BILINGUALIDADE – UMA NOVA MANEIRA DARE ESTAR

Razões económicas, políticas e demográficas, aliadas ao desejo de uma nova Europa em processo, pressupõem o interculturalismo e o bilinguismo como forma normal de ser e de relacionamento. O emaranhado de situações e interesses dificultam a concretização e realização da interculturalidade no mosaico cada vez mais polifacetado das nações modernas.

Por um lado assiste-se à interdisciplinaridade e a um enriquecimento mútuo dos vários sectores da sociedade, ciência e cultura, por outro lado a relação a nível de grupos étnicos deixa muito a desejar.

Podemos apontar os turcos e os portugueses como dois exemplos protótipos de atitudes antagónicas na maneira de estar numa sociedade de acolhimento (na França são os portugueses maioria, na Alemanha os turcos). Se por sua vez os portugueses se integram ou se deixam assimilar, os turcos por razões religiosas e culturais reagem alergicamente a uma integração mesmo comedida, fechando-se por vezes em guetos impermeáveis com consequências quase irreparáveis atendendo a que a aquisição e domínio da língua alemã é um pressuposto para uma participação eficaz no sistema. Neste caso assiste-se ao facto da existência de sociedades paralelas. Esta problemática é bastante crassa na Alemanha pelo facto da questão migrante não ser objecto da discussão intelectual e política encontrando-se relegada para o âmbito da assistência ou dos moralistas dos vários quadrantes. Medo, absentismo e oportunismo impedem um discurso e uma relação descomplexada e consciente entre a cultura da maioria e as culturas minoritárias.

Processo de desenvolvimento do bilinguismo

As crianças portuguesas, tal como as doutras nacionalidades, seriam mutiladas na sua personalidade se fossem alheadas e desenraizadas do meio-ambiente em que crescem. Se as crianças crescem num ambiente bilingue é óbvio que devam aprender a língua dos pais e a língua do país em que vivem. No caso dos casamentos mistos seria natural uma maior consciência da importância da transmissão de duas culturas, preparando a criança para uma maneira diferente de estar no mundo. A formação bilingue deve dar-se a partir do nascimento da criança, até porque a capacidade de aprendizagem duma língua é inversa à idade.

É verdade que a criança, até aos dois anos reproduz palavras, misturando as duas línguas; com o tempo porém surge a diferenciação e a partir dos dois anos já separa os dois códigos e a partir dos três anos e meio passa a distinguir os dois mundos.

A aquisição das línguas acontece em diferentes situações, seja ela movida pela necessidade de comunicar com os companheiros de jogo ou com as famílias obedecendo sempre a diferentes regras e pressupostos. Esta aprendizagem situacional variada é muito proveitosa para a aquisição bilingue. A aprendizagem posterior duma língua já se dá através do filtro inicial da primeira língua. O bebé bilingue aprende, já no primeiro ano de vida, a variedade de sons que facilitará a expressão futura. Facto é que quanto mais complexa for a língua mais possibilidades abre, mesmo até cerebralmente.

Uma outra maneira de ser e de estar

Personalidade enriquecida, aberta e reflectida

O Homem tornou-se homem/mulher através da língua. Para nos darmos conta da importância do assunto torna-se necessário reconhecer a dependência e a correlação mútua que há entre pensamento, linguagem e estrutura social.

A investigação científica mostra-nos que a personalidade do bilingue é diferente da do monolingue. Enquanto que as referências de estruturação do monolingue se processam duma forma mais estática e modelar, no bilingue a formação da personalidade é mais processual, mais dinâmica e diferenciada. O bilingue, mais que ter ou estar, ele acontece em relação, é. Ser bilingue é ser-se processo, processo na mudança, não é ter duas línguas mas viver em duas línguas, em dois mundos, navegar noutros espaços; é ter vistas mais rasgadas, outras perspectivas do mundo, é participação mais livre, conhecimentos dinámicos; é viver amando, aceitando o outro como ele é, aberto para comunicar, dar e receber… comunicar-se como forma de vida; é uma nova mundivisão onde não há modelos fixos em que instituições e valores passam a ser referenciados e portanto relativizados para mais se poder ser; é viver em mais que uma existência. Numa palavra, o bilingue tem uma personalidade multidialogal cuja forma de ver e sentir já não é tão estática e “subordinada”como a do monolingue mas sim situacional, multirreferencial, processual-dinámica.

O bilingue encontra-se mais cedo que o monolingue na necessidade dum relação de passar a ser mais sujeito e menos objecto, no confronto das tradições e sistemas, sendo por vezes forjado na tensão de sociedades fechadas em que a sociedade de acolhimento puxa para um lado e a sociedade mandatária para o outro. As famílias que conseguiram desprender-se destas amarras dialécticas possibilitam aos filhos uma consciência em que as fronteiras já não constituem limites mas sim, quando muito, apenas pontos de referência. Uma sociedade que já é capaz de integrar e aceitar lésbicas e homossexuais tem que ser capaz de integrar o diferente, o estranho… A diferença é a lei mais verificada na natureza e, nela, está implícito todo o desenvolvimento.

Questionação científica

Os cientistas têm escrito muito sobre a questão da bilingualidade, chegando por vezes a resultados contraditórios. Há cientistas que recomendam que se fale, com a criança, a língua que se domina; significando isto que nos casos de casamentos mistos (português – alemão) um cônjuge fale o português e o outro o alemão. Outros chegam mais além desproblematizando a situação defendendo mesmo a mistura segundo as situações.

