Maria – Maio – Fátima

Maria, tal como a natureza em Maio, tem as mais diversas expressões. As diferentes devoções a Maria são também elas manifestação da multiplicidade da realidade e das imagens da alma humana.

Maria, tal como a alma humana, tem mil rostos. Expressa-se como mãe, rainha, virgem, auxiliadora, a Senhora de Lurdes, de Fátima, etc. Nela se manifesta também a nossa geografia espiritual, o nosso ser de paisagem no tempo e no espaço. Em Maria se manifestam a escrituras e a tradição, a espiritualidade e a teologia, o rito e o folclore. Nela, tal como em Cristo, se encontra o ser humano completo.

A teologia feminista procura ver nela sobretudo a dimensão humana (1). Em Maria a mulher foi expropriada. Ao pôr-se na disponibilidade do acto criativo, Maria e com ela a mulher é libertada das correntes que a submetiam ao homem e à sociedade. Na sua disposição ao espírito ela torna-se o protótipo da criação, da arte – o dar à luz em si. Torna-se a imagem de todo o artista cujo programa se realiza no Magnificat. Nele se revela o segredo do processo de expropriação, o programa para todo o homem e mulher na integração da polaridade, superando assim a exploração e o domínio sobre o outro.

Na teologia feminista Maria, como todos os símbolos religiosos, pode ser vista das mais variadas perspectivas. Maria é ao mesmo tempo submissa e insubordinada. O movimento das mulheres procura em Maria marcas em que se apoiar. O feminismo radical, numa estratégia polarizante procura conquistar terreno vendo em Maria a deusa das origens. Muitas vêem nos evangélicos, na sua acentuação só em Cristo, a esconjuração dos restos da feminidade. Independentemente dos abusos masculinos na interpretação do divino deve recordar-se que o Cristianismo original não é de conotação sexual nem se deixa reduzir a interpretações, a perspectivas e maneiras de ver próprias do tempo. Estas dependem do desenvolvimento da consciência humana e do espírito da correspondente época, o que torna as interpretações relativas. Fé mais que um credo é uma vivência, uma mística e só assim universal na sua integralidade.

Muitas das imagens de Maria são pré-cristãs. Maria cristianiza as deusas pagãs e assume as suas residências. Nela se reúnem todas as metáforas femininas. Ela é a Deusa secreta do Cristianismo. As suas aparições expressam o grande poder da realidade do inconsciente.
Também o peregrino no seu peregrinar se sente como parte dum todo, o povo, a natureza a responder ao chamamento interior. (Também por isso será debalde muito do esforço de padres na tentativa de racionalizarem mais as promessas de crentes).

De momento assiste-se a um novo irracionalismo na procura de muitas pessoas por dominar a própria vida. Este favorece tudo o que está fora da tradição bíblica interessando-se por uma interpretação feminista espiritualizado a maneira própria. O negócio com os devocionais floresce. A capacidade de compreensão simbólica tornou-se muitíssimo difícil. O mundo da racionalidade trivial não deixa espaço para imagens ficando estas reservadas ao mundo da religião e da arte. A alma porém revela-se e fala através das imagens.

Maria é a mulher fértil que transmite a vida. No princípio está a mãe original. A mulher traz a vida sem a intervenção do homem. Maria virgem e mãe é a metáfora dum novo começo. As imagens de Maria surgem da base. Ela torna-se o protótipo, a mãe da Igreja; ela encontra-se no centro de cada mulher, de cada homem.
A humanidade de Jesus foi em parte absorvida pela cultura. O problema é que uma humanidade radical torna supérflua a tradição, a memória. Na memória porém dá-se o nascimento espiritual.

