Tribunal Europeu dos Direitos Humanos contra o uso da Burca

Aprovada a proibição do véu de corpo inteiro na França

António Justo
A burca (e a Nicabe= véu que cobre o rosto da mulher e só revela os olhos: frequente nos países da Península Arábica,) foi proibida, na França, em 17 de julho de 2010, pela Lei nº 524. A lei proíbe o uso de “vestuário concebido para esconder o rosto”. Violações à lei são puníveis com uma multa de 150 €.

O tribunal Europeu em Strasbourg, num julgamento oficial vinculativo para toda a Europa, confirmou, a 1.07.2014, a proibição do uso do véu que cobre o rosto da mulher em público. Na justificação do julgamento, o tribunal argumentou que a proibição não é discriminadora, não é contrária à protecção da vida privada e nem tão-pouco contra a liberdade de opinião e de religião.

Contra a lei francesa tinha processado uma muçulmana alegando que a burca era expressão da sua convicção religiosa e ninguém a obrigava a usá-la. O governo francês avalia o número de muçulmanas, que são afetadas pela proibição, em 2000.

A burca cobre todo o corpo da mulher, até o rosto e os olhos, tendo uma rede para poder ver através dela; é usada por mulheres do Irão, Afeganistão e do Paquistão. Ela é um símbolo dos Talibans (movimento islâmico terrorista) que pretende impor a lei islâmica. Estas forças encontram-se muito activas entre emigrantes, na África e especialmente na Nigéria, Síria e Iraque.

Na Alemanha, dado não se ver propriamente o uso da burka em público, não há lei contra o seu uso; alguns estados federados apenas se limitam a proibir o uso do véu (lenço) no serviço público.

A origem da burca

O traje islâmico tem a sua origem num culto à divindade Astarte (1), deusa do amor, da fertilidade e da sexualidade, na antiga Mesopotâmia (Fenícia).

Em homenagem à deusa do amor físico, todas as mulheres, sem exceção, tinham de se prostituir num determinado dia ano, nos bosques sagrados em redor do templo da deusa.
Para cumprirem o preceito divino sem serem reconhecidas, as mulheres de alta sociedade acostumaram-se, no dia da festa, a usar um longo véu em proteção da sua identidade.

Com base nessa origem histórica, Mustapha Kemal Atatürk, fundador da moderna Turquia (1923 – 1938), no quadro das profundas e revolucionárias reformas políticas, económica e culturais, que introduziu no país, desejoso de acabar de uma por todas com a burka, serviu-se de uma brilhante astúcia para calar a boca dos fundamentalistas da época.
Pôs definitivamente um fim à burka na Turquia com uma simples lei que determinava o seguinte: «Com efeito imediato, todas as mulheres turcas têm o direito de se vestirem como quiserem, no entanto todas as prostitutas devem usar a burka».

É interessante que a Bíblia também faz referência à imoralidade do rei Salomão que pecou contra o seu Deus ao prestar culto à deusa Astarte (1 Reis 11,5). Os egípcios, mais tarde, deram-lhe o nome de Isis, e os gregos de Afrodite e Hera.

A cobardia do homem encobre o rosto da mulher

Como se verifica do descrito, observa-se uma constante histórica: o homem consegue que a mulher sirva as suas necessidades e se mantenha submissa a ponto de renunciar a ter um rosto individual. Inteligentemente com esta regulamentação do vestuário, o homem não vê a sua presa exposta à concorrência doutros homens e consegue assim poupar a luta da concorrência com o próprio género com que se solidariza. Assim a mulher torna-se o objecto fraco do indivíduo e do grupo masculino e como tal legitimador da repressão do género feminino, considerado prevaricador e como tal com necessidade de ser protegido através do vestuário. A fraqueza do homem consegue assim inverter os termos e defender consequente e solidariamente os interesses do género masculino. Esta é a lógica do poder e, segundo ele, quem pode manda.
(1) Astarte (ʻštrt) era uma deusa amorosa, bela, fecunda e maternal. Nela se prestava culto à natureza, à vida e à fertilidade, bem como à exaltação do amor e dos prazeres carnais.
António da Cunha Duarte Justo
Teólogo e pedagogo
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PAPA EXCOMUNGA A MAFIA

António Justo
O Papa Francisco, não tem medo de missões desagradáveis. A sua viagem, à região de Calábria, bastião da criminalidade organizada da Itália, demonstra coragem. No sul da Itália encontram-se radicadas as grandes organizações da Mafia: Cosa Nostra, Camorra e Ndrangheta.

