Europa na Rectificação – AfD o seu Mecânico?

 

Quem não marra não mama – Em vez de Lamentos Grupos de Pressão

Por António Justo

No fim de semana de 30 de Abril para 1 de Maio realizou-se na Alemanha o congresso do partido AfD (Alternativa para a Alemanha) para discutir e aprovar o programa básico do AfD e assim alinhar as diferentes tendências do partido e se preparar para as próximas legislativas de 2017; a secção do AfD Sarre foi excluída do partido pelo Congresso, por manter contatos com a extrema-direita.

O declarado objectivo do novo partido AfD (actualmente com 23.000 membros) é, em relação à Alemanha, “entrar no Parlamento Federal” e, em relação à EU, defender uma “Europa das pátrias” soberanas.

O Programa

O jornal HNA 2.05 cita as seguintes decisões aprovadas no programa do partido: a Turquia não deve tornar-se membro da EU, a EU deve ser reformada de maneira a restituir a soberania aos estados nacionais, regressar à comunidade económica CEE, ser diminuído o número de abortos, proceder-se à expulsão de estrangeiros criminosos, iniciar uma saída ordenada do ensaio Euro, reintroduzir-se o serviço militar obrigatório para os alemães, “a imigração de refugiados não regulamentada” prejudica a Alemanha, precisando esta de “imigrantes qualificados com vontade de se integrarem”; pretende também que a responsabilidade criminal seja já a partir dos 12 e não dos 14 anos. O programa afirma que o islão não é compatível com a Constituição Alemã. Entre outros apelos regista-se a proibição do uso da burca e do niqab em público, bem como o apelo do muezim (1) e a construção de minaretes (torres das mesquitas), prolíferos devido ao financiamento árabe. Defendem a energia atómica, o sistema escolar dividido em escola industrial, escola comercial e liceu em vez da “escola secundária integrada”; contra a ideologia multicultural e consideram o Islão como o adversário do ocidente.

 São críticos em relação aos “partidos do consenso” e a uma “Alemanha contaminada pela geração 68” e reconhecem na Suíça o grande exemplo de participação civil na política.

O fenómeno que sociopolítico que se observa na Alemanha, uma sociedade extremamente temperada é indício de na Europa se iniciar um período crítico em relação a uma esquerda que actuou desenfreadamente perante uma direita, que se tinha reservado, socialmente, o papel de espectadora.

Segundo Bild am Sontag, a última sondagem Emnid conclui que se agora houvesse eleições o AfD seria a terceira força partidária da Alemanha com 13% de eleitores, os Verdes com 12%, o CDU/CSU 33%, o SPD 22%, o Esquerda 9% e o FDP 6%.

Os partidos estabelecidos procuram defender-se da nova força política, dando-lhe os atributos de extrema-direita e de populistas. Esta atitude revela mais fraqueza que força de argumentação porque é injusta no que respeita à atitude da maioria dos membros do partido (muitos deles eram membros dos partidos que dominam o poder na cena política: são os desiludidos da maneira como a esquerda europeia tem sido iconoclasta e irreverente em relação às tradições culturais ocidentais, são os críticos e os perdedores do sistema.).

O AfD obriga os outros partidos a ocuparem-se a nível de conteúdo com os problemas prementes que incomodam a maioria da população.

A classe política, apesar das perdas, sabe que pode continuar a governar sem grandes mudanças porque o grupo que a contesta é constituído por diferentes e concorrentes interesses que desestabilizam a nova formação política.

O que contribuiu para a formação do novo partido

Depois de 50 anos de domínio ideológico da esquerda surge agora, pela parte determinante da Europa, a resposta da direita. Até ao surgir do AfD, a Alemanha era um país em que os imigrantes de cultura árabe se encontravam à vontade e até com exigências desmedidas. Os governos alemães não elaboraram uma política de estrangeiros em termos sociais; tinham uma política só virada para a economia e em questões problemáticas consideravam o tema de estrangeiros na opinião pública como tabu. O tema sobre os problemas do gueto e de integração não podiam ser tratados com objectividade porque os interesses do status quo e grupos políticos da esquerda logo se insurgiam com o epíteto de racista a quem apresentasse algo crítico em relação aos árabes.

O Governo da Turquia envia regularmente para a Alemanha 970 imames (orientadores religiosos de mesquitas) que rotativamente se renovam de cinco em cinco anos, enquanto a mesma Turquia proíbe a entrada e a acção de padres ou pastores na Turquia. Deste modo, o governo turco com o seu ministério do culto, direcciona política e religiosamente, os turcos e seus descendentes na Alemanha chegando o presidente turco Erdogan a considerar a integração “um atentado contra a humanidade”.

Os partidos, até agora ignoraram o facto de muitas famílias turcas impedirem as filhas de frequentarem a ginástica (natação) na escola; não tomaram a sério nem puseram na ordem do dia o facto de jovens muçulmanos manifestarem desrespeito pelas professoras; ignoraram o facto de em algumas mesquitas se pregar contra princípios democráticos da sociedade ocidental; não se preocuparam com o problema da radicalização em torno das mesquitas, nem dos casamentos forçados, nem da matança primitiva de animais para a festa do sacrifício; evitaram também tematizar crimes de honra, a liberdade individual e a igualdade dos géneros entre os muçulmanos.

Desonrou-se a tolerância, tolerando a intolerância e agora que surge um novo partido (o AfD) a fazer concorrência aos partidos instalados, estes já se começam, oportunisticamente, a preocupar com o problema da integração e com a realidade de sociedades paralelas que fomentaram.

Outrora o povo barafustava não sendo tomado a sério pela classe política, agora que se organiza em termos de poder já é tomado a sério sendo até copiado  nalgumas exigências.