“Aquele que faz a minha vontade é meu pai, minha mãe e meu irmão”. Jesus faz ir pelos ares os papéis a que as pessoas se encostam, sejam eles familiares, sociais ou religiosos. Com Jesus e com Maria irrompe o tempo do homem-mulher adulto. Para João a filiação divina só acontece no espírito santo. Maria, a pessoa, engravida por obra do espírito santo, por força do espírito. A dimensão do espírito é reconhecida como essencial, como formadora da realidade mas não definível nem localizável só no particular.

Para Mateus Jesus reúne em si as esperanças dos judeus na adopção de Jesus por José, descendente da casa de David, e no totalmente novo como filho do espírito. Ele é o esperado que através do espírito apresenta o totalmente novo, não precisando doutra legitimacao. Deus intervém assim, através do espírito histórica e misticamente. A imagem judaica tradicional de Deus é superada. Maria, na anunciação e concepção, embora ligada a David indirectamente através de José, realiza nela a aliança histórica de Deus ao povo de Israel alargando essa aliança a todo o indivíduo através do gerar por acção do espírito. (Naturalmente que na bíblia se trata de teologia e não de mera biologia como gostariam aqueles que sonham com uma igreja muda.) O acto legitimador não se reduz ao institucional histórico, ele passa a ser o Espírito que sopra independentemente de condicionamentos.

No Magnificat, as vítimas tornam-se sujeito da acção. A salvação vem de baixo.
Hoje é mais que nunca necessária também uma exegese com uma veia mística. No caminho místico dá-se a convergência da transcendência com a imanência.
Não podemos reconhecer só a terra como deusa, como quer o feminismo radical nem só o céu como horizonte descontextuado como pretendem outros. Num processo aberto à mística conseguir-se-á reconciliar o mundo das ideias com o da realidade, o mundo do espírito com o da matéria. Seria falso desmiolar os mitos. Mito age a partir do que está escondido no encontro da força vertical com a força horizontal. Todo o componente da realidade está integrado num todo global, num sistema dinâmico relacional na interligação dos campos físico, fenomenológico e espiritual como se vê na realidade trinitária.

No mês de Maio por todo o mundo católico se observa grande actividade em torno de Maria. Muitas vezes as celebrações litúrgicas são orientadas por leigos. Nestas liturgias marianas privilegia-se a feminidade.

Um aspecto importante que se enquadraria dentro desta espiritualidade seria a introdução de ritos de imposição das mãos em todas as paróquias. Aí todos os participantes poderiam, na resposta à diversidade dos dons do espírito santo, criar ritos em que também o tratamento do corpo, a cura dos fiéis presentes se tornassem práticas usuais mediante a imposição das mãos por parte dos fiéis. Isto corresponderia a uma necessidade real e cuja vulgarização poderia ter como orientação a bênção dos enfermos realizada em Fátima nos dias treze bem como certas práticas dos movimentos carismáticos. As liturgias marianas poderiam tornar-se um exercício mais adequado às necessidades do lugar e do tempo.

António da Cunha Duarte Justo
“Pegadas do Tempo”

(1) Sabe-se da investigação teológica que o modo de pessoas compreenderem a bíblia depende muitíssimo da sua pré-atitude. “Na cabeça do leitor surge um texto virtual, que se pode distinguir muito do texto bíblico em questão”. Também o modo de compreender o texto se processa diferentemente. Enquanto que leitores ligados à igreja compreendem o texto num contexto global bíblico, leitores sem experiência eclesial procuram o acesso ao texto através da perspectiva histórica.

António da Cunha Duarte Justo

25 de Abril

O grito e a ânsia do povo português continuam, hoje como ontem, vivos na canção de José Afonso – a melhor ordem do dia:

„Grândola, vila morena
Terra da Fraternidade
O povo é quem mais ordena
Dentro de ti, ó cidade…

Em cada esquina um amigo
Em cada rosto igualdade…
Jurei ter por companheira
Grândola, a tua vontade.”

Este dia da liberdade e da democracia, iniciado pelos capitães de Abril, pretende ser símbolo da dignidade humana a restabelecer, o início dum processo sempre novo alheio à estagnação em ideias, em conceitos ou sistemas.

