GÜNTER GRASS PERSONA NON GRATA EM ISRAEL

Indignação contra Indignação – à volta do poema “O que tem de ser dito”

 

António Justo

Alguns dias antes da Pessach (festa judaica), a “inocência” de Günter Grass, inicia, com a sua prosa poética, uma campanha sobre uma região que só conhece o calvário. O nobel da literatura emprega a sua tinta em papel sem mata-borrão, num assunto de trincheiras, todo ele constituído de preconceito e agressão.

 

O Governo de Israel reagiu drasticamente à poesia provocante de Grass declarando-o como pessoa indesejada; negando-lhe assim a possibilidade de entrar em Israel. A argumentação oficial para justificar tal acto parte do pressuposto que Grass tenciona com a poesia “atiçar o fogo do ódio sobre o Estado e o Povo de Israel”.

 

“O que tem de ser dito” (Was gesagt werden muss), texto controverso de Grass, publicado por muitíssimos jornais, afirma que “O poder nuclear de Israel é uma ameaça à já frágil paz mundial”; Grass refere ainda: „estou cansado da hipocrisia do Ocidente”. Critica também o facto de a Alemanha fornecer submarinos a Israel.

 

O publicista Henrich M. Broder reagiu afirmando que Günter Grass “sempre teve um problema com judeus” afirmando mesmo que Grass é um “protótipo do anti-semita intelectual “ que quer cobrar culpa e sentimentos de vergonha com a História. O autor Ralph Giordano atesta o versar de Grass como um “ataque à existência de Israel”.

 

Grass afronta Israel ao colocar a teocracia fascista iraniana ao mesmo nível da sociedade israelita. Emprega, no texto, a expressão nazi que pretendia “extinguir” os judeus pondo essa palavra na intenção dos judeus perante o Irão como se os judeus pretendessem realizar um “holocausto”.

 

Israel considera o Irão como o maior perigo para a sua existência devido às suas agressões verbais oficiais e ao seu apoio ao terrorismo. Israel encontra-se entre a espada e a parede: entre a superioridade das forças armadas convencionais dos povos maometanos circundantes e a própria superioridade atómica. Especulações sobre uma possível intervenção de Israel contra as instalações atómicas iranianas são vistas criticamente quer por israelitas quer pelo estrangeiro. Pelo contrário o Irão quer ver Israel irradiado do mapa, como testemunham políticos iranianos quando dizem, entre outras frases: “Em nove minutos extinguiremos Israel do mapa, o mais tardar em 2014”. O Irão apoia várias organizações radicais islâmicas palestinianas bem como a organização paramilitar Hizbollah constituída por fundamentalistas islâmicos xiitas no Líbano que se darão por satisfeitos quando virem os judeus no mar.

 

No conflito israelo-árabe domina o cinismo de posicionamentos antagónicos e a inocência de adeptos partidários. Parece que nos encontramos numa situação louca, em que reina a contradição, onde tudo fala e tem razão.

 

Este berro de Grass obsta ao tédio da normalidade adaptada. Neste tempo de conformismo em que os intelectuais perderam a soberania da intervenção e interpretação no discurso público, a intervenção de Grass até parece oportuna pelo menos para uma facção e porque dá satisfação a uns e a outros dá a oportunidade de falar dela. Grass goza da graça do estado de não precisar de trazer a tesoura na cabeça, podendo dizer sem filtro o que pensa sem correr o perigo que os Media percam o interesse nele e que o seu grande público o abandone. De lamentar é que não haja intelectuais de outras cores a pisar o risco do oportuno. Para lá dos devotos e dos adversários de Grass o importante seria uma reflexão a-perspectiva sobre o conflito entre israelitas e a liga árabe. Que uns vejam a realidade com o olho direito e outros com o esquerdo é normal. O que não é normal é que um homem como Grass que vestiu a farda nazi não se preocupe em ver o mundo com os dois olhos abertos.

 

Günter Grass, prémio nobel da literatura em 1999, agora com 84 anos, já viu milhões dos seus livros publicados, sendo um intelectual reputado. Numa classificação dos intelectuais mais destacados, a revista alemã “Cícero” em 2007 colocava o papa Bento XVI em primeiro lugar, o escritor Martin Walser em segundo e Günter Grass em terceiro.