Lição da história: em vez de lamúrias e queixumes contra a classe do poder instalado, a solução é organizar-se em grupos de pressão, tal como fazem os que dominam. Basta seguir o exemplo dos grupos que têm nas mãos o poder: partidos, lóbis da economia e das finanças, maçonaria, sindicatos, etc. Doutro modo terão de se deixar reduzir à categoria dos que seguem o mote de “quem não berra não mama”; estes porém estão sempre dependentes do leite e da mãe. A política e o povo têm a melhor alegoria do seu comportamento na vaca leiteira e no seu bezerro: se o bezerro marra a vaca, esta deixa correr o leite. Em vez de berrar para mamar seria mais adequado lembrar-se da experiência de que quem não marra não mama. Alternativa: chorar ou marrar?

Aqui se nota a razão de povos vocacionados ao queixume! Em vez de seguirem o mote “quem não berra não mama” tornem-se activos mudando de atitude e de consciência, cientes de que quem não marra não mama! A prova vem dos grandes que marram tanto na teta do povo que chegam a nadar no leite. «Ou há moralidade ou comem todos»!

Somos livres de continuarmos a ser um povo que “não tuge nem muge” mas então não nos queixemos de sermos vaca só para alguns. No meio de tudo isto não desprezemos o outro provérbio português que avisa: “Onde reina a força, o direito não tem lugar.”

António da Cunha Duarte Justo

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  • “Não há nenhum deus além de Deus (Alá) e Maomé é o seu profeta”. Este grito é uma provocação diária em relação a todos os que não são maometanos e para mais é entoada nas mesquitas europeias sem qualquer preocupação. A política que penaliza quem levanta o braço na repetição do gesto de Hitler aceita como normal a entoação religiosa de uma confissão de superioridade e de exclusão dos outros. O povo parece resignar, na consciência de que é melhor não pensar para não sofrer! Esta cultura que sobe ao rubro por qualquer ninharia cristã acumula energias negativas no povo ao verificar que se respeita mis a cultura do próximo que a própria.

Portugal entre a Censura da PIDE e o Tráfico de Influências de ABRIL

 

VAMOS NACIONALIZAR A REVOLUÇÃO PARA LIBERTARMOS A LIBERDADE ABUSADA

 

Por António Justo

O Espírito democrático entrou pelas portas da sacristia e da caserna; agora seria chegado o tempo de o deixar livre sem os empedernimentos factuais e ideológicos; precisamos de todos, da direita e da esquerda, de crentes e não crentes. Um Portugal adulto não pode manter-se em contínuo ajustamento de contas nem num medir de forças adolescentes numa atitude de abuso e de ilusão do “eu é que tenho razão, eu é que tenho a solução”.

Somos um país demasiado pequeno para podermos continuar a dividir e a combater uns aos outros. Já Confúcio constatava: “Se não há consenso sobre os fundamentos, é inútil fazer planos em conjunto” (1). Daí a razão de constituirmos, depois do Renascimento, um povo indefeso sempre à mercê dos ventos das ideologias do tempo. Do pão preocupa-se o estrangeiro! O pão amanhado pelo povo não chega para manter os gandulos da nação que, como a cigarra, vivem do seu cantar e deste modo obrigam a nação à eterna condição de pedinte, como se constata principalmente a partir das Invasões Francesas!

Vai sendo tempo de se reconciliar Portugal e de se dar início a um discurso político integral, de afirmação pela complementação e não só pela contradição e difamação. Continuar a política nas pegadas do passado seria continuar a sacrificar o destino de um povo ao desejo insaciável de alguns egos insatisfeitos.

 

Embora a revolução tenha sido feita pelos soldados não é legítimo metê-la na caserna da esquerda (2); há que nacionalizar a revolução para libertar e dignificar a liberdade abusada. O Regime de Abril não é propriedade de ninguém; não se reduz a Abril nem a Novembro; o que temos devemo-lo, primeiramente, aos soldados e a um povo habituado a apoiar e a seguir, de cabeça baixa, quem se põe à sua frente. Temos de abandonar o hábito de povo a viver dos ardinas da praça pública, dos ardinas jacobinos que passam a vida a vender ideologias engomadas e bem penteadas para só eles viverem das cabeças distraídas pelas artimanhas dos seus penteados (3).

 

A censura do Estado novo e uma sociedade fechada tinham mantido o sistema de Salazar com todas as virtudes e defeitos que lhe eram próprios (4). Depois começou a haver brechas na Igreja e especialmente a partir do Concílio do Vaticano II revolucionou-se o mundo; O movimento eclesial anterior ao Vaticano II (não notado pelo poder secular) foi decisivo no reconhecimento dos sinais dos tempos e na fomentação da coragem que depois se expressou no movimento 68 e finalmente no 25 de Abril.

 

Actualmente o povo encontra-se desiludido e desconsolado mas não é contra a democracia, é apenas contra as casernas da maçonaria e dos partidos. O autoritarismo, a censura e o dirigismo não ficaram apanágio do Estado Novo, eles continuaram de maneira feroz mas refinada no Regime de Abril, através de um dogmatismo ideológico de monopólio da verdade, de uma censura transformada em tráfico de influências e da tesoura na cabeça de muitos pensadores, jornalistas e políticos; esta censura discreta e suave foi conseguida e inteligentemente instalada através de um dirigismo ideológico de uma esquerda radical infiltrada nas estruturas do Estado através dos saneamentos em todos os lugares chaves do Estado (5). Fomentou-se uma sociedade a viver de falsas esperanças, uma sociedade de fanatismo informal, de saber jacobino e farisaico. Enfim, tornamo-nos numa democracia à primeira vista, uma democracia oportunista que faz do Parlamento o lugar alto para os galos da nação. Esta situação não deixa ninguém acordar para o acordo do entendimento entre todos como seria de desejar! Assim Portugal é condenado a continuar a viver, abaixo das suas possibilidades, naquela “apagada e vil tristeza” dos vencedores encantonados em moralismos sem razão. Assim, a elite de Abril tirou a inocência e a alegria à nação; já ninguém tem vontade de cair no engodo do cantar: “somos livres”!

O factor segurança e a mentalidade de se “ter o rei na barriga”, tanto no velho como no novo regime, estabelecem a resistência à mudança de uns e de outros, sendo estes os factores do eterno adiamento de Portugal.