Esta dignidade humana amordaçada a nível social tinha levado muitos de nós a combater na clandestinidade, em sindicatos e outras instituições, por um dia de aurora como aquele dia do Zeca Afonso e do “movimento das Forças Armadas”. Aquele dia queria persistir em continuar madrugada e à tardinha o Sol não se queria pôr, nele os direitos humanos prometiam florir nos cravos vermelhos para um povo “Zeca”. Naquela alvorada é derrubado um regime autoritário que não tinha lugar para a expressão dos direitos humanos e sociais mais fundamentais.

Por alguns tempos nos sentimos povo no despertar da sua consciência para uma sociedade a caminho nas esperanças partilhadas. Ideologia com fé de premeio ajudam a suportar a ditadura da realidade!

O ardor do sol da esperança era tanto que os cravos começaram a murchar. O povo que se tinha levantado para se pôr em movimento depressa se viu confrontado com o estaticismo dos contra-movimentos ideológicos. Da luta contra o incrustamento dum sistema surgiu a desilusão da instalação dum outro mais flexível mas que peca de erros semelhantes. De facto, a sociedade e o ser humano são processos e não sistemas imóveis. O povo no seu instinto processual viu-se justamente envolvido na defesa dum processamento que não se queria sistema empedernido auto-suficiente e estático. Por isso do mesmo instinto e desejo de mudança do outrora permanece no povo o desejo da mudança do hoje.

Aquela aurora promissora foi porém em pouco tempo ensombrada pelas nuvens ideológicas estáticas que concebem o mundo em termos hirtos de imperialismos. Assim dum imperialismo de estilo americano se quer passar ao outro imperialismo de cunho russo. Os problemas colaterais da revolução tornam-se mais presentes. As vítimas do regime Salazar dão lugar às vítimas do regime soviético (abandono dos pretos colaboradores do sistema português à chacina do imperialismo russo com a incondicional fuga dos portugueses que há centenas de anos viviam e se tinham identificado com o “ultramar”- “os retornados”).

O 33° aniversário da revolução dos cravos constitui uma oportunidade para todos os portugueses participarem na democratização presencializando a revolução dos cravos já demasiadamente encrostada. Outrora houve gente valorosa – não salvadores! – que surgindo dum sistema autoritário soube renová-lo; do sistema de hoje mais aberto e livre, seria de esperar que surjam os transformadores do sistema de hoje. Não chega lutar contra os ópios de ontem, é preciso estar atentos aos de hoje.

Dos cravos é a cor
A vermelha também
Ao jogo das cores
O povo aí vem

Revolução é processo. A liberdade não é pacífica, não o pode ser!

Neste sentido, viva o 25 de Abril, ontem e hoje!

António Justo

António da Cunha Duarte Justo

Conferência da Segurança Internacional de Munique

Um mundo cada vez mais instável
Numa altura em que o mundo se encontra ameaçado por crises e inseguranças como nunca, encontram-se reunidos 250 políticos e especialistas na 43ª, Conferência de Segurança internacional em Munique para tentar sair dos impasses da política internacional.

O quarteto EUA, Rússia, EU e ONU têm interesses próprios demasiado contraditórios que têm levado a política internacional a marcar passo, há já muito tempo. Por detrás dos conflitos, Irão, Iraque e Palestina escondem-se os interesses estratégicos e controlo da energia e das vias internacionais de cada um.

Como factor de insegurança revela-se o Presidente Putin, um autocrata dum país em que não há liberdade nem independência parlamentar mas, que quer pôr em jogo o trunfo da cartada russa por toda a parte. Com a aventura americana no Iraque a Rússia ganhou terreno no médio Oriente.

