Natal é uma Realidade com Simbologia universal

Através do Natal no Lugar da Convergência

António Justo

Natal é o dia do nascimento de um “rei” tornado menino. Este foi um acontecimento histórico, e ao mesmo tempo um evento transcendente e simbólico. Jesus é um segredo de amor, o Deus escondido que vai nascer nas trevas da noite. Não podia nascer de dia porque o nosso dia anda deslumbrado com o fogo mercantil, como mostrou já na expulsão dos vendilhões do templo. O véu daquela noite encobre a luz do verdadeiro dia. Aquela noite é uma noite-dia uma noite feliz a germinar a vida e a dar à luz o futuro.

Jesus quis nascer numa gruta, numa caverna onde os animais, à maneira daquele tempo, se abrigavam. O rei divino não foi nascer na casa do rei nem no templo; ele é a origem de todo o nascimento.

Se observarmos a vida, com olhar atento, notamos que muitos eventos e a própria natureza são, ao mesmo tempo, realidade e metáfora, a apontar para outras dimensões. Ao observarmos a noite e o dia, as estações do ano, a interdependência de estrelas e planetas, os estados do tempo e das nossas emoções, notamos, por trás de tudo isto, um traço divino comum. Natal é o evento de Belém e conjuntamente pode ser o evento do nascimento para nós e para o mundo na gruta do coração, o seio da concepção. Em cada um se encontra um presépio, uma fenda na rocha, pronta a mostrar Aquele que se fez um de nós.O nosso Menino na gruta, é uma luz que vem do chão; é a manhã da neblina a desembrulhar a terra e o céu.

A gruta, a caverna é símbolo da profundidade da criação e da alma. Tal como a árvore, símbolo da vida, mantem as suas raízes escondidas no solo, que é seio a dar à luz e regaço a receber. 

A criança divina surge numa caverna e com ela a energia cristã que, do fundo das catacumbas, leveda a cidade. Conseguiu furar a crosta terrestre, fazer uma fenda, uma amolgadela na superfície onde podemos mergulhar para reaver o mistério da vida. Neste sentido, os monges cristãos, dos começos do cristianismo, com saudades da vida, tornavam-se anacoretas, vivendo no deserto e em grutas. No seguimento da voz que vem do deserto cancelavam a vida do dia-a-dia para fazerem uma experiência de transformação. Aí, nas areias do deserto sentiam os passos de um povo em peregrinação à procura da gruta prometida e donde surge a vida plena. Deserto é o lugar das perguntas e das respostas, o tempo intermediário e preparatório onde nasce a fé para o Natal do tempo aberto. Dele irradia o sol do optimismo, o início da época da graça para toda o ser.

Na gruta ouve-se a voz do coração e a alma a ressoar. Angelus Silesius chamava ao coração a Câmara do Rei, a caverna de ouro.

Jesus nasce numa caverna e é, no fim, colocado num túmulo cavernoso. O divino encontra-se na caverna, o ventre maternal. A caverna, tal como o inconsciente são escuros, são o lugar do oculto. Quem não tem medo desce à escuridão da noite e lá encontra a luz.

Em cada pessoa se encontra um rei, um infante divino prisioneiro, à espera de atendimento e que se lhe abra a porta. O rei é um símbolo de Deus. A criança é por vezes um símbolo da nossa ipseidade (eu interior), do nosso professor interior. Jesus, na idade de 12 anos, instrói os doutores no templo. Também se revela na caverna do templo entre as pedras do intelecto e da ciência.

Aí, todos nós, doutores da lei, somos chamados a tornar-nos “pobres de espírito”, para sermos libertos (do desejo de poder do ego = Herodes) e assim podermos reconhecer o Emanuel e descobrir-nos a nós na pobreza divina. Todo o mundo, nas cores dos reis magos, vem reconhecê-lo a Belém.

Na metáfora da fuga da sagrada família para o Egipto, Jesus repete e recapitula nEle a História de Israel que regressa à casa paterna. No presépio encontram-se o antigo e o moderno, o Egipto e os reis magos (culturas/religiões do mundo).

Por trás de mitos encontra-se verdade nas suas facetas real, histórica, filosófica, religiosa, e mística.

Naquela noite, naquela gruta se junta o presépio da vida. A estrela como destino dos pontos cardeais reúne no presépio toda a criação. Os reis magos prestam-lhe homenagem com ouro (símbolo da realeza) incenso (da espiritualidade) e mirra (da imortalidade). O boi e o burro com o seu bafo condensam o calor da natureza para aquecer o Menino. Será também um burro que o levará para o Egipto e o trará triunfal a Jerusalém. Os anjos com a humanidade simples tudo canta e dá glória ao Deus Menino.

Francisco de Assis ao desnudar-se perante o pai, já conhecia a luz que vem da caverna (presépio). Lá se encontra a vida toda. Por isso, Francisco fomentou a representação do presépio com seres vivos numa harmonia primordial.

O Deus Menino libertou toda a natureza. Ele liberta tudo: o Homem, os povos e também os animais. Por isso Francisco chamava irmãos aos passarinhos, ao burro, à vaca; à vaca dócil e ao burro que por vezes insiste em que lhe respeitem a vontade. Também os animais de exploração agrícola têm o direito ao encontro e ao respeito da espécie. Também neles brilha a luz de Belém.

