da realidade mundial e dos verdadeiros ideais de democracia, desconhecem que não há liberdade sem liberdade de religião / consciência, tanto a nível público como privado. Optam por um restringimento nacional. Desconhecem a mundivisão da nova ciência e a filosofia cristã. Vivem oportunamente dos erros duma economia abandonada a si mesma.

A história da Europa seria incompreensível sem o cristianismo. A Europa tornou-se uma grandeza geográfica e política através dele. O Ocidente como toda a cultura tem os seus fortes e os seus fracos. Não se pode viver na limitação da nostalgia nem na ilusão dum mundo intacto. Política e religião têm que tomar mais a sério as descobertas da nova física no início do séc. XX. A política para dar resposta aos sinais dos tempos deve rever a sua ideologia com base na nova ciência e a religião deve acentuar o pensar místico incluído na fórmula trinitária que se encontra muito perto da fórmula física.

Um elemento que não poderá ser esquecido no espírito da Europa é também a ortodoxia.
A discussão ideológica e a tentativa marxista e racionalista laicista de impedir a referência cristã na Constituição Europeia e um certo actuar anti-cultural posto na ordem do dia, revelar-se-ão como um erro no futuro dum socialismo integral.

A declaração pelo cristianismo não implica o monopólio cristão do espírito da história europeia. O carácter discursivo do espírito grego, romano e judaico e o ideal da liberdade são aspectos vitais da identidade espiritual europeia. O cristianismo, nas suas várias expressões e o espírito europeu em permanente discurso e constante acção recíproca dos diferentes povos e sub-culturas europeias, com a sua ideia católica, são um modelo exemplar para a configuração do mundo. Isto é óbvio também pelo facto dos princípios éticos serem objecto da discussão e não garantidos pela jurisprudência ao contrário da maneira de estar islâmica e do credo comunista. A civilização cristã é, na sua essência, aberta. Uma praxis europeia com fundamentos na ética, Deus, constituição revelou-se muito oportuna. A constituição está ligada aos valores. Um preâmbulo de Magna Carta que expresse a responsabilidade, Deus, o Homem, a consciência na liberdade do desenvolvimento corresponde ao desenvolvimento da Europa através dos tempos. A Constituição Polaca seria o melhor exemplo a seguir, neste aspecto. Ela fala da responsabilidade perante Deus e perante a própria consciência…

Não há nenhum euro-centrismo na tradição judaico-cristã. As raízes do cristianismo e a sua origem estão fora da Europa. Tomás de Aquino e Alberto Magno possibilitaram a discussão com a Antiguidade. O protestantismo acentua a continuidade dos fundamentos dos primeiros séculos, enquanto que o catolicismo opta por uma apropriação na continuidade. A independência de igreja e estado é específica. A cultura cristã possibilita assim a multiplicidade das formas de vida. Ao contrário do Islão que é anti-moderno e só se comporta tolerante quando vive em diáspora; falta-lhe ainda a teologia. O cristianismo é compatível com as diferentes culturas sem condicionamento hegemónico. Esta é a vantagem do modelo europeu.

O passado europeu ainda se encontra muito presente. Ainda se não reconciliou na relação entre cristãos ortodoxos, católicos e protestantes nem com o laicismo dos ideais do liberalismo da revolução francesa. As experiências sangrentas com a revolução francesa e as guerras civis republicanas ainda se encontram muito presentes na consciência europeia.

O Vaticano II procura a reconciliação. Na verdade o berço da dignidade humana é o cristianismo, só que a instituição se preocupou demais pelo poder, pela instituição. Um pensar baixo laicista persiste em antagonizar cristianismo, liberdade e iluminismo. Nesta luta de galos na mesma capoeira perdem-se muitas penas. A Europa precisa de qualidade espiritual e de perspectivas construtivas. A fórmula é fé e razão independentemente das patologias da fé e da das patologias da razão. A razão tem que continuar a acção purificadora das patologias religiosas tal como o cristianismo terá de purificar as patologias da razão que se manifestaram na concepção do homem como um produto. Também a razão tem fronteiras como se pode ver na bomba atómica e ao passar da lógica para o racionalismo. A esquerda tornar-se-ia infiel a certos princípios que defende se continuar no combate de castelos no ar e na guerra a um cristianismo macarrónico.

O melhor sistema de relação entre igreja e estado é o modelo alemão em que há uma relação de independência na parceria. Este modelo tem naturalmente os seus quês numa nova situação com o aparecimento dum islamismo com elementos ainda incompatíveis com a democracia.
Um processo de aprendizagem estará no trato de religião e política com a liberdade. Isto pressupõe um longo processo. A experiência nos Balcãs pode ser vista como chance ou como ameaça, o nacionalismo bósnio por um lado, uma polónia vital mas muito próxima à ortodoxia por outro. O mundo cada vez se torna mais numa “aldeia” não permitindo que se desça do comboio da história.

A Europa é a alternativa ao poder todo-poderoso das ideologias. Os muçulmanos terão de se abrir ao pensamento científico. Doutro modo haverá o perigo duma Balcanização da Europa.
O laicismo religioso da Turquia fere a liberdade, não sendo compatível com a Europa. Por sua vez os cristãos não podem aceitar que a religião seja reduzida a coisa privada ou sujeita a favoritismo. Os cristãos aprenderam a lição uns com os outros. O individualismo vê o estado e a Igreja como um perigo. A esperança numa liberdade que tudo promete é vã.

