CULTURA DA MUDANÇA ENTRE SONHO E LIBERDADE

A alta tecnologia promete sonho mas consome liberdade – Tudo e todos têm de mudar

Por António Justo
Encontramo-nos num processo de desenvolvimento em que o pensar linear será substituído pelo global e em que consequentemente as visões da realidade a-perspectiva substituirão paulatinamente as actuais visões e equacionamentos lineares da realidade. Passaremos do tenho razão para o temos razão, atendendo à consciencialização da complementaridade dos diferentes biótopos da natureza, da complementaridade dos diferentes biótopos culturais e da complementaridade dos diferentes sistemas de pensamento e à fragilidade da formação da opinião regulada por monopólios globais. A estratégia que se encontra por trás desta mundivisão aproxima também a linguagem e metáforas de mitos e religiões às expressões e concepções científicas.

Iphone, automóveis com propulsão própria, drones usados no comércio como serviço de entrega, robôs inteligentes, etc. parecem substituir cada vez mais o Homem reduzindo-o ao papel de espectador. A alta tecnologia promete o sonho à custa da liberdade. O exercício do pensamento passa para os computadores e a força revolucionária parece ter passado para a técnica e o trabalho manual é cada vez mais substituído pela produção mecânica. Tudo isto está a provocar uma mudança radical das nossas impostações éticas, da nossa maneira de pensar e agir. É o que se observa e sente hoje que nos encontramos em pleno epicentro da revolução Vale do Cilício: uma revolução que quer tornar possível a felicidade individual realizada através dos padrões de grandes monopólios anónimos à margem de democracias, das culturas e das religiões. Aristóteles diria hoje em termos portugueses: ”nem tanto ao mar nem tanto à terra”.

Aos industriais e aos barões do petróleo sucederam-se os Bancos e os Gestores de fundos Hedge. Actualmente encontra-se em via de realização a era da revolução digital – com os génios dos computadores e das altas tecnologias.

Antes os líderes contentavam-se com o poder da riqueza depois passou-se ao poder do dinheiro. Hoje os líderes do mundo (protótipo Silicon Valley na Califórnia) querem mais; aspiram a determinar não só o que consumimos mas também a maneira como consumismos e como vivemos juntando na mesma mão (ou organização) o ideário, a economia, a ideologia e a produção numa Agenda bem definida. A nova ideologia-praxia é tentadora porque sabe empregar também a linguagem e as metáforas das religiões e das literaturas.

Religiões e outras instituições abertas aos sinais dos tempos terão de estar atentas às suas estratégias! Delas poderão aprender muito em termos de resposta ao globalismo.

No princípio era a fé em Deus, depois veio a fé no dinheiro e agora experimenta-se a fé na mensagem da Alta Tecnologia como doutrina de salvação, que transfere a esperança para a perspectiva das possibilidades infinitas da tecnologia! (Já há pessoas que se deixam congelar para serem descongeladas na altura em que a técnica tenha descoberto soluções para a morte – uma ilusão que desconhece a realidade do ser criado ou da matéria mas que como utopia dá resposta, à sua maneira, a necessidades do ser humano). Para os apóstolos da nova mensagem, os estados, as religiões, as filosofias tornam-se em empecilhos de progresso. Fixados na sua filosofia que de forma eclética se serve da ciência e da religião como expressão da necessidade humana, elaboram um sistema de ortodoxo-praxia orientada pelo desejo criativo que se realiza na inovação. Reduz-se o ser a uma determinada forma de estar na vida. A ideologia substitui cada vez mais as soluções práticas passando muitos projectos a ser efectuados segundo os óculos da ideologia e do momento.

No princípio era a fé em Deus que se encontrava no âmago do Homem. Hoje é a fé na tecnologia que já não se encontra dentro do homem, dependendo só dele e ao não fazer parte do seu centro corre perigo de o alienar totalmente.

A filosofia da alta tecnologia (economia digital) incorpora nela também Marx e Engels definindo o alienante como aquilo que nos tira do tempo, do concreto; assim se reduz a pessoa à materialidade que se esgota na actividade produtiva que se torna, ao mesmo tempo, fonte da consciência; por outro lado considera a religião, Deus e o dinheiro como factores alienantes que nos desviam da realidade material. A nova fé encontra no Yoga e em exercícios semelhantes uma maneira de estar prática e de subjugar instâncias metafísicas.

A nova alienação prende a consciência humana à sua mera actividade. O produto é a luz da vela que resulta da energia do trabalho e o indivíduo esvai-se nela. A ideologia moderna, que a todos parece iluminar, aliena-nos com produtos conseguidos à custa da desumanização das pessoas reduzidas a mercadoria numa “metafísica” bruta construída, como no caso da vela, a partir da relação produto-consumidor. Aqui dá-se a identificação do indivíduo com o seu destino; tudo é reduzido a indivíduo saído da materialidade para se consumir na materialidade. A promessa do desenvolvimento infinito alimenta a nova alienação do indivíduo que ao ser reduzido a produto passa a ser consumido na ilusão do que consome. A relação entre produtor-produto e consumidor passa a ser a utilização, o imediato. A teoria da alienação em Marx, na sua consequência lógica reduz o Homem a mera biologia animal irracional. De facto, o pensamento, na sua qualidade de abstracto, seria na sua essência uma alienação. Para ser consequente o pensamento marxista e da aliança capitalismo-marxismo teriam então de declarar o fim do pensamento.
Continua no próximo artigo sob o título “O VALE DO SILÍCIO (Silicon Valley) E A ESCOLA DE SAGRES – MITOS DA SUSTENTABILIDADE”
António da Cunha Duarte Justo
In Pegadas do Tempo www.antónio-justo.eu

