UM POVO CULTO NÃO DEVERIA SUPORTAR A TV QUE TEM

Os Poderes contestados de Ontem reúnem-se modernamente nos Canais de TV

Acabo de chegar de Portugal. Uma estadia, na Quinta Outeiro da Luz, muito rica em contactos e em experiências humanas confortantes. O brilho da gente e do clima contrasta com a negrura e a baixeza de muitos programas da TV. Os responsáveis da TV parecem ter a intenção de educar o povo para o mórbido para o acaçapado, quando a sua missão não deveria ser educar mas informar e instruir!

É horripilante o nível das cadeias de TV. O povo continua a ser emburrecido com histórias emocionais de roubos, suicídios, assassínios e quejandas; tudo explorado até à exaustão duma lágrima que turva a inteligência. Notícias, que deveriam ter lugar apenas nos jornais locais, são exploradas pela TV na intenção de fomentar uma consciência ligada ao espírito coitadinho e a instintos primitivos; programas com moderadores, muitas vezes, sem nível, mas democráticos para que a estupidez também encontre representatividade nos canais virados para a sentimentalidade e a negatividade; enfim, uma cultura para mais engordar a plebe. Até o povo sensato parece não notar que está a ser encharcado com imagens e conversas baratas tendentes ao alheamento, numa perspectiva de lavagem do cérebro. Deixa-se levar e até gosta do sentimento satisfeito que o torna cada vez mais na mesma, porque “com papas e bolos se enganam os tolos”. Quanto menos o povo consiga conectar mais facilmente será de levar!

O mais lamentável é que a classe académica e gente bem pensante suportem a banalidade e não proteste contra. Um povo abandonado a feras vestidas de cordeiro e a discursos banais.

Quanto ao discurso político transmitido: uma miséria! Apenas discurso partidário para embalar o zé-povinho! É rara a discussão política objectiva sobre temas e se tal a desoras; o que interessa são os ardinas políticos da praça e todo um enredo em torno do dito e do não dito: uma conversa fiada para desinformar.

Cada partido apresenta-se como uma rampa de salvação vendo a do adversário como a rampa para o inferno. Cada qual com os seus dogmas e conversas intermináveis socorrendo-se da falta de informação factual e de argumentação concreta de um público à deriva, até porque só entende os cabeçalhos e os títulos das notícias. Conversa, só conversa! Porém, a conversa nunca é certa, se deixa espaço para reticências. Numa sociedade quer entupida/autossuficiente quer castigada, falta a informação e o interesse por ela, devido às instituições dos boys que tudo minam e dominam.

Temos de deixar a ilusão de que alguém nos virá salvar. Nós é que temos de nos salvar. O povo português é de memória curta e muitas vezes infantil ao pensar que a alternativa, no tempo de eleições, vem de um outro partido. A República começou empestada de ideologias e oportunismos e continua fiel a esta tradição. A juventude abandona o país; fica o hábito acomodado e autossatisfeito a continuar a má tradição.
Boa noite, Portugal!
António da Cunha Duarte Justo
www.antonio-justo.eu

Ética da Responsabilidade pressupõe uma Educação para a Liberdade

A liberdade passa pela revisão da gramática – Nossa matriz da vida

Por António Justo
É essencial o empenho pelo estudo dos problemas humanos sob a perspectiva duma ética da insubmissão, porque a prática do hábito e da submissão levou a História a repetir-se, na continuidade de um poder medíocre e violento, que governa o mundo.

Hoje já se reconhece a submissão, a rotina e o medo como factores que impedem o desenvolvimento humano e sociológico, porque conduzem à subjugação, à técnica e aos automatismos do imediato consumista e a uma moral ad hoc. Albert Einstein advertia: “Os grandes espíritos sempre sofreram oposição violenta das mentes medíocres. Estas últimas não conseguem entender quando um homem não se submete, sem pensar, aos preconceitos hereditários e usa a inteligência com coragem.”

