A Idade Média árabe é incompatível com revoluções


Oriente contra Ocidente

António Justo

As revoluções estão, historicamente, condenadas ao fracasso ou a serem ultrapassadas. A religião permanece. Por isso revolucionários secularistas/marxistas unem-se agora ao islamismo na sua luta contra o capitalismo e contra o Ocidente. A melhor maneira de prolongar o sistema comunista é torná-lo religioso. Por isso muita gente da esquerda se vira para Meca.

Muitos niilistas verificando que Deus não morreu procuram servir-se agora de Alá. O problema não está tanto no facto das esquerdas se tornarem devotas; o problema está na Nato que de intervenção em intervenção está sempre condenada a ser derrotada pelo islão, continuando, mesmo assim, a servi-lo. O grande equívoco ocidental está no facto de preparar o caminho no Norte de África para os seus mais figadais inimigos: o fundamentalismo islâmico. Mas mais problemático que isto é o fomento dum imperialismo nascente antieuropeu e anticristão que implicará o atraso da Europa e da África. Que a América intervenha de ânimo leve com o cheiro no petróleo não é de admirar, que a Europa o faça só demonstra a contradição e a decadência ideológica em que vive.

A primavera árabe passou e a revolução não começou nem começará. Deixou oposições na oposição e a oportunidade para o extremismo religioso se fortificar.

O Norte de África encontra-se na Idade Média por isso só possibilita rebeliões, não revoluções. Além disso a pressão exterior (Nato) não permite a formação de forças críticas dentro do Islão tal como aconteceu com o Irão do Xá, com o Iraque de Saddam Hussein e como acontece com a Líbia de Kadhafi. As intervenções do ocidente têm impedido, nos países muçulmanos, a formação de forças laicas, que embora tirânicas, fomentariam um desenvolvimento social diferenciado. A sede do petróleo e a prepotência política ocidental age, a longo prazo contra os próprios interesses e contra os seus ideais de democracia e de direitos humanos. Com o seu comportamento obriga os muçulmanos a manterem-se todos apenas no tapete duma religião indiferenciada base dum império já não só de carácter pessoal mas também territorial.

Em muitos dos média europeus celebravam-se euforicamente os acontecimentos no Norte de África como se tratasse duma revolução semelhante à que provocou a queda do muro de Berlim. Esqueceram-se da revolução de Khomeini. A lógica da queda do Bloco de Leste não se pode transpor para o mundo árabe. Enquanto o bloco comunista era mantido pela ideologia o árabe é mantido pela religião. Enquanto o primeiro é uma miragem (fruto de projecções) o segundo é uma paisagem real (com base nos sentidos). A liberdade aspirada não é a mesma. Aquela era contra a religião e esta acontece dentro da religião; esta não produz revolução mas apenas rebeldias e terrorismo.

A revolução do Leste encontrava-se na sequência dum crescimento surgido dentro da própria cultura: a revolução industrial e a revolução francesa (séc. XVIII e XIX) acompanhadas por reminiscências de cristianismo. O fenómeno do norte de África é um levantamento medieval e o sistema medieval não produz revoluções, apenas gera rebeliões. Aqui assiste-se a uma revolta contra a opressão, contra a heteronomia e contra o feudalismo. Se desejarmos uma revolução, no meio da sociedade muçulmana, semelhante à revolução europeia do século XIX, o caminho será investir na produção industrial local, na formação (o analfabetismo não produz revoluções) e na emancipação do Corão (geografia desértica). Este deu origem a uma sociedade monolítica e extremamente monoteísta que não permite uma comunidade destino de cumplicidade entre Deus e Homem. Só conhece o dentro (oásis), a totalidade do espaço sacral, e o fora que reconhece como deserto perigoso sem vida nem direito a ela.

Direitos humanos, dignidade humana são o resultado dum processo social e histórico catalisado nas zonas de influência judaico/cristã. Formam uma supra-estrutura desenraizada, uma produção intelectual duma forma de vida que tinha como suporte a religião. Por isso, a luta em curso contra o cristianismo (simbolizado no Catolicismo ou noutras confissões), por muitos defeitos que este tenha, é uma luta contra si mesmo, um combate autodestrutivo preparador da decadência da cultura ocidental. A grande hipótese do islamismo vem-lhe da queda do muro da vergonha. O comunismo ideológico vê no islão o companheiro (Islão e Comunismo são extremamente “monoteístas”, só reconhece povo mas não pessoas). Actualmente o Islão alia-se aos multiplicadores marxistas e aos niilistas europeus na luta contra o Cristianismo. Isto numa fase de transição até que não precise deles para se impor. O que está em curso no norte de África é um processo para imposição do islão radical tal como aconteceu no Irão. Aqui os comunistas iranianos uniram-se ao extremismo religioso de Khomeini contra o “capitalismo”. Agora a esquerda desiludida aposta no caos virando-se para o Islão. Mas o islão não permite o secularismo no seu seio.

Muitos intelectuais europeus de esquerda e secularistas, com a sua aversão ao catolicismo e a sua simpatia para com o islamismo, fomentam o imperialismo islâmico e a autodestruição da europa. O niilismo só ajuda os inimigos do Ocidente. O modelo cristão do “dai a César o que é de César…” fomenta a coexistência do religioso e do secular, um ao lado do outro sem prepotências. O mesmo não comporta o islão.