 

Grass, sempre sobressaiu pela sua intervenção pública, destacando-se na crítica ao regime da antiga DDR (Alemanha Oriental), à guerra do Iraque e no apoio ao Partido Social Democrata (SPD) alemão.

 

 

O facto de Günter Grass se ter inscrito como voluntário aos 15 anos nas Waffen-SS e ter sido chamado aos 17 anos (1944) para a 10. Divisão-SS de Blindados “Frundsberg”, não deve ser abusado para o difamar. São etiquetas que querem fixar o indivíduo a uma fase da vida como se a pessoa não fosse processo sujeito à mudança.

 

À tomada de posição histérica de Grass segue-se a histeria dos que o atributam de anti-semita.

 

Grass alimenta a maquinaria da indignação servindo-se dos Meios de Comunicação. Assiste-se a um protesto obediente, como sempre em torno da forma sem chegar ao conteúdo, em torno de grupos de interesse mas sempre à margem das pessoas concretas que vivem em Israel e na “Palestina”.  Muitos procuram no jogo do poder a sua sorte.

 

Estes dias não têm sido favoráveis a Grass nem à causa israelo-palestiniana. “Quem semeia ventos colhe tempestades”, confirma o ditado português.“O que tem de ser dito” encobre o por dizer!

 

O entusiasmo, positivo ou negativo, por uma posição ou outra, vem sempre do canto errado. O conflito israelo-árabe é demasiado complicado para se poder sair dele sem se sujar as mãos e a mente.

 

O calor da discussão desencadeada por Grass pode tornar-se num sinal de como um Norte de África a ferver varrerá com a inocência duma Europa futura.

António da Cunha Duarte Justo

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Interrupção da Dança do Dia-a-dia – Decisão do Tribunal

Sexta-feira Santa

 

António Justo

Na minha terra adoptiva, Kassel, no Estado do Hesse, Alemanha, há uma lei que regula os dias santos e feriados. Ela proíbe eventos de dança desde as 4 horas de Quinta-feira Santa até às 24 horas de Sábado Santo. No Domingo e Segunda-feira de Páscoa é proibido festejar entre as 4 e as 12 horas tal como nos outros feriados nacionais.

 

O partido dos Piratas e a Juventude dos Verdes recorreram ao Tribunal Constitucional, no sentido de poderem organizar danças para Sexta-feira santa, dado esse dia não lhes dizer nada. O Tribunal Constitucional, porém, não aceitou tal plano pelo facto do assunto ser da competência de outro tribunal; vários tribunais do Hesse proibiram as demonstrações contra a lei dos feriados, planeadas pelos referidos grupos, para Sexta-feira Santa.

 

Na Sexta-feira Santa, o dia do silêncio, é comemorada a morte de Jesus. O alemão para designar a Semana Santa utiliza a velha expressão ”Semana das lamentações”.

 

Interrupções no ritmo trabalho-compra-diversão revelam-se como salutares para o equilíbrio psíquico humano. Na Alemanha há uma forte aliança entre Igreja, Sindicatos e Associações no sentido de se não ocupar os Domingos e feriados com o trabalho. O Homem não é de pau, nem vive só de pão, nem foi criado para estar continuamente disponível para um mercado de trabalho que quer ocupar todos os espaços humanos.

 

Na União Europeia já há muita gente que reconhece a necessidade de tempos de sossego e de calma, pelo que vários deputados europeus formaram uma iniciativa em defesa do Domingo como dia livre de trabalho.

 

Uma sociedade sem espírito público, de tendências individualistas eliminaria o estado social que se baseia em valores comuns. Naturalmente que cada convicção deve ser respeitada mas não cair no extremo duma anonimidade geral. A regularmo-nos apenas pelo individualismo teríamos de abolir todos os dias santos e feriados, todos os nomes de ruas. O que para uns é afirmação para outros pode constituir uma provocação.

 

Temos que viver uns com os outros, cada qual suportando o peso e a riqueza do seu gene e apesar de tudo manter um sentimento grato pelas tradições que nos deram o ser cultural. Trata-se de nos suportarmos uns aos outros num espírito de benevolência sem nos querermos afirmar à custa dos outros. Doutro modo teríamos que criar uma sociedade irreal abstracta reduzindo tudo a números.

