A Queda do Socialismo favoreceu a Degradação social ocidental (1)

Da Economia social para a Desregulação capitalista liberal

António Justo

Os donos do dinheiro e do poder atacam sistematicamente o padrão da economia social europeia que permitia uma vida honrada e perspectivas de futuro com segurança para a maioria da população. Este sistema conseguiu gerar o milagre económico alemão e um bem-estar geral na Europa. Hoje é desmontado pela filosofia económica e social anglo-saxónica e pela visão asiática, aliada ao desejo duma EU que se quer afirmar em relação à América e à Asia.

Até 1998 a Europa tinha uma ordem económica de mercado social orientada para o bem-estar de toda a população. Possibilitava uma classe média abrangente e uma classe baixa remediada e uma classe alta reduzida de ricos mas com uma certa consciência social. O imposto sobre o consumo era insignificante; o imposto sobre os ricos era superior a 50% e as leis laborais tinham em conta a dignidade humana. Com a queda do socialismo (União Soviética) deixou de haver uma força concorrente que metia medo a um capitalismo desalmado e motivava os Estados ocidentais a tomar medidas económicas que possibilitavam a existência dum capitalismo de rosto humano. Na concorrência entre o bloco ocidental e o do leste, as elites económicas e políticas ocidentais estavam empenhadas em conseguir melhor nível de vida para os seus cidadãos e em demonstrá-lo; tinham de convencer com o melhor nível de vida dos seus cidadãos a sua superioridade perante o socialismo.

Emanuel Kant resumia toda a ética económica europeia ao princípio do “bem-comum” como princípio superior de acção. Ao contrário, o pragmatismo económico anglo-saxónico pensa resolver o problema do bem-comum através do ditado económico dum mercado que tudo regula.

A estratégia da União Europeia para se tornar a primeira referência económica do mundo e os exageros do paternalismo de Estado ajudaram os gangsters do dinheiro a impor ao Estado social um liberalismo económico selvagem.

A política social e económica, em nome de um racionalismo e utilitarismo absorvente, foi destruída, de dia para dia, e com ela a coesão social que antes havia. A solidariedade só pode ser cimentada por uma emotividade ética que leva à relação humana entre patronato e operariado. A redução do ideário nacional / individual ao mercado competitivo e a um código jurídico racional, que pretende substituir o ideário cultural/ético pela luta pelas necessidades básicas, não cria felicidade e leva à explosão da crise como se deu em 2008. As zonas periféricas do euro são o barómetro do estado dum sistema económico.

Com a Queda da União Soviética deixa de haver Concorrência no bem servir

Com a criação da zona euro e da economia globalista foi interrompida a economia social de mercado de prosperidade para todos. O trabalho digno dá lugar ao trabalho precário e desumano, flexível e temporário, a firmas emprestadoras de trabalhadores, baixos salários e ao mercado desregulamentado. O Estado, pressionado e comprometido com as forças económicas, deixou de impor um quadro regulador da economia, perdendo o controlo sobre os bancos e estes deixaram de ser os financiadores da economia real para se tornarem em casinos do capital de jogadores da bolsa. O poder financeiro começou a ser de tal ordem superior ao poder do Estado que tem a possibilidade de comprar também a política. Tudo se equaciona agora em termos mercantis. Deixamos de ter empresários de fundo humanista para termos capitalistas liberalistas desenraizados.

Corrupção económico-política coerente

Em qualquer sector que se observa lá se encontra uma rede corrupta de interesses de compadrio entre serviços públicos, partidos empresas e justiça. A corrupção encontra-se de tal modo orquestrada que nações como Portugal para poderem viver têm de recorrer à troica que legitima a corrupção. Em texto claro: vivemos num sistema económico coerente na corrupção. A corrupção estatal pede ajuda para sobreviver aos corruptos internacionais.

