Ex-ditador Saddam Hussein condenado à Morte

“Quem semeia ventos colhe tempestades”, diz o velho ditado português.
O declarado objectivo americano de o julgar, condenar e depois instaurar a paz falhou. Após o seu enforcamento não voltará a paz. Os interesses económicos e as lutas entre as confissões muçulmanas não o permitirão.
Embora S. Hussein tenha na sua consciência mais de 600.000 mortos na guerra contra o Irão e muitas atrocidades contra o próprio povo (massacre aos curdos, etc.) não é justificável a sua condenação à morte.
Condenar à morte, seja a nível individual, familiar ou estatal implica uma atitude de usurpação do poder. Ninguém se deveria arrogar o direito de se declarar senhor da vida. Quem o faz marginaliza o Criador. A dignidade humana deveria ser reconhecida por aqueles que se julgam do lado da justiça. Há um elemento comum entre o réu e o juiz: ambos se tornaram cúmplices quanto à humanidade!
Os Sunitas no Iraque e outros simpatizantes de Sadam Hussein insurgem-se não reconhecendo competência ao “tribunal especial” que o condenou. Acusam-no de parcialidade, de ser um tribunal de vencedores.
Naturalmente que Hussein merece a pena máxima, só que esta não pode ser a morte. Não é moral condenar alguém à morte, seja onde for. A sua execução provocará, além do mais, muitas outras mortes e uma crise no governo do Iraque.
Vae victis! Ai dos vencidos!
Os vencedores têm sempre razão! A sua justiça é cega. Esta é uma constante ao longo da história. Duas perspectivas frágeis mas irreparáveis. Homo homini lúpus!
A vitória não mete na sua conta as próprias barbaridades. Só um exemplo: os bombardeadores e cúmplices de Hiroshima e de Nagasaki não foram julgados.
António Justo

António da Cunha Duarte Justo

Bilinguismo

Educação em duas culturas – Uma decisão a tomar o mais cedo possível!
O aumento das famílias biculturais luso-alemãs e dos casamentos mistos entre brasileiros, angolanos, moçambicanos, etc., e alemães (e outras etnias) tornam o tema do bilinguismo um assunto obrigatório a tratar em todas as associações. O mesmo se diga para professores e formadores que se ocupam com estrangeiros e para organismos de estado ao serviço dos portugueses no estrangeiro.
Neste sentido, os brasileiros dão-nos o exemplo ocupando-se deste assunto desde há vários anos. Também eu, ciente deste problema, tenho-lhe dado muita atenção desde 1980, procurando fomentar interesse por ele no meio português e pondo-me à disposição para fazer palestras sobre o assunto. Os portugueses, duma maneira geral, vivem o dia a dia não lhes restando tempo para a reflexão.
Já neste blog, num dos textos em arquivo, fiz um artigo sobre o assunto.
Numa conferência que fiz em Dusseldorf verifiquei muito interesse pelo tema.
Parabéns à Sociedade Brasil-Alemanha e em especial à Dra. Stella-Maris Preisach, à Doutora Andrea Dahme-Zachos e ao senhor Irrgang pela perfeita organização da conferência sobre bilinguismo na Volkshochschule de Dusseldorf.
Junto o convite tal como o fez a Sociedade Brasil – Alemanha e a Volkshochschule para servir de exemplo a outras organizações que tenham interesse em organizar iniciativas do género. Como texto conclusivo apresento o resumo em alemão dos pontos tratados por mim na conferência.

Conferência sobre Bilinguismo
“Esta conferência sobre bilingualidade terá em conta a discussão científica. Outros aspectos a focar serão: a relevância da bilingualidade em relação à sociedade intercultural; o fenómeno das famílias bilingues e duma nova consciência de pertença, isto é, duma nova identidade com as suas vantagens e desvantagens; questões a pôr antes da tomada de decisão pela praxis bilingue; sua aplicação pedagógica na família, na educação bilingue, no ensino bilingue e no ensino da língua de origem (apresentação dum exemplo de experiência própria duma família luso-alemã).
Bilingualidade e aprendizagem intercultural podem fazer parte integrante da formação duma identidade individual na consciência do ser humano global.”

Sehr geehrte Damen und Herren, liebe Freunde!