Ao contrário os puristas/nacionalistas principalmente no passado apontavam para o problema de se originar uma língua mistura chegando a falar mesmo do analfabetismo nas duas línguas ou da falta duma identidade étnica ou mesmo do perigo duma dupla personalidade da criança. Facto é que esta opinião nunca foi comprovada científicamente. Muitas vezes esta visão tem um carácter ideológico e remonta aos constructos nacionalistas do século dezanove.

Papel dos pais/avós na infância

Até aos três anos, a criança reflectirá o ambiente familiar quer nele se fale só uma língua, quer as duas. Com a entrada no Jardim Infantil passará o alemão a dominar e a acentuar-se cada vez mais socialmente, mesmo que os pais falem só uma língua em casa. Nos primeiros anos da infância a criança tem grande capacidade de absorção das duas ou mais línguas sem dificuldade. Com o desenvolver dos anos a dificuldade aumenta. Atendendo ao enriquecimento inter-cultural e às capacidades da criança na primeira infância seria um roubo à criança se esta fosse privada duma das línguas ou do convívio com elementos das duas sociedades.

Na falta de exercitação do português em casa os pais, em questão deveriam socorrer-nos de estratégias supletivas ligando mais os avós nas relações com a criança, criando mais encontros com famílias portuguesas, frequentando mais os centos portugueses, interferindo mais na programação das suas actividades e planeando mais férias em Portugal. Na situação inversa seria consequente a criação de laços individuais e institucionais com a sociedade de acolhimento.

No caso de casamentos mistos penso ser de muita importância que cada um dos pais fale a sua língua materna deixando a oportunidade e liberdade à criança de se expressar na língua que quiser. O facto de um cônjuge falar sempre o português leva a criança a internalizar o português, embora o não use no dia a dia como língua de expressão. Mais tarde, nas aulas de “língua da origem” recuperam rapidamente défices específicos.

O português transmitido nos primeiros anos de vida da criança, embora limitado a relações gregárias, tem imensa importância no desenvolvimento; é muito relevante para o desenvolvimento psicológico intelectual e social da mesma. Constitui um capital cultural e uma herança muito rica com imensas consequências gratificantes para o futuro e para a personalidade da criança.

Ensino da Língua “materna”

A inscrição das crianças nos cursos de Língua e Cultura Portuguesas é essencial para o alargamento da competência comunicativa que deve ser aprofundada e reflectida nos seus aspectos de competência sociolinguística, sociocultural, de competência estratégica, discursiva e de competência empática.

Conscientes da importância da língua e da cultura dos pais para as crianças, os Estados federados alemães instituíram desde 1968 o Ensino da Língua Materna no seu currículo escolar com 3 – 5 horas lectivas semanais. É reconhecida grande importância à aquisição da língua dos antepassados, por razões socio-pedagógicas, psicológicas e económicas.

Todos os bilingues deveriam ter a oportunidade de se formarem bilingues. Uma educação inter-cultural deveria ser possível em todas as escolas e para todos os alunos. Os bilingues serão os mais preparados para manter a relação e estabelecer pontes entre gerações e culturas. É preciso incentivar-se a motivação e não tolerar a intolerância dos guetos. É compreensível a relutância que muitas crianças apresentam perante a aprendizagem do português, atendendo à sobrecarga que significa e a concorrer com actividades imediatamente gratificantes.

A língua portuguesa, tal como outras línguas de culturas minoritárias em diáspora, está sujeita a preconceitos criados pela cultura dominante sendo. Uma língua falada só em casa contribui para preconceitos que poderiam ser desfeitos através da frequência das aulas de língua materna.

Por vezes os pais deixam-se impressionar pela pressão de pessoas, que em alguns casos aconselham os alunos a não frequentarem o Ensino da Língua “Materna”, ou porque, não querem sobrecarregar os filhos com as aulas de português, ou, ainda, porque os filhos preferem ter a tarde livre como os colegas alemães.

Se é verdade que muitas vezes a criança não tem a mesma competência linguística nas duas línguas, apresentando problemas numa delas, isso não quer dizer que deva abandonar o português seja este a língua forte ou a língua fraca. Pais desinformados não inscrevem os filhos na escola logo na primeira ou segunda classe tornando-se depois cada vez mais difícil inscrevê-los. Se é verdade que a criança, no primeiro ano, deve ser alfabetizada no alemão também é verdade que, ao frequentar, simultaneamente, a escola portuguesa, ela começa logo a ter a experiência duma aprendizagem estruturada da língua, se bem que a princípio, apenas oralmente e através de jogos, imagens e de desenhos. Possibilita-se-lhe assim a experiência duma diferente forma de estar no mundo, ao comunicar e brincar com os companheiros da “escola portuguesa”, sendo isto muito importante para a socialização e aquisição de hábitos nos verdes anos.