Não se trata de educar para uma revolta violenta contra os sistemas vigorantes (isso foi o que se fez durante toda a História em lutas, guerras e guerrilhas reactivas); a consistência ou inconsistência dos Estados actuais é o resultado dessa prática do grupo mais forte que impôs o regime, em que cada país se encontra no momento. Enfim, a História tem sido uma cadeia ininterrupta de assaltos e contra-assaltos. Como este é um dado de sustentabilidade negativa, no prolongamento de um passado centrado na violência e no poder, sem sentido pelo viver, será necessária a propagação de uma revolta integral da consciência (alma e inteligência acordadas e reunidas na intuição) que possibilite uma maneira de estar pacífica centrada na pessoa e não nos grupos de força, de maneira a acordarmos para o sentir integral da vida.

O conhecimento oficialmente propagado é confuso e baseia-se na divisão e confusão que conduzem à concorrência, ao conflito e à violência; isto porque assim se estabiliza os grupos de atitude violenta.

A acção pragmática e a razão, no seguimento da ambição, conduzem à eficácia mas não produzem felicidade; em vez de integrarem os polos extremam-nos no sentido de dividir para imperar (veja-se a definição partidária na sua dinâmica contra o integral); comporta uma dinâmica do abstrato e da generalização, distante da vida baseada na moral da lei, mas não no indivíduo concreto; o sistema da autoafirmação na definição contra o outro já assume, em si, o princípio da corrupção e da violência.

Como vimos no quarto estádio da ética, o estádio do amor que integra as partes numa dinâmica de maximização do indivíduo e da comunidade (à imagem da fórmula trinitária) a perspectiva deve incluir todas as perspectivas centradas na pessoa. (O aspecto utópico talvez se situe apenas no momento de projectar a acção e responsabilização individual para o grupo).

A mudança qualitativa só poderá dar-se mediante a mudança da gramática! Aprender a aprender para libertar/responsabilizar o Sujeito

A actividade escolar orienta-nos para o utilitário e eficaz impondo a luta competitiva numa estratégia do ‘alarga os ombros e deita abaixo’, se queres subir. Trata-se de uma educação irreflectida, feita de automatismos que conduzem a um viver no sótão do pensamento muito longe da vida concreta e em que se procura compreender tudo menos a nós mesmos, menos o nosso sentido e o sentido do nosso viver. Não respeita as características do indivíduo. Começa por forçar o intelecto e negligenciar a emoção e a acção, não se preocupando com o desenvolvimento da personalidade.

A escola e a educação partem de diretrizes e planos de enquadramento destinados a encaixar o cidadão numa dada intenção política, que ensina, à sua maneira, a perceber o que é, mas não a perceber o como é nem o como podia ser. Instrumentaliza-se o indivíduo, a vida e até os ideais dela. Na escola, deixa de haver indivíduos concretos para serem desvirtuados no mundo do rebanho centrado num pensar abstracto desresponsabilizador. Na sociedade, tal como na escola, só há lugar para a manada de complementos tornados predicativos de sujeitos indeterminados. Há que personalizar e reabilitar o sujeito indeterminado. A frase com o seu sujeito, predicado e complementos torna-se no símbolo de uma sociedade (massa) e de uma vida empedernida em funções sem respeito por cada termo em si; aplica-se uma gramática/didáctica que não compreende o termo/palavra independentemente da sua função e, deste modo, não lhe possibilita liberdade nem responsabilidade própria. Uma gramática das funções contrapõe-se à realidade da mudança contínua porque fixa os termos/pessoas no tempo cronológico e num meio já determinado. Para mudarmos a sociedade e a vida teremos que começar por consciencializar a gramática, nosso rescrito de vida, para assim, consciencializando-nos dos seus parâmetros, sermos capazes de criar novos, o que pressupõe começar por revolucionar a gramática (reflectindo o seu caracter estigmatimo) ou pelo menos a sua didáctica! A mudança qualitativa só poderá dar-se mediante a mudança da gramática!