Hiermit möchten wir an den Vortrag über “Bilingualität” am kommenden Samstag erinnern:

Bilingualität – eine Herausforderung an Gesellschaft und Familie

Wie kann bilinguale Erziehung in der Praxis umgesetzt werden? In der Familie, in der Erziehung, im Unterricht? Was sollte im Vorfeld der Entscheidung beachtet werden? Inwiefern hängen Identität, Herkunftsbewußtsein und Aufwachsen in einer bilingualen Familie zusammen? Welchen Beitrag liefert bilinguale Erziehung in Bezug auf das Zusammenleben in einer interkulturellen Gesellschaft?

Diese und andere Fragen wird António da Cunha Duarte Justo (Dipl.-Theologe und Pädagoge) in seinem Vortrag behandeln. Er reichert seinen wissenschaftlich fundierten Vortrag mit Beispielen aus der eigenen Familie und pädagogischen Praxis als Lehrer im muttersprachlichen Unterricht an.

Der Vortrag wird auf deutsch gehalten. Da Herr Justo Portugiese ist, können Nachfragen und Diskussionsbeiträge sowohl auf deutsch als auch auf portugiesisch erfolgen.

4. November, 17.00 Uhr – 19.00 Uhr

Düsseldorf, “DIE BRÜCKE”, Kasernenstr. 6, Vortragssaal (Raum 312, 3. OG), 3€ Eintritt

Resumo em alemão:
Bilingualität
Stichwörter des Vortrages
Gehalten in der Deutsch – Brasilianischen Gesellschaft am 4.11.06 in Dusseldorf durch António Justo

Einleitung: „Meine Heimat ist meine Sprache“, Fernando Pessoa
Autobiographisches: Zuhause und im muttersprachlichen Unterricht / aperspektivisches Weltbild
Motivation: EU und die Globalisierung / Brasilien – Geschwisterländer / Neues Bewusstsein
Die Bilingualität in der Wissenschaft: keine anerkannte Erstspracherwerbstheorie:
simultaner Bilingualismus und sukzessiver Bilingualismus. Faktoren des Spracherwerbs: Sprachvermögen, Zugang, Antrieb
Leernen durch Nachahmung / Konditionierung
Mehrsprachigkeit als Problemursache: Unvollständiges Erlernen, Überforderung und psychische Folgen. Forschung widerlegt das.
Der Alltag der Sprache: bewusst / spontan
Wann ist jemand bilingual? 1. zwei Sprachen etwa gleich stark oder 2. eine starke und eine schwache Sprache
Rolle der Familie: Sprache wird als Kommunikationsmittel erlebt und nicht als Lerninhalt / Wertschätzung beider Partner
Spracherziehungsmethode beim Bilingualitätserwerb: Funktionale Sprachtrennung: das Prinzip „eine Sprache – eine Person“
Familiensprache – Umgebungssprache: Familiensprache zu Hause und Umgebungssprache draußen
In einer Fremdsprache erziehen? Die zu vermittelnde Sprache soll Herzenssprache sein
Strategien: bei Trennung und längerer Abwesenheit eines Partners
Schwierige Situationen: Wo Dritte anwesend sind
Entwicklung beim Spracherwerb -Lernprozess des Kindes: Lerntypen: Der Analytische und der Ganzheitliche
Einbeziehung von Fachleuten: Kinderärzte und Ohrenärzte und Logopäden / innen
Wie sprechen wir mit den Babys? : Mimik und Sprachmelodie
Ermutigung für die Sprache: Beziehung und der Sprachumgang
Lesen und Schreiben: verzögerte Alphabetisierung
Wie lernt das Kind gut Deutsch? : Wenn kein Deutsch zu Hause gesprochen wird: Spielkameraden, Kinderkrippe, Tagesmütter
Starke und schwache Sprache: „Produktive Mehrsprachige“ und „rezeptive Mehrsprachige“
Die Verweigerung des Sprechens: Kompetenz und Performanz, Konformismus
Sprachmischungen: in einer einsprachigen Gesellschaft als Fehler, als Reparatur
Interferenz: Strukturmuster der anderen Sprache um Lücken zu füllen
Bilanz: Hauptmerkmale: die ethnische Identität und das Sprachprestige, Die Idealistisch-romantisch Sprachauffassung, und Die rationalistische Sprachauffassung. Ab 1960 wurde gezeigt, dass Zweisprachige intelligenter sind als Einsprachige
Kindergarten: Modelle von Kindergärten
Unterricht – Wo und Wann? – Fremdsprachenunterricht und muttersprachlicher Unterricht.
Schulformen besonders geeignet für Bilinguale: 1. Internationale Schulen (International School); 2. Europäische Schulen; 3. Europaschulen und Schulversuche an staatl. Schulen
Fazit: das latente sprachliche Potential spielerisch zu fördern, Ausgangssituation und eine emanzipatorische Erfahrung, aperspektivisches Weltbild
António Justo

António da Cunha Duarte Justo

A Turquia e a União Europeia – Um beco sem saída!

