Falta um novo “25 de Abril”

Democracia de Base versus Democracia de Mordomias

O povo cada vez tem de cavar mais coutos para poder manter um só novo-rico. Por esta e por outras se vai ouvindo, com veemência, por todo o lado, que falta um novo “25 de Abril”. Isto é um desabafo de impotência e desilusão dum povo que se sente encurralado!

 

Vasco Lourenço, líder da A25A, que, há 38 anos, foi um dos grandes actores da Revolução dos Cravos, disse ontem, no discurso do Rossio em Lisboa, que tanto  responsáveis políticos como Assembleia da República  “já não representam a sociedade portuguesa” e que já não estão “à altura das funções para que foram escolhidos”.  Acusa as elites portuguesas de actuarem “à porta fechada, escamoteando a realidade aos portugueses”.


Este é um depoimento importante que merecia ser analisado fora do discurso politiqueiro enquadrado no dia-a-dia português; é um verdadeiro ataque à partidocracia portuguesa que, de facto, desde a sua origem, nunca se manteve à altura do legado de Portugal nem dos interesses do Povo português. Consequentemente haveria que questionar a Constituição que privilegia os partidos e elaborar um novo sistema de representatividade.
Desde as invasões francesas a alma portuguesa encontra-se empalamada.

É um escândalo ver como suportamos parlamentos demasiado numerosos em países pequenos e como alimentamos eurodeputados insaciáveis. O mau exemplo vem das elites.

A “realidade” de políticos e da propaganda partidária não tem nada a ver com a realidade do povo. Os vencimentos de personalidades políticas e de administradores de empresas públicas e privadas são a melhor prova de que o sistema falhou e se encontra ao serviço de alguns!
As organizações partidárias portuguesas encontram-se eivadas dum espírito mafioso engravatado e culto que não dá nas vistas. Em vez da preocupação pelo povo domina o interesse pela progressão na hierarquia partidária, por vezes sem quaisquer escrúpulos. A sociedade portuguesa foi habituada e alimentada com o discurso político à custa do discurso cultural, social e económico.

A situação económica em que nos encontramos é consequência da crise cultural e moral que criámos.  É urgente que políticos e elites, em geral, se convertam por atitude de inteligência ou mesmo oportunista. Se não se converterem à honra e  à dignidade humana, o nosso futuro tornar-se-á num inferno. A partidocracia aliada aos poderes subterrâne tem desacreditado a democracia representativa e encontra-se com a colectividade a caminho da ruina.

A alternativa está numa metanóia de elites e de povo. A mudança passará da filosofia da afirmação do eu à custa do tu e do nós para uma ética de afirmação do nós onde o eu e o tu cresçam em dignidade e respeito. O nós passa a ser o ponto de partida e de chegada do nosso pensar e agir. O nós é mais que a soma do eu e do tu.

Realmente torna-se cada vez mais óbvio um novo “25 de Abril” mas não só de cravos vermelhos, no coração de cada um. Já chega de ramos de cravos vermelhos com atilhos pretos. Portugal terá de se tornar num jardim onde crescem todas as flores numa dança de cores.

 

Portugal e a civilização ocidental têm que fazer uma cura. O primeiro tratamento será o de desenvenenar o pensamento!

 

A geração mais nova e em especial as próximas gerações terão razão acrescentada para pedir contas, a nós, os da geração 68, e ao regime.

António da Cunha Duarte Justo

antoniocunhajusto@gmail.com

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25 de Abril – O Despertar duma Ilusão (1)


Geração 68 – Revolução Política e Religiosa

António Justo

A revolução começa no espírito para só depois ganhar expressão política. Já antes do 25 de Abril andávamos todos à procura de bilhetes para a liberdade.

Em 1959, João XXIII responde à ânsia do mundo por inovação e emancipação convidando todo o mundo ao “aggiornamento”, à mudança. Dos USA surgiam rajadas de ventos anunciadores da ânsia de emancipação expressa na música Pop, Rock, Blues, Rolling Stones, Beatles, etc. no movimento hippie e no desejo de emancipação sexual.

O mapa do tempo e dos sentimentos públicos eram determinados pela baixa pressão soviética e pela alta pressão americana. Na altura o mundo encontrava-se todo em ebulição. Sob o cenário da “guerra fria”, proliferavam os cenários das fronteiras ideológicas. As palavras de ordem da altura eram: “Proibido proibir”, “abaixo o Estado”, “seja realista, peça o impossível”, “não confie em ninguém com mais de 30 anos”.

Este clima, além de fomentar ânsias e aspirações, favorecia a constituição de redes revolucionárias desde Moscovo, Cuba, Ásia, América latina, Argélia até à MPL (Movimento Popular de Libertação de Angola), à Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique) e ao Movimento dos Capitães, depois MFA (Movimento da Forças Armadas portuguesas).

O movimento revolucionário servia-se também da arte para conseguir atingir a juventude e a burguesia pós-guerra. Fermentavam a massa social de então como os WikiLeaks, os Piratas, o Facebook , mainstream, a Internet e a ofensiva cultural árabe no Ocidente fermentam a de hoje.

Manifestava-se a reacção a uma jerarquia repressiva adversa a um novo sentimento de vida. Era o espírito proletário contrariador do estilo burguês a afirmar-se; os filhos da segunda grande guerra formam então uma geração contestatária, a geração 68.

Na sua fuga à culpa e aos ressentimentos provocados pela segunda guerra mundial, a nova geração manifesta-se extremamente sensível à paz, à liberdade e a tudo o que lhe é próprio; inicia uma verdadeira revolução de emancipação que envolve todas as camadas sociais e se manifesta no desenvolvimento tecnológico, na revolução sexual, pílula, droga, etc. Arrumam também com Deus pois não querem reconhecer pai nem mãe.