Aristóteles e a Platão apresentam-nos achegas de reflexão sobre os valores perenes que nos resguardam de um viver de slogans alienantes formadoras de atitudes e virtudes oportunas para o momento socioeconómico em que se vive. O valor perene é integrante e como tal não define (é inclusivo não colocando o fim, o limite), destrói barreiras porque parte de uma visão integral da vida que deixa de ser esquartejada no tempo e consequentemente desconhece o medo enfreador. Onde há medo há sofrimento, há um ferido e uma batalha perdida. Quem propaga o medo é inimigo do homem e da liberdade. Por isso a missão é libertar todo o homem, seja ele muçulmano ou cristão, seja ele socialista ou capitalista, porque só então cairão as correntes e as muralhas dos prisioneiros que se encontram dentro e fora dos muros. O autoconhecimento conduz à experiência do suor de sangue no Horto das Oliveiras e à expressão individual de cada um na qualidade de ressuscitado.

As palavras são como o vento que passa e o exemplo é como a torrente que arrasta. O problema da mudança permanece bicudo pelo facto de um sistema só se mudar qualitativamente quando os seus membros se mudarem, isto é, quando grande parte dos indivíduos se mudarem, o que significa um processo de mudança imensamente lento, porque centrado em cada pessoa.

Obedecer/desobedecer para crescer!

A lei, a ideologia, o pensamento não muda basicamente, o que faz mudar é a atitude, o comportamento. Enquanto construirmos a nossa identidade identificando-nos com um sistema, país, religião, filosofia ou cultura, estamos a fugir de nós e a procurar a segurança fora de nós. Esta é a tragédia. Esperamos de fora no ter o que não somos conscientemente (no ser interior). Isto não quer dizer que não devamos pertencer a um partido, a uma religião, ou a um grupo qualquer, como meio e campo de acção, mas não como algo de identificação ou onde se procura a honra ou o poder. A natureza não conhece nenhum elemento que em nome do grupo se mate ou mate alguém. Só o Homem chegou a tal corrupção desnaturada prescrevendo a morte de pessoas em nome do grupo ou instituição; tal corrupção é tão descarada a ponto de a inscrever como norma em livros sagrados! E o que é mais grave a palavra mágica “religião” serve para conter as inteligências políticas e os intelectuais que se desobrigam na confusão das interpretações ao gosto da bondade ou maldade do cliente, em vez de se centrarem na qualidade da filosofia da religião.

O país, a nação, a política, a ciência e a religião não existem para serem servidos, devem ser meios de servir e fazer o bem. O ser humano é superior às instituições, está antes delas; estas são para o servirem e não o contrário. É contra a natureza o fanatismo bem como considerar uma instituição material ou espiritual como o bem. Estas pecam por delimitarem, definirem (ao determinarem o limite, o fim) de uma realidade que o não tem. O poder reside na divisão! Toda a ideologia como toda a instituição comete o pecado de se arrogar e usurpar a bondade que se encontra na pessoa. Só a pessoa é o lugar do bem e do mal. As instituições e até o sistema mental transferem a vida individual para as ideias e para as relações humanas de maneira a serem servidas por estas; conseguem-no ao determinarem a sua identidade na fronteira que separa o que deveria estar unido e rouba ao indivíduo a sua auréola pessoal transladando-a para a instituição e fomentando a dependência do indivíduo em vez da sua independência (Confrontar o dolo e o beija-mão de personalidades mesmo non gratas à população!). O Jardim infantil das sociedades em que nos encontramos faz lembrar a dança em torno do bezerro da Babilónia! Age-se sob o pressuposto que o que as pessoas precisam é de uma música qualquer para poderem dançar, independente do valor ou ética da “música”. Fala-se de emancipação mas na realidade a mesma sociedade que a defende, a rebaixa, entregando a dignidade humana às feras da praça pública. Isto não elimina o reconhecimento dos dons e do serviço em comunidade, com a comunidade e para a comunidade. Na comunidade há uma relação de sujeitos e não de objectos (o lado oposto da moral de Nicolau Maquiavel) o que permite uma outra interpretação dos dons e serviços porque a comunidade amplia o membro na complementaridade, não o rouba. É necessário criar uma pedagogia da certeza do incerto. Para isso são necessárias pessoas adultas e de boa vontade.