A religião será cada vez mais tema. É-o já na Europa desenvolvida. O secularismo terá de se tornar mais humilde e aberto, doutro modo diminuirá bastante, falhando a sua missão. A religião, quer queiramos quer não, permanecerá uma constante evidente. A América é um exemplo em que religião e modernidade não são contradições. A religião faz parte da discussão intelectual. O relativismo ainda vigente em alguns credos político-administrativos é uma ironia acerca do próprio vazio. Na província europeia instalada em certos meios de influência portuguesa ainda se continua a viver da luta pela luta, da luta de pseudo-intelectuais contra a cultura da maioria.

As pessoas procuram Deus, segurança, salvação, comunidade, vida subjectiva expressa em diferentes atitudes. Precisa-se da diferenciação dos espíritos e de diversas modalidades de vida.

A verdade liberta-se na liberdade, ao decidirmo-nos por ela. Muitos terão de aprender a nadar na nova religiosidade. Esta não oferece garantia a ninguém. Pode ser uma chance para todos. A renascença da religião não permite o regresso ao passado apesar dos impulsos muçulmanos. A fixação na autoridade é estranha à realidade cristã e contrária ao desenvolvimento subjectivo.

Sendo o cristianismo a fonte da Europa não deve ser reduzido a arqueologia. O futuro do cristianismo na Europa depende naturalmente do seu número e do seu testemunho e o desenvolvimento da civilização ocidental dependerá da fidelidade ao espírito judaico-cristão..

A Europa foi construída na dialéctica entre tradição e inovação, entre fé e razão. Uma fé não fechada em si mesma mas sempre dinâmica no seguimento da inteligência e amparada pela razão não precisa de temer o futuro. A Europa soube integrar a revolta no seu ser, através duma sabedoria prática.

O cristianismo é também um parceiro imprescindível à União Europeia nas diferentes plataformas de diálogo entre as civilizações e as culturas. Seria miopia assentar as relações internacionais apenas nas forças militares e económicas desconsiderando o papel das ciências e da religião na formação das mundivisões.

Sistemas partidários antiquados
Só modelos totalitários se julgam capazes de dar resposta à perfeita realização humana. Todo o absolutismo abafa o homem. Nenhum futuro, nenhum Deus, nenhum ser humano pode ser encerrado num sistema seja ele político, religioso ou intelectual.

Só a investigação fundamental da ciência europeia do séc. XX conseguiu, com as descobertas de início do século, dar resposta às novas necessidades iniciando uma nova tentativa, uma nova mundivisão e método de trabalho que pressupõe uma nova maneira de estar no mundo. As elites políticas do séc. XX não compreenderam esta revolução científica e continuam fiéis às velhas ideias. Assim aqueles que antes eram símbolo do progresso tornaram-se o seu impedimento, muito embora em nome dele.

Hoje o grande problema dos nossos sistemas partidários é o facto de se manterem antiquados, continuando a aplicar a mundivisão do século XIX, o exagero iniciado no séc. XVI e cujos extremismos se manifestam no (racionalismo), no marxismo, no pragmatismo e no existencialismo.

Desconhecem a nova ciência iniciada com Planc (teoria quântica) e com Einstein (teoria da relatividade que superou o materialismo dualista). As ideologias políticas modernistas, que determinam actualmente o dia a dia político europeu, ainda se encontram prisioneiras das velhas ideias dos tempos modernos que dominaram até ao século XIX. Vivem à margem da nova ciência que superou a velha maneira de pensar racionalista e materialista.

O futuro implica, com a base da experiência da época moderna, a reactivação duma visão complementar de todas as disciplinas, procurando evitar todo o dualismo e iniciar uma nova maneira de encarar a realidade na integração da ciência naturais e humanas. Uma nova plataforma dos partidos terá que assentar numa dinâmica polar complementar. O Universalismo só será possível numa visão integral, não dualista.

António Justo

António da Cunha Duarte Justo
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São Martinho – Castanhas e Vinho

No dia 11.11 S. Martinho é festejado por todo o lado. Na Alemanha é costume as crianças dos Jardins-de-infância saírem ao anoitecer para a rua. Em cortejo, a catraiada, de lanterna em punho e acompanhada pelas educadoras de infância, dá mais cor e expressão ao ambiente, cantando “Laterne, Laterne”.

As lanternas acesas, que ostentam na mão, são geralmente elaboradas pelas mesmas crianças nos Jardins-de-infância. Com este rito de preparação e encenação, aprendem a importância do partilhar bens materiais e culturais. Há lugares onde, no desfile, uma das crianças vai vestida de São Martinho montado num ponny. Para arredondar o acontecimento, nalguns lugares come-se o “Ganso de S. Martinho”

Em Portugal aproveita-se o Verão de São Martinho para se assarem as castanhas e provar o vinho novo. Nalgumas escolas organizam-se magustos. Pelo mundo fora muitas comunidades portuguesas mantêm a tradição de festejar o “Verão de S. Martinho com castanhas e vinho. Muitas vezes chegam de encomenda, trazendo, no seu luzir, o sol português!… O vinho, esse levanta o espírito e chega a fazer milagres inspirando e consolando homens e mulheres na doce fantasia sentida no horizonte da saudade comunitária. Assim se espalham e vivem tradições

O povo conta que um soldado romano chamado Martinho, num desses dias húmidos e tristes em que o vento empurra o frio e a chuva contra o povo, Martinho estava de serviço fazendo a sua ronda.