A conferência não terá grande sucesso no que respeita ao impedimento do armamento atómico do Irão porque a Rússia vê aqui uma óptima oportunidade de estar presente no palco internacional e de poder pressionar europeus e americanos com a cartada do Irão. Por seu lado o Irão ri-se das iniciativas da Europa, América e da Rússia porque sabe que entre eles há interesses incompatíveis. Assim mais uma vez não conseguirão uma união no agir. Não chegarão a acordo nas sanções económicas a determinar para o Irão, previstas pelo conselho de segurança da ONU. A chanceler alemã Ângela Merkel apelou ao Irão que se sujeitasse incondicionalmente às exigências internacionais para não ficar internacionalmente isolado. Certamente em vão.

O armamento nuclear do Irão será o grande problema do futuro e para mais num país com um presidente que nega o direito de existência a Israel.

O mundo caminha a grandes passos para uma grande crise atómica e para uma instabilidade estrutural. É certo que as crises não se podem solucionar apenas com meios militares.

A Nato encontra-se em grande crise como se torna visível na sua intervenção militar no Afeganistão. Aqui a sua responsabilidade global é posta à prova não havendo colaboração suficiente entre os poderes ocupantes. A Europa segue uma estratégia e interesses diferentes dos americanos. Desde 2003 a EU já fez duas intervenções em África sem o apoio da Nato. A EU está disposta a maior engajamento militar, mas à própria conta e responsabilidade. Está interessada na África e no controlo internacional do óleo. Por outro lado a Alemanha está interessada no controlo do mercado livre mundial e na manutenção livre das vias marítimas mundiais. Como país exportador número um a segurança da economia alemã depende da estabilidade e segurança nas vias de comunicação.

Por outro lado a segurança mundial dependerá no futuro, sobretudo da segurança da energia.
A estratégia americana neste sentido vai do médio e próximo oriente até ao mar Cáspio. Os americanos querem quebrar o monopólio russo do transporte de óleo e do gás. Para isso querem que as matérias-primas do mar Cáspio sejam conduzidas ao oceano Índico e Turquia. Com esta estratégia seriam diminuídas as receitas do transporte de óleo e gás com as quais a Rússia financia em grande parte o orçamento nacional.

Exteriormente a conferência manifesta-se interessada na segurança mas no seu sei interno há grandes lutas, visíveis nas declarações de Putin.

Por tudo isto não se poderá esperar estabilidade internacional. O empenho militar é muito precário sendo ele a ponta de lança de interesses económicos. Se se pretende realmente criar mais segurança e paz terá que se mudar de estratégia. Para isso ter-se-ia de usar de meios pacíficos com apoio eficiente ao desenvolvimento dos países pobres e um comércio mundial mais justo.

Com a Alemanha à frente a Europa poderia servir de modelo para uma política internacional racional e eficiente. Esta hipótese parece tornar-se cada vez mais distante se tivermos em conta que se tem dado progressivamente uma militarização da política europeia.

António Justo

António da Cunha Duarte Justo

Democracia ou marxismo camuflado ao serviço do turbo-capitalismo

Em nome da liberdade cada vez nos encontramos mais presos à soga de leis labirínticas. Sob a aparência dum pluralismo partidário legitimamos um sistema autoritário que, entrando paulatinamente pela porta do cavalo, cada vez nos domina mais. À sombra dum estado paternalista fomenta-se um estado proletário. O que se torna preocupante é o facto de apenas uma nomenclatura bem enredada em ordens e burocracia estar satisfeita.

A democracia encontra-se doente e desorientada. Cada vez tem menos valores comuns que a autorizem. Parece viver-se em tempos de diletantismo geral.

Por um lado espera-se tudo dos políticos e por outro não se confia neles. Um dilema que mostra a própria impotência e contradição dos descontentes. O problema é grave tornando-nos também dependentes duma democracia moralista, à tona dos sentimentos, cada vez com menos valores comuns.