A Certeza do incerto

Temos de reconhecer também os limites do nosso sistema de pensamento e tornarmo-nos conscientes do seu condicionamento ao preconceito; de facto não há conceito sem preconceito. As forças de poder material ou ideológico usam do preconceito sem passarem pela reflexão; usam até da lógica para embrulharem a razão; servem-se na escola do preconceito, ensinando-nos a viver dele sem nos consciencializarem de que o preconceito é apenas um instrumento necessário para chegarmos à apreensão da realidade intelectual, sendo ao mesmo tempo uma oportunidade e um perigo falsificador de realidade. O problema da realidade começa com a ideia dela.

Se atribuo a uma percepção ou ideia a mesma realidade existencial (o mesmo conceito de existência) que dou à realidade das coisas, identifico imaginação ou ficção com a existência do objecto, dando-lhe assim uma outra forma de existência. Daqui o necessário respeito por cada instrumento de acesso à Realidade seja ele os sentidos, o sentimento, o intelecto ou a intuição. Aqui se situa o busílis da questão entre real e irreal, religião (fé) e ciência (opinião). Por isso prefiro situar-me na realidade da metáfora ao descrever ou interpretar as manifestações de um real mistério que é o mistério do real presumido na metáfora ou nas diferentes parábolas físicas, linguísticas ou culturais. Razão é a capacidade de julgar entre duas ideias, no caminho da crença ou da opinião; o problema começa com a valorização do juízo feito.

O primeiro passo a encetar será a consciencialização e auto- consciencialização da estrutura falsa e falsificadora vigente em nós mesmos e nas diferentes estruturas sociais. Não podemos destruí-las porque se o fizéssemos destruiríamos o homem e a sua a cultura. Uma nova educação terá de tender a distinguir entre os preconceitos necessários e os preconceitos nocivos e a encarar a resolução de problemas sob uma perspectiva individual responsável que parta da perspectiva do nós para o eu gratificado.

Não se encontra a certeza no ser pelo que, para o bom viver, há que se dedicar aos modos de ser. Na falta da certeza há que descobrir e experimentar como é o falso e como é o verdadeiro. Trata-se de começar a gatinhar.

Urge uma revolução cultural centrada na formação individual para se poder libertar a pessoa de velhas estruturas para tornar possível a transformação do homem e, através deste, da sociedade; uma revolução que parta do interior integral e se oriente para o interior de cada um (autoconhecimento, consciência da ipseidade) através da aquisição de um novo sistema de pensar e dum novo conhecimento. O entendimento e o pensamento são como a língua; a linha da fronteira de uma língua limita o horizonte do falante; limita o horizonte intelectual e limita a circulação fora dela. Trata-se portanto de criar uma linguagem universal que toque o coração de cada indivíduo e a inteligência das instituições.

O ser humano é um milagre em contínua criação que não deve ser domesticado nem encarneirado por instituições em quem a manada projecta a aura e o horizonte do próprio ser, com desejos provindos de recalcamentos num eu não consciente. Também a borboleta para poder voar teve que passar pela mudança progressiva. A meta da pessoa não é o paraíso nem o nirvana, mas sim a sua floração no ressuscitado.

A degradação do Homem e da sociedade parece irreparavelmente inexorável porque as instituições que a constituem (fruto da precaridade individual), são incapazes e, consequentemente, produtoras de crises. Neste sentido torna-se inoportuna uma avaliação dos valores que nos conduzem à precaridade da consciência (hipocrisia, inveja, sede de poder, nacionalismo, racismo, etc.). Temos construído a casa sobre a areia, partindo do princípio que se alcança paz com mãos de guerra. Enquanto a esperança se basear no medo não haverá solução pacífica. Por isso Cristo resume a vida integral: “eu sou o caminho, a verdade e a vida”. Para lá chegar é preciso aprender a pensar fora dos modelos que nos prendem.

À maneira de conclusão

Se queres ver a Lua não esperes pela noite, o seu melhor rosto é ao pôr-do-sol. Porque não vivemos o presente na realização da felicidade, adiamo-lo e com ele a nós para um amanhã em que projectamos esperanças (tornamo-nos progressistas ou conservadores sem ter consciência do agora que culpa o passado ou espera no futuro, encobrindo, deste modo, a própria violência interior, que se revela na carência do presente). Reféns da causalidade, adiamos a resolução da paz para outros, para os vindouros, tornando-a um energúmeno do futuro que nos leva a fugir de nós e a distrair do presente. O passado (é a memória feita tempo), presente (o acontecer no eixo do tempo/fora do tempo) e futuro (é projecção feita tempo); passado e futuro são aspectos de algo que deveria ser só presente (Kairós), o fora do tempo. A vida inteira é viver e morrer, esforço e paz, contínua mutação num processo de integração dos próprios polos.