IDEOLOGIA DO GÉNERO OU GENDER – CREDO ESTRATÉGIA E PROGRAMA

Marxismo cultural em Acção – Destruir Pessoas para criar  Indivíduos

Por António Justo
No princípio dominava a natureza; as suas leis eram comuns ao ser humano nos seus primeiros passos do processo de humanização e de socialização; em seguida surgiram os grupos organizados (tribos, povos e nações) que elaboraram uma cultura feita de costumes leis e normas em diálogo aberto com a natureza; a cultura num acto de sublimação da natureza cria a lei/orientação moral à imagem das leis que governam a natureza (tentativa de superar o mero instinto para possibilitar a criação de paisagens culturais: diferentes tribos, nações, etc.). Natureza e cultura reconhecem-se mutuamente numa orientação analógica crescente do simples para o complexo, do elemento para o órgão e deste para o corpo natural e social. No momento histórico de que somos também protagonistas assistimos à inversão das leis do crescimento natural e espiritual; observa-se a tentativa de se estabelecer uma nova matriz social que comporta um retrocesso no sentido do órgão para o elemento (e tudo sob o pretexto da igualdade e de se criarem supraestruturas de caracter global: quer-se um corpo sem órgãos, uma cabeça sem membros, quer-se uma mudança paradigmática na cultura. Nesta já não se observa a organização, definição e crescimento do simples para o complexo mas a destruição da ordem orgânica natural e cultural no sentido da desintegração caótica em nome de uma moral matemática desenraizada ao serviço das leis do mercado em que o lucro é moral e o dinheiro felicidade. Nega-se a tradição como elemento da identidade para se viver do negócio do momento presente.

Há leis biológicas, leis naturais e leis culturais; há duas formas de se chegar ao saber: o saber indutivo adquirido pela experiência (leis biológicas da natureza) e o dedutivo adquirido a partir da ideia; os dois saberes encontram-se numa relação de feminilidade e masculinidade; um sem o outro é irreal e infecundo; a grande mentira da ideologia do género, parte do princípio de que o que se pensa é a realidade, dando-se ao luxo de afirmar o saber teórico (ideologia) contra o saber experimental (biologia). Em nome de uma revolução cultural colocam a intenção de educar o povo acima de qualquer princípio ou dado real.

UE tornou-se no Sistema de Controlo de Valores e Normas dos Países europeus

O que se pretende para a economia já se encontra implementado no controlo da cultura! No dia 9 de junho de 2015, longe da população, o Parlamento Europeu aprovou a sua resolução controversa “Estratégia da UE para a igualdade entre homens e mulheres a partir de 2015”. Esta contém orientações a aplicar pelos parlamentos nacionais. Em nome de uma justiça necessária no trato entre homem e mulher, procura-se desintegrar a feminilidade e a masculinidade comuns à mulher e ao homem para as colocar em luta reivindicativa como se partes complementares fossem opostos. Tudo isto ao serviço não do homem nem da mulher mas do igualitarismo comunista. O Parlamento “solicita à Comissão para assegurar que os Estados-Membros permitam o pleno reconhecimento do género preferido de uma pessoa perante a lei”. Em texto claro: o que vale não é o sexo que se tem biológico (homem ou mulher) mas o que se pensa dele. Partem do pressuposto que o gênero não é definido com base na genética e nos cromossomos, mas que é apenas uma construção social devida à educação e, como tal a ser repelida, no sentido de um indivíduo que deve ser desenroupado do que constitui a sua “persona” (personalidade) e daquilo que os pais lhe transmitiram.

Há papéis da mulher e do homem que são aquisições ou expressões culturais mas o papel de pai e mãe é de ordem natural da criação tal como o ser homem ou mulher. O ser humano não pode ser visto apenas como um produto cultural; da sua essência faz também parte a natureza, o seu caracter sexuado.

Negam os elementos constitutivos de identidade cultural (do género) adquiridos, para poderem legitimar a manipulação em via na confecção de um novo ser humano sob novos parâmetros, e reduzir o elemento cultural à praxis dos animais (animalogia) no sentido de uma revolução da sociologia. Para isso negam o conceito da pessoa humana (identidade relacional realizada no e dentro do relacionamento) para a reduzir a mero indivíduo, a um abstracto totalmente independente de qualquer vínculo ou relação (um ser tabula rasa), como quer e legisla a esquerda (maioria) no Parlamento Europeu. Tudo isto se dá no sentido de gerar um ser sem identidade e como tal facilmente manobrável por quem detém o poder (que se quer também oculto e anónimo). Aqui junta-se a ideologia capitalista que quer um ser apenas indivíduo – cliente do seu mercado – ao marxismo cultural socialista que pretende uma sociedade de pessoas reduzidas a indivíduos iguais – proletários servidores da nomenclatura.

A Ideologia do género nega diferenças características do homem e da mulher negando assim a sociedade, a natureza e a ordem divina da Criação. Antes da queda começa a decadência!

A porta-voz (Beatrix von Storch) do Grupo Europeu ECR considera que “a UE é um enorme sistema de controlo de valores e normas”. Para isso seve-se de orientações para toda a UE em matéria de educação sexual nas escolas, de direitos de adoção para transsexuais, abolição de eleições livres por quotas nos parlamentos, de medidas em favor do aborto e em desfavor da maternidade; esta é, por vezes, tida como impedimento de emancipação e de igualdade para a mulher. O olimpo da Europa e do mundo quer transformar os países em casas onde eles mandam. O referido documento de estratégia serve-se da igualdade para impor ideologia. Nessa igualdade tornam-se anacrónicas toiletes separadas, clubes de futebol só de homens ou de mulheres.

A advogada eliminação das injustiças laborais ou sociais que ainda existem entre homem e mulher dá-se de maneira selectiva e masculina sem comtemplar a masculinidade e feminilidade ou papéis característicos de um género.

Servem-se da ideia da igualdade entre homens e mulheres, da libertação do sexo, da luta contra os indicadores de gênero (masculino / feminino) para concretizar uma ideologia de base marxista e ateia e tudo isto legitimado pela premissa dos direitos da pessoa.

A estratégia de afirmação ideológica é implementada através de agendas políticas, a nível legislativo, universitário e político com objectivo de indoutrinação ao serviço da revolução cultural em via. Dissociar a pessoa humana da natureza e da herança cultural fora de qualquer complementaridade torna-se dogma do momento.

Quer-se um relativismo subjectivista de tal ordem que sujeite a lei natural à lei cultural. A ideologia do Género, ao prescindir dos dados biológicos para fomentação da nova ordem teria como consequência lógica matematizar até os nomes das pessoas e terras. De facto, também neles se expressam vestígios culturais mais ou menos sexuados: assim uma consequência da ideologia do género seria substituir o meu nome demasiado testemunha de socialização e aculturação (António da Cunha Duarte Justo – com vestígios de domínio e de sujeição) num nome livre e emancipado que se expressaria no nome “Um de Dois Três e Quatro”.