Até aos anos 90 havia uma relação de solidariedade entre patronato e operariado. Com a globalização, muitíssimas firmas que antes estavam ligadas a grandes famílias nacionais passam a pertencer a sociedades de accionistas internacionais só interessados no lucro da produção sem laços com o trabalhador. Fomentam relações de trabalho péssimas, importando-se apenas da especulação com firmas e com os trabalhadores: da colaboração mais ou menos condicionada passa-se à rivalidade.

Fomenta-se o radicalismo e desmonta-se uma democracia já de si doente

A poupança radical conduz ao desespero e asfixia a iniciativa. Como consequência, nas zonas de crise, acentua-se o radicalismo a todos os níveis sociais; o nacionalismo aumenta numa altura em que nações se encontram ameaçadas. O norte e o sul da europa têm mentalidades diferentes, não se entendendo a nível económico.

Entre a França e a Alemanha há discrepância na concepção da Europa. A França quer uma europa centralista (como ela) e a Alemanha uma europa federalista.

Egoisticamente a Alemanha exige uma política de poupança radical para o sul tal como a que praticou na sua crise dos anos trinta esquecendo que essa política foi a que possibilitou a subida de Hitler ao poder. É verdade que a Alemanha se tornou fiadora de um trilhão de Euros dos países em dificuldade e isso preocupa-a sobremaneira. Mas a EU não pode limitar a sua posição, em relação ao sul, a medidas meramente fiscais e mercantilistas. Sem margem de manobra para sanear as dívidas, devido a uma carga tributária já exorbitante sobre trabalho e energias, os governos limitam-se a adiar as soluções. A EU terá de perguntar-se porque é que foi interrompida a prosperidade para todos

A administração estatal precisava de ser expurgada de maus hábitos crónicos mas a economia precisa de espaço para criar alternativas fomentadoras de postos de trabalho.

Deixamos de ter empresários para termos capitalistas desalmados. Isto porque a rede dos políticos corruptos com assento e mordomias em empresas são os mesmos que preparam as leis que favorecem o compadrio.

António da Cunha Duarte Justo

antoniocunhajusto@gmail.com

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BOAS FESTAS DE NATAL

Amiga, amigo, é natal,
Naquela gruta de cada um
Flameja a alma universal
Vem comigo, vem sentir
A natura a fluir
Ser a onda do desejo
A brotar em Belém
Um abraço universal
António Justo

Neste sentido convido-vos a ler e meditar na seguinte poesia de Fernando Pessoa:
“Não sei quantas almas tenho
Não sei quantas almas tenho. Cada momento mudei.
Continuamente me estranho. Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma. Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê, quem sente não é quem é,
Atento ao que sou e vejo, torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo é do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem; Assisto à minha passagem, diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.
Por isso, alheio, vou lendo como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li o que julguei que senti.
Releio e digo : “Fui eu ?” Deus sabe, porque o escreveu.”
Fernando Pessoa

O FIM DO MUNDO É HOJE

A Vingança dos Bons só chega no Fim dos Tempos

António Justo

2012 tem sido um tempo grávido de pessimistas e moralistas. A terra tem sido pródiga em catástrofes sísmicas, atómicas, económicas e políticas. O seu rosto macabro produz sismos de medos com reacções em cadeia em almas hipersensíveis. A crise social, a insegurança existencial, numa palavra, o medo do futuro é o melhor húmus para a fertilização de cenários apocalípticos. O medo revela-se como o odor dos cadáveres; logo que surge rondam em torno dele as gralhas do oportuno.

 

Alegadamente, o calendário Maia prevê para hoje 21 de Dezembro o fim duma era (isto é o seu calendário acaba ali).

 

Na constelação social actual, para admiradores do exótico, nada viria mais a preceito que a história dum povo devastado que prevê o próprio fim. Um clima insuportável fomenta crenças obscuras. Um efeito colateral do medo do apocalipse é branquear os problemas do clima, meio ambiente, matérias-primas, corrupção estatal, etc. Ao adiar-se a solução dos problemas aceita-se, implicitamente, ser vítima deles. A impotência e o desamparo humano tende a diferir as soluções dos problemas do dia-a-dia dando oportunidade às moscas do sofrimento alheio. O negócio com o esoterismo revela-se, hoje, como o milagre económico para as editoras e outras indústrias afins.