 

O Cristianismo (gregos, romanos, judeus e outros) gerou-nos, como cultura, constituindo os nossos fundamentos. Trazemos em nós os genes da cultura assim como somos portadores dos genes de nossos pais, sem eles não seriámos nós, quer queiramos ou não eles são e estão em nós tanto no cómodo como no incómodo, no defeito como na virtude. Não reconhecer isto é fuga. Constituiria um testemunho de pobreza se nos fixássemos num espírito de contradição obstinado contra a nossa cultura. Importante seria reconhecer seus defeitos e virtudes em nós; só então estaremos prontos para nos descobrirmos a nós.

 

A nossa sociedade tem-se preocupado muito com a afirmação a nível individual. Não pode esquecer porém que indivíduo e comunidade são as duas faces da mesma moeda, a pessoa. Tudo o que se faz ou deixa de fazer só se legitima tendo por base a defesa e o serviço da pessoa humana. Por isso é preciso tomar a sério muitas solicitações da Igreja. A Igreja preocupa-se pela defesa da pessoa no seu todo enquanto o Estado e as Empresas se preocupam mais em considerar a pessoa como indivíduo, como pagador de impostos, como cliente.

 

A Semana Santa é o dia grande da cristandade em que a metamorfose da vida e do mundo se resumem num só acontecer, num processo de morrer para renascer.

 

Para os protestantes, Sexta-feira Santa é por assim dizer o dia santo “mais evangélico” pelo facto de “no sofrimento e morte de Jesus Cristo se experimentar a proximidade de Deus neste mundo, até à morte”, como diz o bispo Martin Hein.

 

Numa realidade de morrer e renascer, defensores e contrariadores, terão de aprender a levar a cruz uns dos outros, dado cada um de nós ser, em parte, a cruz do outro.

 

António da Cunha Duarte Justo

antoniocunhajusto@gmail.com

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Sentido duma “Vida sem Sentido”

Tudo funciona em Termos de Fim

António Justo

Nietzsche dizia „quem tem um porquê para viver, suporta quase cada como”. O problema está para quem não tem porquê nem como. Sim, até porque a vida é mestra e a História obriga.

Na luta da vida, uns ganham, outros perdem e outros nascem perdidos. De premeio fica a perspectiva individual, numa atmosfera social mais ou menos intoxicada, diria eu.

Nos primórdios da humanidade, os nossos antepassados caçadores-colectores esfalfavam-se em manada atrás da caça e da fruta. Levavam uma vida nómada e na luta pela subsistência viam-se obrigados a viver na manada.

Na sequência dos hábitos ancestrais de caçadores-colectores, pratica-se também hoje a caça e a colecta nos centros comerciais (“Shoppings”). Escarmentados das fadigas invernais sentimos cada vez mais o prazer no ter do que no ser. Surge o prestígio e este baseia-se já não na necessidade directa mas na ideia (necessidade construída). A satisfação e o prestígio de ter passam a impor-se ao do ser. A massa já não segue em direcção à caça, mas o sentido da ideia dela.

As pessoas perdem a individualidade pensando e vivendo cada vez mais em termos de manada. Do tédio da monotonia redil surge a necessidade de se diferenciar numa corrida ao prestígio baseado na ideia do sucesso económico. A animalidade individual, agora encarcerada numa cultura domesticadora procura os seus tubos de escape numa ideia de distinção e de liberdade apregoada pelo mercado. Os pobres de cima e os pobres de baixo, tudo em fuga, vivem da futilidade dum ter mais que o outro e duma distinção que se revela no poder de compra. Cada um quer levar o mundo às costas, querem tudo na sua mochila. Na luta contra o caos afirmam-se as forças da animalidade violenta de uns contra os outros. De momento, grande parte das elites financeiras manifesta-se como extremista e sem um conceito ordenado de sociedade. A brutalidade de oligarquias torna-se exemplar para as bases que a sustêm levando-as primeiramente à desorientação e depois à anarquia.

Uma sociedade que não canalize a brutalidade dos seus membros está irremediavelmente perdida. Para o poder necessitará de ideais e metas metafísicas. As estruturas precisarão de homens bons e a contrabalançar os seguidores da oportunidade. Doutro modo, sob o impulso de canalizar a animalidade, continuarão a esconder-se, por trás dos bastidores, os interesses individualistas, nacionalistas e ideológicos. Estes só querem indivíduos e não pessoas, querem apenas clientes e crentes. Neste sistema, quem não pertencente ao rebanho, não orienta a inteligência em benefício próprio. Uma sociedade sem consciência pessoal e comunitária transcendente e que engendra para cada qual um deus indiferente que tudo permite deixa a bestialidade humana governar.