O papa visitou a prisão de Castrovillari onde se encontram os familiares de uma criança de três anos (Cocó), que nascida na prisão, tinha sido assassinada em Janeiro com o avô e sua parceira em acto de vingança entre grupos mafiosos. Em Março, o Papa já tinha recebido em audiência, 900 familiares de vítimas da Mafia.

Na boca do lobo, o pontífice Francisco confronta os grupos mafiosos e as estruturas sociais que os apoiam dizendo: „Aqueles que escolhem o falso caminho, como os mafiosos, não se encontram em comunhão com Deus. São excomungados.“ Como “seguidores do mal” não podem pertencer à Igreja Católica.

Na missa perante mais de 100.000 fiéis, o Papa referiu-se directamente à Ndrangheta, uma das organizações da mafia com 7.000 membros que inclui cerca de 90 clãs ou quadrilhas organizadas familiarmente.

O Santo Padre adverte: “Quando a admiração por Deus é substituída pela admiração do dinheiro, então abre-se a estrada do pecado, do próprio interesse e da repressão”. “A Ndrangheta é exactamente isso – a admiração do mal, o desprezo do bem-comum. Contra este mal tem de se combater.”

A Ndrangheta tem um volume de negócios anual avaliado em € 53 bilhões ou seja, 2,7 % do PIB italiano), proveniente, sobretudo, do negócio com drogas (80% da cocaína da Europa passa pelo porto calabrês de Gioia) e armas, descarte de resíduos ilegais, prostituição, tráfico de seres humanos, lavagem de dinheiros e extorsões. A organização mafiosa Ndrangheta está activa não só na Itália mas também no norte da Europa, na américa latina, nos USA, etc.
António da Cunha Duarte Justo
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A suave Ditadura do Pensar politicamente correcto

Antigamente acreditava-se e hoje crê-se saber

António Justo
Cada sociedade, época ou pessoa tem a sua moldura de pensamento a valorizar o que abraça e inclui. Por vezes, o Zeit Geist opera como um tufão que tudo arrasta. Valores e convicções são submetidos à régua da moda que só conhece o certo e o errado (o que está dentro ou fora do seu caixilho), sem espaço para discordar nem para reciclar ideias. “Uma comunidade incapaz de lidar com o desacordo está mal preparada para o futuro”, constatava Timothy Radcliffe.

O Politicamente correcto é uma maneira de ser e de pensar adaptada a uma mundivisão do oportuno, a uma determinada ideologia ou sociedade que amarra o pensamento, a moral e a atitude aos próprios limites, sejam eles científicos, partidários, religiosos ou políticos. Quem se atreve a ter opinião diferente ou a pensar com a própria cabeça é, geralmente, visto como espanta pardais ou é colocado no rol de persona non grata. Zelotas da opinião só aceitam ideias extremas progressistas ou tradicionalistas. Desaprendeu-se a regra de ouro de Aristóteles de que a virtude se encontra no meio e como tal a regra constitui uma exigência a descer temporariamente do próprio miradouro para se abranger também outras paisagens.

Pessoas que seguem o politicamente correcto são, geralmente, simpáticas, conformes e conformistas; há as oportunas, alinhadas e consequentes, que aceitam tudo e estão de acordo com tudo (também não ouvem nem escutam, o que lhes seja adversário ou crítico; outras, satisfeitas, não precisam de tomar nada em conta, é mais fácil e cómodo excluir do que envolver-se); também as há distraídas com o pequeno defeito de se tornarem intolerantes para com pensares e opiniões diferentes ou não alinhadas à sua manada. Nos dois grupos delineia-se um denominador comum: tudo o que vem à rede é peixe.