 

Geralmente, a vingança dos bons e dos sofredores/oprimidos chega atrasada; dá-se só no fim dos tempos.

 

Muitos livros, em vez de esclarecerem os necessitados, servem-se dos seus problemas para os embrulhar, por momentos, na lã fofa e quentinha do sentimento.

 

Até o estado joga nesta lotaria: o ministro russo da defesa civil chega mesmo a afirmar que tinha “informações inequívocas” (HNA, 21.12.2012) segundo as quais o fim do mundo não se daria no dia 21.

 

As mitologias das religiões falam dum “fim do mundo” que prevê, depois da catástrofe, a felicidade.

 

O cristianismo fala dum “Apocalipse” (revelação divina, tirar o véu), num tempo depois do tempo e do qual surgirá um novo céu e uma nova terra! Um modo simbólico de metanoia humana.

 

A mitologia nórdica prevê, o fim do mundo, no “destino dos deuses” que depois de três anos de luta entre eles e de três anos glaciares daria lugar à luta das forças destrutoras da natureza em que os monstros lutam contra os deuses; por fim o mundo arde e Ódin, o supremo deus germânico, cria, de novo, a terra.

 

Nostradamus publicou em verso as suas profecias que chegariam até ao ano 2242. Segundo ele, dar-se-á uma catástrofe cósmica e uma catástrofe climática depois das quais o mundo surgirá de novo.

 

Em 1910 também cientistas tinham previsto o fim do mundo devido à aproximação da terra pelo cometa Halley.

 

Já outros fins do mundo tinham sido profetizados para 1981, 1999, 2000 e os próximos previstos pelos especialistas do fim estão já agendados no calendário para acontecer em 2060 e 2076.

 

A “vingança” dos bons revelar-se-á produtiva quando não se refugiar nas ideias e se desculpar no que há-de acontecer. Somos o acontecimento onde o princípio e o fim se encontram.

 

António da Cunha Duarte Justo

antoniocunhajusto@gmail.com

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Natal – A Compreensão cósmica de Deus, Homem e Mundo

O Cosmos evolui no Sentido da Natureza de Cristo

 

António Justo

Aproxima-se mais um Natal no tempo. Um escândalo! Deus torna-se mundo e Homem depois duma grande gestação que se seguiu à Palavra de Deus inicial que produziu o “Big Bang” do universo e se foi tornando, cada vez mais, visível, atingindo o apogeu no Filho do Homem. Em Jesus Cristo une-se a divindade e a criação (poder e vulnerabilidade); os opostos tornam-se parte duma realidade maior que ultrapassa a visão dialética e bipolar habitual. O JC torna-se a interpretação de Deus e do mundo: é não só a sua metáfora mas também a sua realidade; ele reúne e resume a corporeidade, a matéria no Jesus homem e a divindade no Cristo. O divino apresenta-se aqui numa dimensão física visível e numa dimensão espiritual invisível: é mundo e transcendência ao mesmo tempo.

 

Com as dores da evolução, o espírito expressa-se no espaço e no tempo (cosmos) à semelhança do desenvolvimento do ser humano no ventre da mãe durante a gravidez. JC é o “início” e  “o primogénito de toda a criação” (cf. Paulo aos Colossenses); com Ele e nEle a divindade incarna já antes de toda a criação. A divindade torna-se pai/mãe no Filho, gera e cria por amor permanecendo na união do criar e dar à luz (revelar) parte de si mesmo (a sua dimensão cósmica). JC já resumia nele a divindade e a criação antes do pecado original. Daqui ser óbvio não se acentuar demasiado a espiritualidade do pecado original como fundamento da incarnação divina (como advertem teólogos). Para João Duns Escoto o pecado assume uma realidade secundária em relação ao amor. A religião do cristão é o amor e o amor expressa-se na bondade.