A via tem dois sentidos e a vida também. Seguindo no sentido contrário da via dificultamo-nos a existência, dando-lhe pernas de aflição e ambição/conflito, porque atados à trela do tempo. O hábito e a acomodação é tempo morto na rotina que nos empedernece.

No escurecer do pensamento levanta-se o amor que não é desejo mas sensação inocente do infinito; então chega a intimidade da noite escura onde só as estrelas falam do milagre que o universo faz brilhar nos nossos olhos. Só na noite surgem as estrelas, só no silêncio da mente se ganham asas para voar até ao firmamento onde o muro das ideias, culturas, anseios e preocupações já não fazem sombra.

Somos levados pelas ondas das influências políticas, religiosas, individuais e sociais de que nos temos de libertar. Eu noto em mim uma grande prisão, que é a consciência da defesa de valores cristãos que reconheço como inalienáveis para o futuro mas que me levam a ter medo do Islão. Um medo que me leva a não viver no presente com o medo do que acontecerá no futuro.

Num mundo em que se aspira a autoridade e posição social já não se é livre, o mesmo se diria pela ânsia de ser virtuoso ou bom; contudo, na falta de liberdade é melhor estar-se preso pela ética, desde que se tenha consciência disso. Se tenho a força de ser eu já não tenho medo de ser bom nem mau; na virtude e no pecado assumo ser eu conscientemente. Então desta perspectiva compreenderei a própria compreensão e a dos outros, ciente de que nesse entremeio se realiza a transformação que possibilita o milagre. Se me compreender compreendo o mundo e ao compreender-me viverei em paz com ele. Uma cultura ou uma pessoa fechada na própria órbitra como a Terra em volta do Sol circunscreve-se a si subestimando a realidade do universo. Se queremos descobrir o universo teremos de não dar relevo à própria giratória. Esta é a diferença entre um satélite e uma estrela.
©António da Cunha Duarte Justo
Jornalista e Ex-professor de filosofia aplicada
www.antonio-justo.eu

Níveis da Justiça e da Ética no Desenvolvimento das Pessoas e das Culturas

A Virtude da Tolerância desafia a Virtude da Coragem

Por António Justo

O medo, o anseio por segurança, a leviandade mental são característicos de uma sociedade em redemoinho que destrói a personalidade e impede a reflexão individual do cidadão para o engavetar em padrões sociais medíocres.

A insegurança e o medo domam as energias criativas e impedem a compreensão da vida, conduzindo a uma situação de pânico que provoca uma reacção de ânsia de sucesso imediato material e espiritual. A insegurança e a arbitrariedade no julgamento de práticas políticas e religiosas fomentam um moralismo preconceituoso e precipitado longe de uma ética reflectida abrangente. Deixa-se de combater por ideais nobres para se pelejar com guerrilheiros que se encontram mais próximos ou que são mais oportunos.

A falta de discernimento conduz a opiniões precipitadas e intolerantes, pela positiva ou pela negativa. Daí a importância de distinguir entre ética e moral e de constatar a evolução da ética e dos costumes a nível de pessoas, instituições e civilizações para possibilitar um diálogo interactivo e produtivo entre pessoas e culturas. As culturas só têm a oportunidade de se aproximarem ou de se guerrearem. Se a sociedade continuar com a mesma política dos últimos 60 anos a guerrilha proliferará de maneira avassaladora.

Ética é a orientação consciente por regras ou normas; implica uma conduta de vida criteriosa e ter a capacidade de decidir com discernimento entre acções boas e más.

Moral diz respeito ao cumprimento das normas por que se orienta a maioria e que correspondem a determinadas ideias/imagens na vida interpessoal. As normas adoptadas podem ser aplicadas consciente ou inconsciente.