A Turquia aposta no jogo do gato e do rato com a União Europeia. Neste jogo os papéis revezam-se.

Ontem, o Relatório da Comissão sobre a Turquia não podia ser positivo apesar da benevolência europeia em aceitar não querer ver tudo. A lista dos reparos é grande: Cípre, opressão dos cristãos, não reconhecimento de direitos a minorias, falta de liberdade de opinião, o parágrafo 301 do direito penal turco que proíbe a ofensa da alma turca (Povo – Estado), infracções contra os direitos humanos, os militares, etc. Economicamente a Turquia tem-se disciplinado contando-se com um crescimento económico de 6% neste e no próximo ano.

A Turquia não quer cumprir as exigências colocadas pela Europa. Bruxelas sabe que ela não cumprirá e apesar disso dá continuação à encenação ritual recorrendo a esforços diplomáticos que mais não são que sinais da própria fraqueza, desacreditando-se. A Turquia quer apenas tirar as castanhas do borralho e por isso não implementa as reformas exigidas pela UE.

O alargamento da UE à Turquia é tão questionável como as conversações. A UE tem demasiados problemas em mão. Não pode, de momento, receber mais candidatos. A consequência lógica seria a congelação do início das conversações. Hoje já nem sequer os antigos defensores da entrada da Turquia na UE ousam publicamente tomar partido em sua defesa.

Seria prematuro alargar as fronteiras da UE até ao Iraque e ao Irão. Além disso a UE também se encontra emperrada devido à questão da Constituição. Nem o candidato está maduro para entrar nem a UE está preparada para o receber. O preço a pagar pela Europa seria demasiado caro. A pressa na integração da Turquia na Europa apenas por razões estratégicas não é sustentável. Estas, somadas aos interesses económicos de algumas das potências europeias não compensariam os problemas políticos – sociais que daí adviriam podendo uma integração apressada dar azo a um cavalo troiano no seu meio. Por outro lado, os interesses das grandes nações Europeias na Turquia afirmar-se-iam à custa dos países pequenos. O nacionalismo crescente na EU receberia com isso um grande impulso. Na UE já há demasiados conflitos não se podendo passar à ordem do dia sem os resolver primeiro. Um deles é o conflito Polaco – Alemão.

De facto, a entrada da Turquia na UE significaria uma deslocação da importância política para leste, o que não deveria estar nos interesses das tradicionais potências europeias.

A cimeira da UE só conseguirá resultados que a prejudicam.

A Turquia tem interesses muito próprios a defender. Descaradamente não reconhece os direitos da UE encerrando os seus portos aos barcos do Cípre europeu. A Turquia quer é indirectamente ver reconhecida, de facto, a sua invasão do norte da ilha do Cípre, que se deu contra o direito internacional.

A Turquia quer continuar a discriminar os cristãos, a impedir a liberdade de opinião, quer continuar a não reconhecer o genocídio que cometeu contra os arménios. Um estado muçulmano, com um ministério para a religião e que paga aos seus funcionários religiosos, não renunciará ao seu instrumentário para impor a hegemonia religiosa e turca no seu meio.

A cimeira a realizar pela UE a 15 de Dezembro decidirá então a favor ou contra o início das conversações.

A Turquia sabe que pode ter um folgo comprido atendendo a que para uma tal medida a UE exige decisão por unanimidade. Deste modo a Europa tropeça nela mesma.