Resta a todos libertar a liberdade da velha censura da PIDE e da nova censura do Tráfico de Influências do  ABRIL. Este será o caminho para nacionalizarmos a revolução e assim libertarmos e dignificarmos a liberdade abusada.

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

  • 1- O nosso actual “governo geringonça” é a melhor prova de abuso e oportunismo ideológico a ditar leis às costas do povo – sem pré-anúncio programático nem discussão pública – enfim, um governo a actuar pela calada da noite num povo sem telhado nacional!
  • 2- Ramalho Eanes foi a personalidade chave da revolução; ele dirigiu o 25 de Novembro.
  • 3- Os pensionistas e os funcionários do estado representam 80% da despesa do Estado! A revolução não obedece a uma política elaborada. Era fruto de ideologias encabeçadas por pessoas como Otelo (Brigadas Revolucionárias) e por pessoas do PCP. Álvaro Cunhal aterrou então em Lisboa com orientações de Moscovo e Mário Soares de França com orientações do Ocidente.
  • 4- Abrilistas recalcados esquecem que Marcelo Caetano já tinha iniciado uma política aberta que conduziria ao desenvolvimento que outras nações europeias depois também conseguiram sem a necessidade de uma “revolução” nem a consequente subordinação a ideologias que vivem da divisão do povo e da razão, atando-os a uma a uma só lógica enganadora.
  • 5- Também por isso os festejos do 25 de Abril se tornaram rituais institucionais que se celebram a si mesmos à margem da realidade da nação. Festeja-se Abril nas costas de 10 mil combatentes mortos no “ultramar” e de quase um milhão de retornados explorados e injuriados e de povos das colónias abandonados à fúria de algumas forças revolucionadas. Não se trata de querermos um revisionismo histórico mas de que Portugal encare a realidade de olhos abertos para integrar no seu ideário sucessos e fracassos.

A ELITE DE ABRIL ATRAIÇOOU O IDEÁRIO UNIVERSAL PORTUGUÊS EM NOME DA LIBERDADE E DO PROGRESSO

O Jacinto de “A Cidade e as Serras” é o Protótipo do Português moderno autêntico

Por António Justo

 

Eça de Queirós, no romance “A Cidade e as Serras”, revive o espírito luso, ao incarnar-se no seu protagonista Jacinto e defender a reconstrução de uma sociedade tipicamente portuguesa que acompanhe a civilização mas sem se corromper.

Jacinto que levava uma vida afrancesada, progressista e artificial transforma-se no símbolo do verdadeiro português, de autoconsciência madura, que integra na natura e na cultura, de maneira criativa, as novidades da civilização sem destruir a própria cultura.

A obra “Cidade e as Serras” consegue idealmente integrar e reconciliar Portugal e nele, reconcilia o exterior com o interior, irmana a tradição com o progresso.

As nossas elites de Abril, “afrancesadas” e “sovietizadas”, ainda se encontram na fase de Paris, vendendo a alma portuguesa aos demónios socialista e capitalista, mercantilizando o povo e o espírito da sua vida; vivem ainda unilateralmente nos andares da razão do artifício (polar dialético) sem se preocuparem pela integração de razão e coração (corpo e alma); aquele modo de estar tem-nos levado à promoção da desconciliação e à alienação do cultural e natural num movimento de entropia contrariador do espírito luso de inclusão.

A elite pós-25 de Abril, ao contrário do personagem do romance, Jacinto, iniciou uma viagem já não de Paris para Portugal mas de Portugal (natureza) para as cidades da ideologia sem regressar nem capacidade para renovar Portugal porque apenas lhe oferece os enlatados estranhos que, a nível cultural, não produzem humos alimentícios que alimentem a terra mas apenas entulheiras de enlatados amontoados.

“Paris” é a ideologia, é moda que passa em gestos de dançarinos públicos, é espírito que corrompe, se não regressa à frescura e inocência da natureza campestre (o nosso Portugal, que integrou nele o mundo todo não se deixando cativar pelos cantos de sereias nem perder nos extravios de uma Europa decadente porque envelhecida). Enquanto Jacinto moderniza as serras e se junta ao povo, a nossa elite de Abril destrói as serras e desertifica as aldeias; em vez de se casar com a província (Joaninha) prostituem-na com a falsidade e a corrupção de citadinos degenerados e malabaristas sem consciência; em vez de se tornarem no pai dos pobres, tal como fez Jacinto, desprezam e negligenciam o povo e os seus costumes.

O Ideal de Jacinto de Tormes deveria consistir em reconciliar a cidade com o campo (a tradição com o progresso) promovendo uma condição digna também para o povo de baixo. As nossas elites atraiçoaram os ideais de Portugal; Jacinto de Tormes é o protótipo do português autêntico, o contrário da nossa elite que figura no palco da nação, uma elite desenraizada sempre atarefada a correr atrás da moda e de olhos fixos no que faz e diz o estrangeiro como se as modernices não fossem apenas fulgores passageiras condenadas a tornar-se velhices. A situação actual, analisada sob a perspectiva característica da identidade portuguesa descrita no romance “A Cidade e as Serras”, tornou-se mais numa tragédia que num romance…

Resta-nos agir e esperar que a nossa elite progrida e se desenvolva tal como aconteceu com Eça de Queirós, primeiramente iludido e seguidor incondicional do progresso e depois, mitigado pela naturalidade humana do povo e da natureza, se tornou num grande português como se retrata e descreve no Jacinto, e no grande romance “A Cidade e as Serras”. (Este romance, que revela ainda o génio de Portugal e não as suas ideologias, deveria ser leitura obrigatória para todo o aluno).

Não se trata de vendermos a nossa alma ao passado nem ao futuro mas de sermos sempre nós, sempre em processo a tornar-nos nós mesmos, na concretização do presente: um agora feito de passado e futuro. Assim realizaremos a intercomunicação da alma tipicamente portuguesa expressa na saudade, onde ressoa o divino e o humano, a natureza, o tempo e a eternidade.