Podemos considerar quatro etapas do desenvolvimento da ética e das sociedades que a praticam:

Na primeira etapa é permitido castigar uma acção sofrida com uma acção pior. Exemplo: alguém rouba algo e como castigo é-lhe cortada a mão (cf. lei da Sharia no islão); o homem é o lobo do homem (homo homini lupus!). Na segunda etapa da evolução ética passa a ser aplicado o princípio de talião que corresponde a responder a uma acção com outra acção correspondente: “olho por olho e dente por dente” (vingança igual). A terceira etapa que se encontra já no Antigo Testamento, no Hinduísmo, Confucionismo e na Filosofia grega, orienta-se pela “regra de ouro” que determina: “Não faças aos outros o que não queres que te façam a ti” ou “Faz aos outros o que queres que te façam a ti”. A quarta etapa da ética é a ética das Bem-aventuranças, a ética do amor ao inimigo e do vingar o mal com o bem; é declarada no Sermão da Montanha mas muito difícil de praticar e em certos conflitos levará até à eliminação do bem, tal como aconteceu com a crucificação do maior Mestre aparecido na História. Pelas obras se mede a qualidade ética das acções, que se tornam mais ou menos virtuosas.

Virtude é a capacidade de comportamento determinado por um valor. Pressupõe uma decisão baseada numa atitude e numa mundivisão (experiência de vida, idealismo). A virtude tem como actor contra ela (o vício) a agressão (o outro lado da calma) dado a agressão parecer o meio natural de autoafirmação (movimento egoísta contra altruísta) na intenção de formar e afirmar identidade.

O filósofo Aristóteles distinguia entre duas espécies de virtudes: As virtudes racionais (dianoéticas) inteligência, sabedoria, o pensamento científico, etc. e as virtude éticas ou da vontade. Para se determinar a virtude, Aristóteles elaborou o padrão do Meio-termo, o meio justo (Mosóteles), vulgarmente dito na expressão, “a virtude está no meio”. Por exemplo, coragem é o meio entre covardia e imprudência (Temos o momento da falta, o momento da virtude e o momento do exagero, exemplo: falta: Sofrer de injustiça – virtude: justiça – excesso: praticar a injustiça).

A virtude depende de um valor mais alto. Na história da ética reconhece-se como valor mais elevado, a felicidade, Deus, o paraíso (nirvana), espiritualidade… A virtude pressupõe educação, hábito e relação interior através da compreensão, da alegria e do sofrimento.

Max Klopfer, na sequência de Aristóteles, nomeia, para a determinação de cada virtude, as seguintes características gerais: a) o meio entre dois extremos (aspecto formal), b) fundamento num bem maior (aspecto material); e para uma determinada virtude as características especiais dela: a) baseada numa determinada situação e b) relacionada a uma determinada pessoa (subjectividade).

As virtudes encontram-se todas numa relação de reciprocidade. Platão fala de quatro virtudes cardeais: sabedoria, coragem, prudência e justiça. Aristóteles fala de 14 virtudes: Sabedoria, coragem, prudência, justiça, serenidade, serenidade nobre, generosidade, magnanimidade, elevação, honra, amizade, dignidade, indignação justa, sinceridade, destreza social.

O cristianismo acrescentou-lhes, fé, esperança e caridade. A Burguesia do século XIX acrescentou-lhes as virtudes secundárias: ordem, aplicação, limpeza, pontualidade, etc. Hoje, a sociedade europeia parece esgotar-se na virtude da abertura e da tolerância esquecendo que estas são virtudes secundárias de outras virtudes oprimidas por uma sociedade demasiado preocupada com o pragmatismo político.

O homem no decorrer do tempo histórico foi deixando as marcas do seu desenvolvimento ou reacção às experiências sociológicas e antropológicas prévias.

Ética da lei

Na tradição judaico-cristã vale a orientação pelos dez mandamentos, em especial o amor ao próximo e a Deus (Mat. 22,37-40). Não se trata aqui de preceitos exteriores mas de configurações internas fluidas, não empedernidas na letra mas a serem sempre actualizadas pela atitude sempre nova e viva. A referência cristã mais que de um livro ou norma é a pessoa do JC. A ideia base é a igualdade de todas as pessoas baseada na semelhança de toda a humanidade com Deus. Friedrich Nietzsche lamenta a herança cristã dizendo: “Na igualdade das almas perante Deus é dado o padrão de todas as teorias dos mesmos direitos para todos”.