Enquanto as elites estrangeiras, conscientes da importância da formação inter-cultural, (p.e. os japoneses) criam escolas privadas pagando bem para que a sua língua e cultura seja transmitida aos seus filhos, observam-se alguns pais distraídos, em cidades grandes, que não se preocupam com a escolarização dos filhos no português. A não inscrição dos filhos na escola constituiria um atestado de pobreza de espírito para todos aqueles que, podendo usufruir do ensino do português gratuito, não recorressem a ele. Não se trata de elevar o português aos cornos da lua pelo facto de ocupar o 5°. lugar nas línguas do mundo mas sim de com espírito frio saber ver, organizar e planear indirectamente o futuro abrindo perspectivas à vida.

Nas zonas onde ensino o português tenho deparado com o interesse exemplar da quase totalidade dos pais que chegam a enviar os seus filhos a 20 quilómetros de distância, para poderem frequentar o ensino da Língua Materna. Isto é prova do interesse e consciência dos encarregados de educação em perfeito contraste com políticas de ensino, apregoadas desde 1998, tendentes a acabar com o ensino da Língua materna para o tornarem apenas acessível a alunos liceais (do Gymnasium) onde a concentração populacional escolar e a procura no respectivo liceu o permitir. (Esta é uma política ilusória desconhecedora da realidade alemã, tendente a acabar com o português pela raiz e abandonando infra-estruturas que precisariam sim de revitalização).

Situação a evitar

É fatal adiar a inscrição das crianças nos Cursos de Português. Há crianças cujo contacto com o português se processa apenas pela negativa como se dá nos casos em que alguns pais falando habitualmente o alemão em casa, com os filhos, em casos conflituosos, usam o português como veículo de agressão, apenas para ralhar ou castigar. A criança passa assim a ter uma experiência muito parcial do português, associando-o à negatividade além de o não experimentar como veículo normal de comunicação. Nestas condições a criança não pode ter nenhuma motivação para aprender o português. Há encarregados de educação que para aprenderem o alemão deixam de falar o português optando por um alemão macarrónico, habituando a criança a estruturas de língua não correctas.

Vantagens da bilingualidade

Uma plurilingualidade viva constitui um enriquecimento para a personalidade aos mais diversos níveis. De facto há uma relação entre funções da língua e funções cerebrais. Uma pessoa que desde a primeira infância fale mais que uma língua activa de maneira particular os centros da língua no cérebro e interliga as funções cerebrais dado as acções da língua se armazenarem nos dois globos do cérebro.

O domínio de línguas facilita a aquisição de outros idiomas, além de alargar a riqueza fonética específica capacita a pessoa para novas visões da realidade: capacitação para a diferenciação e reconhecimento da diferença. Deste modo o aproveitamento e o desenvolvimento da criança potenciam-se. Crianças bilingues orientam-se de maneira diferente das crianças monolingues. As bilingues aprendem cedo a diferenciar situações e a posicionar-se situacionalmente. Elas têm de desenvolver mais estratégias de expressão adquirindo assim competências contextuais, de conexão bem como competências metalínguísticas (que vão mais longe do que a língua, como aspectos neuro-psicológicos etc.). A bilingualidade promove, além do mais, o desenvolvimento de competências de interacção cultural e um maior desenvolvimento do cérebro.

Os pais não podem abdicar da sua missão caindo num laissez faire irreflectido. Para o desenvolvimento posterior da língua é responsável a escola. A semente tem porém de ser lançada pelos pais/avós. É urgente capacitar os jovens a poderem viver e expressar-se nos dois mundos. Deste modo capacitamos os nossos educandos a maior flexibilidade e a estar em casa em vários mundos, espaços e épocas. A bilingualidade, trilingualidade serão realidade decisiva numa Europa do futuro. Numa Europa multiétnica, o domínio de línguas abre também chances culturais e económicas.

É preciso criar-se o espaço da Língua Portuguesa como o espaço de existência de formas e experiências vitais diferentes com muito espaço para a liberdade e criatividade onde se aprende o afecto na relação autêntica e verdadeira. Neste sentido têm que se empenhar pais, associações, estado, multiplicadores, RTPi etc. A RTPi tem que repensar os seus programas que normalmente “espantam” a criança bem como pessoas de espírito jovem ao serem confrontadas com programas de conversa ou melo-saudosistas voltados apenas para um tipo ultrapassado de emigrantes.

A língua é a minha terra, e para o bilingue a sua terra é o mundo.

António da Cunha Duarte Justo

(Professor de Língua e Cultura Portuguesas em Kassel e docente de Português na Universidade de Kassel, membro de direcção devárias associações, Conselheiro eleito durante 12 anos pela lista franco-portuguesa na Câmara de Kassel). O que aqui apresento é fruto de estudo acurado e de muita análise directa na minha relação diária com os alunos e encarregados de educação. Tenho feito conferências sobre o assunto desde 1987.

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Entrevista cedida ao jornal “O Diabo”

No dia 10 de Junho, Dia de Portugal, o semanário “O Diabo” publicou uma entrevista feita a algumas pessoas. Aqui reproduzo as respostas que dei nessa entrevista.

Seguem-se as perguntas colocadas pela jornalista Dra. Isabel Guerreiro:

1 – O que representa hoje ser-se português e ser Portugal?

2 – A Língua portuguesa — a maior herança da nossa história — tem tido o devido respeito

por parte da classe política?

3 – Que novo projecto colectivo precisa o País para restituir o ânimo aos portugueses?

Respostas:

1 – O ser de Portugal terá de continuar a basear-se na consciência de que a suavidade é mais forte do que a dureza. A grandeza de Portugal veio-lhe da consciência de ser povo e duma missão a realizar na história.