A natureza, para não estagnar, não quer harmonia. Ela tem, além dum sentido imediato, um sentido telelógico, virado para uma meta, um objectivo sempre mais distante do que a mira da nossa caçadeira alcança. Quem não descobrir essa meta será condenado, como Sísifo a empurrar repetidamente uma pedra (a sua vida) até ao lugar mais alto da montanha para a ver rolar de novo para o fundo dela.

Depois de cada caçada, de cada compra, de cada vitória fica a depressão do desconsolo duma caçadeira descarregada, de vida vazia. Resta a sensação de um caçador cansado, a subir a encosta, à semelhança de Sísifo no mito.

Sísifo quer-nos alertar para uma vida digna de viver e para a necessidade de intervir no destino. Primeiro procura-se o que dá alegria: um trabalho, uma casa, uma criança; depois vem a insatisfação, da falta duma tarefa, da falta de realização.

No caso de desemprego inutilizam-se as próprias capacidades e conhecimentos. Pior ainda; a sociedade só exige e não louva, o que diminui a satisfação. O horizonte reduz-se, cada vez mais, ao panorama dos próprios problemas. Por fim o cenário pode reduzir-se a si mesmo. Sem a perspectiva do outro não haverá realização.

Uma existência sem metas é vida desperdiçada e perdida

Uma vida sem metas é como um carro com motor em ponto morto, só gasta e desgasta ou anda à roda como os carrinhos eléctricos das feiras.

Desde a natureza à lógica e ao sentimento, tudo funciona em termos de fim. O ciclo da trajectória duma semente não é terminar nela; contra isto fala a evolução e a ânsia de sentido no mais profundo de cada coração. O sentido encontra-se não só em nós, no todo mas também fora dele. Tudo se encontra a caminho, a natureza inteira, cada povo e cada pessoa. O seu ser não se reduz ao caminho como apregoam os barateiros do mercado.

Sentido é algo subjectivo mas um consolo apenas subjectivista (individualista) encerraria o ser num labirinto. O sentido experimenta-se na relação entre o eu e o nós, numa relação de diálogo binário e trinário dum receber e dar para mais criar. A natureza orienta-nos para o futuro, muito embora o futuro não seja o seu fim.

É verdade que o sol nasce todos os dias. Ele parece resumir o sentido que a semente sente numa continuidade repetitiva a caminho dum chamamento imanente e transcendente. Aquele chamamento vem dum fora dentro a que o próprio Sol obedece no reconhecimento dum sentido maior.

A vida individual, familiar, social e nacional ocidental encontra-se ameaçada pelo facto de não reconhecer algo que a transcenda, não conhecer uma meta mais abrangente que não seja o ciclo das estações do ano. Tudo circula então em torno do próprio umbigo como se cada um fosse o umbigo do mundo. Uma multidão sem necessidade de dar à luz. Um mundo assim concebido já não precisa de heróis nem de santos, acomoda-se ao destino duma rota de exploradores e explorados.

Prometeu, protótipo do homem grego, foi herói ao conseguir roubar o fogo dos deuses para o dar ao humano. Este, ao desistir do fogo dos deuses será reduzido à condição de prisioneiro e acorrentado à própria arrogância e entregue, pelos deuses, à voragem das águias que se alimentarão do seu fígado. Ao acomodar-se à fuga do medo não chega a experimentar a satisfação de que a rebeldia por fim lhe trará consolação.

Equivoca-se a política ao reduzir a vida pública a uma mera luta de interesses entre grupos. Erra a psicologia que se fixa no ego, encurtando o horizonte da pessoa a ela mesma e a vida a uma mera estratégia de sobrevivência individual, dando receitas que não passam de anestesiantes para um ego que sofre de miopia. Por isso, a sociedade, cada vez produz mais doentes e a frustração individual está cada vez mais patente.