Também Eça, tal como Jacinto, se deu ao luxo de uma vida desregrada em Paris mas amadureceu deixando de ser um eterno adolescente para voltar, tal como o filho pródigo, à casa paterna, à natureza bem portuguesa das terras do Douro.

Chegou a hora de a nossa elite pôr de lado o cinismo e a vida irónica e dupla e seguir o exemplo de Eça no seu Jacinto para se reconciliar com o povo, com a natura e com a cultura genuinamente portuguesa: uma natureza aberta ao mar que é parte do seu corpo a abraçar o mundo, uma cultura inclusiva e universal que vê e sente o mundo e a humanidade a partir de dentro porque o génio sinceramente português é feito de terra mar e céu.

De facto, seria catastrófico, continuarmos a agir apenas em nome da ganância e do progresso atraiçoando assim o ideal português de ideais éticos e de inclusão numa consciência humilde de complementaridade.

Chegou o tempo de parar para reflectir e sentir o mundo nas pegadas de um Afonso Henriques, de um D. Dinis, de um Santo António de Lisboa, de um infante D. Henrique, de um Vasco da Gama, de um Camões, de um António Vieira, de um Feranando Pessoa e de tantas e variadas personalidades portuguesas que se sentiam na missão e tradição de se realizarem, cumprindo Portugal sem que este abandonasse o seu papel de pioneiro na realização da civilização…

António da Cunha Duarte Justo

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ATEUS PROTESTAM CONTRA O GESTO PROTOCOLAR DO BEIJO DO ANEL DO PAPA PELO PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Da Intolerância de uma República ciumenta

Por António Justo

O nosso Presidente visitou o Papa Francisco e no acto da recepção beijou o anel do sucessor de Pedro. Isto que muitos outros estadistas não portugueses também fazem tornou-se em cavalo de batalha e motivo de protesto e indignação da AAP (Associação Ateísta Portuguesa). Reagem de maneira azeda contra o que tenha a ver com a crença dos outros (em especial a católica). Alegam que o beijo do anel “é sinal de submissão”; a sua insatisfação é tanta que lembra uma reação recalcada a ponto de ver no gesto um acto de subjugação à “teocracia europeia”, como relata o DN (1). Enfim, uma tomada de posição jacobina com que muitos ateus sensatos não concordam.

Penso que o que está por trás do protesto será um complexo de inferioridade ou a necessidade de autoafirmação do próprio ego à custa do maldizer que parte de uma sensibilidade altamente pessoal (PAS). A questão passaria desapercebida se não fossem os cães de guarda de uma república, sujeita à imagem e semelhança da sua opinião.

O problema não está no Presidente ir à mesquita ou em beijar protocolarmente a mão do Papa ou de uma mulher (Também o facto de o Pro DR. Rebelo de Sousa ir à mesquita na qualidade de PR não revela um acto de identificação ou subjugação ao islão). O problema está em fazer-se de um acto protocolar um motivo de protesto para os que não vêm com bons olhos, um católico assumido à frente dos destinos da nação e façam tudo por tudo para o desmontar! A coscuvilhice vive bem do falar mal de pessoas da direita e da esquerda em vez de se ocupar com o que estas fazem ou deixam de fazer em bem do país e do povo.

Críticos alegam que querem um presidente sem rosto em questões de representação da República. Será que o Estado terá de professar a sua crença laica tendo, para isso, de negar todas as outras crenças, não podendo suportar o convívio de umas com as outras? Muitos ainda não notaram que a “religiosidade” (crenças, ritos e rituais laico-religiosos) são comuns e subjacentes aos crentes laicos e aos crentes religiosos! Querer ver-se o Homem nu e submeter-se tudo só ao metro da razão (sem corpo) significaria desconhecer a realidade e negar o circunstancial em nome de um absoluto abstracto que não pode existir circunstancialmente. O problema está na percepção e na linguagem que lhe dá forma!

O problema virá da interpretação ao querer-se confundir gestos protocolares com a honra ou desonra da nação. A consequência lógica seria exigirmos dos representantes da nação uma atitude virgem sem crenças nem ideologias, o que é impossível. A República tem de aprender a viver na tolerância de todos os crentes acreditem eles na existência ou não existência de Deus sejam eles agnósticos, monárquicos, republicanos, comunistas ou capitalistas. Torna-se estranho que uma minoria que se reporta tanto aos direitos da democracia não aguente com a realidade de se encontrar numa cultura de reminiscências católicas maioritárias e queiram para si – em nome de uma república laica intolerante – encarcerar toda a gente no seu cerco ideológico de uma visão republicana redutora.

Em tal situação o único meio de evitarmos guerras e guerrilhas será investirmos mais na tolerância. As diferentes crenças e ideologias terão de compreender-se como complementares e como tal organizar a vida de maneira harmónica, como os diferentes animais no “paraíso terreal”. A intolerância de um lado alimenta a intolerância do outro.

O azedume chega a não compreender gestos de cortesia, como se a neutralidade religiosa do PR fosse questionada com isso.

De facto, quando mulheres representantes de Estado vão à Arábia Saudita e colocam um lenço na cabeça isso não constitui um acto de submissão de um Estado em relação ao outro (apenas uma questão de delicadeza protocolar). O Papa quando foi à América Latina e colocou as penas indianas na cabeça não significou um acto de submissão mas apenas respeito por uma cultura; o mesmo se diz quando um Papa ao poisar o território beijava o solo. Tenho vários amigos ateus e sempre constatei neles muita tolerância; no caso da AAP chega a ter-se a impressão que querem ter o rei na barriga necessitando para isso de um cavalo de batalha no seu território contra o catolicismo, como se tem observado em outras reacções. Se este campo de batalha de muitos servisse de tubo de escape para as próprias desilusões e agressões, o facto até seria desculpável se na própria vida do dia-a-dia isto os ajudasse a ser muito bons maridos, bons amantes, bons pais, bons companheiros e amigos! Os condicionalismos humanos são muito complicados!

