O grito e a ânsia do povo português continuam, hoje como ontem, vivos na canção de José Afonso – a melhor ordem do dia:
„Grândola, vila morena
Terra da Fraternidade
O povo é quem mais ordena
Dentro de ti, ó cidade…
Em cada esquina um amigo
Em cada rosto igualdade…
Jurei ter por companheira
Grândola, a tua vontade.”
Este dia da liberdade e da democracia, iniciado pelos capitães de Abril, pretende ser símbolo da dignidade humana a restabelecer, o início dum processo sempre novo alheio à estagnação em ideias, em conceitos ou sistemas.
Esta dignidade humana amordaçada a nível social tinha levado muitos de nós a combater na clandestinidade, em sindicatos e outras instituições, por um dia de aurora como aquele dia do Zeca Afonso e do “movimento das Forças Armadas”. Aquele dia queria persistir em continuar madrugada e à tardinha o Sol não se queria pôr, nele os direitos humanos prometiam florir nos cravos vermelhos para um povo “Zeca”. Naquela alvorada é derrubado um regime autoritário que não tinha lugar para a expressão dos direitos humanos e sociais mais fundamentais.
Por alguns tempos nos sentimos povo no despertar da sua consciência para uma sociedade a caminho nas esperanças partilhadas. Ideologia com fé de premeio ajudam a suportar a ditadura da realidade!
O ardor do sol da esperança era tanto que os cravos começaram a murchar. O povo que se tinha levantado para se pôr em movimento depressa se viu confrontado com o estaticismo dos contra-movimentos ideológicos. Da luta contra o incrustamento dum sistema surgiu a desilusão da instalação dum outro mais flexível mas que peca de erros semelhantes. De facto, a sociedade e o ser humano são processos e não sistemas imóveis. O povo no seu instinto processual viu-se justamente envolvido na defesa dum processamento que não se queria sistema empedernido auto-suficiente e estático. Por isso do mesmo instinto e desejo de mudança do outrora permanece no povo o desejo da mudança do hoje.
Aquela aurora promissora foi porém em pouco tempo ensombrada pelas nuvens ideológicas estáticas que concebem o mundo em termos hirtos de imperialismos. Assim dum imperialismo de estilo americano se quer passar ao outro imperialismo de cunho russo. Os problemas colaterais da revolução tornam-se mais presentes. As vítimas do regime Salazar dão lugar às vítimas do regime soviético (abandono dos pretos colaboradores do sistema português à chacina do imperialismo russo com a incondicional fuga dos portugueses que há centenas de anos viviam e se tinham identificado com o “ultramar”- “os retornados”).
O 33° aniversário da revolução dos cravos constitui uma oportunidade para todos os portugueses participarem na democratização presencializando a revolução dos cravos já demasiadamente encrostada. Outrora houve gente valorosa – não salvadores! – que surgindo dum sistema autoritário soube renová-lo; do sistema de hoje mais aberto e livre, seria de esperar que surjam os transformadores do sistema de hoje. Não chega lutar contra os ópios de ontem, é preciso estar atentos aos de hoje.
Dos cravos é a cor
A vermelha também
Ao jogo das cores
O povo aí vem
Revolução é processo. A liberdade não é pacífica, não o pode ser!
Neste sentido, viva o 25 de Abril, ontem e hoje!
António Justo