Geralmente procura-se a solução para os problemas onde ela não pode estar. Coloca-se a bola da vida nas mãos dos donos de matraquilhos ignorando que eles, consciente ou inconsciente, pretendem levar a bola ao seu buraco. Uns e outros parecem adiar a vida em trips de egos. Por falta de panorama limitam-se a ajudar Sísifo a subir a montanha para de novo cair a seus pés. Uma solução que se contenta com a satisfação do eu, só em si, não satisfaz porque empobrece a pessoa, reduzindo-a à condição de Sísifo. A concentração no ego possibilita a masturbação mas não a criatividade, realiza-se à margem da evolução.

No mercado da praça pública encontramos muitos profetas do ego. Até parecem que têm a vida para dar ao oferecerem mais sexo, mais droga, mais liberdade, como se fossem os donos disto. Eles fixam o bem-estar a um hedonismo que reduz a felicidade ao acto de striptees, ao acto do momento, como se o dia não tivesse um nascer e um pôr-do-sol, como se o dia completo não contivesse também a noite. Para que a realidade da noite não seja consciencializada têm como solução a bebedeira. Muita da psicoterapia, dos curandeiros, dos espíritas e muito outra boa gente só ajudam as pessoas a adiar a vida, sempre à cata dum raio de sol fútil. O pior é que ainda pagam para isso!… Uma vida com sentido é entrega, é oferecer consciente que no dar se entra em comunicação com o outro e nele com o próprio profundo. Doutro modo, o sentido duma vida sem sentido será alimentar os parasitas da vida. Uns como outros correm o perigo de se encontram virados apenas para si reduzindo o seu sentido ao alimentar dos vermes do cemitério. Naturalmente que a paciência do verde da roseira se premeia nas rosas da roseira também na vida humana não haverá alegria sem sofrer.

A felicidade dá-se no nós, na relação; o eu encontra, ao mesmo tempo, o seu limite e a sua complementação no outro. A sociedade ocidental estressou a pessoa reduzindo-a a indivíduo à disposição do seu mercado: Reduz a praça social a grupos de vendedores concorrentes entre si sem um sentido individual nem colectivo. Para isso quer uma sociedade aberta sem biótopos, quer apenas indivíduos indefesos estando, por isso, interessada em destruir a pessoa (a pessoa, ao contrário do indivíduo, encontra-se embutida numa paisagem, numa região, num país, numa cultura, numa família; a ideologia, pelo contrário só conhece uma cor, as cores do arco-íris de que a pessoa seria portadora constituiria um impedimento a qualquer ideologia seja ela económica ou do pensamento). Por isso se vê cada vez mais a afirmação da ideologia do indivíduo contra a pessoa. O turbo-capitalismo, o socialismo materialista e os déspotas querem indivíduos despojados de ideias próprias, despojados de família e de nação.  Uma sociedade como a nossa, já a caminho do pôr-do-sol, infecta outras sociedades emergentes e ensombra a vida com valores já não de esperança mas de desilusão. Privilegia a força da entropia só tendo em conta o ego, sem a consciência de que este faz parte dum biótopo cultural empenhado na construção dum ecossistema espiritual universal.

O horizonte do nosso ego encontra-se numa relação complementar à intimidade do nós. Somos o cruzamento duma panorâmica com vários horizontes, todos eles enquadrados na nossa pessoa e a serem considerados no trilho da sociedade. Como o Sol tem uma missão em relação à Terra assim o humano tem uma missão de seguir e criar sentido. Quem cria e dá sentido sente sentido na vida, realizando-se e expandindo-se na alegria dos raios sociais que irradia. Então as sombras da vida já não adoentam, passam a ser canais por onde passa a luz, por onde passa a vida. Daí surge a satisfação de tornar a humanidade e o mundo num lugar digno, onde a vida é equacionada e mantida sob o ponto de vista da pessoa, do universo e do divino.

A futilidade dum viver numa democracia de cidadãos vencedores e perdedores, de realização individual, sem uma órbitra que transcenda o eu, só poderá conduzir à frustração do cidadão que constata nas órbitras das instituições do Estado e da humanidade a repetição da própria órbitra egocêntrica, apenas um pouco mais alargada.