Quer-se a igualdade mas por medo à diferença. Querem-se as pessoas todas citadinas e bem-educadas, não por amor à virtude mas por vergonha da província. Mas, no fim de contas, o problema não é da cidade nem da província mas sim um erro de pensamento: parecer que não cheire ao humos do próprio curral provoca medo ou agressão pelo facto de ser desconhecido ou diferente.

Vive-se num tempo hipócrita em que a crítica a velhos dogmatismos serve de subterfúgio para esconder a própria moralina e os dogmatismos do novo pensar conforme, da correcção civil e do género. Já Platão observava: “Muitos odeiam a tirania apenas para que possam estabelecer a sua”.

No panorama das opiniões, domina o vermelho e o rosa de um pôr-do-sol de estação outonal, já sem forças para contradizer o pensar dominante. É como nas autoestradas, o que importa é o sentido e a liberdade na aceleração.

A violência vivida e encenada substitui a realidade pelo debate. Assiste-se a uma conivência solidária e significante em que o medo e a infelicidade se irmanam numa emoção comum. Não interessa a coisa em si, o que dá sustento é a opinião.

Por fim surge o mecanismo da consternação que é movido e cultivado por um jornalismo de caracter político e comercial, interessado mais na lágrima que na acção. As pessoas são condicionadas ao papel de espectadores ou de eleitores que podem escolher, livres para escolher o que se lhe põe à frente através do ecrã da democracia.

O pensar politicamente correcto impede a liberdade de pensar diferente. O pensar diferente, ou até alternativo, não cabe no uniforme da política nem no credo dos meios de comunicação social.

George Bernard Shaw dizia: “As pessoas razoáveis adaptam-se ao mundo. Pessoas irracionais adaptam o mundo a si mesmas. Portanto, todo o progresso depende das pessoas irracionais. “

António da Cunha Duarte Justo
Teólogo e Pedagogo
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Origem do Português e do Galego

A Língua portuguesa é a Irmã gémea do Galego

António Justo
A Academia Brasileira de Letras fez um levantamento sobre a língua portuguesa e verificou que esta tem atualmente cerca de 356 mil unidades lexicais.

A grande riqueza do português provém na sua maioria do latim e do grego e das línguas das tribos ibéricas: galaicos, lusitanos (marcas de origem indo-europeia e miscigenação com os celtas, anterior às invasões romanas), etc. e dos invasores germânicos do séc. V (cerca de 600 palavras de origem germânica) e dos ocupantes mouros (berberes e árabes do séc. VIII que enriqueceram o português com 600 até mil palavras); com os Descobrimentos o português continuou a enriquecer-se integrando palavras dos novos povos no seu léxico; actualmente a preponderância da cultura anglo-saxónica favorece a integração de palavras inglesas. De notar que o português não só recebeu palavras das culturas com que contactou mas também deixou crioulos e palavras noutras línguas (O japonês também tem cerca de 600 palavras de origem portuguesa).

O galaico-português era o idioma falado nas regiões de Portugal e da Galiza, no Reino de Leão, que devido à divisão política do mesmo espaço geográfico, posteriormente começou a diversificar-se nas línguas portuguesa e galega. A partir do séc. XII a literatura apoderou-se do galaico-português de modo, a o português se diferenciar no século XVI da língua galega, sua irmã gémea.

A língua portuguesa é a evolução do latim que, como língua veicular literária e cultural, se expressava de duas formas: a maneira de falar intelectual (erudita) e a popular; assim, na formação do Português, encontramos a forma clássica – a língua do Lácio falada até uma certa altura e depois mantida pelos eclesiásticos, poetas e prosadores, como veículo da cultura intelectual e por outro lado a forma do latim vulgar que era falada pelo povo e que abandonada a si mesma se ia modificando mais e mais, com um certo acompanhamento do linguajar erudito. O mesmo se dá hoje: distingue-se a maneira de expressar (especialmente na escrita) de uma pessoa sem grande formação e uma pessoa formada. Os próprios escritores latinos, que utilizavam a forma clássica, referem também o falar do latim vulgar do povo; os escritores romanos referem-se ao falar do povo com os termos “sermo vulgaris”, “cotidianus”, “plebeius”, “rusticus”, etc.