A caminho, depara com um velho desnudado a tiritar de frio, que de braço estendido pedia esmola.

O soldado Martinho, sem nada para dar, tirou a própria capa e, cortando-a ao meio com a sua espada, entrega a metade ao mendigo que quer agasalhar.

Passados momentos deixou de chover e o sol raiou como se fosse pleno Verão. Daí o costume do povo chamar aos dias quentes de Novembro o “Verão de S. Martinho”.

Martinho desceu do cavalo da sua importância para se colocar ao nível do pobre. Essa atitude acalora o próximo e o ambiente.

No gesto de Martinho, a espada, uma arma destinada a ferir e matar, nas mãos de Martinho, transforma-se num instrumento de compaixão e de amor ao próximo. É o sol a raiar na natureza e no coração!

António da Cunha Duarte Justo

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Domingo – Um Valor Cultural a Defender

Domingo – Um Oásis à Margem do Consumo

As Igrejas, Católica e Evangélica, recorreram ao Tribunal Constitucional Alemão, para impedirem que o Estado de Berlim imponha a abertura do comércio ao público, durante dez domingos por ano. Noutras partes da Alemanha as igrejas têm tido sucesso no impedimento de transformar o Domingo em dia de trabalho tendo recebido o apoio das mais diferentes iniciativas e até mesmo de muitas Câmaras Municipais.

As Igrejas são de opinião que uma sociedade precisa de dias livres para descansar e se dedicar ao cultivo do espírito, ter espaço e tempo para o cultivo de valores imateriais.

O consumo tornou-se num substituto de religião pelo que, para muitos, os templos de consumo deverão estar sempre abertos. Antigamente nas cidades sobressaíam as torres das Igrejas, hoje sobressaem as torres dos bancos e dos Centros Comerciais. Óbvio seria que sobressaísse a grande “Torre”, o Homem, do mais pequeno ao maior.
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A sociedade precisa de tempos livres de trabalho, de tempos festivos. É verdade que muita gente (sem acesso ou sem consciência da necessidade de consumir cultura) não sabe que fazer com o tempo livre. Os templos do consumo, no seu próprio interesse, para atraírem o pessoal e as crianças, criam ofertas de distracção também para as famílias. As Juntas de Freguesia, as Paróquias e outros agrupamentos culturais estão empenhados em oferecer actividades de tempos livres para cultivarem nos seus “clientes” interesse por valores culturais. A Alemanha nação da cultura e da inovação consegue manter a importância da tradição e da cultura e ao mesmo tempo estar na vanguarda do desenvolvimento. A insidiosa tentativa do Burgomestre de Berlim, da mesma criação de Sapateiro e de Sócrates, sem respeito pela tradição, dificilmente irá à frente. O tempo das ramboiadas e das vacas gordas já passou!

Muitos cidadãos criam dívidas nos bancos ou vivem ao Deus dará, sempre na dependência. A sociedade de consumo não conhece pessoas, só lhe interessam consumidores; quanto mais eles irreflectidos forem melhor para o comércio e para o Estado. O comércio vive das compras e o Estado dos impostos, quanto menos dinheiro ficar na bolsa dos cidadãos maior é o proveito para o Estado. Por cada dia santo a menos, o Estado vê a sua bolsa aumentar. Por isso o Estado, de mãos dadas com o capital, não quer dar a hipótese de se pensar sobre a vida e o seu sentido, aquilo que pretendem as Igrejas ao pretenderem manter o domingo livre do trabalho.

O Domingo oferece uma outra atmosfera ao país, também nas ruas e nas estradas há mais paz.
No Domingo sai-se do normal, do rotineiro ficando mais tempo disponível para si próprio, para a família e amigos.

O homem não vive só de pão. Para os cristãos o Domingo é o primeiro dia da semana, dedicado a Deus e ao Homem. Já no Antigo Testamento a religião ordenava o descanso sabático para animais e serviçais. Na Idade Média a redução do Homem a homo faber era contrariada com o mandamento de abstenção de trabalho nos Domingos e Dias Santos. Estes ocupavam uma significante parte do ano. Não se trata de defender aumentar os dias de descanso, mas de não deixar reduzir a pessoa humana a mero instrumento do Comércio e do Estado. A avidez do Estado cada vez escava mais o interior das pessoas no sentido do “não importa” e dum “é igual”indiferente. A precariedade e a falta de referências das pessoas tornam mais fácil a sua manipulação e escravização. Certas elites, ligadas ao negócio da economia e da política, querem ver o cidadão reduzido a proletariado, a colectivo preocupado só com o pão. O bem cultural do Domingo é um impedimento aos seus interesses pelo que fazem tudo por tudo para o colocar à sua disposição e serviço.