Neste ambiente o mundo fervia, subindo ao céu, por todo o lado, um grito fumarento de libertação contra a intolerância dos outros. O Maio quente de 68 em Paris torna-se o símbolo duma autêntica revolução cultural em marcha (apesar disso, nesse ano foi assassinado Martim Luther King e falhou também a revolução checa a favor dum socialismo humano).

Movimentos jovens de contestação política vão surgindo por todo o lado, enquanto, paralelamente, os activistas iniciavam uma corrida às instituições instalando-se nelas. A ideologização do movimento levou também à criação de movimentos subversivos que viam em Guevara (assassinado em 1967) o símbolo da resistência.

O movimento dos Capitães de Abril catalisa nele as forças revolucionárias de esquerda, então bem organizadas por todo o mundo, e também o desejo emancipatório febril da juventude num tempo de mudança. A nível político, os espertos da ocasião viam no movimento das forças armadas portuguesas o melhor instrumento para transpor para a Europa (Portugal) a realidade cubana. Na altura, a nossa geração queria mudar o mundo, seguindo ingenuamente os “sinais dos tempos „ propagados e apostando no “efeito borboleta” das pequenas iniciativas. Nesta atmosfera é de compreender os erros cometidos pelos homens de Abril na esperança dum lugar ao sol e o envolvimento do povo desejoso duma sociedade mais livre e justa.

Ventos frescos nos Corações e nas Instituições

(Um testemunho pessoal)

Na altura (66-71) encontrava-me no seminário de Manique do Estoril onde, Hippies, Beatles, Concílio Vaticano II (1) e personalidades pacíficas faziam florir, também nos seus pátios, as melhores rosas e os melhores cravos de esperanças virgens de liberdade e irmandade com todo o mundo. Era o tempo da teologia da libertação, das comunidades de vida,  de novas ideias e iniciativas, a era duma nova educação, a germinar por todo o lado. Era um tempo jovem!

Lembro-me de, então, organizar no seminário de Manique do Estoril cursos de alfabetização para pessoas adultas da região e, nesses cursos, seguir devotamente o método de Paulo Freire. No ar havia uma simpatia pela revolução cultural de Mao Tsé-Tung e por tudo que cheirasse a inovação (Não se imaginava que ele seria um dos maiores ditadores e aniquiladores de povo). Fiquei com a ideia de que Portugal não era tão hermético como se cria, quando em 1969 mandei vir da China “O Livro Vermelho” de Mao, tendo tido a precaução de, ao encomendá-lo, escrever apenas como remetente: Justo, Instituto, Manique do Estoril. Cerca de um ano depois recebi da China vários exemplares com o meu nome e o endereço completos. Então, fiquei estupefacto com o caso.

O processo revolucionário da geração 68 pensava-o então, numa perspectiva conciliar de religioso, como a continuação genuína da grande revolução iniciada por Cristo (JC) com a diferença que o JC não pretendia como o nazismo, o socialismo, o turbo-capitalismo e o maometanismo impor uma forma de vida à humanidade. O que observava lá fora via-o como consequência do espírito revolucionário pelo bem e pelo bem-comum que se encontrava dentro dos muros do seminário. Este espírito, aliado a um espírito de amor e justiça, impregnava a nossa contestação interna que se expressava em iniciativas teatrais como o “Bom Humor”, o “Festival da Canção” e os “Telejornais”. Na altura rebelavamo-nos contra hábitos e autoridades eclesiásticas legalistas e contra hábitos como a vestidura da batina em iniciativas e teatros engendrados pelo nosso “Grupo do Bom Humor”. O grupo actuava em festas da comunidade e noutras ocasiões com teatros, festivais da cancão, telejornais em que a vida do seminário, acontecimentos, atitudes, superiores e personalidades eram passados a pente fino pela crítica humoral.

A título de exemplo: Numa festa pública de vestidura da batina, em Manique do Estoril, onde estavam presentes, também, os familiares dos seminaristas que iam receber a batina, o “Grupo do Bom Humor” actuou e na peça teatral ridicularizou tal acto, o que provocou o desconsolo e a reacção da ordem estabelecida. Esta tinha confiado no “bom senso” do “Bom Humor” para abrilhantar a festa. Depois do espectáculo, o director do Instituto chamou a contas o Padre Conselheiro, que era o ponto de ligação institucional com o “Grupo do Bom Humor”. O sacerdote lá se desenfiou como pôde perante o Reitor e tomou a iniciativa de chamar o grupo a contas. Interessado em descobrir quem era o responsável do grupo e para poder estatuir um castigo exemplar, chamou a si, um a um, cada membro do grupo. Mas, como no grupo eram todos por um e um por todos, cada qual declarou ser o responsável do grupo. Deste modo foi conseguido, com humor e responsabilidade, estoirar com um princípio de toda a autoridade institucional que é: castigar um por todo o rebanho, para que o medo açaime a manada. Assim o superior não pôde castigar nem o grupo nem ninguém. A solidariedade dum grupo arrasa montanhas. Uma instituição que conseguira acordar o sentido da rebeldia bem canalizada e mantida dentro duma ordem conformista, sente-se agora impotente perante o espírito da responsabilidade que ela mesma propagava. O espírito de liberdade e de respeito pela pessoa, transmitido à imagem da pessoa do protótipo JC era o mesmo que questionava as incrustações de regras, autoridades e instituições. A liberdade da experiência do JC dava-nos força e legitimidade para toda a contestação. Era uma contestação vinda de dentro, não de fora. Perante o JC encontrávamo-nos, superiores e subordinados na mesma plataforma do Seu seguimento. Este espírito, ajudado pelos novos ares davam-nos força para quebrar com as correntes do hábito e de obediências cegas a que grande parte dos superiores se encostava regaladamente.