Meteram mãos à construção de uma nova sociedade e de uma nova identidade individual sem especificidades e sem referência como se o género não tivesse nada a ver com a diferenciação sexual nem com a biologia reduzível a uma opção individual que torna arbitrária a definição de homem ou mulher tal como a união homossexual ou heterossexual. Chega-lhes a ideia cópia de que a necessidade cria o órgão. O que não recai sob o metro da igualdade é considerado discriminação. Para a ideologia do género tudo se reduz a uma questão de escolha: sobrevaloriza a opinião e a intenção à margem do factor natural. A ideologia do género dá grande relevo à opção homossexual por testemunhar a afirmação dos iguais contra a afirmação do diferente que a natureza pretende mas deve ser contrariada pela estratégia radical do género. As forças da masculinidade e da feminilidade inerentes a toda a natureza, à sociedade e à pessoa humana mereceriam uma outra impostação.

Mudança da matriz linguística sobretudo ao serviço da Mentira

A ideologia do género, a ponta avançada do marxismo cultural, pretende uma mudança de matriz antropológica e criar uma nova consciência social através da manipulação da matriz linguística à imagem da manipulação genética. Através da manipulação da linguagem consegue-se manipular a consciência individual e social. Tudo isto acontece sob o pretexto de libertação da mulher (mais uma vez instrumentalizada) como se fosse possível desintegrar da biologia e da sociedade a masculinidade e feminilidade na qualidade de elementos distintivos e de energias complementares.

Hoje o pensar correcto assume de forma acrítica a ideologia gender na linguagem corrente (exemplo: a senhora “presidenta” em vez de a senhora presidente, como se a palavra presidente não fosse comum aos dois – S.m. e f. – (tal como a doente, o doente, etc). Na sequência da ideologia seria consequente introduzir o neologismo “presidento” também para o masculino)…

Parentalidade contra Paternidade e Maternidade

Em vez da complementaridade/subsidiariedade de sociedade e natureza de mulher e homem querem deles seres abstractos mais desencarnados e como tal mais facilmente reduzíveis à ditadura de ideologias. Manifestam-se contra as funções reais de paternidade e maternidade querendo-as ver reduzidas ao conceito tribal de parentalidade, numa tentativa de voltar ao caos original em que a individualidade se perdia numa massa anónima desorganizada.

A insistência da luta ideológica contra o sistema ético actual, contra a família, contra uma sexualidade integrada (com lugar para a regra e para a excepção), contra o fundamento bíblico do humanismo cristão, mais que uma tentativa de valorização da pessoa tenciona disponibilizar o ser humano para uma nova matriz civilizacional que terá como cúpula metafísica a economização da sociedade (mercado) e a mercantilização do ser humano (proletário ou cliente).

Projectam uma antropologia alternativa servidora de ideologias internacionalistas, globalistas e economicistas. Como consideram a mulher e o homem como produtos ou meros papéis culturais à margem da biologia, pretendem afirmar um género para lá do sexo e da natureza. Consideram como adversas às suas intenções ideológicas as matrizes culturais passadas que se conexavam à maneira de biótopos culturais numa relação entre cultura e natura. Querem o divórcio destas.

Uma ligação da ética e dos comportamentos sociais a uma metafísica do deus dinheiro e lucro com a consequente redução da pessoa (com toda a carga cultural de contextos sociais e geográficos que traz) a um mero indivíduo desprovido de enraizamento simplifica a administração e “comercialização” de produtos e indivíduos. Esta estratégia pensa melhor servir a organização de um governo mundial. Querem espíritos sem corpo e corpos sem espírito numa estratégia do divide et impera. Querem ignorar a masculinidade e a feminilidade da pessoa, os dois princípios que possibilitam a abertura e o desenvolvimento. Afirmam a igualdade contra “uma abertura recíproca à alternidade e à diferença” de caracter bíblico e natural. Arbitrariamente, toda a experiência milenária é lançada a bordo para a sociedade ser submetida a uma ideologia do género que quer subordinar a natureza a uma nova cultura aleatória.

O facto de a mulher ter sido enquadrada num patriarcalismo cultural que a tornou vítima de uma masculinidade social que a relegava à categoria de criança (exemplo, a criança como a mulher eram tratadas pelo nome e os homens pelo nome de família) deveria ocasionar uma consciencialização de reacção inclusiva e não reactiva; doutro modo reagem aplicando o parâmetro masculino de que se dizem vítimas.

A afirmação ideológica aninha-se a nível universitário legislativo e político na sequência das estratégias das instituições da EU e dos EUA e praticamente fomentadas pelas famílias políticas de esquerda.

Directrizes europeias obrigam os países membros à implementação de leis escolares reguladoras do ensino sobre a actividade sexual, a regulamentação da família, o aborto, etc.

Aquilo que a natureza, a cultura humana e a tradição cristã conseguiram tornar compatível e complementar através dos séculos é agora separado à força e em nome de uma ideologia abstracta que pretende formatizar o homem e a sociedade por princípios matemáticos, como se a pessoa fosse só intelecto e prescindisse do corpo e do espírito.

Se partíssemos da realidade natural e cultural do ser sexuado homem e mulher, em que ele e ela reúnem na mesma pessoa e de forma diferente os princípios masculinidade e feminilidade, a discussão e estratégia de se criar mais justiça individual e social entre homens e mulheres seguiria um outro caminho menos masculino e agressivo e tornar-se-ia mais pacífico (feminino) porque inclusivo. (A não ser que se parta do princípio que a luta é a única maneira de se desenvolver!). A consequência desta luta cultural fomentará os vícios dos dois polos.

Não reconhece os princípios complementares da evolução (a selecção e a colaboração) como forças complementares. Não reconhece que toda a natureza e toda a sociedade são construídas a partir da diferença numa tensão de afastamento e aproximação à imagem das ondas do mar; o movimento cria a tensão criadora que mantem “as águas” da vida vivas e possibilita o desenvolvimento de cultura/sociedade e natureza. Toda a natureza aspira pela comunhão do sol do universo e do sol do amor que se incarna em cada pessoa. A sociedade com a correspondente cultura é como a floresta na resposta à geografia e ao clima possibilitadores de biótopos diferenciados. Nem a geografia pode abdicar do clima tal como a natureza humana não pode abdicar da cultura que lhe confere identidade própria, o mesmo se diga em relação ao indivíduo e à cultura envolvente.