Os estadistas, nos seus contactos com outros povos e culturas, assumem atitudes de respeito porque sabem que cada cultura constitui apenas uma complementação da outra. As leis da cortesia são muitas vezes sábias porque sabem distinguir entre o que é individual e o que é oficial, entre o subjectivo e o objectivo. A fé na república, que diferentes grupos reclamam para si, é também ela insuficiente, dado a república não ser um neutro nem a sua crença nela constituir um absoluto; ela é constituída pelo emaranhado de pessoas de diferentes crenças sejam elas católicas, ateias, morais ou políticas, sejam elas de tendência mais ou menos republicanas ou mais ou menos monárquicas. Todas são necessárias! Tudo o que levasse à imposição de uma ideia meramente secularista ou religiosa seria tendencioso e perigoso. Uma filosofia dialética exclusivista conduz à guerra e à intolerância.

O problema vem do facto de, do alto do nosso trono individual, nos armarmos em juízes dos outros, sofrendo da ilusão de que a própria opinião é sentença aplicável aos outros. Em nome dos ideais e das boas opiniões se justificam as guerras e o desprezo pelos outros! A tua e a minha opinião são apenas pontos de vista de uma janela mais ou menos larga mas sempre incapaz de abranger o todo do panorama.

Há gente que até dá largas aos seus rumores viscerais pelo facto de um político ou outro se apresentar em representações de Estado sem gravata, hábito que o protocolo contemplava. Quem quiser implicar encontra sempre razões para isso.

António da Cunha Duarte Justo

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VIA CRUCIS – O CAMINHAR DE PESSOA CONSCIENTE

O Homem sofre devido à sua própria imagem e às ideias que o prendem

Por António Justo

Jesus, no seu caminhar, revela-se não só como médio (união com Deus) mas também como mensagem (caminho, verdade e vida). O segredo da via crucis está em superar a dor sem a transmitir a outros, uma via sem a necessidade de bodes expiatórios, uma existência como processo de transcendência e inclusão. Deste modo Jesus quebrou com a prática comum da cadeia da violência. Com o exemplo do calvário inicia-se assim uma nova idade, a idade da paz. Esta perdeu-se, muitíssimas vezes, pelo caminho encontrando-se soterrada sob a folhagem da história. As estruturas do poder realizaram porém uma regressão à maneira antiga do exercício do poder como violência e a repressão.

Nele encontra-se um modelo de vida para lá dos habituais dualismos, racionalismos ou morais; a dimensão da sua actividade não se perde nos meandros de explicações porque a dimensão da sua actividade é a fé, a relação interpessoal, a relação mística, a única que implica transformação profunda.

Jesus mostrou a absurdidade de a imagem de um Deus vingativo, violento e mesquinho, que a sociedade civil e religiosa usa muitas vezes para melhor legitimar o seu poder e a sua violência. Deus não precisa de vítimas nem de sacrifício. Jesus ao assumir a qualidade de vítima desmascara a violência e torna supérfluo o recurso à vítima que amarra a alma humana quando Jesus lhe deu asas para voar. Nele se revela a possibilidade de nos mudarmos. Em Jesus Cristo, Deus revela-se o misericordioso que deslegitima qualquer violência (Mt 9,13; 1Cor13,3.13); o JC, ao assumir o ser de vítima, acabou com todos os sacrifícios e questionou a realidade do dia-a-dia baseada numa mentalidade que se movimenta entre o crime e o castigo, o criminoso e a vítima. Jesus acaba com a violência como meio de resolver os problemas; revela a fragilidade e maldade de uma vida e de um poder baseados numa mentalidade dual-polar legalista (que menoriza a realidade a: de um lado o bem e do outro o mal!).

Numa visão, verdadeiramente cristã, a realidade não é bipolar; ela implica uma terceira dimensão integrante inclusiva e integrante da vida na fórmula trinitária. À dimensão polar acrescenta-se uma outra dimensão: a dimensão da liberdade, da graça e do amor: o contrário da polaridade da obediência, do espírito legalista e justiceiro.

No JC todas as contas estão saldadas e em vez da teoria ou da moral inicia-se um novo reino que é encontro, relação directa com Deus (o tal Reino de Deus). O caminho do calvário é tão largo que leva nele vencedores e vencidos, maiores ou menores pecadores, acabando com a concorrência e com o prémio e o castigo; a cruz só conhece vencedores porque a sua força impulsionadora é a misericórdia e o amor. A via-sacra (caminho da cruz) acaba com o ciclo circulatório da violência (poder) e da repressão (Rom 12,21), supera também uma visão intelectualista redutora da vida. Já Platão dizia: “Podemos facilmente perdoar uma criança que tem medo do escuro; a real tragédia da vida é quando os homens têm medo da luz.”

O sofrimento assumido torna-se no método alternativo, o único capaz de fomentar saúde e salvação, o único capaz de libertar do sofrimento provindo das próprias imagens. O caminho da cruz é um outro modo de perceber as coisas, uma solidariedade sem limites nem extremos e, como tal, não responde a um mal com outro mal; de facto também o mau é vítima do mal. A via crucis é a alternativa à história humana em que a violência se alterna em nome de ideais e a pretexto da revolução. O único verdadeiro revolucionário da História é Jesus mas a sua revolução só se encontra activa em diferentes biótopos sociais que integram a doutrina com a mística (conventos, crentes e grupos que procuram concretizar na sua vida a realidade do JC).

VIA SACRA

Na seguinte texto vou reflectir um pouco no sentido da espiritualidade da via crucis. Inicialmente meditava-se sobre as 8 estações do calvário referidas nos evangelhos; posteriormente mais ampliadas.

A semana santa, tal como a cruz do calvário são vias de espiritualidade. Na observação da cruz não se trata de fomentar um sentimento masoquista mas de se descobrir o Cristo que é salvação e afirmação da vida alegre, independentemente do caminho-cruz. Jesus é o companheiro de vida que ajuda a integrar os opostos e as incongruências no de correr da vida.