Os políticos não falam claro. Vivemos cada vez mais num sistema de grupos de interesse complicado. Na complicação é mais fácil iludir porque esta favorece a falta de transparência que ajuda os intermediários. Dela vivem os interesses de instituições jurídicas, políticas, sociais e económicas. Uma sociedade de bastidores e com muitos biombos! Um sistema bom para iniciados e “oportunistas esclarecidos”. Estes vivem bem na sua coutada.

Pode haver da parte de algumas personalidades e políticos interesse numa mudança para melhor só que estes, ao depararem com os coutos do próprio partido ou dos lobies, acomodam-se. Política não se pode reduzir a lobiismo. Os políticos estão dependentes da arbitrariedade das multinacionais. Para estas o que conta são os postos de trabalho mais baratos à custa das democracias. Hoje vivemos a ditadura do globalismo. O bem-comum das economias europeias é posto à disposição dos especuladores accionistas internacionais. Processa-se um transfer de capital das camadas baixas e médias para as grandes multinacionais. Se o transfer fosse feito em benefício das economias mais fracas ainda se compreenderia. Os políticos que agora andam ao sabor das ondas da economia sabem que um dia podem nacionalizar as empresas mas a que custo? Uma outra grande possibilidade é o recurso à bancarrota da moeda a nível internacional.

A vontade popular perde sentido neste contexto. Por outro lado, os políticos nacionais reduzem-se a meros aplicadores das normas europeias. O estado entre a alternativa de seguir a vontade dos investidores e a vontade popular vê-se obrigado a optar pela primeira. Os políticos não o podem dizer publicamente ao povo porque então isso desagradaria os investidores que querem explorar à vontade e sem má consciência. Assim os políticos são reduzidos a transmissores e legitimadores do anonimato de irresponsabilidades ilimitadas.

A nível político europeu os políticos mostram-se cobardes não deixando o povo votar para a Constituição. O povo torna-se apenas pretexto! Há apenas um problema atmosférico: é que o povo cada vez nota mais o que se passa, mas, como é povo, contenta-se com o sofrer.

Se surgem alguns “populistas” logo os políticos se insurgem contra eles esquecendo que também eles não respeitam a vontade popular ou não intentam nada para a mudar. A democracia tal como outros sistemas não suporta nas suas estruturas pessoas que pensem por si mesmas. Corrijo, a democracia não, mas sim aqueles que se apoderaram dela. Falam da diferença mas não lhe dão espaço.

Numa noite de insónia democrática!
Com os representantes dos partidos corre-se o perigo de se caminhar para os mesmos problemas que cometeram as ditaduras comunistas: esquecerem o povo e confiarem apenas na nomenclatura, no aparelho administrativo dependentes dum comité central. Enquanto que os comunistas puseram o povo na rua os “democratas” parecem encurralá-lo simbolicamente no parlamento.

Os partidos formaram-se e retalharam o povo no parlamento. A princípio cada partido tinha uma filosofia própria, a sua verdade. Como o povo não mastiga filosofia faz-se uma açorda parlamentar. Cada partido mete no panelão parlamentar o seu tempero. Na mistura não se preocuparam com os problemas estomacais do povo. A princípio ainda afirmavam que o segredo da receita estava no mexer da mistura. Por fim, à vontade, acordaram entre eles que o importante do guisado estava no cheiro. De facto não consta que tenha morrido alguém por causa do cheiro. Muito menos ainda do cheiro a democracia! Entretanto nalguns meios a democracia já tresanda e o povo, de tanto cheirar, até parece que tresanda também. Em compensação os homens da colher de pau cada vez são mais iguais e cheiram mais a próximo.

Nos partidos, a princípio, ainda havia homens com opinião. Como agora o que importa é o cheiro esses homens baixaram a bola e em vez deles surgiu a opinião da máquina, a opinião da fracção parlamentar. Reduzidos a cozinheiros, os parlamentares desabituaram-se de pensar porque bastava açorda. Como o povo só podia levantar a mão de quatro em quatro anos esqueceram-se dele também. Como o povo tem memória curta esqueceram-se uns dos outros. Em quatro anos acontece muita coisa! E no fim resta um estado de tachos.