Concluindo

A masculinidade e a feminilidade não podem ser reduzidas a um masculino e a um feminino limitado a circunstâncias de papéis e funções de um só polo nem consequentemente a uma sociedade de matriz masculina. O domínio do homem sobre a mulher são deficiências a ultrapassar na base da sua imagem divina. Naturalmente que não há sol sem sombra nem sombra sem sol; somos limitados, resta-nos compreender e embarcar com corpo e alma para admirar e louvar o sol e a sombra no sentido de criar mais justiça e relação equilibrada.

Masculinidade e feminilidade realizam-se e desenvolvem-se nas relações interpessoais numa visão a-perspectiva que reconhecendo a realidade vital da tensão interpolar aspira a sempre novas sínteses (ao encontro dos polos que mantem em si a força do regresso a si para de si retomar nova força para se reencontrar de novo). A ideologia do género encontra-se em contradição com a natureza e com todas as culturas e religiões. Pode porém, na força da reacção contribuir para o desenvolvimento no momento em que foge do outro polo. Mas na luta em via, instigada pelo marxismo cultural, o que está em jogo não é tanto a beneficiação da mulher mas sim a instrumentalização dela para sub-repticiamente se conseguir um ser humano e uma sociedade segundo o paradigma marxista comunista.

As premissas da ideologia do género partem da neutralidade do sexo e não da complementaridade: distingue entre o sexo biológico do indivíduo (homem ou mulher) e o género ou sexo psicológico da pessoa (culturalmente adquirido), uma espécie de carapaça psicológica obtida (uma segunda criação) determinada pelo ambiente. Pretende negar a natureza humana tal como Deus a criou na sua complementaridade de homem e mulher (Gn 1,27), menosprezando a uma realidade onde a feminilidade e a masculinidade são partes constituintes da pessoa humana/natureza. Quer fazer de pessoas distintas mas complementares (homem e mulher) apenas indivíduos iguais de modo a perverter a natureza. Partem da realidade homem e mulher como constructos sociais.

Em geral, nascemos com um sexo biológico definido (homem ou mulher), não é sexualmente neutro; a sociedade acrescenta-lhe características próprias segundo o meio em que se insere. Isto porém não pode anular o sexo biológico em favor do sexo psicológico ou género. Apesar das influências sociais não haverá alternativa ao desenvolvimento da mulher e do homem como seres naturais.
António da Cunha Duarte Justo
Teólogo e pedagogo
In “Pegadas do Tempo” www.antonio-justo.eu

O PAPA SEM FILTRO – O PAPA DA POBREZA DA ECOLOGIA E DA MISERICÓRDIA

Tema “Família” no 2° Sínodo dos Bispos em Outubro

António Justo
No vaticano sopra um vento sul forte, um vento oceânico de fora da Europa que, ao suflar nas batinas da Cúria romana, habituadas à brisa mediterrânica, causa perplexidade. Francisco I, no seu discurso de 22 de Dezembro diagnosticou 15 doenças em pessoal da Cúria e em muita outra gente acomodada que não se controla: “Alzheimer espiritual”, “terrorismo das conversas”, críticas aos “fariseus”, são palavras não diplomáticas que abanam muitas árvores da cúria chegando a atingir até as raízes de alguns “cedros do Líbano”.

No vaticano, como na política há posições controversas, uns mostram-se mais comprometidos com a doutrina, outros com a praxis, como é natural numa tradição de dialética frutífera entre doutores e pastores. A um Papa teólogo segue-se um Papa pastor. É profético e quase de obrigação programática o facto de a História ter reunido dois Papas ao mesmo tempo sob o mesmo tecto romano, como que a avisarem: a praxis é a flor da doutrina; a pastoral não se deve dissociar da doutrina embora aquela deva constituir um desafio a esta. Um grupo conservador receia que Francisco I mude a doutrina quando ele apenas quer pôr a pastoral na ordem do dia. Aguentar a tensão é o que a Igreja católica sempre conseguiu tornando-se assim em modelo institucional para a humanidade.

De facto, a Igreja encontra-se em diferentes contextos; foi a primeira instituição global quando os países nasciam e lutavam ou lutam ainda pela sua identidade regional; como tal, a Igreja tem diferentes rostos segundo os continentes e as culturas subjacentes, o que poderá originar diferentes práticas pastorais.

Francisco I também manifesta compreensão para com os gays de boa vontade que “não se devem condenar, mas pelo contrário ser integrados na sociedade”. As suas expressões espontâneas e palestras livres na missa matinal tornam-se motivo de observações teologais por parte de alguns prelados.

O Papa pretende a reevangelização do mundo. Até os seus críticos reconhecem nele grandes qualidades incontestáveis. Ele sabe olhar as pessoas nos olhos. Ao escolher a Casa Santa Marta (a casa de hóspedes do Vaticano) para residência preferiu o contacto directo com a realidade universal. O Papa revela-se à altura dos tempos e tem sido muito oportuno em iniciativas para as religiões no sentido de serem fiéis à sua tarefa primordial e dando também impulsos muito concretos para a política internacional: genocídio dos arménios, impedimento dos ataques dos americanos e do ocidente contra a Síria, relações diplomáticas entre Cuba e USA, apela para “não desprezar a Rússia”, e tem conseguido transparência na banca vaticana etc.

Ano Santo da Misericórdia

Em Abril, anunciou um ano santo extraordinário, o Ano Santo da Misericórdia que vai de 8 de dezembro de 2015 até 20 de novembro 2016. O bem da igreja e das almas é prioritário.

Uma igreja precisa de mística, doutrina e pastoral. As reformas na moral e na pastoral são precisas tendo muito em conta as assimetrias culturais e sociais das diferentes sociedades. A revelação divina acontece na Bíblia, na Igreja, na Comunidade e na História que vai sempre mostrando novas facetas da realidade global que é Jesus Cristo.