Em psicologia o burro é símbolo do corpo e da intuição; perante o perigo, logo ele reage e dá sinal. Francisco já dava o nome de burro ao seu corpo. Este reage à voz interior mesmo quando a vontade é dura e a tenta abafar. Quando se ignora a voz da alma, podem aparecer doenças, que são o toque de sino a lembrar que é tempo de ceder, tempo de descer à gruta para ouvir o ressoar da sua voz. A intuição é a voz do coração onde a sabedoria reside. Por vezes, atrelados ao cadeado do calendário, dançando ao ritmo dos afazeres, não se nota que o burro deixou a vida, já anda à rédea solta a dar coices à vida quando o seu mal é Burnout, Bordaline, falta de silêncio ou de carinho.

Natal é o luar onde converge o passado e o futuro, a realidade e o sonho, o desejo e a recordação. É uma realidade à maneira do tempo, impressa na alma da pessoa e dos povos, a querer transcender o tempo e o calendário. É uma maneira de ser, um estado de alma, a reunir a alegria e a tristeza de crianças e adultos, de seniores e jovens, de crentes e ateus, à procura do fulgor de um menino recolhido em Belém. Lá bem dentro de nós, à lareira do presépio, na magia do momento, crepitam desejos e preocupações a mostrar as chamas de um lume mais fundo…

O presépio revela-nos Deus a dizer que o nosso calor, a nossa frieza, a nossa justiça e injustiça são da nossa competência e responsabilidade porque surgem quando deixamos de ser presépio sem lugar para nascer o Deus Menino em nós. O nosso sentimento de justiça tem a ver com as coisas em nós resolvidas ou não resolvidas. Exigir de Deus uma sociedade justa seria exigir dele que nos tivesse criado como pedras sem eu nem tu, sem a diferença do mistério. Um tal Deus seria um deus das ideias, à nossa semelhança, um Deus ideia criado por nós. Um tal mundo perfeito seria um estado sem lugar para sonho, nem para alegria nem tristeza. Como poderia existir a alegria sem a sombra, sem a tristeza que lhe dá contorno? Como poderia haver o mar do sentimento sem a terra da razão que o sustem?

O Deus Menino vem à luz na gruta e não na praça pública. Ele está em nós e só se realiza quando nos descobrirmos presépio a revelar o salvador do mundo. Quando ele nascer em mim e em ti, então o mundo será uma aldeia em festa. Vamos todos à festa, a gruta é a direcção.

António da Cunha Duarte Justo

www.antonio.justo.eu

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António da Cunha Duarte Justo

Actividades jornalísticas em foque: análise social, ética, política e religiosa

6 comentários em “Natal é uma Realidade com Simbologia universal”

  1. Excelente texto!
    Mais uma vez, parabens Sr. Antonio Justo. Para variar, outra excelente análise. Que bom que podemos tê-lo neste “dialogos-lusófonos”.
    É isso mesmo, que todos nós desejemos ir “à festa, a gruta é a direcção.”
    E assim, façamos nós um mundo melhor.
    Sobre os “Reis Magos”, talvez algum dia, se me for permitido, eu abra aqui algo a respeito (sim, um pouco eu sei, mas , como sobre o tema prevalesse a Lei do Silêncio, não serei imprudente!). Saiba que o mistério “Mago” não é ficção. Ficção é o que dele existe em fábulas, lendas , folclore, etc (onde há fumaça, há fogo). Trata-se de um dos mistérios mais fechados da criação, tanto que os escritos judaicos-cristãos apenas o mencionam vagamente (não seriam tolos de publicá-los abertamente!). Mas esteve presente no nascimento do Divino Jesus Cristo de Nazaré (como mistério pertencente à Lei Maior e Justiça Divina, tinha que estar). Mas, isso é outra história …fiquemos por aqui pois adiantei-me demais!

    Abraços fraternos e um Excelentíssimo Natal (mais uma vez) e 2014.

    Vilson

    In Diálogos-Lusófonos

  2. Muito obrigada pela mensagem de Natal. Estavas muito inspirado quando escreveste o texto que ficou uma obra prima de literatura!
    Espero ser esse presépio para acolher o Menino e O levar a todos!
    Um grande abraço com votos de muitas Bênçãos celestiais!
    MM

  3. Acabo de reencaminhar o seu texto para uma grande parte dos meus contactos.

    Foi a melhor mensagem de Natal que li até ao momento.

    UM BOM NATAL
    HO

  4. A QUADRA DO NATAL TEM PARA MIM MUITO SIGNIFICADO, TEM NO MEU IMAGINÁRIO UM PESO MUITO GRANDE. TALVEZ NÃO TANTO DE ORDEM RELIGIOSA (EU SEI QUE ME ENTENDE) MAS DE ORDEM HUMANA (NÃO SÓ DE PASSADO DISTANTE MAS TAMBÉM DE MAIS CHEGADO).
    O QUE SE CALHAR É A MESMA COISA, SEI LÁ. (SEI QUE ME COMPREENDE).
    GRATO
    NS

  5. Caro amigo,
    De acordo! Na realidade, não dou grande relevância às distinções das dimensões reais-imaginárias-espirituais, e para mais a partir do condicionalismo de perspectiva espácio-temporal. Por isso gosto mais de falar da simbologia, seja ela do Natal como ponto de encontro e acoplamento de energias, culturas, religiões e filosofias seja de arquétipos. Por vezes meto-me na dialética da discussão do banal factual mas com a intenção de provocar apenas reflexão e de apontar sempre para o arquétipo.
    Um Grande abraço

  6. Caro António,
    Parabéns pela pessoa que és.
    Filósofo que colocas o Ser no coração do saber. Teólogo que colocas o Homem no coração de Deus. Pensador sempre interveniente. Tal como à Rosa, sei que não vale a pena perguntar-te porquê!
    Abraço e Bon Ano.
    Luciano

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