Os mesmos ventos da mudança eram comuns dentro e fora dos muros, embora com diferentes motivos e objectivos. Pessoalmente, mais tarde saltei o muro e na procura de mais liberdade e menos teias de aranha ingressei em partidos diferentes de Portugal e da Alemanha. Uma coisa constatei, o espírito de rebanho e de manada é muitíssimo maior nas instituições seculares do que nas religiosas. Dentro dos muros dos conventos há mais liberdade que fora deles, porque nos conventos, apesar de tudo a pessoa é rei. Quem liberta o espírito e vive dele não conhece o medo da autoridade nem o cálculo da oportunidade!

Os oportunistas da Revolução

Veio depois a enxurrada da “revolução” do 25 de Abril e nela entra a arraia-miúda e a arraia graúda, numa viagem paradisíaca, não atenta ao destino nem aos motivos da viagem. Era querida uma orientação monocolor e pretendia-se meter a liberdade em uniformes ideológicos.

O autocarro de Abril partiu e o povo continuou na esperança de chegar a melhor. Sentíamo-nos todos passageiros da liberdade, provindos dos mais diferentes meios, mas querendo construir uma sociedade com lugar ao sol para todos. Portugal estava todo inteiro, a caminho da liberdade, a caminho dum viver por viver. Então, na rua, nas estações olhos confidentes se trocavam numa atmosfera que se abria para um futuro risonho de espaços abertos e na sequela dum chamamento de libertação.

Por alguns momentos fomos um povo unido e especial que atraía grupos das esquerdas dos mais diversos países; Portugal era a Roma do turismo político de esquerda tal como era e continuou Cuba depois.

No horizonte, aqui e acolá, nuvens de estragos se vão acumulando. O espírito que motivava os actores da revolução era apenas político sem contemplar o Homem todo nem Portugal no seu todo. Por isso o que a princípio parecia uma revolução revelou-se, com o tempo, ter sido apenas um golpe de Estado com os benefícios das mudanças que na altura, noutros Estados europeus acontecia na normalidade. O egoísmo de grupos e “personalidades” da nossa praça, sem escrúpulos, vai-se servindo da nação, deixando para o povo o sacrifício da abnegação; mandam os santos para o deserto para se porem a si no nicho da reputação. Os abrilistas ocuparam o céu português e hoje ainda têm o descaramento de desculparem a crise da nação na culpa dos outros. E o mesmo povo continua a ir na fita pensando que a culpa está neste ou naquele quando ela é bem nossa que continuamos a dar paleio aos que encurralaram a esperanças para si. Aquela alegria, aquela esperança e liberdade da rua que se julgava pública, passaram a ser reservadas para os cínicos do poder que ocuparam o lugar que pertencia ao povo no dia-a-dia, na TV e noutros Meios de Comunicação social. Foi um sonho de pouca dura mas que levou o povo inocente e bom a interiorizar uma superficialidade libertina e a abdicar da dignidade, da honra e do respeito que provinham duma ética de cunho responsável.

O povo confiante acorda agora molhado. Também deixou de ser família universal com o coração no mundo e nos povos ultramarinos para se tornar num canto europeu, num povo de dançarinos de alma na rua saltando ao som de interesses anónimos e ao ritmo da mesma cor. Cconstruiu-se uma liberdade que guarda a oportunidade para o mais forte, uma liberdade amarrada a ideologias e a interesses alheios e não uma liberdade de visão integral e responsável do não só mas também!

Organizaram-se então campanhas revolucionárias de libertação e de reeducação do povo. Tudo bem-intencionado e preparado para atrair a inocência de crenças nobres. Para se responder ao desejo de inocência procura destruir-se a vergonha. Organizam-se, até em recônditas aldeias, sessões de desflorações virginais em grupo; quer-se o comunismo, tudo maninho, querem-se as meninas, menos as que têm o dono presente; procede-se à queimada de livros de “fachos”, etc. O que não serve a ideologia de alguns deve queimar-se ou arrumar-se. À hora da direita segue-se a da esquerda e vice-versa. Esta é a liberdade confinada aos que agora querem ter razão, como se também esta não fosse processo e só pertencesse a alguns. Agora assistimos ao instinto da inocência a vingar-se na resignação. (A geração de agora tem de reparar os estragos, tem de granjear-se a honra e o respeito que lhe foi roubado).

A liberdade desencadeada deixa no ar o som de cadeados caídos numa revolução descontrolada de libertinagem bárbara que se satisfaz no andar na vida por ver andar os outros. Não há respeito por si mesmo nem pelos outros. Tudo à própria disposição. Uma liberdade adolescente, irresponsável, que não conhece nada nem ninguém; toda ela em nome duma culpa passada. Egoísmo puro que faz do outro cliente do próprio sentimento. A droga é propagada, desinibe e o sexo ajuda a ideologia. Quem trabalhava e fazia pela vida era designado de “facho”. Professores exigentes eram saneados e organizam-se os exames colectivos. Uma das causas da crise portuguesa de hoje está nesse espírito leviano de então que levou os estudantes formados, com as notas do grupo, a ocupar os lugares de responsabilidade das nossas administrações.

Uma revolução que prometia tanto, com tão boa música e fanfarra que abria as portas ao progresso desembocou no beco sem saída duma gula de marcha limitada a ritmos de esquerda direita; meteu assim a terceira república nos caminhos da bancarrota, tal como aconteceu na primeira. Heróis da revolução, que o povo ainda canta, vivem com ordenados mastodônticos e injuriosos, como nunca na História houve, enquanto muito do povo vegeta com ordenados de miséria que não dão para viver nem para morrer. Tudo acontece  e se legitima à sombra duma democracia que querem prostituta.