Falta a consciência duma órbitra universal cujo trajecto se origina no nós e tende para o nós numa dinâmica complementar. Uma teoria e uma praxis na perspectiva do nós (comunidade e não mera sociedade) interromperia a continuidade histórica de exploração (a relação de caçador e presa) para, na História da humanidade, se introduzir a sustentabilidade do seu desenvolvimento. Isto para não reduzirmos o trajecto histórico a um movimento rotativo de explorados e exploradores.

Doutro modo a nossa vida dará sustentabilidade à reiteração da exploração e da lamentação, continuando a História ordenada em dois acampamentos: dum lado os mais solidários, do outro os mais egoístas, os privilegiados.

Marx pensava poder mudar a humanidade e a natureza humana, se se acabasse com a propriedade privada. O seu erro foi querer reduzir tudo ao ciclo da matéria e querer sacrificar as diferentes esperanças da humanidade à sua esperança, não contando que a realidade consta de erros complementares que possibilitam o alívio do mal. Há muitos caminhos na tentativa de superar o mal e de melhorar a sociedade. Será tarefa de todos fazer desembocar o seu caminho na comunidade e no respeito da diferença. Uma só solução é engano. Até hoje, as revoluções criam novas classes dominantes que se legitimam com novas ideias impostas ao povo e aos vencidos. A ilusão voa mas o sofrimento provocado pelo ser humano é continuado sob o sol de novas explicações e dominações.

A tarefa apontará no sentido de se agir a partir do ponto de vista do nós. Para isso ajuda um princípio duma ética universal digna: não faças ao outro o que não queres que te façam a ti. A ética superior das bem-aventuranças poderá ficar para uma segunda fase da evolução da humanidade. Por enquanto continuamos a ser crianças contentando-nos com o jogo das escondidas.

Cada sistema de valores corresponde a um ecossistema cultural aferido à geografia, às necessidades e desejos de cada biótopo. Destruí-los em nome doutras grandezas seria crime. Há que disponibilizar o sol para todos. A óptica divina apela à consciência duma perspectiva universal num mundo a ter de se recriar: um mundo de todos para todos.

António da Cunha Duarte Justo

antoniocunhajusto@googlemail.com

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Capitulação da Nato no Afeganistão – Mais uma Guerra estúpida perdida – Cabul é uma cidade de muros intra muros

Depois da Guerra pior que antes da Guerra – veja-se Iraque

António Justo
O colonialismo moderno apenas acrescenta ao antigo a qualidade do seu cinismo. Não faz guerra, encontra-se simplesmente em “missão”. Intervém, não em nome do petróleo e das matérias-primas mas em nome da democracia, dos direitos humanos, da defesa de grupos ameaçados, em prol da estabilização. “Arranja” até aliados dentro das sociedades islâmicas que lhe pedem ajuda. Assim, o zé-povinho continua consolado nas suas quintas a queixar-se do colonialismo de antanho e distraído do colonialismo moderno de que vive também. Para branquear o próprio rosto, no Afeganistão e no Norte de África, fala de conversações com talibans moderados, com islamitas mitigados e quejandas, como se houvesse moderação e esta fosse possível num sistema político-religioso déspota.

Os 28 ministros da defesa dos 28 países da aliança, na sua reunião de 3.02.12 em Bruxelas, persistiram em continuar a guerra, que apelidam de “missão”, até 2014. Os falcões da guerra gostariam de ver a permanência da Nato no Afeganistão ainda por mais tempo. Agora trata-se de ver quais os países que abandonam primeiro o Afeganistão, para não ficarem todos na História como renitentes do fracasso. Falam de já terem entregado 21 das 34 províncias às forças de segurança afegãs mas na realidade isso só se concretizou em 8.

Durante e depois das guerras só ganha a indústria da guerra e seus adjuntos. Facto é que a Nato perde todas as guerras em terrenos muçulmanos. A ganância do petróleo turba-lhe a razão.

Quando se encontram encurralados pelo sistema muçulmano, então falam de guerras e guerrilhas tribais, de Talibans e de terroristas. Esquecem que o sistema muçulmano é, na sua essência, um sistema político e social de guerrilha ad intra e ad extra perpetuado pela religião.

Em dez anos de intervenção a Nato não conseguiu sequer criar alternativas ao cultivo da droga no país. O Afeganistão continua a produzir 90% do ópio para o consumo a nível mundial.