Entretanto os parlamentares depois de tanta açorda e de tantos tachos já nem o cheiro distinguem e adquirem também qualidades de mimetismo. A diferença apenas está nos tachos. Não importa o que vai dentro. O progresso é de tal ordem que até a cor dos tachos se torna mimética também. Os nossos políticos são cada vez mais sociáveis, mais socialistas. Na açorda que fazem metem tanta droga que cada vez nos amarra mais ao sistema! Sem notar bebemos todos a mezinha marxista. Cada vez nos encontramos mais amarrados, nos sentimos mais dependentes, tendo a impressão de nos tornarmos proletários dum estado ordenador. Basta o cheiro a democracia ao som do canto das liberdades abstractas, ou melhor, dos outros! Entramos num estado gasoso, num estado de graça. Prescinde-se do pensar. Se antigamente a religião era o ópio do povo hoje é o pensar, o pensar correcto. Em nome da igualdade e do progresso acaba-se com as cabeças, com as diferenças, bastam braços e bocas!

A ideologia é tão forte que até a natureza é envolvida: as árvores maiores são fascistas. Quem sobressai é fascista, a não ser que tenha engordado à conta da ideologia, do partido. Para melhor viver será melhor amputar parte das funções cerebrais.

O povo cada vez vai tendo mais a impressão de que quem ganhou com a revolução foram os ardinas da revolução. Para estes os postos, para o povo as tais liberdades democráticas que geralmente mais interessam aos sempre novos “burgueses”. Os lugares dos tais fascistas de ontem são ocupados pelos democratas de hoje. Os primeiros pediam disciplina e retenção ao povo, os novos pedem apenas os votos de quatro em quatro anos e mais impostos, oferecendo em contrapartida a liberdade e igualdade no sofrer. Aqueles exploravam individualmente, estes anonimamente. A pequena diferença é que estes são legitimados pelo domesticado povo.
Presos ao obscurantismo dos factos falam de liberdade no seu mundo servo.

Para possibilitarmos o exercício duma democracia mais humana teremos todos que nos co-responsabilizar na construção dum povo digno. Para isso será necessário o trabalho individual e colectivo no fomento duma nova mentalidade. Doutro modo correremos o perigo de continuarmos a ser narcisistas aprisionados na fortaleza da normalidade, do habitual. Então as elites continuarão a ter razão com a sua desculpa para não ouvirem nem ligarem: na casa sem pão todos ralham e ninguém tem razão.

Uma recomendação: Limite de mandatos para funcionários superiores seria uma medida contra a corrupção. Além disso não permitiria que pessoas como Mário Soares descessem tão baixo impedindo-os de estragar a sua figura.

Não chega viver e deixar viver. Confiança é boa mas controlo é melhor!
Se estamos verdadeiramente interessados no fortalecimento da democracia temos que lhe dar mais possibilidade de participação, tal como na Suiça.

António Justo

O referendo abortou e os políticos também

Apesar das parteiras políticas interessadas no negócio do parir, o referendo abortou. Atendendo a que a abstenção atingiu os 56,39%, os resultados não são vinculativos. Ganhou a abstenção; não se quer a penalização da mulher nem a morte do ser humano. Com a abstenção dá-se uma chicotada de descrédito nos que governam. Os resultados do dia 12.02 são um atestado de incompetência para a nossa política. Houve menor número de votos do que mulheres com direito de voto. O povo é Zé mas não é burro. Não vai no jogo do gato e do rato… O referendo ao não ser vinculartivo, como tinha sido declarado previamente, só servia para o governo descarregar a má consciência no povo. Além disso constituia uma oportunidade para a esquerda poder fazer propaganda de si e das suas estrangeiradas ideologias. Para Portugal entrar para a União Europeia ninguém perguntou a opinião dos Portugueses, quando aderimos à moeda única também não. O zé povinho seria demasiado ignorante para poder compreender tão enrredados interesses. Até se tem a impressão que os que se apoderam dos destinos da nação têm medo dum povo informado.