Partidos, sindicatos, grupos organizados, etc. instalam-se no aparelho do Estado. Numa guerrilha ímpar de aumentar o próprio lucro e “honra” agregam-se à volta do estado como chulos à volta do bordel. Por todo o lado se encontram guardiões da revolução, cães de guarda duma liberdade oferecida não conquistada mas em benefício de adeptos e adversários. Privilegiados da revolução agarram-se todos ao vermelho da ideologia ou da parceria perdendo o sentido pela riqueza das cores.

A consciência da liberdade partidária negligencia a liberdade pessoal e a descoberta da força das próprias possibilidades. Um na ilusão á espera de Gudot, outros na letargia virados para D. Sebastião; tudo se alinha nas ordens de marcha de grupos e de organizações secretas enlaçadas em coutadas de compadrio e na burocracia. Compra-se o indivíduo para se afirmar a jerarquia.

A caminhada para o futuro viu reduzido o seu horizonte ao 10 de Dezembro de 1910 e aos resquícios liberais napoleónicos. Um tradicionalismo obediente e a fé nas razões do poder não conseguiram quebrar o bolor dum liberalismo mafioso e dum republicanismo ultrapassado, guardados na nação a sete chaves em gavetas intelectuais seguidoras dos excessos do Marquês de Pombal. A visão ideológica impede o olhar pessoal e regional. Nas pistas dum futuro em liberdade esbarramos connosco, repetiindo os erros da 1. República.

No comboio da história, numa alternância de cor, continuam os mesmos lugares reservados para os da nova oportunidade; o povo continua em bicha e sempre à chuva, sempre à espera nas estações, sempre na ânsia dum comboio com carruagens para ele. Esperar na desesperança é a sua condição independentemente da cor da governação. Para se entrar no comboio dos donos da razão e do arrazoar, é preciso um compartimento, um vagão do partido, do sindicato, do compadre, do mação. A História, sem heróis, deixa-se conduzir pela banalidade do quotidiano e afasta-se cada vez mais da arraia-miúda. Esta, por sua vez, revela-se massa, sem consciência, sempre à espera dum revisor que lhe cobre o bilhete. Uma elite à trela dum Estado dominado pela insuficiência partidária e grupal não gera civis livres nem sequer heróis. Produz acomodados e mercenários, gera políticos da capitulação a ideologias e à subserviência boçal, não tolera heróis nem homens bons. Um povo unido tornou-se num povo humilde sempre vencido. Povo, sempre ao toque de caixa dos oportunos e que então aplaudia e agora lamenta.

(1) O Concílio Vaticano II foi anunciado pelo Papa João XXIII a 25.01.1959, iniciado em 1962 e concluído em 1965. Com este encontro global queria-se renovar as estruturas encrustadas e fazer-se um agiornamento de ideias e práticas em todo o mundo. Por todo o mundo se organizaram iniciativas de mudança que as igrejas nacionais através dos padres conciliares levariam a Roma. O movimento de 68 foi uma versão de estilo secular a uma revolução que o Concílio iniciara antes no sentido espiritual da renovação do Homem todo, no sentido de metanoia de corações e instituições, no sentido de o “Homem” se tornar Homem.

António da Cunha Duarte Justo

antoniocunhajusto@gmail.com

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Investigação sobre Imoralidade na Riqueza


A Honra do Rico é a sua Toalha

António Justo

Ricos mentem mais e têm menos consideração por outros, ensina o preconceito e confirma uma investigação.

Segundo uma investigação levada a efeito nos USA a riqueza atrai a violação da lei.

Nos USA condutores com carros de prestígio são considerados como impiedosos e atrevidos. Um estudo feito veio comprovar que isso corresponde à realidade. Pessoas ricas em autos ricos transgridem mais as leis do que pessoas com carros médios ou pequenos. Os cientistas da Universidade da Califórnia (Berkeley/US-Staat K.) chegaram também à conclusão que membros da camada social superior mentem mais que membros da camada social inferior. A ganância, para os mais ricos testados, não constituía, duma maneira geral, problema moral. Nas elites é prevalente a concretização dos próprios interesses. Naturalmente que não se pode generalizar porque também nas camadas superiores há muito boa gente que se orienta por fins superiores.

Ricos não têm consideração por muitas regras porque sabem que não sofrem as consequências directamente no pelo, porque partem do princípio que o dinheiro pode comprar quase tudo. O preconceito de que os ricos não tomam a sério a moral é apoiado por esta investigação. Não é fácil manter o equilíbrio entre os próprios interesses e os da comunidade.

Na nossa sociedade contorna-se a moral com muita facilidade. A usura praticada por especuladores da Bolsa (ordenados de banqueiros, de futebolistas e de muitos parasitas de empresas, Estado e instituições), fazendo o seu negócio com a insolvência de firmas e Estados à custa dos trabalhadores e dos cidadãos brada aos céus.

Não se trata de condenar quem é rico mas de lembrar que riqueza implica sempre uma componente e um dever social. Se mandássemos fazer uma investigação sobre a proporção de pessoas do crime registado, certamente que as encontraríamos muito mais nas camadas baixas. Isto apenas revela a mobilizaç1bo da agressividade latente em cada pessoal desde que se encontre em determinada situação.

Com investigações poder-se-iam fomentar ainda mais preconceitos dado a virtude e o mal espreitam em cada humano. Há muita gente rica com consciência social. O problema está mais nos super-ricos, que afirmam o seu negócio com agressividade tal como acontece na condução na estrada. A honra do rico é a sua toalha mas o pobre não deve ser privado duma toalha honrada a que se possa limpar.