António da Cunha Duarte Justo

Natal – A simbologia dum outro humanismo

Um humanismo para lá do religioso e do político

As representações mais antigas do nascimento de Jesus apresentam-no numa gruta, numa caverna. Os povos da Palestina costumavam usar as grutas para guarida dos animais. Maria deu à luz o filho numa gruta colocando-o na manjedoura dos animais, refere Lucas (2, 7). A tradição de representar o nascimento num curral começou só mais tarde, na época de Francisco de Assis, altura em que o pensar naturalista se estendeu à iconografia (1). A igreja oriental permaneceu com o motivo da gruta, da caverna. Este está recheado de sentido simbólico. A realidade divina com o natal torna-se história humana e vice-versa.
A gruta, ou caverna quer lembrar a racha ou fenda da terra que recorda também o seio feminino. O nascimento de Jesus na gruta simboliza a união do Céu com a terra sendo esta por aquele fecundada. A gruta é o lugar do acontecimento sagrado onde se realiza a fecundação da terra pelo céu.
Com o nascimento de Jesus na gruta foi quebrada a dura crusta do mundo e assim se torna livre o caminho para Deus e se abre o caminho do ser humano para si mesmo. Da caverna sai a luz. No seu desenvolvimento, o ser humano terá que entrar na gruta (na caverna) do coração; também ele terá de transpor a crusta do seu corpo para penetrar no seu coração onde se encontra o gene divino. Na caverna do coração repousa a luz, o gene divino à espera de poder perpassar o caos. O lugar de “refúgio”, a gruta é o lugar do encontro, do renascimento, da regeneração.
Os arquétipos Jesus, Gruta, Maria e a comunidade que nasce da gruta tornam-se visíveis evidenciando-se a sua realidade simbólica no acontecimento da incarnação (Natal). O símbolo, mais que um sinal duma realidade, é a manifestação da verdadeira realidade na esfera espacio – temporal. É a realidade total (divina) que se presencializa. Ao lado de Jesus encontram-se também o burro e a vaca, símbolos das forças da luz e das trevas. Os dois bafejam-no e num acto de submissão entregam-lhe essas forças.
No Natal vive-se o tempo do coração, a gruta onde se encontra a sabedoria à espera de ser abordada e concretizada. Também a mística do coração de Jesus tem a ver com a gruta nas imagens arquétipo.
Quem quer renascer terá de entrar na gruta, no coração da terra, no coração do ser humano, em si mesmo. A regeneração dá-se no coração de Cristo, no próprio coração, que é a gruta do nascimento do verdadeiro Homem e da Comunidade. Na gruta, no coração se encontrará o pai do ser. Aí se gera o novo ser donde nascerá uma consciência nova integral. Nos albergues não há lugar para o renascimento atendendo a que o novo não pode surgir sob a influência do velho. O novo homem terá que nascer longe da esfera das forças dominantes.
Na simbologia natalícia sobressai também a virgindade, a imagem duma mulher que se encontra em relação com Deus sem intervenção do homem nem de instituição humana. Aqui surge uma nova criação da humanidade que se expressa em Jesus Cristo, o ser soberano, o novo Homem, nós. Em mim se gera a realidade humano-divina Jesus Cristo.
Com a incarnação passa-se a uma correlação humano – divina; a matéria possui o gene divino. Com a nova Eva o ser humano não se define apenas pelo parentesco, não se explica pelo acto sexual, nem tão-pouco por um acto evolutivo mas pela relação directa com Deus. A simbologia cria uma ligação com a realidade da vida do homem e de toda a natureza. Ela abre um novo mundo em que é possível a existência do homem livre e libertador, salvador. O homem é libertado das suas relações ambientais, do ter, da família e das autoridades. Surge uma nova consciência humana, para lá das morais. Na sua saudade vital ele participa da redenção e continua-a; realiza o que em Cristo se pode ver já na antecipação, no processo histórico do desenvolvimento.
Na incarnação a esfera divina interpenetra-se com a esfera humana, com Maria, a mãe terra, sem intervenção natural. Na realidade natalícia o céu e a terra manifestam-se assim numa relação bipolar, sem antagonismos. (O antagonismo e a dialéctica pertencem ao mundo da realidade superficialmente perceptível, à fenomenologia). Com a incarnação a divindade materializa-se em Jesus e espiritualiza-se pela ressurreição no Cristo, unificando-se em Jesus Cristo o protótipo da realidade, o protótipo do ser humano, da relação bipolar humano – divina. Neste processo a abertura é o pressuposto do acto criador e da maternidade. A maternidade torna-se também ela o processo gerador contínuo da nova realidade, uma relação bipolar mãe – filho, matéria – espírito.
Há uma correlação entre o nascimento na gruta e o parto virginal. A terra e a mãe dão à luz… Com o Natal irrompe no tempo a criatividade e a inspiração.
Somos terra, terra a tornar-nos mãe. Neste processo acontece natal… dá-se à luz: para isso não é preciso ser-se religioso nem ateu, é-se Homem.
Não se trata aqui de cair num espiritualismo ingénuo dado que a componente terra está bem presente na simbologia da cruz. O lugar do ser humano não é o da fantasia mas o da história com as suas realidades. Este pressupõe porém uma nova consciência, um novo modo de pensar, sentir e agir. Tudo em correlação dum diálogo recíproco do mundo da experiência humana. Esta é a mensagem a ser compreendida por religião, política, economia e sociedade. Doutro modo continuaremos a viver e a agir na pré-história do espírito – matéria.
A realidade do Natal com a sua simbologia vem dar luz sobre as ambivalências da vida e abrir-lhes novas perspectivas a nível social, religioso, político e pessoal. Trata-se portanto de, nos nossos actos paternais, maternais, filiais (fraternais, maritais e humanos), concretizarmos o humano – divino, de presencializarmos o Natal (a incarnação).