O Pontífice é servidor e não senhor da verdade, por isso não pode mudar a doutrina/dogmas, pode criar prioridades na forma de tratamento pastoral. Por isso, na sua bula sobre o ano da misericórdia acentua: a ”misericórdia é o caminho que une Deus e o Homem”. Misericórdia para quem merece uma pena é uma questão que na visão secular parece contraditória…

Bento XVI era um teólogo, Francisco é um pastor, a teologia permanece na tensão entre doutrina e interpretação e a pastoral segue as circunstâncias dos tempos e das idades. O que se faz e o que se crê não são a mesma coisa, a fé permanece embora a prática seja mais importante. A verdade é processo e o Papa tem a função de encaminhar as diferentes forças em direcção a ela. Francisco I esforça-se no sentido de tornar o espírito de Jesus mais visível e mais experimentável. Sabe que não é seu papel adaptar a Igreja ao gosto do tempo mas que a partir dele se torne experimentável o espírito de Deus. Esta será a sua tentativa.

Há pessoas que se sentem sempre indignadas com o que o papa diz. A indignação nem sempre é sinal de empenho e responsabilidade; hoje é, muitas vezes, uma forma fácil de se destacar e ser notado. Destacar-se perante alguém conhecido ajuda o “santo” ego.

Alguns radicais e eternos insatisfeitos que procuram aproveitar-se do bem e do mal para danificar a Igreja apelam à venda de igrejas e obras religiosas para com esse dinheiro se ajudar os pobres. Esta medida encheria o estômago de alguns pobres por algum tempo mas o problema continuaria. “Pobres sempre os tereis…” (Jo. 12,1-9. A igreja oferece não só pão mas também cultura, arte onde as pessoas encontram paz, conforto e meditação (Não só de pão vive o Homem!). Imagine-se a presença e o contributo contínuo da Igreja para o património cultural dos povos. (Uma instituição sem memória não comporta o futuro). Nas igrejas podem reunir-se os pobres e os que sofrem do frio da sociedade; a Igreja é também o seu porta-voz. Os templos e as obras religiosas são também elas as mãos da natureza, de cidades e aldeias e do povo crente a apontar para a transcendência, a apelar para a verticalidade num mundo cada vez mais horizontal e massa inerte. A expressão espontânea brota do coração e transmite o calor do amor, a expressão da inteligência reflectida espalha a luz do amor. O amor guarda espaço para a pobreza consciente e interior que se preocupa com o bem estar material e espiritual da humanidade. A pobreza espiritual é a maior causa da pobreza material. Precisa-se de uma rede de pessoas de boa vontade. O Pontífice trabalha no sentido de uma utopia que quer um mundo melhor, ao contrário das ideologias que prometem um mundo perfeito. Fronteiras e limites devem ser mantidos apenas como as membranas que ligam os órgãos do mesmo corpo.

2° Sínodo em Roma

Em outubro deste ano realizar-se-á o 2° sínodo em Roma. Prevê-se uma forte luta entre a defesa da tradição da doutrina da Igreja sobre a família e os que seguem o coração das pessoas que aceitam que divorciados que se encontrem na situação de segundo casamento civil possam frequentar os sacramentos. Aqueles argumentam que a Igreja não deve submeter-se aos caprichos do mundo. Entre eles, o cardeal Raymond Burke e vários cardeais africanos e da europa de leste e da Itália receiam que Francisco mude a praxis da doutrina do matrimónio. Sem ser necessário mudar o dogma chegar-se-á a um consenso entre teóricos e pragmáticos. A doutrina fica a mesma, tal como acontece nos Estados em parte com a Constituição mas que se usa das leis para adaptar a constituição à situação concreta. Assim se responderia à necessidade da dogmática (lei fundamental) e de uma pastoral (aplicação da mesma no concreto).

De facto o matrimónio dá-se muitas vezes numa situação de conhecimento e consciência diferente daquela que a realidade depois vem a mostrar; chega a haver casamento mas sem sacramento, apesar da liturgia realizada. Há doenças que um dos parceiros pode trazer consigo que não permitem uma verdadeira relação a nível interior e exterior. Para isso o recurso à anulação do casamento, por falta das condições iniciais necessárias, deveria torna-se num instrumento mais normal. Muitas pessoas trazem nelas doenças psicóticas (ou maldades) escondidas que só o convívio do dia-a-dia vem revelar e podem impedir o desenvolvimento espiritual e levar ao sofrimento dos parceiros a vida inteira.

Violência doméstica pode ser motivo para separação

O Papa Francisco tem compreensão para a separação no casamento em determinadas circunstâncias. “Certamente também há casos em que a separação de consortes se torna inevitável. Às vezes é até moralmente necessária”. Quando disse isto referia-se especialmente aos casos de violência doméstica, opressão do parceiro mais fraco ou de crianças pequenas.

Certamente um assunto muito complicado mas o “Casamento” não pode ser argumento de justificação de arrastamento de casos de violência repetida ou de impedimento de desenvolvimento individual e comunitário. No caso de matrimónios católicos há um instrumentário muito adequado que deveria ser mais utilizado e que constitui no recurso ao pedido de anulamento do matrimónio. Os episcopados deveriam ser mais receptivos e rápidos na decisão sobre pedidos de anulação. Por vezes faltam já de início as condições necessárias para a efectivação do sacramento.

Também Jesus comparou o Reino dos Céus a um reino em que o rei fez o convite a muita gente para a boda de casamento do filho; muitos convidados não vieram e então ele convidou todo o mundo, bons e maus (Mateus 22:1-14). De facto a Igreja não se reduz a um povo eleito ou a uma cultura, por isso Jesus convida todo o povo a entrar no seu reino.
António da Cunha Duarte Justo
Teólogo
In “Pegadas do Tempo” www.antonio-justo.eu

A ENCÍCLICA ECOLÓGICA EM DEFESA DA “NOSSA IRMÃ E MÃE TERRA”

A “nossa Casa comum” sente-se ferida, adverte Francisco I

António Justo

Na sua encíclica verde, o Papa denuncia a destruição do ambiente, a embriaguez do consumismo, a degradação ambiental e cultural, e a submissão da política à economia.