Riqueza um Perigo ameaçador de Estados

Muitas vezes não se nota nos pequenos a sua corruptibilidade porque se limitam a pouca. A corrupção dos ricos usa uma medida e a dos pobres usa uma outra.

O que se possui deve provir, duma maneira geral, do próprio trabalho.

O Estado deveria intervir regulando a usura escandalosa. Quem ganha mais de 25 vezes do que o salário mínimo deveria ser condicionado a empregar o excedente em instituições de caracter cultural e social. Cada pessoa quer ser orgulhosa por algo, o que é legítimo. Uma igualdade de cemitério seria catastrófica como se demonstrou nos estados socialistas; uma desigualdade vistosa e imoral, como se observa no turbo-capitalismo destrói qualquer ética de coesão social.

A sociedade em que vivemos, atendendo à sua insegurança, não favorece o desprendimento. Por isso muito boa gente se vê obrigada a precaver-se do futuro, acumulando riqueza para si e para os filhos. Uma sociedade cada vez mais contra instituições morais, cada vez mais egoísta aposta na diferenciação exagerada. Disto sofre a humanidade.

Necessita-se uma cultura da dignificação da honra no oferecer. Uma maneira gratificante no oferecer seria ajudar directamente pessoas necessitadas ou prestar ajuda através de ordens e congregações onde vivem pessoas (sem ordenado material) que entregam a sua vida ao serviço do próximo sem olhar a quem.

O mérito social, a virtude, o cultivo do bem e do belo terão de ser tomados a sério pela sociedade, doutro modo, a riqueza de alguns torna-se num perigo público.

António da Cunha Duarte Justo

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Sentido duma “Vida sem Sentido”

Tudo funciona em Termos de Fim

António Justo

Nietzsche dizia „quem tem um porquê para viver, suporta quase cada como”. O problema está para quem não tem porquê nem como. Sim, até porque a vida é mestra e a História obriga.

Na luta da vida, uns ganham, outros perdem e outros nascem perdidos. De premeio fica a perspectiva individual, numa atmosfera social mais ou menos intoxicada, diria eu.

Nos primórdios da humanidade, os nossos antepassados caçadores-colectores esfalfavam-se em manada atrás da caça e da fruta. Levavam uma vida nómada e na luta pela subsistência viam-se obrigados a viver na manada.

Na sequência dos hábitos ancestrais de caçadores-colectores, pratica-se também hoje a caça e a colecta nos centros comerciais (“Shoppings”). Escarmentados das fadigas invernais sentimos cada vez mais o prazer no ter do que no ser. Surge o prestígio e este baseia-se já não na necessidade directa mas na ideia (necessidade construída). A satisfação e o prestígio de ter passam a impor-se ao do ser. A massa já não segue em direcção à caça, mas o sentido da ideia dela.

As pessoas perdem a individualidade pensando e vivendo cada vez mais em termos de manada. Do tédio da monotonia redil surge a necessidade de se diferenciar numa corrida ao prestígio baseado na ideia do sucesso económico. A animalidade individual, agora encarcerada numa cultura domesticadora procura os seus tubos de escape numa ideia de distinção e de liberdade apregoada pelo mercado. Os pobres de cima e os pobres de baixo, tudo em fuga, vivem da futilidade dum ter mais que o outro e duma distinção que se revela no poder de compra. Cada um quer levar o mundo às costas, querem tudo na sua mochila. Na luta contra o caos afirmam-se as forças da animalidade violenta de uns contra os outros. De momento, grande parte das elites financeiras manifesta-se como extremista e sem um conceito ordenado de sociedade. A brutalidade de oligarquias torna-se exemplar para as bases que a sustêm levando-as primeiramente à desorientação e depois à anarquia.

Uma sociedade que não canalize a brutalidade dos seus membros está irremediavelmente perdida. Para o poder necessitará de ideais e metas metafísicas. As estruturas precisarão de homens bons e a contrabalançar os seguidores da oportunidade. Doutro modo, sob o impulso de canalizar a animalidade, continuarão a esconder-se, por trás dos bastidores, os interesses individualistas, nacionalistas e ideológicos. Estes só querem indivíduos e não pessoas, querem apenas clientes e crentes. Neste sistema, quem não pertencente ao rebanho, não orienta a inteligência em benefício próprio. Uma sociedade sem consciência pessoal e comunitária transcendente e que engendra para cada qual um deus indiferente que tudo permite deixa a bestialidade humana governar.

A natureza, para não estagnar, não quer harmonia. Ela tem, além dum sentido imediato, um sentido telelógico, virado para uma meta, um objectivo sempre mais distante do que a mira da nossa caçadeira alcança. Quem não descobrir essa meta será condenado, como Sísifo a empurrar repetidamente uma pedra (a sua vida) até ao lugar mais alto da montanha para a ver rolar de novo para o fundo dela.

Depois de cada caçada, de cada compra, de cada vitória fica a depressão do desconsolo duma caçadeira descarregada, de vida vazia. Resta a sensação de um caçador cansado, a subir a encosta, à semelhança de Sísifo no mito.

Sísifo quer-nos alertar para uma vida digna de viver e para a necessidade de intervir no destino. Primeiro procura-se o que dá alegria: um trabalho, uma casa, uma criança; depois vem a insatisfação, da falta duma tarefa, da falta de realização.

No caso de desemprego inutilizam-se as próprias capacidades e conhecimentos. Pior ainda; a sociedade só exige e não louva, o que diminui a satisfação. O horizonte reduz-se, cada vez mais, ao panorama dos próprios problemas. Por fim o cenário pode reduzir-se a si mesmo. Sem a perspectiva do outro não haverá realização.