Estas divergências encontram-se ainda hoje nas formas populares e de escrita de qualquer língua a nível fonético, morfológico e por vezes até sintático. A população não consumidora de “alta cultura” usa menos palavras para se exprimir metendo por vezes numa só palavra outros sentidos ou conotações, enquanto a pessoa mais culta recorre, para tal efeito, a maior diferenciação e consequentemente a uma maior gama de palavras.
No território que hoje constitui Portugal e Espanha, já se falavam várias línguas, antes dos invasores latinos chegarem. Entre elas a mais falda era a céltica. O Vasco conseguiu resistir ao latim.

De resto, pelos fins do séc. IV a língua vulgar falada por toda a península era a forma vulgar do latim, o “romanço”. Com as invasões dos alanos, suevos e godos e depois dos árabes, o romanço foi enriquecido com palavras novas dos falares dos invasores. A língua, naqueles tempos abandonada a si mesma, sem disciplina gramatical que lhe desse formato evolutivo, decaiu modificando-se segundo as regiões, pois já não havia a administração romana para lhe dar sustentabilidade nem uma regulamentação da língua, a nível suprarregional. Entre os falares surgiu o galego-português que se modificou algo, devido à independência de Portugal alcançada por D. Afonso Henriques e à obrigação do uso do português então “arcaico” ordenado por D. Dinis para os documentos escritos em vez do latim. Assim, temos hoje o idioma português e o galego; a maior diferenciação do galego deu-se a partir do séc. XVI. Embora se possa provar a existência do galego-português no séc. VII (e o português proto-histórico – um latim bárbaro) só a partir do séc. XII surgem textos completos em português notando-se então a influência da literatura sobre ele.

Numa missão civilizadora, os trovadores que cultivavam a poesia e a música por gosto, contribuíram muito como estabilizadores e fomentadores da língua. Ao irem de castelo em castelo espalhavam também ideais e a dignidade da mulher. Os segréis faziam da arte de trovar uma profissão. Os jograis tocavam vários instrumentos e cantavam versos alheios (artistas da boémia). Muito do legado antigo encontra-se nos Cancioneiros Primitivos.
O lirismo galego-português é do mais genuíno e documenta-se como uma poesia de romaria a Santiago de Compostela e nas romarias aos santos. Segundo Celso Ferreira da Cunha deve “considerar-se como obra de síntese de diversas influências, sobretudo da poesia popular e da poesia latino-eclesiástica”. Tinha duas correntes poéticas: a cantiga de amor que denuncia influência estrangeira, e a cantiga de amigo de caracter popular tradicional. Esta é a primeira manifestação genuína do lirismo peninsular.

Um documento importante do português Arcaico é o Testamento de D. Afonso II (1214) que começa assim:” En nome de Deus. Eu rei Don Afonso, pela gracia de Deus, rei de Portugal, sendo sano e saluo, temete o dia da mia morte, a saúde de mia alma e a proe de mia molier, raina Dona Orraca, e de meus filios e de meus uasssalos…”

No português histórico temos a fase arcaica do séc. XII, XIII e XIV (as terminações arcaicas em “om” deram origem às terminações modernas em “ão” e “am”); segue-se a fase de transição do séc. XV e finalmente a fase moderna, com início no séc. XVI até hoje. No séc. XIV e XV introduziram-se na língua muitas palavras do latim erudito e do grego; o séc. XV foi muito profícuo em mestres da língua (Garcia de Resende, Fernão Lopes, Eanes de Zurara, Rui de Pina, Frei João Alves); a língua passa a ter o seu eixo já não em Santiago de Compostela mas em Lisboa; o séc. XVI produziu grandes mestres da língua como Gil Vicente, João de Barros, António Ferreira, mas o maior de todos eles, o grande mestre do português moderno foi Luís de Camões com “Os Lusíadas”. Camões é um grande entre os maiores da literatura mundial, como afirmava já o grande Friedrich von Schiller, grande poeta, filósofo e historiador alemão que trocaria a sua obra pela glória dos Lusíadas de Camões.