A encíclica Laudato Si (Louvado seja) do Papa Francisco, dedicada à ecologia e ao ambiente, põe em primeiro plano a protecção, conservação e recuperação do ambiente natural e ecológico da “nossa irmã e mãe terra”, no seguimento de S. Francisco de Assis, Padroeiro dos ecologistas. Por isso o Papa inicia a encíclica com as palavras de S. Francisco “Louvado seja” no seu “Cântico das Criaturas” que compôs em 1225 (Texto em: https://antonio-justo.eu/?p=3183).

O pontífice constata que o planeta “está a ser destruído” e estabelece uma “relação íntima entre os pobres e a fragilidade do planeta”. Dirige-se “a cada pessoa que habita o planeta” e não só aos católicos e às pessoas de boa vontade; descreve a natureza como “a nossa casa comum” apelando para a necessidade de “uma conversão ecológica global”.

Alerta para o facto de a terra parecer transformar-se num “imenso aterro sanitário” que reage com catástrofes de maremotos, furacões, desertificação de algumas regiões e inundação de outras. Apelida o planeta de “terra irmã e mãe” e atesta: “Nunca tratamos a nossa casa comum tão mal e ferido como nos últimos dois séculos… o ritmo do consumo, do desperdício e a mudança do ambiente superou a capacidade do planeta de tal modo que o actual estilo de vida só pode conduzir à catástrofe”.

O domínio absoluto da finança sobre a política

A política não deve submeter-se à economia, e esta não deve submeter-se aos ditames e ao paradigma eficientista da tecnocracia. “Qual é o lugar da política? É verdade que, hoje, alguns sectores económicos exercem mais poder do que os próprios Estados. Falta a consciência duma origem comum, duma recíproca pertença e dum futuro partilhado por todos”.

“A subjugação da política à tecnologia e às finanças torna-se visível na falta de sucesso da cimeira mundial…”. “A salvação dos bancos a todo o custo, fazendo pagar o preço à população, sem a firme decisão de rever e reformar o sistema inteiro, reafirma um domínio absoluto da finança que não tem futuro e só poderá gerar novas crises depois duma longa, custosa e aparente cura”.

Crescimento à custa dos pobres

O rápido crescimento dos países ricos acontece à custa dos pobres: “sabemos que o comportamento injustificável daqueles que consomem e destroem, cada vez mais, enquanto outros não conseguem sequer viver adequadamente a sua dignidade humana”. Uma “verdadeira abordagem ecológica sempre se torna uma abordagem social, que deve integrar a justiça nos debates sobre o meio ambiente, para ouvir tanto o clamor da terra como o clamor dos pobres”. «Tanto a experiência comum da vida quotidiana como a investigação científica demonstram que os efeitos mais graves de todas as agressões ambientais recaem sobre as pessoas mais pobres»

Propõe que se diminua o crescimento: “Por isso, chegou a hora de aceitar um certo decréscimo do consumo nalgumas partes do mundo, fornecendo recursos para que se possa crescer de forma saudável noutras partes”.

A liberdade de consumo ilude a falta de uma liberdade mais profunda

Apela para a reflexão da própria liberdade que não se esgota na liberdade de consumir como o sistema faz crer “quando na realidade apenas possui a liberdade a minoria que detém o poder económico e financeiro”. “A velocidade da mudança … contrasta com a lentidão natural da evolução biológica.”

Critica a privatização da água “recurso escasso” que não se deve comercializar porque tal como “o clima é um bem comum, um bem de todos e para todos.”

Também questiona o direito de empresas ricas poderem comprar direitos de poluir a atmosfera afirmando que “a estratégia de compra-venda de «créditos de emissão» pode levar a uma nova forma de especulação”.

“Os mass-media e o mundo digital quando se tornam omnipresentes, não favorecem o desenvolvimento duma capacidade de viver com sabedoria, pensar em profundidade, amar com generosidade.”

Património humano e cultural ameaçado

O globalismo económico liberal, em nome de uma supraestrutura (um governo do mundo, interesses económicos supranacionais, EU, USA, etc), impõe-se de cima para baixo, centralizando tudo: avassala o regionalismo e desrespeitando as identidades culturais e democráticas dos países, organicamente elaboradas ao longo de séculos. “A par do património natural, encontra-se igualmente ameaçado um património histórico, artístico e cultural”. Recorda também que existe uma “ecologia do Homem” como dizia Bento XVI que «também o homem possui uma natureza, que deve respeitar e não pode manipular como lhe apetece“.

O preço do crescimento é pago com a saúde e com o roubo à dignidade dos povos: „O homem não se cria a si mesmo. Ele é espírito e vontade, mas é também natureza”, devendo tornar o seu “estilo de vida conciliável com a defesa integral do ambiente”.

Ecologia e Cristianismo

A crise ecológica apela à “conversão ecológica”. “A espiritualidade cristã propõe um crescimento na sobriedade e uma capacidade de se alegrar com pouco”. Cita João Paulo II que diz: «Deus deu a terra a todo o género humano, para que ela sustente todos os seus membros, sem excluir nem privilegiar ninguém». E continua: “Na tradição judaico-cristã dizer «criação» é mais do que dizer natureza, porque tem a ver com um projecto do amor de Deus, onde cada criatura tem um valor e um significado.” “Toda a natureza, além de manifestar Deus, é lugar da sua presença”. «Sentir cada criatura que canta o hino da sua existência é viver jubilosamente no amor de Deus e na esperança» …” “Quando o coração está verdadeiramente aberto a uma comunhão universal, nada e ninguém fica excluído desta fraternidade”…

Em Jesus Cristo encontra-se resumida toda a realidade espiritual e material: ”o destino da criação inteira passa pelo mistério de Cristo, que nela está presente desde a origem…

“O antropocentrismo moderno acabou, paradoxalmente, por colocar a razão técnica acima da realidade, porque este ser humano «já não sente a natureza como norma válida nem como um refúgio vivente.” ” …A finança sufoca a economia real”…

“O trabalho é uma necessidade, faz parte do sentido da vida nesta terra, é caminho de maturação, desenvolvimento humano e realização pessoal… Neste sentido, ajudar os pobres com o dinheiro deve ser sempre um remédio provisório para enfrentar emergências. O verdadeiro objectivo deveria ser sempre consentir-promover uma economia que favoreça a diversificação produtiva e a criatividade empresarial”.