Portugal tem uma população simples que se pode admirar em todo o mundo. Desse povo são feitos os nossos futebolistas que dão lições ao mundo. O que falta a Portugal, a nível político e social, são os treinadores. Uma elite fraca e presunçosa enfraquece uma nação inteira. Há que interromper a fase da “desistência cívica” em curso, doutra maneira repetiremos de época para época os mesmos erros.

Desde que a nossa sociedade se atrelou às ideologias estrangeiras, optando por um espírito mais dualista francês contra o ideário português que é integral monista e universal, portanto, mais alemão, Portugal tem patinado.

2 – O novo regime fez o erro de sacrificar as províncias ultramarinas e mostrar-se-ia bruto se em nome duma inovação e duma mudança leviana continuasse a sacrificar o que tem de mais sagrado que é a sua cultura e a sua língua. Precisamos de um Portugal moderno mas português.

Num tempo em que se reconhece a importância dos biótopos naturais é retrógrado não investir mais na cultura e na língua. A língua é a alma dum povo, se bem que com diferentes lealdades. A alma portuguesa é global e inter-cultural o que pressupõe um espírito aberto mas seguro.

Precisa-se duma outra escola orientada para a criatividade e para as potencialidades humanas.

Salazar dizia: “ O que honra o trabalho do professor é o sucesso do aluno”. Para isso precisa-se duma atmosfera que dignifique a personalidade dos professores e dos alunos. Os ministérios não podem continuar a ganhar medalhas à custa do desrespeito dos seus servidores! Todos trabalham para todos. O povo, cada um é Portugal.

3 – No seu livro “Viagens na minha Terra”, Garrett faz uma descrição modelo da situação e dos problemas do Portugal de sempre. Nos protagonistas da narrativa, Carlos, símbolo dos progressistas e Joaninha, símbolo dos tradicionalistas, temos uma boa diagnose aplicável à actualidade sobre a situação dos partidos e da cultura portuguesa num Portugal que teima continuar irreconciliável.

A nação encontra-se bloqueada desde o século XIX. Um projecto colectivo pressuporia, primeiro que tudo, uma reforma das mentalidades. Uma sociedade em que a ideologia suplanta a cultura continuará a ser um Estado partidário e não um Estado nação.

Portugal precisa duma administração moderna, plural e sem medo no serviço do cidadão. A democracia merece mais e melhor. Precisa de ter nela as cores do arco-íris. A panorâmica política portuguesa é demasiado rubra e um pouco avessa ao povo e à cultura portuguesa.

Depois de 30 anos, já vai sendo tempo de ultrapassar a exacerbação socialista. Foi a incompetência republicana que justificou o Estado Novo. É necessário construir uma nova mentalidade baseada nos valores que deram o ser a Portugal mas na abertura aos novos desafios, às novas estratégias e à inovação. Os emigrantes provam, no estrangeiro, que são capazes, tal como se vê, também na eficiência dos jogadores do futebol português.

O que Portugal precisa é de dirigentes à altura e duma revolução cultural contínua. As revoluções portuguesas depois de 1383-1385 têm sido milho para os pardais.

Portugal precisa duma consciência de nação e de povo e não de classes. Um Portugal de “irmãos”, de “camaradas”, de “companheiros” e de “compadres” tem sido insuficiente e prejudicial para o povo e para a Nação.!…

Não podemos continuar a sofrer a História, é preciso resistir e tornar-se responsavelmente activo. A simples mudança não é argumento nem fundamenta uma política séria! Precisamos dum Portugal muito variado, no qual todos tenham um lugar importante e se possam realizar razoavelmente. Olhe-se o futuro não com o olhar da esquerda ou da direita mas com o olhar de Portugal, com os olhos de todos os portugueses.

António da Cunha Duarte Justo

antoniocunhajusto@googlemail.com

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PODERES ANÓNIMOS APODERAM-SE DA DEMOCRACIA E DOS GOVERNOS

Novo Carro Eléctrico Português

António Justo

Gerentes de multinacionais, políticos das primeiras filas, jogadores das sociedades de acções e um estado reduzido à dimensão de Judas preocupado com a bolsa dos impostos, actuam como as pragas bíblicas dos gafanhotos que de tempos a tempos invadiam os campos do povo e os desbastavam com a sua voracidade indomável deixando atrás de si o desconsolo e a desorientação. O povo sofre a nível mundial. Em 1960 20% da população mais rica do mundo tinha um rendimento 30 vezes maior que o dos mais pobres. Em 1995 o rendimento dos mais ricos tinha aumentado para 85 vezes mais.

Os energúmenos cartéis internacionais da energia, os cartéis ideológicos e do poder, reduzem o ser humano a presa. O petróleo sobe constantemente nas bombas de gasolina e com ele o preço dos produtos transportados e gerados à custa de energia. O mesmo se dá com o gás, a electricidade e os produtos alimentícios. Os preços tornaram-se astronomicamente simbólicos não correspondendo ao seu valor real. O gasóleo que é um produto de terceira qualidade, em relação à gasolina, chega mesmo a ultrapassar o preço desta.

A indústria automóvel constrói carros com consumo de gasolina mais reduzido mas logo a gasolina é subida de maneira a, multinacionais e Estado, compensarem, com a subida do preço de combustível, o que perderiam com a redução de consumo.