No séc. XVI dá-se a grande diferenciação do português em relação ao galego.

António da Cunha Duarte Justo
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Festival da Eurovisão Cavalo troiano ou Chance de Aproximação

Emissor turco boicota o Festival da Canção
Conchita Wurst  encarna a Luta cultural da Actualidade

António Justo
Conchita Wurst (Thomas Neuwirth), vencedor do Festival da Canção (Eurovision Song Contest) divide públicos e culturas em trincheiras intransponíveis. O emissor estatal turco não emitiu o festival por questões de moral e de decência e a Rússia constata a decadência ocidental.

Enquanto no Ocidente se vive num clima de guerra cultural de progressistas contra conservadores, nos campos de interculturas e civilizações vive-se na luta do modernismo ocidental contra a ética de rigor cristão e contra o tradicionalismo russo e islâmico. Esta guerra passa desapercebida a uma maioria perdida em lutas de perspectivas de moda (Zeitgeist). É uma realidade incontestável que os progressistas, como em Copenhaga, se encontram a favor do vento e ganham, uma a uma, as batalhas culturais na Europa. Isto exaspera as pessoas mais conservadoras.

A Rússia e a República de Bielorrússia, depois da vitória de Conchita “Salsicha”, pensam em organizar um Festival da Cancão próprio. O chefe do partido comunista russo disse que depois do resultado de Copenhaga “a paciência encontra-se esgotada”; o presidente de Bielorrússia diz que o resultado do Festival está simbolicamente para “ o colapso completo dos valores morais na EU”; a Turquia não transmite o festival mas já se tinha afastado em 2012. O amigo de Putin, Vladimir Jakunin, chefe das ferrovias russas, uma das personalidades mais influentes na Rússia, vê em Conchita a expressão da arrogância ocidental porque quem não aplaude “a mulher barbuda” é colocado no rol dos não-democratas e acrescenta “o etno-fascismo vulgar tornou-se novamente parte da nossa vida”. Defende a lei russa contra a homossexualidade afirmando que 4% das crianças russas com um gene defeituoso nascem homossexuais e que isto foi provado pela medicina. Só acredita na igualdade de casamento entre heterossexuais e homossexuais “quando vir um homem grávido”.

É pena, tanto para um lado como para o outro, até porque temos muito a aprender uns dos outros! Este foi um evento que seria inocente se não nos encontrássemos numa luta cultural entre uma visão mais secular progressista e uma visão mais conservadora da sociedade, numa luta franca pela apropriação da moral.

Quanto a mim, gostei da música e da encenação. O Ruído em torno da Couraça de Conchita Salsicha encobriu a Música do festival. Não gostei da utilização da ribalta pública para, com aparentes argumentos de tolerância, se encenar, à maneira do Corão, uma ideologia em que o próprio credo se apresenta como sendo obrigação e a solução universal. Triste é o facto de as duas partes (tradicionalistas e progressistas) falarem com o rei na barriga, na conquista de uma grande parte de público inocente que bebe a libertinagem intencional modernista tal como medievais bebiam a mortificação, como meio de alcançar a felicidade.

Na verdade, os contrastes que Conchita sintetiza com a sua apresentação – o encontro da feminidade e da masculinidade – seria realmente ideal, se por detrás disso estivesse a defesa da integração das potencialidades da feminilidade e da masculinidade, tanto no homem como na mulher e se o episódio não fosse movido por um movimento agressivo masculino, demasiado fixo no sexo, e na reivindicação do direito da modernidade a ter sempre razão contra a tradição.