António Justo

António da Cunha Duarte Justo

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A Cruz com A Cruz – Simbologia e Realidade

Na Itália uma senhora muçulmana conseguiu em primeira instância ganhar um processo contra a cruz na escola que sua filha frequentava. O tribunal superior revogou a decisão do tribunal da instância inferior.
Em Portugal, em Abril passado a Associação República e Laicidade denunciou ao Ministério da Educação 20 casos de cruzes em salas de aula, solicitando a sua retirada. O ME, sem consultar as comunidades escolares, numa acção de desrespeito do próprio e de respeito pelo alheio determinou que as cruzes fossem afastadas.
Ideólogos ignorantes e pseudo-iluminados multiculturalistas encontram-se por toda a Europa em campanha contra a cruz, símbolo dos oprimidos, muitas vezes instrumentalizada pelo poder religioso, por marxistas materialistas que se apoderaram da cruz reduzindo-a à cruz comunista do martelo e da foice, pelos nazis com a cruz suástica ou pelos satanistas com a sua cruz invertida bem como por aqueles que querem o ser humano de braços abertos, indefeso e crucificado nas lixeiras dos povos. Por toda a parte a cruz com a cruz!…
Os que hoje proíbem a cruz amanhã proibirão a presença de deficientes nas festas e não tolerarão os pedintes nas ruas, onde a cruz é mais visível. Como não aceitam a própria dor nem o sofrimento que causam também não aceitarão a cruz. Esta é o símbolo dos que sofrem e por isso uma provocação. Eles não se encontram sós. Nela se derribam todos os muros rássicos, religiosos, culturais e individuais.!… Contra a absolutização do poder, do direito, do capital, do consumo e mesmo do racionalismo. Ela relativiza tudo, é também um princípio de dúvida metódica ao mundo da razão. Ela rasga o véu do templo, a verdade dos dogmas e a consistência das leis…
A reacção agressiva à cruz é consequência dum modo de vida e dum projecto. Os dançarinos do sonho “multicultural” actuam com preconceitos contra símbolos cristãos, contra tudo o que cheire a povo. Querem um Homem mutilado, uma imagem de Homem de cabeça baixa sem a perspectiva transcendente.
Uma vez no poder, já não lhes chega carregar o povo com a cruz diabólica como até lhe roubar o seu sinal de honra e de dignidade humana. Eles comem tudo. Eles comem tudo e até dos restos têm medo, não querem vestígios. Eles querem para os outros apenas a cruz do trabalho e da desonra e não suportam a cruz sinal de protesto dos fracos e sinal da sua dignidade. A tal chegou a arrogância e a ignorância do poder, que nem sequer os ossos deixa para os seus súbditos. Querem um povo sem espinha dorsal, querem apenas súbditos, querem fiéis pelintras de joelhos mas alegres e sem memória, distraídos, à sua porta, à sua procura, à procura do eu ou da ilusão sem sentido. Por detrás do combate às duas traves cruzadas esconde-se, por vezes, o medo inconsciente de se descobrir o próprio arquétipo de si mesmo que é Jesus Cristo, que é a cruz. Este símbolo não é indiferente porque pessoal e real e porque pressupõe uma consciência de ser humano que já não se pode desculpar perante um Deus distante mas pressupõe um pedir desculpa perante si mesmo, perante o povo, perante a natureza e perante um Deus pessoal; têm medo de entrarem no seu íntimo, de descobrirem a imagem protótipo, a sua realidade também actuante nos outros. Prisioneiros de sistemas aparentemente lógicos não querem transpor a realidade do dia a dia e na sua filosofia confundem a meta da vida com a auto-descoberta. A realidade da cruz aponta para a vida para lá de imagens fixas, do poder de maiorias ou ortodoxias, tendência ou moda.
A Cruz deslegitima todo e qualquer poder do homem sobre o homem….provenha ele de fonte política, religiosa ou material, seja em nome e por obra de quem for. Muitos reduzem-na à simbologia dos abusos praticados em seu nome e ao poder farisaico e presumido duma igreja extremamente oficial petrina.