 

O universo é o alfabeto e a sintaxe da Palavra inicial (No princípio era o Logos, a Palavra, a Informação) donde tudo surgiu e se manifesta. JC é a revelação de Deus nas suas dimensões material e imaterial. “No princípio já existia o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava, no princípio, com Deus; tudo começou a existir por meio d’Ele, e sem Ele nada foi criado” (Jo 1, 1-3).

 

A criação traz, assim, em si o gene divino e o germe da evolução tendo chegado à maturidade física que comporta o seu florescer no espírito, na natureza do Cristo. Em JC temos a ideia e o acontecer duma Realidade ao mesmo tempo visível e invisível. É aquilo que a liturgia realiza na eucaristia, antecipando nela a realidade final, a transubstanciação da matéria no espírito, num processo de Alfa e Omega, como JC já antecipou.

 

Teilhard de Chardin compreende o cosmos inteiro como Cristocêntrico numa espécie de consagração transubstancial da realidade. Bento XVI fala do sinal da ” Eucaristia, comunhão com Cristo e entre nós” e Joao Paulo II acrescenta: “A liturgia cristã deve ter uma orientação cósmica. Tem que, por assim dizer, orquestrar o mistério de Cristo, de facto, com todas as vozes que estão à disposição da criação” (Ecclesia de Eucaristia). Com isto, chama a atenção não só duma espiritualidade transcendente mas também duma espiritualidade imanente (inerente ao cosmos). Esta será a dimensão a aprofundar numa fase mais mística do cristianismo e que virá dar resposta aos novos tempos.

 

Deus torna-se mundo e Homem em Jesus Cristo (processo evolutivo do Alfa para o Omega); JC ao resumir em si o mundo e a divindade espelha nEle a pessoa e o universo no seu processo de divinização. Deus dá hoje continuidade ao processo de incarnação que tinha iniciado e realizado em Jesus Cristo ao iniciar a criação. Os movimentos cíclicos e lineares convergem em cenários de uma mesma realidade que se expressa nas espiritualidades natalícia, pascal e pentecostal. O ciclo da natureza e o ciclo litúrgico tornam-se metáforas duma mesma realidade em via.

 

No processo evolutivo, à hominização segue-se a natureza de Cristo. O Natal (incarnação) provoca uma verdadeira revolução do pensar racionalista e sentimentalista, abrindo horizontes para panoramas e dimensões impensáveis. Não podemos acentuar demasiado o aspecto pedagógico-didático da liturgia natalícia em detrimento da realidade essencial teológica e mística que se resume no mistério da Trindade e no processo de incarnar e ressuscitar.

 

O Natal, embora incorporado no negócio do consumo, na concorrência e no sentimentalismo, é, no tempo, aquela parte do tempo que aponta para a justiça e para paz. O calendário litúrgico, tal como as estações do ano, expressa metaforicamente a realidade da vida, e consequentes diferentes nuances.

 

Urge uma actual compreensão e vivência do mundo, do homem e de Deus. A desmitologização do mundo expressa no cristianismo pressupõe a desmitologização do espiritual, para se poder compreender a realidade integral que é Jesus Cristo. Urge dar-se a desmitologização de Deus, do homem e do mundo para se sentir o fluir do divino no humano numa interligação de Pai no Filho, de Filho no universo na unidade do Paráclito.

 

A incarnação é um mistério que pode ter várias abordagens também no sentido de dar resposta aos problemas actuais apresentados pelas novas impostações teológicas e pelas ciências físico-naturais. Uma das impostações será a de que Deus não encarnou em JC porque Deus estava ofendido com os pecados do mundo mas também porque, por amor, na sua relação trinitária, ao tornar-se mundo e homem se submete à evolução, à cruz do mundo a caminho do Cristo. Deus ao revelar-se em Jesus Cristo revelou o ser do Homem e do mundo também.

Estamos chamados a realizar o JC.

 

Com este Deus que se declara por nós e em nós, há que renascer para realizar o Natal.

 

António da Cunha Duarte Justo

Teólogo e Pedagogo

antoniocunhajusto@gmail.com

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