António da Cunha Duarte Justo
In “ Pegadas do Tempo”

(1) Desejo notar aqui, para aqueles que sigam mais o pensar linear, o pensar lógico, que há várias maneiras de abordar a realidade e que o pensar lógico é diferente do pensar simbólico, por imagens. De facto há uma correlação entra a verdade mítica e a verdade histórica. A histórica é apenas a leitura perspectivista espacio-temporal da realidade enquanto que a simbólica mítica é aperspectivista, integral, englobando também a primeira, sendo pluridimensional. A realidade mítica inclui também a realidade natural e histórica. Trata-se duma interpretação integral coração – razão e não apenas duma interpretação lógica, mental. Coração e razão unem-se na tentativa de percepção da Realidade.

António da Cunha Duarte Justo

Ousar o futuro

Porque não tentar tornar-nos num clube contra a entropia?
Este espaço, poderia ser encarado como uma plataforma de discussão das próprias ideias, dos próprios projectos no sentido duma sinergia de esforços na descoberta duma nova realidade e duma nova praxis. Seria pressuposto partirmos duma consciência comum de servidores do espírito, trabalhando no desenvolvimento duma nova consciência ao serviço da humanidade e da natureza, numa tentativa de desinfecção da nossa civilização e do nosso dia a dia. Em missão nobre aceitaríamos o erro como parte da realidade humana, diria mesmo, como parte da verdade. (1)
Tratar-se-ia duma tentativa de escrever e actuar que não se fixe no velho paradigma dualista subjacente ao pensar corrente e ao modo actual de organizar a vida. Tratar-se-ia duma nova maneira de organizar a vida coerentemente no sentido de se criar uma sintonia e interferência integrativa do pensar, sentir e agir. Na minha maneira de dizer poderia resumir-se em passar do existir (pensar, sentir actuar) actuar binário para o trinitário. Parte-se duma forma da realidade em que os extremos se unem e em que, analogicamente ao fenómeno da electricidade, dos pólos positivo e negativo surge uma nova expressão da realidade que é a luz. Iniciar-se-ia o caminho da descoberta duma nova maneira de pensar-sentir-agir consentâneo. Tentar-se-ia descobrir o fundamento trinitário da Realidade que constitui como que a grelha base das grandes culturas e criar uma consciência, uma mundivisao de cunho místico-simbólico (2).
Pomo-nos nas pegadas do desenvolvimento qualitativo, dum novo grau, de uma categoria superior que transcende a categoria do pensar dicotómico espírito-matéria, bem-mal.
Para isso será necessário o exercício do pensar místico (meditativo-simbólico) como pressuposto para uma nova forma de estar no mundo. Vale a pena seguir todas as iniciativas que procuram tentar um irromper o futuro. Para isso teremos de renascer para podermos mudar todas as craveiras, os critérios ou normas com que costumamos medir a realidade e pautar o nosso agir.
Ousemos tornar o futuro presente, ousemos, no respeito e ligação ao passado, quebrar as correntes que a ele nos amarram. Ousemos a liberdade na vivência duma nova ética.
Aqui dar-se-ia expressão às forças da nova consciência que aqui e acolá se torna visível mas apenas a nível individual.
O mundo encontra-se incendiado vendo-se por todo o lado as chamas da dialéctica. Só uma nova forma de estar, uma nova consciência conseguirá interferir e mudar o curso da história. Na nova consciência, nesta nova apreensão da realidade a dualidade dissolve-se, resolve-se na trindade. Aqui o sujeito já não se encontra em contradição com o objecto. Estes realizam-se na Realidade trinitária integral, no espírito que é comum às partes aparentemente isoladas ou contraditórias.