Simbologia
A cruz é um símbolo universal que se encontra em quase todas as religiões e culturas sob uma ou outra apresentação. É um símbolo que pertence à humanidade e não apenas aos cristãos… A cruz já se encontra documentada desde há 14 mil anos. Para os egípcios (Ankh) era sinal de vida e de imortalidade; a cruz suástica na Índia é sinal de salvação e de bênção e na China é símbolo de felicidade, infinito e sol. Ela foi o símbolo do nascimento da nacionalidade portuguesa, era o símbolo usado na primeira bandeira portuguesa, fazendo ainda hoje parte dela, embora de forma mais discreta. A cruz é o sinal principal da bandeira Suiça, etc. É instrumentalizada pelas mais diversas ideologias: nazismo, comunismo, satanismo, etc.
Passarei a referir-me ao símbolo da cruz na civilização ocidental.
Para os cristãos é o símbolo dos símbolos, o símbolo da totalidade e do equilíbrio. Ela consta duma linha vertical que une a terra e o céu, duma linha horizontal que indica para o mundo, para os outros e dum centro que une os opostos. Como imagem do Homem, é um sinal do seu antagonismo, um sinal de amor e de protesto contra a dor, de luz e treva, um sinal positivo, uma fórmula, uma chave para a vida.
Torna-se também um símbolo da ordem material e espiritual – o seu centro – que abre e possibilita novas perspectivas, novas dimensões da realidade sem preconceitos espiritualistas ou materialistas. É um convite ao Homem para se tornar humano. Ela está para uma fase superior da humanidade e da História com uma nova ideia de Homem e de Deus. Ela é símbolo de vitória duma nova maneira de ser e de estar no mundo, ou melhor ainda uma nova maneira de se ser e sentir mundo. Para os cristãos até ao século V ela era sobretudo um símbolo de alegria, de vitória. Os romanos reservavam a crucifixação na palestina para os amotinadores, os que se revoltavam contra o poder político de Roma. A oligarquia romana não suportava que os cristãos usassem a cruz como sinal de salvação, de vida e colocassem a cruz no centro da sua existência, quando eles a viam como um sinal de rebeldia e a usavam para matar os insurrectos.
Através do Cristo nela triunfam os fracos e fracassados sobre os poderosos, sobre a morte, sobre o mal. Os poderosos e candidatos ao poder têm medo do sinal da cruz. Têm medo de assumir responsabilidade pessoal, têm medo dos crucificados que se poderão libertar num processo de Sexta-feira para Domingo da libertação: por trás dum crucificado há a “ameaça” dum ressuscitado. Nela se supera a “morte” e a humilhação. Mais que um símbolo da morte ela é símbolo de vitória e de vontade de viver (neste sentido também da teologia da libertação e da teologia negra!). A cruz torna-se por sua essência invencível, um sinal de vitória, a árvore da vida e da sabedoria…Daí a sua fascinação, também como escudo invisível protector e como expressão duma consciência livre para lá dos poderes institucionais estatais ou religiosos, em que os governados, os abençoados é que deviam governar e abençoar. A cruz é um sinal protector que protege das más forças e das influências negativas das pessoas presencializando a energia, a vida, o amor divino. O bem, a felicidade não se reduz ao prémio de leis ou regras cumpridas, nem a estatutos sociais.
É um símbolo universal de bênção, vida, felicidade, protecção e realização; tem uma parte luminosa e outra desagradável; ela é dor desesperada, dor assumida, é bênção, é revolução, vida e morte, força e fraqueza; ela une o espírito e a matéria, o céu e a terra, reconcilia a contradição. Ela está para o ser humano entre o céu e a terra na vertical, o amor e o ódio na horizontal. Nela, como imagem do ser humano, se reúnem e unem as contradições. Liga Deus e o Homem, homem e mulher num só, acabando com as diferenças radicais entre a vida e a morte, nela se opera a“recapitulação do universo”, dá-lhe consistência; o Homem de braços abertos realiza a cruz, como afirmavam os padres da igreja do século II. Na sua horizontalidade o ser humano torna-se aberto e frágil o berço da vida. Na cruz a glória é martirizada e a fraqueza reabilitada. Ela torna-se a nova lei da evolução que conduz à Libertação enquanto que os poderosos a nível pessoal ou institucional querem é seguir a lei da selecção, que dá lugar aos mais fortes e os legitima no seu roubo ao crente, ao cidadão. Ela condena o furto da humanidade e da divindade aos outros, e o seu uso para fins quer individuais quer institucionais. A cruz não contemporiza com “os sanguessugas” do corpo nem com”os sanguessugas” da alma. Como sinal contraditório provoca: A cruz é o símbolo da unidade dos opostos. Com Jesus Cristo, significa a inversão dos valores políticos, sociais e religiosos. Isto fere profundamente quem vê a realização das suas esperanças no poder, na glória e na exploração. A cruz está para o contrário. É um sinal de rebeldia perante o poder estabelecido ou a estabelecer-se porque leva a pessoa e a arraia-miúda a afirmar a dor que tem de superar e não de suportar, numa economia de transformação. Isto traduzido para texto claro significaria que nas escolas e lugares públicos não deveriam estar só as fotografias de presidentes e autoridades mas sim a fotografia do povo… A melhor fotografia que melhor identifica e perpetua o povo é a cruz, o crucifixo. Os que vivem do sistema acreditam no brilho do ouro, no poder e querem um povo, a eles agradecido, sem esperança, de cabeça virada para o chão da necessidade e da dor. Neste sistema não se distinguem os poderosos de estados, religiões ou instituições. A situação do povo, de estados e de hierarquias religiosas continua essencialmente igual à de há 2.000 anos. A cruz já conseguiu muito no desenvolvimento do Homem e das civilizações; falta-lhe realizar o salto qualitativo iniciado e realizado por Cristo, a passagem de Homem-objecto para Homem-sujeito.