No jogo do faz de conta da nossa classe política atira-se a bola ao povo porque neste assunto ela não tem nada a perder ou a ganhar e para mais sabendo-se já de antemão que o resultado não seria juridicamente vinculativo.

Do grupo minoritário votante 59,25% votaram pelo sim e 40,75% pelo não. Votos em branco foram 1,25% e votos nulos 0,68%. No referendo sobre a mesma matéria em 1998, venceu com 51,30% do não contra 48,70% do sim, tendo a abstenção sido de 58,09%.

Este referendo mais uma vez poe em evidência a fraqueza da classe política e um povo dividido. A preco do bom senso comum evitam-se clivagens e discussoe elucionadoras. A prevenção das causas que conduzem ao aborto, e o apoio às mulheres grávidas em situação de carência económica e psicológica não interessam à discussão. Se um aborto custa 450 euros em Portugal e se se fazem 20.000 abortos por ano, isto corresponderia a 9 milhoes de euros a ser suportados, na integra, pela Segurança Social. É urgente a criação de centros de aconselhamento a grávidas. Chegarão leis “politicamente correctas” mas em que seccoes da saúde é que o Zé terá de ir aumentar as bichas?

Estranho é que políticos pretendidamente bem pensantes se tenham referido aos resultados do referenjdo como uma “vitória da democracia portuguesa”. Vitória de quem sobre quem? Será que para a esquerda a democracia são eles? Ainda se encontram encerrados numa mentalidade mesquinha. E esta gente ainda se sente diferente ou melhor do que Salazar! No país dos cegos quem tem um olho é rei! A esse respeito já dizia o nosso grande escritor Guerra Junqueiro sobre o Povo Português: “Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga e besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia de um coice…”.

Independentemente de se ser pelo sim ou pelo não do aborto o que se torna vergonhoso e desonrador do povo é a atitude de gozo na motivação, elaboração, instauração e realização do inquérito. Portugal é, depois da Inglaterra, o país na Europa com menores grávidas. Isto não preocupa! Noutros países fazem-se políticas de apoio à procriação enquanto que a classe política portuguesa se preocupa em modernizara ideologia do Zé povinho mas poupando na educação e ensino. Enfim, estrangeirados atrasados querem-nos estrangeiros a nós…

Discriminacao referendária
A relação ambígua que a esquerda tem com a cultura ocidental mostarm-na também em relação aos emigrantes portugueses. O PS e o PC impediram os emigrantes de participarem no referendo contra a posicao do PSD E PP. Quanto aos emigrantes na EU ainda levantaram a possibilidade de participarem atendendo a que possuem as estruturas migrantes europeias na mão. A ambiguidade do Estado português para com os seus emigrantes leva-o a considerá-los expatriados pela legislação. Assim os partidos criaram o artigo 215 ponto 12 da Constituição com formulacoes aleatórias que possibilitam a arbitrariedade nas decisoes políticas de ocasião. Deste modo o artigo serviu para excluir os emigrantes do referendo. Os bens júrídicos fundamentais parecem assim ao servico da defesa da nomenclatura partidária. Em Portugal só se conseguem maiorias discriminadoras dos emigrantes. Portugal continua um país de estados (castas). Cidadania ainda não entrou nas cabeças de grandíssima parte dos nossos magistrados nem dos políticos que os legitimam.

farsa da vida!
de votos e crenças! dos que ontem e hoje mandam dos que ontem e hoje aplaudem
só a servidão permanece
a ilusão da opinião também!
o arrazoado não é o que se vê
mas o que se é… necessidade só de aparecer!
farsa de estado!

António da Cunha Duarte Justo

António da Cunha Duarte Justo