A ética muçulmana, essa sim, é uma verdadeira ética da lei ou do livro que dificulta qualquer teologia porque Deus se formaliza no Corão não dando lugar à teologia, quase se esgotando na jurisprudência.

Ética do dever – orientação pelo senso comum

Kant criou a ética do dever como um tipo especial da ética que se fundamenta na racionalidade humana. Para o filósofo o dever é claro e incondicional; a acção não depende de condições pelo que se torna num imperativo categórico desde que o modo de agir possa ser generalizado e a dignidade e liberdade da pessoa respeitada.

Os estoicos já tinham ligado a moral ao dever, fundamentando-a na ideia do direito natural, baseado na natureza e que tinha como objectivo o domínio dos afectos e do prazer. Seguir o prazer pressuporia desconhecer a essência do próprio ser; para o estoico, é sábio e livre quem ultrapassa a felicidade e a infelicidade; para ele tudo é indiferente. No outro polo desta filosofia encontrava-se o epicurismo.

Ética do útil (Utilitarismo)

Epicúrio (um 341 a.C.) centrava a ética no proveito individual dirigido para a felicidade e o prazer. Pretende fomentar necessidades que maximizem o prazer e o mundanismo radical. Enquanto para Epicúrio o objectivo era a felicidade individual, para os anglo-saxões era a felicidade do grupo.

Nos países anglo-saxões (Bentham, 1748-1832) o critério de avaliação da acção é o princípio da utilidade para todos os participantes. Bom é o que é útil para todos; a diversidade das necessidades individuais não conta grande coisa.

Segundo O. Höffe a ética utilitária inclui 4 princípios: o princípio das consequências (não interessa a atitude mas os resultados para decidir da acção); o princípio da utilidade (a avaliação das consequências orienta-se pelo bem abstracto, trata-se de consequências úteis); o princípio do prazer (o fim último é a felicidade, bom é o que dá prazer e traz alegria); princípio social (não conta a felicidade individual mas a de todos).

O utilitarismo favorece o direito das maiorias. Hoje, o fim não pode justificar os meios, estes têm de ser aferidos pelos direitos fundamentais do Homem.

Ética da responsabilidade

O agir responsável pensa nas consequências que a acção actual tem para as próximas gerações. O ser humano tem de julgar ética e moralmente as consequências da sua maneira de agir. Não se pode fazer tudo o que se pode, embora a técnica o possa permitir, a vontade tem limites se quer assumir responsabilidade e garantir sustentabilidade. A ética da responsabilidade presume uma educação para a liberdade; uma educação que não instrumentalize o medo como meio de tornar o Homem maleável e funcional no sentido das instituições actuais.
Continua em “Ética da Responsabilidade pressupõe a Educação para a Liberdade”
©António da Cunha Duarte Justo
Jornalista e Ex-professor de filosofia aplicada
www.antonio-justo.eu

O ENSINO PRIVADO NA ALEMANHA

A Procura do ensino privado ou particular aumenta

Por António Justo
Segundo dados do Instituto Federal de Estatística na Alemanha, o Estado gastou em média, por aluno da escola pública 5800€ em 2010. A despesa escolar por aluno diferencia-se segundo o tipo de escola. Assim os custos por aluno nas escolas primárias totalizaram 5200 euros, nos liceus e escolas abrangentes 6600 Euros, nas escolas profissionais do sistema dual 2500 euros por aluno (neste sistema o aluno passa metade do tempo na escola e a outra metade no local profissional de aprendizagem, isto é, na empresa).

Na Alemanha há 5.600 escolas privadas. As escolas particulares, reconhecidas pelo Estado, recebem subvenções financeiras num montante de 84% (dos custos do ensino estatal); destes 78 % são suportados pelos estados federados, 4% pelos municípios e 2% pelo governo federal (referência de 2009).

As escolas privadas ficam mais baratas que as estatais; assim em 2011 o Estado poupou, através das escolas particulares, cerca de 1,2 bilhões de euros (cf. http://de.wikipedia.org/wiki/Privatschule) .