Uma existência sem metas é vida desperdiçada e perdida

Uma vida sem metas é como um carro com motor em ponto morto, só gasta e desgasta ou anda à roda como os carrinhos eléctricos das feiras.

Desde a natureza à lógica e ao sentimento, tudo funciona em termos de fim. O ciclo da trajectória duma semente não é terminar nela; contra isto fala a evolução e a ânsia de sentido no mais profundo de cada coração. O sentido encontra-se não só em nós, no todo mas também fora dele. Tudo se encontra a caminho, a natureza inteira, cada povo e cada pessoa. O seu ser não se reduz ao caminho como apregoam os barateiros do mercado.

Sentido é algo subjectivo mas um consolo apenas subjectivista (individualista) encerraria o ser num labirinto. O sentido experimenta-se na relação entre o eu e o nós, numa relação de diálogo binário e trinário dum receber e dar para mais criar. A natureza orienta-nos para o futuro, muito embora o futuro não seja o seu fim.

É verdade que o sol nasce todos os dias. Ele parece resumir o sentido que a semente sente numa continuidade repetitiva a caminho dum chamamento imanente e transcendente. Aquele chamamento vem dum fora dentro a que o próprio Sol obedece no reconhecimento dum sentido maior.

A vida individual, familiar, social e nacional ocidental encontra-se ameaçada pelo facto de não reconhecer algo que a transcenda, não conhecer uma meta mais abrangente que não seja o ciclo das estações do ano. Tudo circula então em torno do próprio umbigo como se cada um fosse o umbigo do mundo. Uma multidão sem necessidade de dar à luz. Um mundo assim concebido já não precisa de heróis nem de santos, acomoda-se ao destino duma rota de exploradores e explorados.

Prometeu, protótipo do homem grego, foi herói ao conseguir roubar o fogo dos deuses para o dar ao humano. Este, ao desistir do fogo dos deuses será reduzido à condição de prisioneiro e acorrentado à própria arrogância e entregue, pelos deuses, à voragem das águias que se alimentarão do seu fígado. Ao acomodar-se à fuga do medo não chega a experimentar a satisfação de que a rebeldia por fim lhe trará consolação.

Equivoca-se a política ao reduzir a vida pública a uma mera luta de interesses entre grupos. Erra a psicologia que se fixa no ego, encurtando o horizonte da pessoa a ela mesma e a vida a uma mera estratégia de sobrevivência individual, dando receitas que não passam de anestesiantes para um ego que sofre de miopia. Por isso, a sociedade, cada vez produz mais doentes e a frustração individual está cada vez mais patente.

Geralmente procura-se a solução para os problemas onde ela não pode estar. Coloca-se a bola da vida nas mãos dos donos de matraquilhos ignorando que eles, consciente ou inconsciente, pretendem levar a bola ao seu buraco. Uns e outros parecem adiar a vida em trips de egos. Por falta de panorama limitam-se a ajudar Sísifo a subir a montanha para de novo cair a seus pés. Uma solução que se contenta com a satisfação do eu, só em si, não satisfaz porque empobrece a pessoa, reduzindo-a à condição de Sísifo. A concentração no ego possibilita a masturbação mas não a criatividade, realiza-se à margem da evolução.

No mercado da praça pública encontramos muitos profetas do ego. Até parecem que têm a vida para dar ao oferecerem mais sexo, mais droga, mais liberdade, como se fossem os donos disto. Eles fixam o bem-estar a um hedonismo que reduz a felicidade ao acto de striptees, ao acto do momento, como se o dia não tivesse um nascer e um pôr-do-sol, como se o dia completo não contivesse também a noite. Para que a realidade da noite não seja consciencializada têm como solução a bebedeira. Muita da psicoterapia, dos curandeiros, dos espíritas e muito outra boa gente só ajudam as pessoas a adiar a vida, sempre à cata dum raio de sol fútil. O pior é que ainda pagam para isso!… Uma vida com sentido é entrega, é oferecer consciente que no dar se entra em comunicação com o outro e nele com o próprio profundo. Doutro modo, o sentido duma vida sem sentido será alimentar os parasitas da vida. Uns como outros correm o perigo de se encontram virados apenas para si reduzindo o seu sentido ao alimentar dos vermes do cemitério. Naturalmente que a paciência do verde da roseira se premeia nas rosas da roseira também na vida humana não haverá alegria sem sofrer.

A felicidade dá-se no nós, na relação; o eu encontra, ao mesmo tempo, o seu limite e a sua complementação no outro. A sociedade ocidental estressou a pessoa reduzindo-a a indivíduo à disposição do seu mercado: Reduz a praça social a grupos de vendedores concorrentes entre si sem um sentido individual nem colectivo. Para isso quer uma sociedade aberta sem biótopos, quer apenas indivíduos indefesos estando, por isso, interessada em destruir a pessoa (a pessoa, ao contrário do indivíduo, encontra-se embutida numa paisagem, numa região, num país, numa cultura, numa família; a ideologia, pelo contrário só conhece uma cor, as cores do arco-íris de que a pessoa seria portadora constituiria um impedimento a qualquer ideologia seja ela económica ou do pensamento). Por isso se vê cada vez mais a afirmação da ideologia do indivíduo contra a pessoa. O turbo-capitalismo, o socialismo materialista e os déspotas querem indivíduos despojados de ideias próprias, despojados de família e de nação.  Uma sociedade como a nossa, já a caminho do pôr-do-sol, infecta outras sociedades emergentes e ensombra a vida com valores já não de esperança mas de desilusão. Privilegia a força da entropia só tendo em conta o ego, sem a consciência de que este faz parte dum biótopo cultural empenhado na construção dum ecossistema espiritual universal.