A política desobriga-se, perante um povo também ele anónimo mas ainda sensível às palavras, promovendo actos de fé na ecologia e na defesa do ambiente. O paradoxo da situação está em o negócio florescer melhor com uma natureza doente e um cidadão precário. Os Governos não promovem o razoável para o povo e para a defesa da natureza. Limitam-se a acantonar-se na defesa do status quo pernicioso, desviando as atenções dum povo clientela com responsórios de ocasião. Jogam às escondidas falando de energias alternativas, de CO2 e de modernização criando no povo esperanças e motivação para aguentar maiores cargas e sacrifícios. Não ousam a resistência às sociedades anónimas nem ao ditado do hábito rotineiro. Naturalmente que os políticos se encontram sobrecarregados com um sistema que pressupõe forças sobre-humanas para o dominar. Para isso seria necessária a mudança de mentalidade de todo o povo. O Estado não pode limitar-se à função de impedir a violência dos pequenos, considerando tabu a dos grandes.

Novo Carro Eléctrico Português

Numa reportagem da televisão SIC, sobre a Escola Superior de Tecnologia de Viseu, foi apresentado um carro com capacidade regenerativa. Os finalistas do curso de engenharia transformaram um carro comum num carro do futuro. Este carro, com motor movido a electricidade (15 Quilovolts), significaria uma revolução nos orçamentos familiares. De facto o veículo é bastante potente e movido a energia eléctrica gastando apenas 1,20 Euros de energia em cem quilómetros.

Será que uma iniciativa cívica ou o Estado se interessarão por esta tecnologia ou deixarão que as petrolíferas com a indústria automóvel comprem a patente para ser impedida a produção e comercialização de tal veículo?

O governo engoliu e ficou mudo. Certamente que um cidadão com um carro a carregar as baterias na ficha de electricidade de casa não cabe no seu conceito de Estado para quem a sociedade humana ainda não existe. É melhor viver da administração da “apagada e vil tristeza” do factual ordinário. O Estado perdeu de vista o cidadão.

As Novas Tecnologias não interessam ao Negócio da Energia fóssil

Como se pode ver pelas notícias da imprensa, em 1996 a General Motors produziu os primeiros automóveis eléctricos (EV1) que em 9 segundos aceleravam dos 0 ao 100 Km/h. Eram silenciosos e não precisavam de tubo de escape. Eram recarregáveis com energia eléctrica em casa. Postos em circulação na Califórnia, eram alugados continuando propriedade da empresa. Findo o prazo do contrato, esta não renovou mais os contratos apesar do interesse manifesto dos utilizadores.

Em 1997 a Nissan apresentou o modelo ecléctico Hypermini, tendo a Câmara Municipal de Posade (Califórnia) adoptado este veículo para os seus empregados. Em Agosto de 2006 expirou o contrato de aluguer e a Nissan recusou-se a prolongá-lo ou a que a Câmara comprasse as viaturas. Preferiu destrui-las. Em 2003 a Toyota produz o veículo eléctrico RAV4-EV. Também neste caso, em 2005 expiraram os contratos de aluguer não tendo sido prolongados. Os lobbies das companhias petrolíferas não querem, ganham mais com a guerra e com a poluição.

Preferem os carros híbridos com bateria interna eléctrica porque, no fim de contas, gastam tanto como os carros convencionais.

O problema é que com eles, a América, o Japão e a União Europeia não podiam meter a mão tão funda no bolso do consumidor. A socialização da energia solar foto-voltaica também não lhes interessa, a longo prazo, porque o consumidor se tornaria independente das multinacionais monopolistas da energia e do Estado. Este porém certamente que logo compensaria a perda de entrada de impostos com a alternativa de nacionalizar o sol, submetendo-o a um imposto a pagar pelo cidadão!

O Tipo Cidadão Cliente

Somos geridos por poderes anónimos que transformam os governos em bonecos. Estes bem esperneiam mas até agora em vão.

Os seus detentores vivem melhor das palavras e dum povo proletário na impossibilidade de resistir. O progresso quer um povo desenraizado dos biótopos naturais, um povo citadino acorrentado já não à natureza mas às cadeias do poder.

Substituíram as paisagens naturais pelas paisagens ideológicas e pela propaganda consumista reduzindo o povo a massa e o cidadão a cliente em que os produtos se tornam os únicos factores de identidade. O cidadão cliente vive assim da mais valia simbólica e emocional. Tornou-se acomodado, incapaz de resistir, porque se encontra aquartelado nos bairros dos prédios altos das cidade e das pressões factuais faltando-lhe, por isso, a terra debaixo dos pés para se poder afirmar autonomamente.

O povo vive incomodado mas os Estados e os Partidos ainda vão vivendo bem, uns do encosto às multinacionais os outros do encosto ao Estado. Em segredo os Governos parecem esfregar as mãos de contentamento com cada aumento de preço dos produtos. Então os impostos jorram nas caves ministeriais.

Vive-se num estado de anarquia económica e de servilismo político em que nada é normal.