O Significado da Cruz na Teologia
Já Paulo dizia que a Cruz era o sinal de contradição, um escândalo: a loucura dum Deus humilhado e da humanidade divinizada. Esta realidade, esta mundivisão transcende todas as sabedorias por mais razoáveis que se pretendam. À sua sombra se desenvolveu a maior civilização da humanidade que alguns querem decadente, sem alma nem identidade.
O crucifixo, cruz com corpo crucificado, só aparece no século V. A cruz era sinal de vitória. Até ao séc. XIV (cruz e crucifixo, sinais do cristão) era mais o sinal da libertação e ressurreição. A partir daí a apresentação de Cristo sofredor torna-se cada vez mais exagerada e mais unilateral (esta mudança de perspectiva tem também a ver com a situação de sofrimento criada pelos povos bárbaros nas populações e com a sensualidade e sentimentalismo crescentes).
A cruz é protesto contra todos os poderes. Coloca o Homem completo no centro do ser, do acontecer. O ser humano não se define pelo seu estatuto religioso ou civil, nem pelo seu poder-trabalho-êxito nem tão-pouco pelo sucesso ou reconhecimento mas pelo seu ser jesus-cristo, pelo seu ser de pessoa humano-divina em relação. Na dinâmica da realidade trinitária, tu-eu-nós num só. O ser divino no ser humano é muito mais que uma tatuagem ou um carimbo indelével que confere personalidade e dignidade. Na realização da cruz, o mundo consome-se em Deus, o ser humano sofre as dores do mundo na agonia de Deus a caminho, o Homem na evolução, remindo o mundo no processo da libertação.
Na cruz a própria escuridão brilha, a fraqueza vence o poder. A lei da selecção é superada pela lei do amor, numa relação trinitária em situação de cruz; a necessidade já não cria o órgão porque esta se realiza na ágape. A lei reguladora da realidade material e espiritual e a sua percepção deixa de ser considerada dialéctica para se tornar trinitária, numa dinámica relacional-pessoal personificante. Trata-se de uma superstrutura superante que sublima natureza e cultura na caminhada evolutiva do encontro relacional consciente.
A cruz cruza todas as nossas ilusões, conceitos e imagens. Quem a assume encara de frente o dia a dia das contradições da existência de forma activa e livre em acto de divinização do mundo. Na sua fraqueza e abandono o ser consciente responde com o amor que sublima todo o universo num processo de Alfa para o Ómega, da encarnação do divino para a divinização da matéria na ressalva da personalidade individual tal como na trindade.”Eu atrairei tudo e todos a mim”Jo.12,32; através da cruz dá-se a metamorfose no amor; de braços abertos, de coração aberto, abertos ao mundo em Deus se realiza a transformação de tudo em todos, realiza-se a globalização da encarnação e libertação, a realização do ser, da cruz convergente, no seu centro criador. Cruz e trindade tornam-se um. A cruz torna-se sinal e realidade do amor divino na terra e do amor da terra em Deus, do amor na humanidade. Com a cruz cria-se uma nova maneira de ser e de estar em sociedade, nasce uma espiritualidade nova para lá de dogmas, de sentimentos piedosos e de partidos. Em Jesus Cristo condicionador e condicionado no processo da libertação não apenas paradigmática ou histórica através da morte na cruz que é reveladora do processo existencial individual e global de indivíduo e mundo numa caminhada teleológica em que a criação se realiza em Jesus Cristo o Ómega. Deus, ser humano e natureza, de mãos dadas, a caminho na realização do mistério de deus, o horizonte do ser. Na ressonância do eco do chamamento e na lembrança da relação no Tu, penetro no abismo do meu eu de ser imbuído na Tua realidade e aí aconteço, realizo Belém em Jerusalém. Aí Deus morre em Jesus e o Homem liberta-se no Cristo. Assim torna-se real e visível na História o processo da salvação (libertação), o processo da humanização do ser humano, não só como arquétipo do próprio eu e da humanidade a caminho, mas sobretudo como processo dialógico Deus-Homem, pobreza-riqueza, Deus-matéria antevisto e concretizado em Jesus Cristo, o ponto Ómega da evolução do ser. O ser humano torna-se actuante na realização de tudo em todos, na convergência para o ponto Ómega, a realização total da evolução. Deus não só se revela em Jesus Cristo, nele celestialmente a terra, o reino de Deus, o ser do Homem. Jesus, a terra, na saudade de Deus, segue o seu chamamento como chamamento de Deus ao Homem e deste à criação. Deus, Jesus, o ser humano, não perdem a sua personalidade própria; nela realizam o chamamento absoluto no amor trinitário, mais que fórmula ou arquétipo do homem e do universo em processo e prolongamento do calvário (no salto auto-realizador) até à vitória do amor (o espírito de tudo em todos). Como Deus interviu na História e realizou a encarnação, assim o homem, a natureza, realiza a sua natureza na divinização através da “morte”, da entrega. Tal como acontece com Cristo assim é com o ser humano que, no abandono de Deus e dos outros, se entrega incondicionalmente no Tu, sem se agarrar a qualquer coisa e assim participar e realizar a cruz de Cristo numa dinâmica de perdão e de redenção. Neste sentido, na intercomunicação de tudo em todos, de todos em tudo, a criação inteira grita em conjunto o grito do calvário “meu Deus, meu Deus porque me abandonaste” e assim realiza, passo a passo, a evolução (o calvário) para a divinização. Na encorporação da entropia, encarnação e divinização – encorporação do espírito no processo da libertação para a divinização – união, a cruz é ao mesmo tempo processo e consumação. Neste sentido o ser humano e o ser cristão na sua generalidade ainda não descobriu o seu novo ser de ser divinizado. Por isso as estruturas económicas, políticas, sociais e religiosas continuam a desalojar o Homem dos seus meios aceitando-o apenas como proletário, cliente, súbdito ou fiel no sentido da tradição do Antigo Testamento à margem de Cristo e da mundivisão superior. Em Jesus Cristo torna-se presente e visível o ser do Homem e todo o processo da criação e da evolução. Na experiência do perdão o Homem perdoa como Deus perdoa na Cruz ao revelar o totalmente outro. Nela ele actualiza e presencializa a libertação tornando-se redentor actuante no inconsciente do mundo imanente. Nesse encontro revela-se a realidade de Jesus Cristo num acto de personalização: uma espécie de nascimento numa experiência de dor gozosa do “ em tuas mãos entrego o meu espírito”. A resposta ao chamamento é intercomunicativa e solidária. A cruz é assim vivida, como estrutura base do nosso ser, como lei imanente ao mundo e ao divino. Através de Cristo o mundo é crucificado e libertado nele. Corporalidade e espiritualidade são reconciliadas e totalmente aceites no anonimato do ser cristão que não quer salvar a corporalidade mas aceita a metamorfose do divino na matéria e vice-versa.
Deus, a morte e o próprio mundo são incompreensíveis: só se podem experimentar e apreender na sua totalidade numa perspectiva de cruz vivência. A nós resta-nos participar no destino de deus humanado em Jesus e de Jesus divinizado no Cristo na doação recíproca de Deus e Homem, de Deus e mundo na realização fatal do ser interior da cruz. Deus e Homem estão unidos no mesmo “fado” para lá de culturas, religiões, raças, credos e nações…
Trata-se de um Humanismo aberto, sem atalhos e sem becos sem saída que exige o salto da própria comodidade e certeza no abismo do mistério que é o ser humanos, a criação.
O crucifixo é sinal dum humanismo que não escolhe o atalho da própria certeza, expressa um sentido que não passa ao lado da morte, da cruz, sem a encontrar. O crucifixo é o local real, fora do palco do tempo e do espaço onde culturas, mundivisões se reduzem ao papel de cenários, pontos de partida para o tal salto no escuro, que possibilita a luz, a realização no amor. A liberdade assume a morte e realiza-se no amor; aqui a vida já não causa angustia. No fracasso da cruz torna-se visível a diferença entre pretensão (exigência) e realização. Na cruz tornámo-nos humildes e reconciliamo-nos; nela aprendemos a encarar e aceitar os nossos defeitos. Ela não só na liberta de algo mas liberta-nos principalmente de nós mesmos para nos encontrarmos no âmago da existência connosco mesmos.
Na cruz se intersecta Céu e terra. Ela é pergunta e resposta, processo na realização da realidade trinitária. O Homem no seu andar direito, ao contrário do macaco, está convidado a ver a realidade da perspectiva entre céu e terra, entre matéria e espírito e não apenas sob a óptica da terra ou do céu, e a ter uma visão realista, a tornar-se responsável pela terra e pelo seu futuro humanizando-se, humanizando-a no sentido da encarnação e da libertação.
Cada época procura interpretar a realidade, o mistério da cruz, numa linguagem adaptada ao sentir do tempo e assim melhor facilitar a expressão da experiência e vivência de cada um ao nível da própria percepção. A realidade transcende porém a percepção num processo dinâmico de correlação. Por vezes as exterioridades determinam de tal modo o nosso dia a dia que tornam cada vez mais desproporcionadas as vertentes horizontal e vertical da cruz.
Com Cristo, o ser ganha uma nova dimensão e consistência; nele os condicionalismos existenciais alienadores, o mal, a pobreza são sublimados. Esta é a dignidade e a missão humana, constitutiva no acto de realizar o mundo, de presencializar a salvação. A sua aceitação leva à sua transformação. Por outro lado o reconhecimento do chão firme do mal possibilita o poder erguer-se e reconhecer o terreno pantanoso alienador e inconsciente do dia a dia na cedência à lei da adaptação, da entropia. A aceitação da contradição possibilita a libertação, que acaba com absolutos materiais e espirituais ou com qualquer sujeição servil; dá lugar a uma consciência de pessoa digna, realizada, que se aceita como é, sem complexos e assim se torna fonte de alegria e de realização. Na cruz não há lugar para os puros, aí não têm consistência nem o espírito em si nem a matéria em si. Aí os dois cruzam-se na fusão e reconciliação de matéria e espírito originando uma nova identidade numa dinâmica trinitária(não dialética). Nesta união já não há escravo nem senhor, aquém nem além, aqui nem acolá, espírito nem matéria, bem nem mal… Estes tornam-se estádios, momentos dialéticos transponíveis, camadas processuais em diálogo relacional qualificado na totalidade do ser original. Não há mais lugar para fronteiras, limites, contornos, nem definições absolutas. Desaparecem todas as estruturas, mesmo as religiosas, acabando-se com os contornos mesmo entre Homem e Deus, não se absolutizando nem a finidade nem a infinidade, tudo é processo dialéctico no sentido da realização da realidade trinitária. Neste estado de consciência “global” o ser, o agir é resultado e causa, é criador-criado e redentor. Neste sentido a cruz não só se torna medida de todas as coisas como se manifesta como a estrutura de tudo em todos, o lugar da encarnação de Deus e da ressurreição da carne, numa outra “realidade”.