O horizonte do nosso ego encontra-se numa relação complementar à intimidade do nós. Somos o cruzamento duma panorâmica com vários horizontes, todos eles enquadrados na nossa pessoa e a serem considerados no trilho da sociedade. Como o Sol tem uma missão em relação à Terra assim o humano tem uma missão de seguir e criar sentido. Quem cria e dá sentido sente sentido na vida, realizando-se e expandindo-se na alegria dos raios sociais que irradia. Então as sombras da vida já não adoentam, passam a ser canais por onde passa a luz, por onde passa a vida. Daí surge a satisfação de tornar a humanidade e o mundo num lugar digno, onde a vida é equacionada e mantida sob o ponto de vista da pessoa, do universo e do divino.

A futilidade dum viver numa democracia de cidadãos vencedores e perdedores, de realização individual, sem uma órbitra que transcenda o eu, só poderá conduzir à frustração do cidadão que constata nas órbitras das instituições do Estado e da humanidade a repetição da própria órbitra egocêntrica, apenas um pouco mais alargada.

Falta a consciência duma órbitra universal cujo trajecto se origina no nós e tende para o nós numa dinâmica complementar. Uma teoria e uma praxis na perspectiva do nós (comunidade e não mera sociedade) interromperia a continuidade histórica de exploração (a relação de caçador e presa) para, na História da humanidade, se introduzir a sustentabilidade do seu desenvolvimento. Isto para não reduzirmos o trajecto histórico a um movimento rotativo de explorados e exploradores.

Doutro modo a nossa vida dará sustentabilidade à reiteração da exploração e da lamentação, continuando a História ordenada em dois acampamentos: dum lado os mais solidários, do outro os mais egoístas, os privilegiados.

Marx pensava poder mudar a humanidade e a natureza humana, se se acabasse com a propriedade privada. O seu erro foi querer reduzir tudo ao ciclo da matéria e querer sacrificar as diferentes esperanças da humanidade à sua esperança, não contando que a realidade consta de erros complementares que possibilitam o alívio do mal. Há muitos caminhos na tentativa de superar o mal e de melhorar a sociedade. Será tarefa de todos fazer desembocar o seu caminho na comunidade e no respeito da diferença. Uma só solução é engano. Até hoje, as revoluções criam novas classes dominantes que se legitimam com novas ideias impostas ao povo e aos vencidos. A ilusão voa mas o sofrimento provocado pelo ser humano é continuado sob o sol de novas explicações e dominações.

A tarefa apontará no sentido de se agir a partir do ponto de vista do nós. Para isso ajuda um princípio duma ética universal digna: não faças ao outro o que não queres que te façam a ti. A ética superior das bem-aventuranças poderá ficar para uma segunda fase da evolução da humanidade. Por enquanto continuamos a ser crianças contentando-nos com o jogo das escondidas.

Cada sistema de valores corresponde a um ecossistema cultural aferido à geografia, às necessidades e desejos de cada biótopo. Destruí-los em nome doutras grandezas seria crime. Há que disponibilizar o sol para todos. A óptica divina apela à consciência duma perspectiva universal num mundo a ter de se recriar: um mundo de todos para todos.

António da Cunha Duarte Justo

antoniocunhajusto@googlemail.com

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ACORDO ORTOGRÁFICO SEGUE A VIA POPULAR

Um acordo de empobrecimento da língua e de interesses geoestratégicos

António Justo

O assunto não é fácil, atendendo às diferentes grafias (europeia, brasileira e africana) e aos interesses políticos, económicos e culturais a elas subjacentes. O Acordo ortográfico vem beneficiar a grafia brasileira em relação à grafia luso-africana da língua portuguesa. Na sua forma possibilita assim uma maior concorrência, salvaguardando sobretudo interesses geopolíticos e económicos do Brasil.

 

O maior problema na génese e no processo do acordo, encontra-se, a meu ver, num espírito simplicista e vulgar, em via desde há décadas, na política cultural ocidental.

 

O maior problema manifesta-se na acentuação e na supressão das chamadas consoantes “mudas”, acabando-se assim com uma diferenciação etimológica insubstituível para a boa compreensão das palavras.

Para se perceber um pouco o fundamento dos que questionam o acordo e para se ter uma ideia da riqueza da exactidão das palavras, apresento a etimologia das diferentes palavras portuguesas: facto, fato, fado e feito. As palavras portuguesas facto e feito vêm da palavra latina factu (do verbo facere=fazer); a palavra portuguesa fado vem da palavra latina latim fatu. A palavra portuguesa fato (roupa exterior do homem) virá do germânico fat. A palavra facto (realidade, verdade) é usada em todos os países lusófonos excepto no brasil que usa a palavra fato para designar facto e fato. Deu-se assim um empobrecimento da língua muito embora em benefício do povo com menos formação. (Apresento no final do artigo o exemplo de palavras provenientes do mesmo étimo latino para melhor se compreender a presença dum c ou dum p mudo na palavra, que levam à pronunciação aberta da vogal precedente). (Infelizmente em muitos dicionários virtuais já se abdica da diferenciação. Forças de interesse e ideologias procuram apagar os vestígios que os não servem. Isto acontece também no que respeita à disponibilidade de termos e de sinónimos no léxico).

Angola e Moçambique ainda não ratificaram o Acordo Ortográfico e naturalmente têm razões muito válidas para o não fazerem tal como os brasileiros e outros terão as suas para o fazerem. O “Jornal de Angola” ao lamentar o empobrecimento etimológico dum acordo ortográfico que se orienta pelo português falado ou pronunciado, mostra o busílis dum acordo que se orienta por um simplicismo redutor, traiçoeiro e mercantilista. Aqui os Angolanos manifestam-se contra a corrente entrópica ao exigir que “os que sabem mais têm o dever sagrado de passar a sua sabedoria para os que sabem menos” para não baixarem o seu nível.