Inicialmente os monges refugiavam-se do mundo para viverem em meditação e oração; São Bento de Núrsia, imbuído do espírito cristão, promoveu a união da oração, estudo e trabalho manual, dignificando-o na fórmula «Ora et labora ». Francisco I: “Esta introdução do trabalho manual impregnada de sentido espiritual revelou-se revolucionária”.

“A criação encontra a sua maior elevação na Eucaristia. No Pão Eucarístico, «a criação propende para a divinização, para as santas núpcias, para a unificação com o próprio Criador».

A relação entre todas as criaturas verifica-se na Trindade, que é a matriz de toda a realidade. Penso que os teólogos do futuro, os místicos e os cientistas da física quântica encontrarão na fórmula da Trindade a fórmula do mundo e a verdadeira fórmula de toda a realidade.

O papa adianta: “Para os cristãos, acreditar num Deus único que é comunhão trinitária, leva a pensar que toda a realidade contém em si mesma uma marca propriamente trinitária”…: “O Pai é a fonte última de tudo, fundamento amoroso e comunicativo de tudo o que existe. O Filho, que O reflecte e por Quem tudo foi criado, uniu-Se a esta terra, quando foi formado no seio de Maria. O Espírito, vínculo infinito de amor, está intimamente presente no coração do universo, animando e suscitando novos caminhos. O mundo foi criado pelas três Pessoas como um único princípio divino, mas cada uma delas realiza esta obra comum segundo a própria identidade pessoal. Por isso, «quando, admirados, contemplamos o universo na sua grandeza e beleza, devemos louvar a inteira Trindade».

A encíclica do Papa foi recebida com grande entusiasmo na Alemanha enquanto nos USA se levantaram vozes críticas, certamente os que beneficiam com as injustiças do regime económico. O Papa, porém, tem de falar deste tema e criticar o sistema, (embora isto não agrade a muitos) porque o problema ecológico atinge as pessoas e as regiões mais vulneráveis e consequentemente a fome e a emigração em massas.

António da Cunha Duarte Justo
Teólogo
www.antonio-justo.eu

CASAMENTO CIVIL DE HOMOSSEXUAIS – PRÉMIO, INSTITUIÇÃO OU PRETEXTO?

A Manipulação da Cultura acompanha a Manipulação da Natureza

Por António Justo
Em questões de casamento de homossexuais o estado não deveria intervir no sentido da liberação da união matrimonial para comunhões de casais do mesmo sexo. No casamento ou parcerias amorosas, depara-se com duas questões que se deveriam encarar sem ressentimentos nem complexos.

A nível de princípios e de prática, deve o desigual ser tratado igual? Até que ponto deve o estado intrometer-se na vida privada? Deve a regra ser igualada à excepção? Não se conduz a democracia ad absurdum quando os seus delegados, pretendem mudar mentalidades através de legislações sobrepondo o direito da minoria ao direito da maioria (igualizar as parcerias homossexuais à instituição família heterossexual)?

Porque se tem de casar e não chegam parcerias registadas no registo civil? Naturalmente para aquisição de direitos inerentes ao casamento. Famílias monoparentais (uma mulher ou um homem com filhos – classe de Impostos I) ficam em situação pior tendo de pagar mais impostos do que homossexuais casados.

Segundo o consenso dos povos, as uniões homossexuais não são iguais ao matrimónio. Entre outras diferenças o casamento não é só comunidade de vida, ele foi criado no sentido da fundação de uma família e de filhos (CIC 1061,1) e corresponde a uma visão de Homem como homem e mulher.

Torna-se questionável a intervenção do Estado porque a união de duas pessoas é coisa privada, independentemente do amor que o Estado não tem direito de recompensar ou penalizar. O matrimónio, pelo contrário é o núcleo do Estado pelo que este tem o dever constitucional de defender e fomentar. Por isso os Estados colocam nas suas constituições a família e o matrimónio sob protecção especial. A lei fundamental alemã artigo 6 parágrafo 1, tal como as constituições da maior parte das nações, define casamento como “comunidade de vida de homem e mulher” e fala da função da família.

A nova ideologia pretende redefinir o casamento, abandonar o conceito de família trocando-o por “Comunidade de Vida”. O ponto maior da discórdia vem da exigência de igualar o casamento tradicional (família) às uniões homossexuais com o correspondente direito de adoptar filhos. A adopção de crianças por pares homossexuais favorece uma orientação unilateral a que falta o pai ou a mãe; impede-se uma educação com características (feminilidade e masculinidade) complementares próprias que seriam importantíssimas para o crescimento equilibrado da criança. Devido a esta constatação, na Alemanha já há a preocupação de, nos jardins infantis, a assistência às crianças seja feita por educadores do género feminino e masculino.

Toda a pessoa está chamada a amar mas nem toda a forma de amor ou caridade tem que chegar à instituição do matrimónio. Uma comunidade de amor está chamada à abertura e proliferação, à fertilidade como é tradição em todos os povos e como nos ensina a gramática da natureza. Na exigência de “casamento para todos”, como direito natural, não se consideram a fertilidade e correspondente capacidade de futuro da sociedade, além de confundir direito natural com direito cultural. Também dois familiares ou irmãos que se amam não têm direito a casar-se embora através do casamento pudessem assegurar vantagens amorosas e económicas.

Francisco I no avião em que ia para o Rio de Janeiro em Julho de 2013 disse a um jornalista: ”se um gay, procura o Senhor e tem boa vontade – quem sou eu para o condenar? Estas pessoas não devem ser empurradas para a borda, elas têm de ser integrados na sociedade.” Conservadores escandalizaram-se com esta afirmação porque pensam que com ela o Papa apoia o lóbi dos homossexuais. O papa age, como é natural de um pastor, no meio da sua comunidade no exercício das suas actividades pastorais em perspectivas complementares.

No catolicismo, o matrimónio é um sacramento que se realiza entre os nubentes (homem e mulher) e não só um prémio ou bênção. Deus criou o Homem à Sua semelhança como homem e mulher (1.Mo 1,27-28) dando-lhes a missão de crescerem e de se multiplicarem na tolerância e cordialidade e ao mesmo tempo crescerem espiritualmente.