A cultura ocidental tem uma grande missão no mundo e precisa de teístas e de ateístas reconciliados para a tarefa humanista a realizar; doutro modo correrem o risco de servirem novas aspirações hegemónicas. A coexistência do sagrado e do profano (próximo) são essenciais para a sustentabilidade da civilização cristã, e correspondentes subculturas. O processo de emancipação do Homem não se pode processar na luta secular contra a religião nem na luta da religião contra o secular. Trata-se de promover correntes seculares e religiosas e de abdicar da estratégia de afirmação pela contradição, para se optar pela convivência numa relação do não só… mas também… O Homem é um animal religioso e político que precisa de ar (espírito) para respirar e de solo onde pôr os pés, mas sem se deixar amarrar por um nem pelo outro. A verdade é complementar não se deixando reduzir à mera oposição entre conteúdo e contentor. A negação dum implica a negação do outro, não deixando lugar para a afirmação.

Muitos vêm no terrorismo um sinal de fraqueza daquela cultura. Esta visão pode induzir em erro. Em termos de cultura muçulmana, ele sempre fez parte dela em tempos de crise, actuando tanto para o interior da sociedade islâmica (como elemento moderador de tendências extremas a nível de poder terreno e religioso) como para com o exterior, defendendo-a.


António da Cunha Duarte Justo

antoniocunhajusto@googlemail.com


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António da Cunha Duarte Justo

Actividades jornalísticas em foque: análise social, ética, política e religiosa

4 comentários em “A Idade Média árabe é incompatível com revoluções”

  1. De: Silvino Potencio,

    Desde há muito que leio os seus textos com toda a atenção contudo nem sempre me sobra tempo para os comentar, ou pelo menos opinar da minha interpretação pessoal. É dificil resumir em poucas palavras todo um sentimento colectivo a movimentos e ações, reacções sociais, atitudes em permanente evolução… desta vez não é diferente.
    Comentar toda esta ebulição de religiões de antagonismos de motivos excusos e outros nem tanto, é tarefa gigantesca.
    Fazê-lo de forma absolutamente isenta de tendências pessoais ou culturais, como o Amigo António Justo o faz, é obra de excelência. Religiões são o combustível que alimenta o fogo de paixões, que mantém o sonho de muitos… concentrado, por vezes no desejo de um só! Enquanto isso o tempo é o regulador do resultado de cada história da passagem humana pela terra. e a história do nosso tempo nem sempre nos é acessível… outros que virão depois, o dirão à sua maneira como nós o fazemos neste momento das nossas vidas. Parabéns pela sua obra, pelas suas pégadas que, sem dúvida ficam gravadas na história do tempo que Deus nos deu.
    Abraço!
    Silvino Potencio
    – Emigrante Transmontano em Natal (Brasil)

  2. Caríssimo Prof. António Justo:

    É sempre uma “alimentação” para o espírito ler os seus posts e o que ora escreveu implica ler e reler.

    Confesso que não me sinto capaz de fazer um comentário à altura do que escreveu, mas concordo praticamente com tudo o que escreveu.

    Destaco, se me permite e com o meu poder de síntese, uma das suas ideias chave, que importa reter: “O modelo cristão do ‘dai a César o que é de César…’ fomenta a coexistência do religioso e do secular, um ao lado do outro sem prepotências. O mesmo não comporta o islão.”

    Creio que é aqui que reside a grande diferença, acrescida naturalmente duma intolerância acrescida e por vezes violenta dos árabes islamizados, sendo certo que há excepções, pois sou até amigo de um padre muçulmano, moderado, até por ser da Guiné-Bissau e ter sido sargento do Exército Português, que comigo por vezes troca ideias.

    Obviamente que quando o petróleo se mete pelo meio as coisas complicam-se…

    Julgo que a melhor via seria a das hierarquias das grandes religiões monoteistas manterem entre si um diálogo permanente, que o anterior Papa (João Paulo II) encetou, mas que o atual hesita em prosseguir.

    Um abraço.

  3. Prezado Dr. Jorge da Paz Rodrigues.
    Muito obrigado pelo seu comentário. No resumo que fez pôs o ponto no i. Quanto aos imãs eles não têm uma formação fora da religião e não lhes é permitida fazer teologia,não podem aplicar a metodologia histórico-crítica na análise do Corão; não há lugar sequer para a dúvida metódica.
    Quanto ao actual Papa não ter dado grande incremento talvez tenha sido por uma questão realista. O clero islâmico só entende o diálogo num só sentido. Não há seriedade porque em termos de corão a mentira é justificada desde que sirva o islão. Eu mesmo como teólogo, quando me encontrava na política, como presidente do conselho de estrangeiros (35 mil, a maioria turca) pude observar durante 12 anos de trabalho directo com eles que, a nível de grupo não há hipótese de diálogo sério. Só um ou outro individualmente está disposto a um discurso aberto e franco. No diálogo que iniciei com as mesquitas, a nível oficial camarário, houve o mesmo problema. Não convidam o povo a reunir-se para não poderem entrar em diálogo directo de comunidades. Só vinham os representantes que apresentavam as suras pacíficas aos não muçulmanos. Eles apenas estavam interessados em que visitássemos as paredes das mesquitas e falássemos com o imã. Quando vinham às igrejas cristãs (vinham só os representantes deles) faziam a propaganda deles no meio cristão. Só quem não conhece e não amou os muçulmanos como irmãos poderá ter ilusões… Naturalmente que haverá alguma excepção! Colegas islâmicos da política só entendiam o diálogo com os partidos políticos no sentido de defenderem os seus direitos; quanto a eles, no seu seio, estava tudo bem. Tinham exigências ofensivas como a de ter direito a um cozinheiro muçulmano na prisão porque não queriam comer comida cozinhada por um impuro (um cristão ou um ateu), etc…. Felizmente que a generalidade do povo não sabe da atitude de grande parte dos muçulmanos hóspedes para com ele, então o extremismo racista seria muito perigoso. Não há um país muçulmano em que os cristãos ou outros crentes não sejam perseguidos ou descriminados. A sede do petróleo pode muito!
    Um abraço

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