Depois de 10 anos capitula a Nato como capitulou a Rússia. Quem se mete com os muçulmanos apanha. Não precisam de guerra, basta-lhes a guerrilha. Os nossos antepassados lusitanos usavam a mesma estratégia contra os Romanos e estes só depois de 200 anos de luta conseguiram dominar os guerrilheiros de Viriato mas só depois de ajudados pela traição.

As direcções da Nato admiram-se das forças de segurança afegãs que formaram terem no seu meio homens bomba que repetidamente assassinam os colegas ocidentais à margem das áreas de batalha. Falta-lhes a fé!…
A derrota da Nato no Afeganistão é mais uma depois da do Iraque. O problema é que depois da guerra o Ocidente continuará a despender como continuam a pagar caro a “paz muçulmana” no Kosovo.
Actualmente encontram-se 130.000 soldados estacionados e desesperados no Afeganistão. Quebram-se a cabeça não compreendendo como é que tanto poder militar não consegue ter a força para dominar o terrorismo. Equivocam-se ao pensar que este, é o fruto de algumas cabeças desorientadas e não a flor da seara muçulmana, como nos mostra a história contemporânea e a história da sua origem.

Em 2014 os soldados da Nato retirar-se-ão mas para não darem a impressão de capitulação continuarão a pagar quotas elevadas de “reparação”. A sociedade civil herda os encargos de “reparação” além das famílias de soldados destrocadas pela dor e pelas mortes.

Cabul é uma cidade de muros intra muros
O Negócio dos islamistas é assassinar e meter medo

Em Cabul, até os hotéis, onde vivem estrangeiros, fazem lembrar prisões. Encontram-se cercados por arame farpado para que os jornalistas, que vivem da informação guerreira, possam, em paz, mandar mensagens optimistas para a opinião publicada nos países da Nato.

Quem não trabalha para o estrangeiro não precisa de muros, dizia, há dias, um jornalista afegão numa reportagem sobre o Afeganistão no ZEIT. Apesar de tudo, a pobreza e a ideologia vivem mais recolhidas em Cabul.

A sociedade islâmica, geralmente, prescinde duma ordem que não seja assegurada pelo poder das mesquitas ou que não se encontre nelas. Por isso uma ordem civil forte com polícia e militares submetidos a um governo neutro é combatida por um sistema que se quer revolucionário islâmico com expressão política às sextas-feiras depois das orações nas mesquitas.

Os militares ocidentais não patrulham a cidade para que a cor das suas fardas não provoque o sentir islâmico. Os soldados ocupantes são tolerados pela população para lhe possibilitarem a segurança nas visitas aos familiares que vivem a 30 Km de Cabul, para localidades mais longe torna-se impossível a protecção.

Grande parte do Afeganistão é inacessível devido ao perigo de ataques. É mais cómodo para os soldados viverem no gueto e deslocarem-se de avião ou de helicóptero. Cada soldado ocidental morto constitui um perigo porque um acumular-se de tais notícias poderia acordar o povo e este poderia começar a perguntar-se sobre as razoes da presença estrangeira no Afeganistão. Isto contrariaria a estabilidade da opinião pública a manter pelo sistema dos países da Nato. Por isso a melhor informação é não haver informação, como acontece relativamente ao Kosovo. Para evitar mais mortos as forças militares estrangeiras limitam-se a viver em guetos dentro do grande gueto. Um compromisso de sistemas no grande sistema.

Naturalmente que o negócio dos islamitas é assassinar e meter medo às pessoas. O caos e os atentados (guerra civil) são o húmus que permite aos mais fortes o domínio da natureza e da cultura. Por isso odeiam como a peste qualquer tentativa de organização estatal que não assente nem assegure a defesa dos mais fortes. A renúncia ao direito de defesa e de vingança individual em benefício duma supra-estrutura Estado, como acontece nas sociedades ocidentais constitui um absurdo.

Também é verdade que o Afeganistão, antes da invasão ocidental só conhecia a ilegalidade, a pobreza e a guerra. Agora tem uma organização policial mas o Estado não funciona. A constante é a guerrilha cultivada à sombra das mesquitas. Desde 1996, aquando da conquista do Afeganistão pelos talibans, vive-se em guerra civil.

A intervenção da Nato teve a vantagem de dar a provar os benefícios da paz a alguns. Uma geração de crianças, que cresce agora à margem da guerrilha, aprende a gostar da paz. Isto é positivo muito embora o medo continue uma ameaça contínua.