A corrupção organizada oficial e oficiosa cria uma atmosfera apocalíptica. A virtude, como centro de dois extremos, deu lugar ao vício dos extremismos. Tem-se a impressão que a democracia não consegue já manter as bocas democráticas que criou. A Praga dos Gafanhotos vive da Mentira da Defesa do Ambiente

Instala-se cada vez mais uma cultura parasitária que vive de rituais do pensamento e da liturgia da propaganda que se tornou o ópio do povo no controlo do consciente e inconsciente na estratégia de implementação duma consciência proletária consumista.

Assim o povo, vislumbrado pelo brilho dos medos, distraído e desorientado com a desinformação instalada, acabrunha-se perdendo a capacidade que fez dele homem/mulher: a capacidade de reflectir e resistir.

António da Cunha Duarte Justo

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EURO 2008 – PORTUGAL EM FORMA

PORTUGAL VENCE A TURQUIA E LIDERA O GRUPO A

Portugal derrotou a Turquia por 2 a 0, em Genebra.

A grande novidade trazida pela equipa portuguesa foi a sua capacidade de trabalhar em equipa. Antes era um grupo de grandes individualidades e no EURO 2008 está a demonstrar que é também uma equipa de artistas de cúpula não só a nível de trabalho individual como em trabalho de grupo.

Parabéns aos jogadores e ao seu trinador. São um exemplo para Portugal e para os politicos portugueses!

Antóni Justo

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Com o Romantismo nas Pegadas de Portugal

(Continuação do texto “Dia de Portugal – Nas Pegadas de Portugal – Romantismo, Diagnóstico e Cura)

António Justo

A crise de hoje é civilizacional, antes de tudo cultural. Ela atinge mais os países da periferia, levados no redemoinho da globalização e propensos a reduzir-se a macacos de imitação. A crise portuguesa é crónica com muitos problemas chocados em casa. A má condução e aplicação da “Revolução de Abril”, com o abandalhamento do espírito português; a traição dos interesses portugueses nas antigas províncias ultramarinas, e um povo continuamente na rua de ouvidos atentos à propaganda dos dançarinos de Abril, tudo isto conduz Portugal à depressão e reata o ritmo da nação ao ideário do jacobinismo socialista do século XIX.

Outrora, o romantismo, cultura também ela de importação tardia, esforçou-se muito por tapar o buraco do racionalismo francês e por salvar o liberalismo dando-lhe uma feição portuguesa. Para tapar os buracos da ideologia dialécticaactual, ainda se não vislumbra nenhum oásis em que os portugueses se reconciliem, na base duma identidade própria. (Naturalmente que Portugal precisa de inovação e de progresso mas não com os extremismos ideológicos e estrangeirados expressos nos barões de outrora e nos boys de hoje!)

Criar uma cultura nacional portuguesa

O fomento duma cultura nacional portuguesa implica mundializar Portugal dado o ideário português possuir um espírito integral global, forjado no cadinho do cristianismo e das diferentes culturas.

Os românticos são escritores em que a dimensão nacional se torna palco e sentido da sua produção literária. Entendem-se como plataforma da cultura e ao mesmo tempo como crítica dela.

Em consequência das invasões francesas, do refúgio da corte no Brasil, do desenvolvimento das lojas maçónicas, ideais liberais, de revoluções e contra-revoluções, muitas personalidades vêem-se constrangidas a emigrar.

O exílio político dos nossos românticos contribuiu para a evolução cultural portuguesa. Emigrantes como Garrett e Herculano, transmitem com autenticidade temas românticos como saudade, isolamento, revolta amargurada e anseio da liberdade. Garrett desabafa perante o estado da nação e os exageros liberais: “Eu do meu pátrio Tejo desejoso / Deixei nas praias desmontada a lira: / Suas águas, já tão puras; hoje envoltas / Em lágrimas de sangue… / …quando a pátria é morta, / Morrem com ela as Musas.”

Também Alexandre Herculano em ‘A Vitória e a Piedade’ (1833) dá expressão à alma portuguesa romântica: ”…E lá chorei, na idade da esperança, / Da pátria a dura sorte: /

Esta alma encaneceu; e antes do tempo / Ergueu hinos à morte…”

No romantismo, o ideal, o sonho, a emoção o sentimento, fazem parte duma mesma paisagem humana e duma natureza comuns. Ele segue uma espécie de panteísmo místico que constitui como que o cenário base para a relação indivíduo – geografia, indivíduo – paisagem, indivíduo – povo numa identidade participada. Quer construir o futuro mas numa unidade de nação e indivíduo num destino comum enraizado no passado mas aberto ao futuro. Ele questiona uma forma de racionalismo vigente para possibilitar a descoberta do indivíduo sensível e livre. Pretende, na procura duma espiritualidade e duma mística que lhe dê um panorama libertador, libertar das amarras político-sociais autoritárias e dum certo moralismo convencional. O status quo ata o povo à melancolia levando-o a refugiar-se em figuras de heróis que contestam a mediocridade do factual e as máscaras duma sociedade artificial que se opõe a uma subjectividade nascente e inconformada com os limites do dia a dia.

