Uma estruturação equilibrada da pessoa precisa de programas e ritos
António Justo
Acabo de visitar uma família amiga muito querida e desanuviada. Dela faz parte o Daniel, de quatro anos, muito reguila e maroto (sinal de saúde e inteligência). Passou-se uma tarde alegre sem que a criança no Daniel passasse desapercebida. À despedida, o Daniel já me considerava parte da casa e por isso me fazia caretas. A mãe, pensando que ele já estava a entrar de chancas, disse para o filho: “Não faças isso, o Jesus não gosta!”
Quem não gostou fui eu e o Daniel. E isto motivou-me a escrever este texto.
Não gostei da frase porque a mãe está, assim, a transmitir ao filho a ideia de um Deus controlador, fazendo de Jesus, no caso, um auxiliar de educação pela negativa. Ainda bem que não disse “Deus castiga!”
Na educação é relevante ter-se em atenção a imagem de Deus que se transmite às crianças. Cristãos conscientes não baseiam a educação em proibições nem autoritarismos. Procuram, no respeito mútuo, não só amar mas também mostrar que amam, para, deste modo, proporcionarem calor emocional, aquele sentimento de comunidade, fruto da vivência da relação íntima, mais fortificada quando é acompanhada de brincadeira. Naturalmente na educação também é necessário estabelecer limites até porque as crianças, por vezes, não têm consciência dos limites ou querem experimentar até onde podem ir.
O Deus de Jesus Cristo é o Deus do amor. Por isso a educação cristã deve transmitir à criança a mensagem de que é incondicionalmente amada por Deus independentemente dos seus serviços prestados. A educação cristã contradiz assim a norma social que avalia as pessoas pelos serviços que prestam.
Cada criança precisa de receber muito amor, estima e apreço de forma gratuita. Sintonia e compaixão são virtudes que contemplam de maneira especial as necessidades das crianças que não devem ser submetidas apenas à rotina do programa da vida diária.
A melhor maneira de educar é o exemplo que se dá na vivência da fé no dia-a-dia. Coisa não fácil quando somos puxados por tantos afazeres que por vezes nos impede de tomar consciência da presença e das necessidades do outro.
A educação cristã nas famílias além de contribuir para a sua boa higiene psíquica, espiritual e social desempenha um papel salutar na sociedade.
Uma família para se expressar, criar laços e ter uma existência equilibrada e salutar precisa de ter rituais que se repetem regularmente e que dêem oportunidade para criar momentos fortalecedores da identidade e de comunidade. Assim, uma tarefa familiar (lavar a louça!), um beijinho ao levantar, ao chegar do trabalho e uma oração ou leitura de alguma história edificante ao deitar criam momentos comuns e oportunidades de aproximação que doutra maneira se perderiam no programa individual de cada um.
Segundo estatísticas alemãs, uma família cristã reza pelo menos uma vez ao dia com os seus filhos. Constata-se como muito importante a oração antes do deitar, a oração da noite ou a leitura na bíblia para crianças; estes e outros ritos ajudam a transmitir a fé e o sentido de comunidade familiar. O que se faz em conjunto fomenta laços de amizade. Também a frequência regular do culto religioso tira a criança de uma certa anonimidade e dá-lhe projecção social, além de fazer a experiência de oração pública a Deus. Na paróquia a criança vive a fé também através do envolvimento social. A frequência dominical da liturgia além do aspecto religioso é um elemento estruturador de vida e cria na pessoa sociabilidade e prepara para o silêncio interior e para se ver numa perspectiva que não só a individual.
Muitas paróquias onde a afluência dos fiéis é grande, ainda apostam na rotina de uma missa dominical mais dirigida para adultos (criando enfado nas crianças e preocupação nos pais). Urge o imperativo de conceber o culto com para-liturgias (actividades) a partir da perspectiva da criança. Muitas actividades dominicais tornam-se em incómodo e aborrecimento para a criança. Uma má experiência da criança no serviço litúrgico na tenra idade torna-se, mais tarde, na maior vacina contra a frequência da missa dominical, devido à experiência na infância vivida. Há diferentes tipos de espiritualidades e as crianças também têm a sua maneira de experimentar e expressar espiritualidade.
As crianças desenvolvem muitas das suas potencialidades fazendo. O participar no serviço litúrgico com sketchs, com pequenas cancões ou recitações, ou, também, no serviço de acólitos, em actividades de escuteiros, etc., torna-se em verdadeira iniciação de desenvolvimento e enriquecimento da personalidade individual e social de quem participa.
Em família também há momentos menos felizes em que algum dos membros perde a paciência por se encontrar sobrecarregado por algo que não controla e então não reage adequadamente a alguma atitude do filho.
O emprego da violência deve ser tabu em família, mas se por acaso cai uma esquecida, uma bofetada, isto é considerado como resultado da própria fraqueza e como tal acompanhado de um acto de contrição comum, acompanhado de uma reflexão sobre o acontecido e porquês sem querer incriminar ninguém (O bater ou uma bofetada falta ao respeito e ao caracter inviolável da pessoa que já o é inteira na criança). A violência não pode ser justificada cristãmente mas reconhecida e reparada no reconhecimento da fragilidade humana. O emprego da violência é brutal e fomenta a brutalidade. Uma maneira de se integrar o positivo e o negativo na pessoa, para se não ter a necessidade de se refugiar nalguma abstracção, poderia, quando uma criança não está a ser tão boa, ser considerada como um Jesus abandonado e quando a pessoa faz tudo bem, ser considerada Jesus ressuscitado. Sim, em cada um de nós há um Jesus abandonado (na cruz) e um Jesus ressuscitado. De educação assim até Jesus Cristo gosta.
O desejo de transmitir a fé à criança e a experiência concreta de comunidade torna-se cada vez mais premente em famílias cada vez mais stressadas porque determinadas externamente e numa polis que pensa promover sociedade sem a experiência da comunidade, caindo no equívoco que é suficiente um comportamento com um conjunto de princípios individuais regulados por leis e éticas morais ad hoc.
Grande parte dos pais cristãos sentem uma certa tensão e preocupação pelo facto das crianças se encontrarem expostas a uma sexualidade permissiva e grosseira imposta pela sociedade e até por programas escolares de caracter ideológico. Isto e uma total privatização em torno do computador, pode impedir a criança no seu desenvolvimento (falta de contacto social imediato). Há cristãos mais conservadores ou mais progressistas. Em sociedade muitas famílias cristãs são exemplares. Quem convive com diferentes tipos de clientes nota, muitas vezes, uma grande diferença de comportamento entre eles. Geralmente quem tem uma educação religiosa consciente é mais altruísta e tem maior capacidade de empatia.
Investigações sociológicas mostram que pais com prática religiosa regular se sentem bastante seguros na educação e nota-se “entre eles uma harmonia digna de nota em questões educativas “.
Para terminar permito-me colocar aqui uma oração que quando era pequenito repetia em situações que poderiam meter medo. Naturalmente corresponde a uma pedagogia popular nem sempre reflectida; mas muitas coisas valem também pelo efeito que provocam!
São Bartolomeu me disse, que não tivesse medo de nada, nem da noite nem da sombra, nem do que tem a mão furada…Quatro cantos tem a casa, quatro velinhas a arder, quatro anjos me acompanhem, esta noite se eu morrer.
© António da Cunha Duarte Justo
Pedagogo
Pegadas do Espírito no Tempo
Um comentário em “DE EDUCAÇÃO ASSIM ATÉ JESUS GOSTA”