Nos momentos de alienação a nível estrutural e individual (momentos de apropriação e instrumentalização do espírito, da terra e do Homem) torna-se importante o olhar da cruz para nos colocarmos nela e de novo nos assumirmos como crucifixos. Então a cruz reflecte o seu brilho ao receber o meu, o teu corpo que a torna crucifixo e este se torna redentor. A cruz liberta-nos de tudo, mesmo de nós mesmos e de todos os poderes. Ela é o melhor símbolo contra a absolutização de qualquer poder e contra toda a alienação seja ela económica, política, religiosa ou existencial. Ela é um protesto, um apelo à liberdade e à responsabilidade de tudo em todos. É sinal e símbolo de que o limitado está vocacionado a ser aberto ao ilimitado como o ilimitado ao limitado. O crucifixo, tal como o mistério trinitário, em processo relacional, além de segredo, torna-se na fórmula que equaciona toda a “realidade” e a “realiza”, consome.
A Cruz não está disponível no sentido de qualquer interesse seja ele material ou espiritual. Nela desaguam todas as necessidades para se superarem; sim, mesmo a necessidade de salvação! Ela acaba com os conflitos das leis para as sublimar na lei do amor; contesta todo o poder, até o poder biológico que no grito por Deus da criação abandonada na cruz se revela o eco inicial criador de Deus a caminho com a sua criação. A cruz é o grito por Deus que trespassa toda a criatura no seu caminhar na saudade e desejo de presenciar o Reino de Deus. Ela é também a resposta cultural ao paradigma natural dialéctico. Na Cruz a natureza bruta é humanizada e liberta. Ela instiga à libertação e ao reconhecimento da divindade na natureza, à libertação da natureza na humanização da natureza e na divinização do homem. A lei fundamental do amor transforma não só a dor como até o mal, tudo passa a ter sentido.
Na cruz o ser humano atinge o máximo da sua individuação; ela é o luzeiro, o arquétipo que acompanha e ajuda o ser humano a caminho de si mesmo, a caminho do verdadeiro eu. Jesus na sua entrega total realizou o arquétipo humano que o ser humano e a humanidade estão chamados a realizar. Aí, o ser humano, a criação atinge o acto de pura consciência através do último grito, da dor que é a chave que transforma a cruz numa porta aberta…que acaba com o contraste, com o antagonismo e a bipolaridade. Estes reduzem-se então às passadas a dar no caminhar evolutivo na realização do ponto Ómega.
O ser humano em gestação
A dor, a catársis ganham então um sentido a partir do desfecho da cruz. Todo o acto criador surge dum parto original que se repete e só é possível na dor aceite. Da dor aceite surge a vida, a luz. O ser consciente que perscrutou o ser e a existência através da janela da cruz não se pode colocar debaixo da cruz dos outros vivendo à sombra dos outros; isto constituiria a alienação duma vida não vivida, quando muito em segunda mão!… O ser humano na sua auto-realização, no seu tornar-se consciência, sofre as dores de parto da humanização de Deus em si, tal como Jesus sofreu a sua divinização no Cristo (Processo encarnação-morte-ressureição). A cruz é passagem, tal como a Páscoa, é Domingo, o centro das linhas horizontal e vertical. A cruz dá à luz um novo Homem. O ser humano é o lugar privilegiado onde Deus nasce e brilha, onde a criação se realiza e completa, é o filamento da lâmpada sem o qual não haveria luz! Sem Deus também o filamento não iluminaria. É o destino de duas realidades numa só: a luz!…No filamento sofredor transforma-se e brilha.
A cruz está para todos os que sofrem, é um relâmpago na escuridão. Ela possibilita o abraço que a torna crucifixo… Ela dá sentido aos oprimidos leva-os a dizer aos seus exploradores: “perdoai-lhes porque não sabem o que fazem”. Isto vale tanto para os exploradores do espírito como para os exploradores do Homem e da natureza. Ela é o símbolo dos que sofrem e por isso uma provocação e uma deslegitimação do poder e de todas as ilusões…Ela é também um apelo à libertação de todos os medos e dos negócios com eles; liberta também do negócio com a morte e daqueles que a querem ver reduzida ao símbolo da morte.
A haste vertical une o céu à terra, a horizontal é abertura, solidariedade, leva-nos à comunidade no abraço global no encontro do coração da cruz, no ponto de intersecção de tudo em todos e de todos em tudo… A salvação não pode ser unilateral nem apenas um acto de consciência adquirida, ela é o relâmpago que rasga a escuridão e o trovão do amor que fica. A cruz és tu, eu, o mundo a caminho!

© in “Ideias Peregrinas” 2005
António Justo
Teólogo e pedagogo
Tel: 0049 561 407783
E-mail: a.c.justo@t-online.de

António da Cunha Duarte Justo

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