Introduzido em Portugal por Almeida Garret com “Camões e Dona Branca” em 1825, o romantismo afirma a emoção e o sentimento, ao contrário do Neoclassicismo que afirmava a razão. O sentimento e a imaginação são guiados pela liberdade com uma referência sempre ligada à terra e ao povo num estilo coloquial e muito natural. Almeida Garrett, empenhado na propagação do liberalismo, proclamava: ”Este é um século democrático, tudo o que se fizer há-se ser pelo povo e com o povo”. Por isso a literatura assume um carácter pedagógico com intenção formativa. Os poetas querem-se com espírito cívico e democrático com uma reflexão fundada sobre a nacionalidade. Sentem-se os continuadores da obra dos padres numa plataforma cívica. Almeida Garrett preanuncia em “Dona Branca” a nova orientação estética. Renuncia à mitologia pagã para afirmar o maravilhoso nacional. O novo altar é o das tradições nacionais. “Professei outra fé, sigo outro rito, E para novo altar meus hinos canto”. Nas suas obras estão presentes as tradições populares, as figuras históricas, o sebastianismo, a rivalidade com Espanha e o ideal cristão evangélico. Garrett também contribui para a restauração do teatro nacional com a sua obra-prima “Frei Luís de Sousa”. Aqui confessa a prevalência da Literatura sobre a História. “Eu sacrifico às musas de Homero, não às de Heredoto; e quem sabe, por fim, em qual dos dois altares arde o fogo de melhor verdade”. Em “Frei Luís de Sousa” assiste-se ao sebastianismo projectado na fidelidade de Maria e de Telmo que se vê representado no regresso de D. João de Portugal, o primeiro marido. À ocupação filipina procura afirmar-se a dignidade nacional preservada num certo sebastianismo.

A revolução liberal de 1820 empenha a intelectualidade portuguesa. Os românticos da primeira geração revelam-se personalidades do equilíbrio não perdendo, no seu entusiasmo iluminista, a perspectiva da paisagem natural mantendo-se com os pés no chão pátrio. Garrett e Herculano fazem parte do movimento revolucionário liberal, contribuindo também eles para a derrota miguelista.

A implantação do romantismo com “Camões” e “Dona Branca” dá-se sob o signo dum liberalismo humano baseado nos valores de liberdade, igualdade e soberania da nação.

Com Herculano surge uma consciência nova duma história crítica mas integral. Alexandre Herculano em “Eurico o Presbítero” torna-se porta-voz dum romantismo liberal conservador e respeitador da tradição religiosa portuguesa, contra o jacobinismo militante e contra o populismo ideológico vigentes. Herculano defende o municipalismo (democracia biotópica e não ideológica) contra o centralismo; ele critica o clericalismo e o socialismo e defende um liberalismo e um cristianismo evangélico como se pode ver no “Pároco de Aldeia”. Herculano luta pela implantação dum liberalismo português e não francês. Ele lamenta que o país viva sem conteúdos culturais profundos e que a preocupação intelectual portuguesa se esgote pois “todos os cuidados estavam aplicados às misérias públicas e aos meios de os remover”.

Oliveira Martins constata também: ”Uma das mais conspícuas aventuras do Romantismo foi decerto a tentativa de criar uma tradição nacional portuguesa…” O romantismo vem tapar o buraco cultural criado por ideologias socialistas não aferidas. Fomenta uma literatura de empenhamento cultural tendente a provocar uma reforma das mentalidades no povo. O problema será o da ideologia e do jacobinismo mais interessados nos dividendos da revolução liberal do que no empenhamento cultural e na transformação do povo.

Assim à geração Garrett/Herculano (1825-1850) segue-se a geração convencionalista dos instalados à sombra dos ministérios e da administração, liderada por Castilho em que, sob o seu mandarinato, se impõe uma literatura oficial. Alberto Ferreira descreve a situação deste modo:”Convulsivamente, o artista aceita o predomínio social e político do barão, cede às prepotências mundanas ou às imposições do público… cada um, mais ou menos, acaba por sucumbir às solicitações e apelos dos instalados, à coacção da mediocridade… O escritor ora cede às imposições familiares ora se deixa absorver pela burocracia estatal”.

Não admira, assim, que, na feitura literária passem a dominar os aspectos formais, e o espírito criativo se esgote na vernaculidade da palavra, na ortodoxia da sintaxe e na correcção métrica. Dá-se o emburguesamento mental e o escritor perde a capacidade crítica, como convinha ao rotativismo partidário da governação.

Depois, a geração de Antero de Quental, com a “Questão Coimbrã”, consegue maior autenticidade e perspectivas de visão. Ele luta contra o mandarinato de Castilho e certas fraquezas ultra-românticas, contra convencionalismos e oportunismos mas desilude-se. O socialismo leviano português não compreendeu, ontem nem hoje, a profundidade do pensamento português de Quental. Quental mata-se desiludido do socialismo e talvez dum Portugal que não aprendeu a entender-se a si mesmo. Um Portugal que, tradicionalmente vai adiando a vida, atraído por ideias de ocasião que as modas políticas vão exibindo.

Como outrora também hoje se precisa de janelas abertas e rasgadas que permitam maiores panoramas à alma portuguesa. Necessitamos, além de fazedores, também de videntes e admoestadores ao serviço de todo o povo português. No deserto de Portugal não chegam as miragens precisa-se também de oásis. O romantismo queria levantar a nação e ao mesmo tempo dar-lhe profundidade com a fantasia e a inspiração, ao contrário do que faziam e fazem os nossos figurinos de casa vivendo da cópia ou do ditado alheio.