Conchita Salsicha (uma alusão ao sexo da mulher e do homem) é um homem em corpo de mulher que, ao apresentar o seu rosto com barba, sobrevaloriza a masculinidade. Querem-no como protótipo do Homem: um Jesus de aspecto feminino mas de rosto barbudo.

Na sua pose messiânica depois de ter ganhado o festival, Conchita disse: “este é um sinal importante para o mundo…“ „Esta tarde é dedicada a todos os que acreditam no futuro de paz e liberdade. Nós somos uma unidade e não há quem nos pare”. Estas palavras constituiriam programa se não focalizassem a salvação no sexo, se fossem bem-intencionadas, para poderem ser tomadas a sério por tradicionalistas e progressistas e não como uma declaração de guerra. O resultado da eleição testemunha a tolerância dos eleitores que vêem no evento um apelo à tolerância e a uma liberdade de expressão que desafia representações ideais e morais.

Não é a primeira vez que um trasvesti ganha o 1° lugar do Festival da Cancão. O marketing ideológico em torno do sexo e o contexto político em torno da Ucrânia com os posicionamentos russo e da Nato deram mais relevo ao evento. O problema da Europa, não parece ser de desemprego ou de carência, mas de luta de ideias e de poder…

O festival da Eurovisão deixou de ser um evento cultural em que se apresentava a riqueza das diferenças culturais dos países participantes e que reunia em torno da TV toda a família, para se tornar num evento de caracter mais igualitário híbrido promotor de políticas e de tecnologias.
O vice-primeiro-ministro russo Dmitry Rogozin declarou que “a Eurovisão mostrou aos europeus a sua perspetiva da Europa – uma mulher de barba”. Sem querer questionar a propensão decadente da Europa, seria também de perguntar qual seria a caricatura que a arte oriental teria a apresentar em relação ao futuro da Rússia e da UE!

Reduzir a atitude russa a homofobia seria colocar-se no outro extremo; no da homofilia também ele sem lugar para a diferença e para a liberdade da direcção a tomar na autodeterminação. O autoritarismo russo com a correspondente propaganda é tão obtuso como o autoritarismo da opinião ocidental com a sua propaganda categórica do politicamente correcto. O facto de a Rússia ter proibido por lei, em Junho de 2013, a promoção de hábitos sexuais “não tradicionais” entre menores de 18 anos, não justifica a propaganda ocidental agressiva contra a Rússia; esta não proibiu a homossexualidade em geral. Se a Rússia e a sociedade islâmica abusam no seu purismo sexual, o Ocidente secular abusa com a sua libertinagem em certas medidas tomadas em relação à cultura, à educação sexual nas creches e nas escolas e, não menos, com a sua intenção de educar o povo numa direcção secularista. A sociedade parece só apostar num desenvolvimento de caracter polar. Quem pretender ser anti-nada fica mal na massa dos anti-outro. Urge que a Europa saia da luta cultural polarizadora para construir uma consciência integral.

Já não temos os mouros ao pé da porta que justifiquem cruzadas contra outras opiniões ou culturas. A discussão e variedade de opiniões são salutares; só na aceitação da diversidade se exercita a tolerância. “Não há judeu nem grego, escravo nem livre, homem nem mulher; pois todos são um em Cristo Jesus (Gálatas 3:27-28). A força emancipadora deve vir de dentro numa discussão respeitosa dos pontos de vista e da integridade humana. Fora de questão deve estar a defesa da dignidade humana e da integridade e liberdade da pessoa. É discutível se a participação austríaca ganhou devido à cancão ou se venceu Conchita pelo facto de “o diferente” ser politicamente correcto. “Quem com ferros mata com ferros morre”! A promiscuidade de política e religião não se revela salutar, mas não é melhor a promiscuidade de arte e política. Urge criar laços de responsabilidade entre as facções e recuperar a dignidade humana, sem ter de abandalhar a sociedade nem de reprimir a individualidade de cada um. A tolerância é uma estrada de dois sentidos tanto de direita como de esquerda. Nem é boa a festa desenfreada nem um tango demasiado travado!
António da Cunha Duarte Justo
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