Os povos muçulmanos ainda têm uma grande caminhada a fazer em direcção à sociedade civil. Esta porém só poderá ser fomentada através dum sistema militar ditador como aconteceu na Turquia. Todas as outras estratégias têm-se revelado como perda de tempo. Para isso teria uma classe militar laica de constituir uma sociedade económica forte. A longo prazo talvez conseguissem criar biótopos sociais desejosos duma liberdade não açamada à religião. (O exemplo da Turquia já se encontra em perigo).

O Ocidente, que só percebe da sua ideologia, não aprende e por isso estará condenado a seguir apenas os seus meros interesses económicos e estratégicos dando uma no cravo e outra na ferradura.

De resto, o Ocidente continuará a lançar trigo nos moinhos do islamismo em troca de petróleo e de matérias primas. Este só pode ser reformado com uma força interna que opere à altura e com os mesmos meios da estratégica muçulmana.

António da Cunha Duarte Justo
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Egipto nas Mãos dos Islamistas

A Liberdade é Feminina por isso não se dá no Deserto

António Justo
Segundo os dados, agora oficialmente, vindos a público, os islamistas ganharam as eleições parlamentares no Egipto, atingindo 70,4 dos mandatos.
As listas do braço político da influente Irmandade Muçulmana „Partido da Liberdade e Justiça“ (PLJ) conseguiram 45,7% dos assentos no parlamento. Em segundo lugar ficou o “Partido da Luz “(Hizb al-Nur) aliados dos Salafistas do Al-Nur que conseguiu 24,6% dos lugares. O partido Wassat (islamitas moderados)  conseguiu 8,4% e o partido liberal “Aliança Egípcia” 6,6%.

 

Os Salafistas do Al-Nour pretendem a destruição de monumentos históricos, (p. ex. as Pirâmides dos Faraós) porque não dão testemunho do islão. Esta exigência não é nova. Já no Afeganistão islamistas tinham arruinado grandes estátuas de Buda que eram património mundial.

 

Aqueles que saudaram o derrube do regime do presidente Mubarak equivocaram-se. Não contaram que, geralmente, a situação no mundo árabe só tem possibilitado a escolha entre a cólera ou a peste.

 

Grande parte do povo egípcio sofre porque não tem pão, nem formação, nem voz. O clero islâmico é fiel ao sistema, encontrando-se sempre do lado do poder. A gloriosa excepção é a Turquia de Ataturk enquanto garantida pelo poder militar. De resto os governantes encontram-se na dependência da bonomia das mesquitas que às sextas-feiras tomam muitas vezes posição. A aceitação de radicais na população também se deve ao facto de alguns grupos de islamistas se empenharem pelos mais pobres e também os ajudarem com dinheiros vindos da Arábia Saudita.

 

A imprensa ocidental aquando das rebeliões na África do Norte, no entusiasmo do acontecimento, estoirou todos os foguetes antes da festa. Agora que a realidade vem à tona, os mesmos jornalistas contentam-se com informação tipo nota encavacada nalguma esquina do jornal. Quem, durante a primavera árabe, com sangue frio, apontava para a realidade, e para o equívoco da comunicação social, era considerado desmancha-prazeres.

 

A imprensa europeia, ordinariamente, quando informa sobre questões árabes, discrimina-a pela positiva. Isto tem muito a ver com a dependência europeia do óleo árabe e com a fraternidade estrutural comum ao islão e ao comunismo.
O árabe só concebe a liberdade dentro do sistema islâmico enquanto o ocidente a concebe aberta, também fora dele. Enquanto para o ocidente também “o próximo” faz parte do sistema, para o árabe só o crente islâmico faz parte dele. Por isso a liberdade e a mudança que vem de fora constitui uma ameaça ao sistema.

 

A revolta não foi gerada no seio do povo, foi fruto de ideologias masculinas contra ideologias masculinas. O ideário árabe é extremamente masculino. Uma mudança para melhor só será possível quando a feminidade fizer parte dele. A Liberdade é Feminina por isso não se dá no Deserto.

 

O busílis dos problemas árabes está no facto de religião,  paz e liberdade serem qualidades femininas!

 

António da Cunha Duarte Justo
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