  1. Jesus é condenado à morte

Ao ser condenado à morte, Jesus não abre a boca; ele sabe que perante quem se arma em juiz não há argumento profundo porque o juiz segue uma visão dualística que não permite um diálogo ao nível de sujeito para sujeito (de caracter inclusivo).

Em todo o interrogatório das autoridades romanas e do sinédrio Jesus apenas responde a Pilatos dizendo que é o „testemunho da verdade”). Pilatos pergunta “o que é a verdade?”. Jesus não responde certamente porque sabia que Pilatos, não entenderia uma resposta que desse porque só a equacionaria no sentido do discurso de direito (racional, na tradicional mentalidade exclusiva do ou… ou); este discurso não conhece pessoas nem relação, apenas conhecem objectos e interesses, prémio ou castigo.

Jesus dos interesses que se juntam em torno dos juízes, do direito da política e da religião, muitas vezes à custa da relação humana e de uma verdade mais profunda. A verdade é processo e, a nível real-místico, só se encontra na relação pessoal, na inter-relação do eu e do tu com o nós.

O caminho do calvário é a resposta do silêncio a uma sociedade empedernida, incapaz de compreender o que é a Verdade dado esta ser relação e nunca uma abstracção intelectual a serviço deste ou daquele poder. Por tudo isto Jesus emudeceu! Só tinha a hipótese de calar, mesmo perante a boa vontade de Pilatos que perguntava num cenário de mentalidade dualista do poder, a mentalidade ordinária do dia-a-dia; uma resposta a nível de justiça só poderia contribuir para o barulho e confusão de que a lei vive.

  1. Jesus toma a cruz aos ombros

 

Depois do encontro com as autoridades Jesus pegou na cruz aos ombros, não uma cruz culpabilizante nem justificadora; era a cruz da vida e dos males acumulados pela história da vida…. Foi então desprezado pela multidão do povo, porque também este só repete o que os chefes pensam, dizem e mandam… O povo fraco, geralmente coloca-se ao lado dos fortes, numa reacção compensatória da própria impotência. Mas Jesus não vinha para os fortes da sociedade nem para os que tinham adquirido o mérito de bons à custa da objectivação do que é sujeito, do inobjectivável…

Os dirigentes e o povo não aceitam reconhecer em Jesus as próprias feridas porque inconscientemente sabem que se tivessem a nobreza de alma de Jesus teriam de questionar a vida leviana a que foram acostumados e em que investiram…

Os soldados vendam-lhe o rosto, para lhe poderem bater; estão habituados a não encarar a vida de rosto no rosto; contentam-se com viver uma vida em segunda mão, uma vida de outros que é a negação da vida. Jesus, na tradição do servo de Deus (Is 53,33 s) suporta os pecados dos outros.

Não o querem na cidade, querem-no extramuros; numa reacção inconsciente querem-no nos caminhos fora dela onde se encontram os excluídos da sociedade (esquecem porém que lá é que se encontra Deus a incluir toda a humanidade). Ao colocá-lo fora dos muros fizeram inconscientemente como manda o dia-a-dia da normalidade… Carregam-no com as traves (uma símbolo da horizontalidade a outra da verticalidade; Jesus leva o mundo às costas no que ele tem de pesado; transporta o peso da própria cruz não o deixando para os outros; com uma consciência superior assume também os males dos outros.

Querem-no fora porque, no seu entendimento, um messias teria de andar pelos seus caminhos e seguir a obrigação de perfeccionismos e de virtude passadas a ferro pela sociedade, teria de seguir a ordem social e familiar como qualquer outro… Nem tão-pouco os amigos aguentam a realidade de um homem adulto que encara a vida de frente sem culpar ninguém. Eles querem Deus, à sua maneira, pelo que Jesus terá de ir morrer como o enforcado fora do povoado e, longe dos homens e de Deus; Jesus porém segue o caminho sempre em frente em silêncio; ele sabe que na mentalidade do povo um condenado pela lei é considerado um amaldiçoado de Deus (Dtn 21,23).

Deus permite tudo isto porque assim mostra que uma vida vivida só orientada pela lei é destrutiva, individual e institucionalmente… Jesus encontrava-se repleto de Deus e mostrava, no seu andar, quão diferentes são os caminhos da Verdade em comparação com os caminhos da normalidade de povo, governantes, religiosos e políticos. Como se mantêm prisioneiros de uma visão dualista da vida pensam que Deus se vingou em Jesus como se Ele fora um amaldiçoado de Deus.

Não, aqui não se trata de castigo; aqui está em jogo o assumir de uma nova consciência, de uma nova maneira de ser e estar no mundo que integra o mundo todo em si. No calvário não se trata de realizar uma pena devida à humanidade; Deus não é nenhum justiceiro como o quereria a mentalidade dualista e instrumentalizadora de quem nos governa. Deus não precisa de resgate… Ele caminha connosco, contigo e comigo, de maneira inclusiva e amorosa, assumindo também o sofrimento, numa reacção positiva à vida.

  1. Jesus cai sob o peso da cruz

Ninguém podia entender o núcleo da sua boa nova onde não há as instituições da violência e da repressão. Jesus tinha ferido profundamente a religiosidade popular e institucional do povo ao criticar a instituição e as práticas religiosas e ao afirmar a Boa-nova da alegria que não culpabiliza ninguém e deste modo desmascara os cães de guarda de Deus e do Estado. A crença e a lei constituíam elementos impeditivos de uma relação mais directa com Deus e com o povo. O JC anuncia uma metanoia para a liberdade e insujeição mostrando com a sua vida o preço da liberdade. As instituições querem, muitas vezes, um Deus grande, um Estado grande à custa da humanidade e do povo; Jesus cristo convida a não nos orientarmos tanto por regras e moralismos mas para através da relação com o interior divino… Jesus traz uma mensagem de alegria e não de tristeza. Ele quer as pessoas libertas do jugo do medo, por isso apela à mudança porque toda a vida é processo e transformação, não algo meramente estático fixado em lei ou normas que nos distraem do essencial: a relação pessoal e interpessoal. Jesus acaba com o pensamento em branco e preto, em termo de certo ou de errado; para Ele basta a fé, a experiência de amor que salva (Mc 5,13).