 

O problema acentuou-se pelo facto de muitas objecções não terem sido resolvidos já na génese que prepararia o acordo ortográfico. Comete um grande erro quem parte para um acordo com base apenas no português falado. De lamentar seria naturalmente se não houvesse um acordo em defesa da língua. Por muitos erros que se cometam é melhor um acordo que nenhum; a não ser que se defenda a hegemonia do inglês.

O acordo ortográfico beneficia os que falam pior a língua. Por outro lado a língua não se mantem dependente de quem a melhor pode falar: padres, juristas, linguistas e médicos pelo facto de saberem a língua mãe, o latim.

O acordo é necessário para possibilitar a afirmação do idioma português no contexto internacional sem se atraiçoar a alma dos diferentes povos a veicular num português de afirmação global.

Os peritos que elaboram os acordos ortográficos deveriam dominar bem o latim e o grego; especialmente o latim.

O português é uma das línguas chamadas românicas, com a sua origem no latim, sendo uma evolução deste. O latim na sua expressão clássica manifesta um alto nível intelectual e na sua expressão popular (língua falada pelo povo: sermo vulgaris, cotidianus, plebeius, rusticus), com a sua riqueza fonética e morfológica, cria termos novos para expressar vocábulos por ele desconhecidos do latim erudito.  Deste modo enriquece a língua, tal como hoje acontece com o português vulgar (provincianismos, e outras formas de formação, entre elas, os neologismos…).

A língua latina suplantou as línguas dos povos vencidos relegando, muitas vezes, as destes para dialectos. Na península ibérica, só o basco lhe resistiu. A língua latina abandonada a si mesma no povo, sem disciplina gramatical, na sua evolução, deu lugar a diferentes falares ou falas que depois deram origem a línguas. Um desses falares foi o galaico-português (também língua dos poetas) que, devido a circunstâncias políticas, deu origem aos idiomas, galego e português. A evolução do português já se pode documentar em monumentos e documentos notariais a partir do séc. VII num latim bárbaro (língua falada pelo povo). A partir do séc. XII os poetas apoderaram-se desse falar (galaico-português) que no séc. XVI se estabilizou no português e no galego. A partir de então temos o português moderno como podemos ver em Camões.

O latim afirmou-se por todo o lado. Na nossa língua, encontram-se também com certa frequência, termos de povos invasores  (cerca de 600 palavras usuais germânicas e cerca de 600 palavras usuais árabes).

O vocabulário da língua portuguesa formou-se principalmente através do latim vulgar que se vai modificando através da fonética e da derivação de termos populares; uma outra forma de formação da língua foi a via erudita que de proveniência latina e grega se manteve mais próxima do padrão original latim e grego. O português tem uma fase arcaica que vai do séc. XII ao seculo XVI e uma fase moderna começada no séc. XVI (Camões).

Para melhor se poder compreender as divergências no que respeita ao acordo ortográfico e apelar ao respeito pela etimologia da língua, passo a dar exemplos da formação de termos em que o mesmo étimo latino origina duas palavras diversas. O Acordo Ortográfico nas suas coordenadas gerais deixa-se orientar mais pela via popular ou vulgar. De notar que, hoje como ontem, as pessoas mais simples têm tendência para não mastigar as palavras, ao contrário do que acontece no falar das pessoas mais eruditas.  A maior traição ao português e à alma do falante dá-se porém na redução das pessoas verbais (eu tu ele (ela,você), nós vós, eles (vocês). A língua em vez de evoluir e de se diferenciar embrutece seguindo o princípio da inércia, ao eliminar o vós e ao evitar até o tu na linguagem falada (como já adverti noutros textos). Assistimos a um empobrecimento geral em questões culturais. A ignorância não nota o que perde, ganha sempre!

A palavra latina factum deu origem à palavra portuguesa facto por via erudita e à palavra feito por via popular.

Simplificando: do latim focum originou-se foco por via erudita e fogo por via popular

do latim legalem originou-se legal por via erudita e à palavra leal por via popular

do latim matrem originou-se madre por via erudita e à palavra mãe por via popular

do latim Hispaniam originou-se Hispania por via erudita e à palavra  Espanha por via popular.

do latim jactum originou-se jacto por via erudita e à palavra jeito por via popular

do latim alienare originou-se alienar por via erudita e à palavra alhear por via popular

do latim plenam originou-se plena por via erudita e às palavras cheia, prenha por via popular

do latim oculum originou-se óculo por via erudita e à palavra olho por via popular

do latim grandem originou-se grande por via erudita e à palavra grão por via popular

do latim angelum originou-se Ângelo por via erudita e à palavra anjo por via popular

do latim aream originou-se área por via erudita e à palavra eira por via popular

do latim arenam originou-se arena por via erudita e à palavra areia por via popular

do latim atrium originou-se átrio por via erudita e à palavra adro por via popular

do latim catedram originou-se cátedra por via erudita e à palavra cadeira por via popular

do latim conceptionem originou-se concepção  por via erudita e à palavra conceição por via popular

do latim delicatum originou-se delicado por via erudita e à palavra delgado por via popular

do latim digitum originou-se dígito por via erudita e à palavra dedo por via popular

do latim dolores originou-se Dolores por via erudita e à palavra dores por via popular

do latim directum originou-se directo por via erudita e à palavra direito por via popular.

Desta observação podemos concluir que o povo simples simplifica (via popular) e os eruditos preferem a clareza.

Com acordo ou sem ele, cada pessoa deve ter a liberdade de escrever na grafia que aprendeu.

António da Cunha Duarte Justo

(Com diploma para latim e grego)

www.antonio-justo.eu

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