O mundo está doente connosco. Porém da febre que nos abafa poderá ressurgir um novo espírito, uma nova geração.
Vale a pena descobrir a realidade tentando ver o que está por trás dela. O homo faber o homo politicus e o homo religiosus não têm sabido dar resposta às aspirações da humanidade limitando-se apenas de forma diversificada a repetir de época para época, a cadeia do mesmo modelo, da exploração do Homem pelo Homem, numa dinâmica do divide et impera. Uma pequena parte da humanidade já se começa a dar conta do ciclo vicioso em que tem vivido e do labirinto em que se meteu. Por isso não poderá continuar por muito tempo a ser vítima e criar vítimas dando continuidade à cadeia de reacções em que se tem vivido até hoje.
Para já trata-se de criar uma nova consciência e não de criar um mundo perfeito. No novo estado tudo é processo dinâmico, tudo é relação, tal como a realidade dos três num só. Aí já não teremos de procurar o bem ou o mal lá fora, no outro, porque estes são apenas momentos materializados duma realidade única que é processo. Então poderemos dar oportunidade a um novo mundo a ser gerado e dado à luz. Para continuar no simbólico, nós já temos o exemplo do cúmulo da criação, da consumação do mundo e do passado e da concretização do futuro a priori e a posteriori em Jesus Cristo; não no da religião mas no da vida, no do cristianismo. O elemento religioso é apenas um aspecto duma realidade aperspectiva. Jesus Cristo é o resumo da revelação, do Homem e da história.
Não se trata aqui da construção dum mundo melhor mas dum mundo diferente, a caminho da verdade. Para isso torna-se importante a descoberta do gene divina no próprio íntimo, no íntimo de toda a realidade e então surgirá o fogo do espírito que arde no coração e nos levará a um olhar e ver diferentes. Da dor do parto sai a vida, surge a luz. E nós tornados então filhos da luz conseguiremos passar do deserto para a terra prometida.
Trata-se de colocar a dialéctica, a tese e antítese, numa unidade dinâmica criadora também superadora da dicotomia dos pólos Yin e Yang no sentido duma realidade tripessoal.
É superar o pensar paradoxal ou polarizador das disciplinas e das ciências para as integrar numa relação interdisciplinar na consciência que ao fixar-se o objecto de observação sobre um pólo se corre o perigo de perder ou negar o outro. No reconhecimento da dicotomia fenomenológica do ser humano, trata-se de descobrir que a variedade das cores do arco-íris se reduzem a uma cor só e embora a sua essência esteja na união, essa união só se torna fenomenologicamente perceptível na expressa da sua multiplicidade.
As feições divinas e eternas tornam-se visíveis nas formas e aparências da matéria; no âmago do nosso ser, do universo torna-se visível o espírito do todo. O que se apercebe a uma visão superficial como antagónico, como independente revela-se aqui como uma realidade única da qual surge a personificação das relações processuais entre “ser” e estar.
António Justo
Teólogo
In “ Pegadas do Tempo”

(1) Peço desde já desculpa, em relacao a este e a outros textos do passado ou do futuro por erros e muitas imperfeições que provenham directamente da minha pessoa ou que sejam devidas ao facto de escrever tudo à pressa sem tempo para rever ou repensar o que escrevo.
(2) Aqueles que seguem mais o pensar racional dialéctico, baseado nas várias materializações da realidade, da história e das filosofias como dados estáticos existentes por si mesmos, estão convidados a não se chatearem logo à partida e tentarem conceder aos interlocutores um bónus quer de erro quer de verdade na procura duma visão mística e simbólica da realidade e dos acontecimentos naturais e históricos.

António da Cunha Duarte Justo