  1. O encontro de Jesus com Maria

A mãe lá está, bem à margem do caminho, sofrendo no silêncio o mau caminho do seu povo. A mãe pensa como o filho e sente como mãe, por isso não fala, fica em silêncio (Há momentos em que só o silêncio pode falar, a conversa torna-se em barulho de altifalantes pensantes ensurdecedores: um falar para não ouvir a voz do coração, o outro a falar em nós).

Não são homens que batem, são as fardas dos soldados que chicoteiam o inocente em nome da ordem e da instituição.

O encontro de Maria realiza-se, sem falas, de coração para coração numa troca de olhares porque a verdadeira vida não é experimentável no mundo das ideias e das palavras. No brilhar das lágrimas dolorosos que saem do encontro de seus olhos sai uma luz, uma experiência diferente da vida ordenada e secular. Naquele olhar brilha o dia de Páscoa, aquele Dia em que é sempre dia sem adormecer e em que a dor não estorva. No encontro verdadeiro não há palavras porque estas só distraem da profunda vivência que só é possível no encontro de rosto com rosto.

Para chegar à luz da experiência daquele encontro houve o caminho solitário no silêncio da dor que liberta; no mesmo caminho da fé se encontram mãe e filho na consciência de que o caminho da fé é diferente porque leva ao encontro que chega até a abstrair da razão para chegar a “compreender” numa vivência de que tudo se encontra unido e não separado. No momento do encontro a mãe percebeu a dureza das palavras que o filho lhe dissera quando a evitou (colocando a coisa de Deus acima das coisas familiares e lhe disse “não sabias que me devo ocupar das coisas de meu Pai?” Lc 2,49 s); naquela trocar de olhares de mãe e filho a mãe compreendeu novamente que o caminho de Deus não contempla a amarra de laços sanguíneos; no encontro Maria viu que seu filho sempre teve razão, porque empenhado na libertação das pessoas olhando cada uma de olhos nos olhos, não se podendo por isso deixar perder em nenhuma delas, por mais amável que fosse; no encontro de olhos nos olhos ateia-se um novo fogo, o fogo do amor que torna tudo presença. Naquele encontro se realiza a metanoia (para lá do pensamento) que exige um repensar da normalidade que nos prende e cativa; neste olhar se realiza a maternidade de uma mãe que se alegra nos crentes e incrédulos. No encontro dá-se uma fecundação que gera nova realidade.

 

  1. Simão de Cirene ajuda Jesus a levar a cruz

Os soldados têm pressa e colocam a cruz aos ombros de um homem de fora, um homem da margem que viu pela primeira vez Jesus. Um homem de fora, que se encontrava ali por curiosidade, ajuda Jesus a transportar a cruz (Lc 23,26). Que terá levado Simão a observar a via crucis de Jesus? Ele sentiu-se levado por aquela força que nos leva a assistir quem precisa no momento oportuno. Simão são muitos, são a multidão que ajuda de fora sem perceber o que realmente está a acontecer.

  1. Verónica chega a Jesus o sudário para limpar o rosto

A Verónica, numa reacção espontânea, limpou o suor do rosta de Jesus, como refere a legenda do séc. 12. Verónica aquela mulher já preparada pela vida para a encarar de rosto no rosto, desejava que as dores e o suor não escondessem o rosto do Senhor. Na visibilidade do verdadeiro rosto de Jesus que se marca no lenço encontra-se a intenção de mostrar que, no que acontece no calvário, se esconde um verdadeiro rosto que é vivo e vivificante; as pessoas não devem continuar do lado de cá da vida fixadas a ver as marcas do caminho.… Jesus tem um rosto que nos olha. Na sua cara cada um de nós tem a oportunidade de reconhecer e ganhar um rosto.

  1. Jesus cai pela segunda vez

Encontramo-nos num mudo levedado pelo poder dualista de fariseus e Herodes que vivem de súbditos e dependentes; sistemas democráticos ou não democráticos tendem em manter o povo a olhar de baixo para cima e à procura do pão. A Tora, a lei encontra sempre um motivo para colocar alguém debaixo da cruz.

Os amigos assistem ao acontecimento de longe. Não querem ser identificados como seguidores de um condenado. Não entenderam nada de Cristo, encontravam-se como que aturdidos sob as enxurradas de ideias que lhes passavam pela cabeça. As ideias substituem o sentir e a empatia com Jesus; de Jesus tinham ouvido muita coisa que lhes ficara na cabeça e nos lábios mas não tinha passado da barreira do entendimento para o coração, para acção. Não entenderam nada, ficando a girar no intelecto como o hamster a pedalar no seu criceto.

  1. Jesus encontra as mulheres chorosas de Jerusalém

As mulheres choravam como se tratasse de uma caso de luto. Jesus que bem percebia o engano das pessoas que o seguiam e que não entendiam realmente o que se estava a passar. Então Jesus vendo que mortos choram os mortos, quebrou o silêncio e disse: “Filhas de Jerusalém, não choreis por mim, chorai por vós e pelos vossos filhos! ” Sim, Jesus previa aqui que muitos dos seus seguidores não entenderam que o que estava a acontecer era vida, e que apenas conseguiam ver o que se encontra sob as mortalhas (Lc 23,27-31); Jesus pressentia que as estruturas que ele criticara e revogara continuariam a subsistir sem que as pessoas tivessem um olhar de olhos nos olhos como o de Maria e Jesus, uma experiência vivência que eleva o Homem para Filho de Deus; elas entendiam muito de sentimentos, ideias, de leis e moral permanecendo prisioneiras delas sem assumirem a vida divina, a vida da cruz que cada filho de Deus é chamado a levar; não, os mortos são os que choram aquele que está bem vivo e aguenta com a dor sem a projectar em ninguém. Jesus via através das lágrimas aquilo que as motivava e ao constatar a comédia que a vida organiza não aguentou mais … e quebrou com o seu silêncio. As lágrimas não seriam em vão se no outro dia as pessoas fossem diferentes… Jesus quebrou o silêncio ante tanta falta de entendimento.