Percurso de Portugal previsto já em “Viagens na minha Terra”

António Justo

“Viagens na minha Terra” a obra de Garrett que deveria constituir leitura obrigatória para todo o bom português é uma viagem ao “espaço” português, um espaço polivalente que possibilita os mais variegados trajectos ideológicos. Garrett apresenta nesta obra os diferentes componentes políticos, culturais, históricos e ideológicos em curso. Para ele o povo é puro, autêntico e tem bom gosto enquanto que a sociedade urbana e burguesa é “espuma descorada”, superficial e artificial.

No herói da novela, Carlos, dá-se uma transformação do Homem Natural para o Homem Social. Nas Viagens prevalece a ideia rousseauriana da bondade natural do indivíduo, numa mística cristã e num ambiente idílico longe da perversão social modernista.

As viagens comprovam a crise de valores e a situação político social com os seus conflitos de idealismo e materialismo. Dum lado os ideais do amor pátrio e da arte e do outro o mundo mesquinho utilitário e artificial. Nele se vê o aguilhão da cultura portuguesa no conflito frade – barão. O barão aproveita-se da confiscação dos bens fundiários das ordens religiosas e duma igreja acomodada, originando-se assim uma oligarquia de barões ricos.

As Viagens resumem: “O frade era, até certo ponto, o Dom Quixote da sociedade velha. O barão é, em quase todos os pontos, o Sancho Panca da sociedade nova. Menos na graça… O barão é pois usurariamente revolucionário, e revolucionariamente usurário. Por isso é zebrado de riscas monárquico – democráticas por todo o pelo”.

Os barões de hoje reportam-se aos cravos do seu Abril, vendo Portugal com os olhos colorados de Abril mas não com os olhos de Portugal. Encostados também eles à administração pública e partidária deixam Portugal sangrar. A sua má consciência é branqueada com ideias ou invertida em combates contra redutos cristãos ou contra uma Igreja já não existe, ou à maneira quixotesca com palavras vazias como progresso, inovação, mudança, reformismo. A questão porém não está no ter mas no ser…

Uma coisa é comum ao liberalismo, ao republicanismo e ao 25 de Abril: a desilusão. Nestas três “revoluções” mancharam-se os ideais da igualdade e da justiça. Em “Viagens na minha Terra” constata-se com resignação que a oposição natural ao progresso é constante pois “o mundo sempre assim foi e há-de ser” e verifica-se que os que se apoderam das revoluções se apoderam sempre das instituições estatais. O “status in statu forma-se: ou com frades ou com barões ou com pedreiros – livres se vai pouco a pouco organizando a influência distinta, quando não contrária, às influências manifestas e aparentes do grande corpo social. Esta é a oposição natural do progresso…” Os arautos das revoluções tornam-se barões. As revoluções tropeçam nos seus próprios mentores. Certamente por estas razões uma das primeiras acções governamentais de Mário Soares foi reabilitar a Maçonaria.

Na novela, Carlos simboliza o Portugal progressista e Joaninha o Portugal tradicionalista. Carlos representa o conflito ideológico e psicológico com Frei Dinis, seu tio (antigo regime). Ele busca nas novas ideologias, nas lutas liberais o afastamento das suas origens naturais. No seu trajecto, Carlos transforma-se, degrada-se e faz-se barão. Joaninha permanece fiel aos ideais de amor e de autenticidade, de que não abdica e morre doida. Carlos segue a razão e o progresso; Joaninha segue o coração e a tradição.

Já tarde, Carlos escreve a Joaninha, a única com quem ele realmente pode falar abertamente e confessa (e com ele a Revolução): “estou perdido para todos, e para ti também… Estou perdido. E sem remédio, Joana, porque a minha natureza é incorrigível. Tenho energia de mais, tenho poderes de mais no coração. Estes excessos dele me mataram…e me matam”.

Com esta confissão se declara o falhanço do liberalismo português, que foi o falhanço do republicanismo (a primeira democracia portuguesa) e que está a ter continuidade nos indícios de fraqueza crónica da nossa democracia de Abril.

Carlos protagoniza o percurso histórico de Portugal e em especial o do liberalismo e do 25 de Abril.

Uma vez desmistificada a revolução francesa (e ultimamente a Russa) trata-se agora de desmistificar a revolução dos cravos para se poder passar a desmistificar o sentimentalismo português e, na reconciliação de razão e coração, se dar perspectiva à vida nacional e individual abrindo a janela da poesia e da acção no sentido da reconquista de Portugal. Então a literatura, a poesia tornar-se-ão, não em instrumentos ideológicos mas em factores correctivos da política e factor formador do povo, tal como queria o romantismo. Para isso, os conservadores terão de acordar do seu sono deambulatório e os progressistas têm de deixar o seu espírito mercenário, para juntamente descobrirem que o globalismo, a modernidade e a democracia se encontram já nas origens da nação e da terra lusitana e não nas ideologias e modas estranhas.

Há entretanto uma chance que passará pela transformação e integração contínua do nosso ser de Carlos e de Joaninhas sem a perca da própria identidade. Integrar o progresso na tradição e a tradição no progresso, esta deverá ser a missão de governos e de cidadãos. Para isto pressupõe-se uma capacidade de auto-reflexão e de integração e a vontade de se ser povo, de se ser português não abdicando das diferenças e de se ser homem/mulher livre em processo.

António da Cunha Duarte Justo

“Pegadas do Tempo”


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