Na discussão também é pertinente distinguir entre os actos do Estado e os actos da Igreja. Igreja e Estado dizem sim para o cuidado mútuo e a responsabilidade, cada um à sua maneira. Embora o Estado tenha de dar resposta a todas as necessidades dos cidadãos não deve perder de vista a lógica da sua essência democrática nem as diferentes prioridades a ter em consideração num corpo orgânico ao igualar uma estrutura básica da sociedade a uma necessidade individual que colide com a constituição orgânica de organismos desenvolvidos. (Para mim a nível individual seria igual o casamento de hétero- ou homossexuais; o mesmo já não acontece quando penso a nível social; por isso o Estado tem de distinguir entre direito individual e direito orgânico institucional!).

O cristianismo, com toda a compreensão e respeito pelas uniões homossexuais, não se deve ver forçado a renunciar aos próprios princípios e valores. A fonte de inspiração cristã é a Bíblia (e a natureza) e orienta-se também por uma estrutura básica do Homem (Mat. 19,5, constituído de masculinidade e feminilidade) não podendo ser interpretada arbitrariamente; muito embora a supremacia do amor seja a norma de orientação, esta não pode porém cancelar a ordem da criação (a nível estrutural/institucional) que cada ser humano não deve desprezar, embora respeitando diferentes orientações. Ver o amor como único fundamento da união homossexual, segundo o lema de Santo Agostinho “ama e faz o que quiseres” dá resposta a necessidades próprias mas que não precisa de neutralizar o matrimónio heterossexual. A diferença é a maior constante da natura e da cultura. Igualar a comunidade de vida de homossexuais à constituição de família através do casamento torna-se inconsequente dado fazer de coisas diferentes e com fins diferentes coisas iguais.

A pastoral permite a adaptação porque cada pessoa é de, maneira igual, imagem de Deus independentemente das suas inclinações. Também é verdade que “Deus é amor” (1. Jo, etc.) mas o facto não permite a afirmação recíproca “o amor é Deus” que seria teologicamente falsa. Em questões de família e de instituições os critérios orgânicos e de sustentabilidade, fiabilidade, confiança e compromisso assumem um caracter essencial. O amor não é razão suficiente para justificar a arbitrariedade institucional. O direito à orientação homossexual e ao próprio sentido não é lógico se exige que se aplique a ele o tipo de vinculação heterossexual da família. A instrumentalização da lei para mudar mentalidades torna-se num abuso institucional.

A Igreja, para manter a sua missão de serviço à humanidade e a credibilidade e continuidade, terá que suportar uma certa tensão entre doutrina e pastoral; mas por outro lado não pode seguir a bajulação da moda ou do tempo.

Na disputa presente, que é mais séria que qualquer outra anterior, está em jogo a criação de uma moral totalmente nova sem compromisso (uma nova matriz social) tendente a fomentar a criação de um novo Homem e de uma cultura (nova maneira de estar social), de orientação matemática, criada artificialmente e implementada por cúpulas político-económicas cimeiras que, à imagem da manipulação da natureza, (experimentação biológica da manipulação da gene humana) quer impor a manipulação da cultura e daquilo que constitui os fundamentos da identidade das culturas. Os manipuladores da cultura já cantam vitória ao verificar que no povo, com o tempo, se pode observar uma certa inversão de mentalidades, como vai acontecendo na igualação de comunidades de vida homossexuais a heterossexuais e mais tarde na eutanásia e na eugenia.

A defesa da família é uma questão de natureza, de religião e de Estado independentemente da crença. Ao ligar-se a constituição de família à procriação também se deve ter em conta que quem se casa catolicamente também não tem obrigação de ter filhos e os que não podem ter filhos ou se casam em idade de os não ter, não perdem a legitimidade do casamento, chega-lhes a boa intenção. Como na natureza não há regra sem excepção. Um outro aspecto a ter também em consideração é que uma coisa é o casamento civil e outra é o casamento religioso. Posso imaginar, a nível cristão, a bênção de um par homossexual mas não o sacramento.

A Igreja tem o direito de se sentir ligada à tarefa bíblica e o Estado à vontade dos cidadãos. Um e outro não devem ignorar o quórum de que são feitos nem ideais que reconhecem a regra e a excepção. O direito de minorias ou da excepção não pode ignorar também os direitos das maiorias ou da regra. A vida e o progresso pressupõem um contínuo processo de colaboração e adaptação, só assim se pode garantir o princípio evolutivo da colaboração dos mais fracos para subsistirem contra a lei da força dos mais fortes que arrasariam o resto da natureza.

A igreja tem por seu caracter constitucional ficar-se pela simplicidade da verdade: o sacramento do matrimónio consta de uma união de uma mulher e de um homem para sempre. O sacramento tem vigor até à morte, por isso para o celebrar será precisa grande maturidade e a vontade da metanoia individual e comum. A doutrina da fé é orientação e não deve agir contra a praxis da fé; o casamento é ao mesmo tempo sacramento e comunidade de vida. A indissolubilidade do matrimónio não deve tornar-se numa teoria abstracta sem relação com a praxis (não é apenas um ideal humano). Optar pela vida é o característico da vida cristã que não vê na entropia uma via a seguir reconhecendo, pelo contrário, que a vida é uma subida que implica luta no reconhecimento da própria sombra e luz.

Não se deve demonizar nem glorificar a homossexualidade. Por vezes há muita agressão no discurso sobre o assunto porque por trás de um homossexual ou de uma lésbica se escondem muitos anos de sofrimento e de opressão indirecta, ou porque o tema da homossexualidade e do género é usado como estratégia para a mudança paradigmática da sociedade e valores e ainda porque os lóbis da EU e dos USA ditam através de leis a aplicar nos parlamentos, os novos comportamentos a criar numa sociedade do futuro.

A defesa da ideologia homossexual, que faz parte da ideologia do género, encontra-se em contradição com todas as culturas, religiões e com a natureza. A homossexualidade deve ser compreendida como excepção à rega sem ser marginalizada e sem o acompanhamento da paulada moralista que muitas vezes a discriminou e em muitos lugares continua a descriminar considerando homossexuais, como se se tratasse de leprosos. Cada época tem um ideário correspondente com abusos num ou noutro sentido mas que a sociedade vai corrigindo com o tempo.
António da Cunha Duarte Justo
Teólogo
www.antonio-justo.eu