 

  1. Jesus cai pela terceira vez sob o peso da cruz

Se Jesus tivesse ficado na Galileia como muitos outros, como fazem aqueles que procuram o sucesso da vida, nada disto teria acontecido e o mundo continuaria na mesma, prisioneiro de ideias a viver ideais, longe da vida; se não tivesse levado tão a sério o seu Pai, se tivesse sido mais diplomático e hipócrita como todos nós, o sofrimento seria um pouco anestesiado pelo dia-a-dia. Em última análise Jesus é que foi o culpado por querer afirmar no mundo uma nova consciência de ser humano; uma consciência de homem livre e sem medo, liberta de opiniões e outras sujeições. Ele é culpado por ter ousado querer fazer de cada um de nós o caminho a verdade e a vida e não apenas expectadores e seguidores de seja quem for.

Jesus superou as medidas do bom pensar e do bom sentir. É abandonado dos homens bem pensantes que se sentem obrigados a controlar e determinar o que é bom e o que é mau, o que é verdadeiro e falso. Sob a verdade destes homens sofre a Verdade que é vida e contacto directo com Deus. (Imaginem que alguém se distanciasse das escolas de ensino, da estruturas religiosas e políticas, das opiniões dominantes, seria deitado ao ostracismo tal como Jesus o foi. A malta quer é teatro para aplaudir ou condenar para seguir as práticas e as regras do jogo que se destinam a manter a hipocrisia, o domínio e as vaidades; imaginemo-nos que nos encontraríamos com Jesus de cara a cara de olhos nos olhos; isso não pode acontecer porque teríamos de nos tornar nus para não cairmos no equívoco de pensarmos que nos encontramos com o outro quando na realidade nos encontramos com a ideia que fazemos dele,  presos que andamos nos argumentos, do cálculo, da insensatez numa tática de vida a meias entre proveito e ânsia de vaidade,

Entendiam que Jesus deveria reagir à sua maneira, uma maneira dialética e polar do que é bom e mau pensar. De todos abandonado sem braços acolhedores, nem seio de mãe que o acolha fica entregue à liberdade dos braços de Deus. Dois criminoso a seu lado Lc 23,32

 

  1. Jesus é despojado de suas vestes

Jesus confessa: “O Filho do Homem será entregue aos seres humanos”. Os discípulos não entendiam o significado daquelas palavras (Lc 9,44s).

Os soldados roubaram-lhe a roupa mas embora ladrões, foram justos, à maneira mundana, no repartir entre eles a roupa (Jo 19,23-24). Roubaram-lhe a dignidade humana, a ética e agora fazem negócio com os seus restos.

 

  1. Jesus foi pregado na cruz

No alto do monte, lá onde as ideias e as palavras se cruzam em sequências lógicas, Jesus é pregado na cruz e em nome da lei. Aquele Jesus queria levar tudo conscientemente até ao fim recusando mesmo o mórfio.

No contemplar da cruz, a inteligência e os sentimentos escurecem até à mudez. Jesus encontra-se sozinho e a sós com o Pai.” Meu Deus, meu Deus, por que me desamparaste?” (Sl 22,2).

  1. Jesus morre na cruz

Mais forte que a morte é o amor. Crucificaram-no “à terceira hora … e à hora nona (15h00) morreu” (Lc 15.44). Jesus não morreu para apaziguar o medo daqueles que têm medo de Deus… Jesus morreu como viveu, dando testemunho do Homem livre e comprometido com o Homem, perdoando sempre (Lc.23,34). “Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito” (Lc 23,46).

  1. Jesus é descido da cruz

Jesus morre abandonado dos seus e um estranho vem descê-lo da cruz. Já antes um samaritano (Lk 10,30-37), um estrangeiro cuida do homem roubado, não o padre, nem o doutor da lei. José de Arimateia- um homem honrado que esperava pela vida do messias, cheio de compaixão arranjou um lugar para colocar o corpo de Jesus, doutro modo teria sido colocado na vala comum dos crucificados… José tirou-o da cruz e envolveu-o num manto (Mk 15,42 – 46). Em torno da morte de Jesus também havia justos como este José (Lc 23,51).

 

  1. O Corpo de Jesus é colocado no sepulcro

Deus não é um Deus dos mortos mas dos vivos (Mc.12,26s), por isso tem de ser procurado entre os vivos. A José junta-se Nicodemos que trouxe mirra e aloés para ungir o Senhor. Depois o sepulcro encontra-se vazio; Jesus adiantou-se, “o túmulo se esvaziará tal como o meu, um dia, se esvaziará”!

  1. Deus despertou Jesus!

Teresa de Lisieux dizia, “não olheis para a cruz! Olhai para o crucificado!” Nele Deus continua a história de cada um de nós. Não procureis entre os mortos quem vive, Ele ressuscitou. O nosso Deus não é um Deus do destino, ele é um Deus da relação, um Deus que se trata com denominativos como: paizinho, mãezinha… Se Jesus tivesse morrido a revolução não teria sentido porque permaneceria abandonada à violência em sequências de ritos e rituais repetitivos através da História. Assim permanece um paradigma da vida e de relação de pessoas, da humanidade que é uma família divina a querer encontrar-se e a erguer-se para se encontrar de olhos nos olhos.

A cruz demonstra o Homem sofre devido à sua própria imagem e às ideias que o prendem.

Muitos cristãos costumam meditar em frente ao crucifixo. A melhor experiência que se pode ter ao meditar será sentir como Jesus desce da cruz e se vem colocar no coração, como desce para o meio da comunidade.

Nas sombras das asas do Senhor (PS 63,1-9), nas sombras do seu caminho minha alma se refresca da sede que tem de ti!

António da Cunha Duarte Justo

Teólogo e pedagogo

Pegadas do Tempo  www.antonio-justo.eu