O ensino particular ou privado destaca-se, segundo estudos PISA, em maior qualidade e eficiência. Naturalmente que também há uma certa diferença entre muitos alunos frequentadores das escolas privadas e das públicas, o que relativizará um pouco os termos de comparação a nível de eficiência de notas.

Ensino privado na minha cidade

A cidade Kassel, onde de momento me encontro, tem 200.000 habitantes e destes 32.600 são alunos de escolas estatais e privadas. 2.600 frequentam o ensino privado. Nos últimos anos o ensino privado tende a aumentar. As escolas de maior referência são a Católica e a Waldorf. A escola católica teve de recusar aceitar mais alunos por falta de espaço. Este ano, a Escola Waldorf aumentou a sua capacidade de 780 para 800 alunos. As taxas escolares levantadas pelas escolas privadas orientam-se pelo porta-moedas das famílias. A contribuição base é 90€ mensais (Na Alemanha o ensino é da competência dos estados federais pelo que há diferenças entre eles). No Estado da Baixa Saxónia, a taxa escolar não pode ultrapassar os 300€ mensais. Naturalmente que há diferentes tipos de escolas privadas ou particulares com diferentes serviços.

A maior parte dos pais paga mensalmente em Kassel, na Escola Waldorf, 200 euros por filho. Uma família, com um vencimento ilíquido mensal de 4500€, paga, nesta escola, por 4 filhos, 764€ mensalmente (Cf. HNA, 5.9.2014). As 10 escolas privadas existentes em Kassel são financiadas pelo Estado e pela taxa escolar que cada escola privada levanta. Das 10 escolas 4 são Escolas de fomento especial; estas são financiadas integralmente pelo Estado não podendo elas levantar taxas próprias. Os pais vêem contemplado nas Finanças, no acerto dos impostos do final de ano, os gastos tidos com a educação.

A Procura do ensino privado ou particular aumenta

O aumento de procura das escolas privadas deve-se à crescente insatisfação dos pais em relação às escolas estatais, ao aumento de exigências das famílias em relação à escola, ao ensino bilingue nalgumas delas, ao fomento individual do aluno, etc.; a escola particular tem de se preocupar com a satisfação dos clientes (alunos e pais) de que estão também dependentes, as escolas colocam os professores, o que permite escolha mais acurada, menos horas de falhas, maior estabilidade e menos ingerência educativa do Estado no foro privado da pessoa (educação sexual), etc.

Oferta e procura regulam o mercado para satisfação de uns e de outros. Uma vez que o sector público financia justamente o ensino privado, este não se torna tanto apanágio dos ricos. Por isso não se torna acuta uma discussão polarizante entre o sector estatal e o privado. Ou uma discussão de trincheiras ideológicas como se observa nalguns países entre os defensores das razões do estado e os protagonistas das razões do cidadão particular. A missão dos Governos e dos partidos é servir bem as crianças e não as ideologias. Trata-se de uma política de complementaridade respeitadora da diversidade, de todos para todos. A Alemanha fez a experiência do fascismo alimentado no ensino da escola pública e por isso reconhece também os problemas que este pode gerar.

No Estado do Hesse 7% dos alunos frequentam escolas privadas. Segundo as estatísticas dos países da OCDE, 14% dos alunos dos países membros frequentavam em média, uma escola privada. Na Alemanha 8%, na Holanda 67% , na Irlanda 58% , na Espanha 35% e na Dinamarca 24% dos alunos.
António da Cunha Duarte Justo
www.antonio-justo.eu

BARBARIDADES CONTRA A LÍNGUA PORTUGUESA

Brasileiros pretendem acabar com o “h” no princípio das palavras e substituir o “ch” pelo “x”

António Justo
A actual discussão no Senado brasileiro sobre a simplificação da ortografia revela-se contra-produtiva em relação ao acordo ortográfico. A crença de Ernani Pimentel e do ‘Movimento Simplificando a Ortografia’ de que “a simplificação ortográfica é a porta para a eliminação do analfabetismo”, revela-se como despiste ou desorientação. A iniciativa pretende inverter o desenvolvimento linguístico ao copulá-lo com a camada social menos desenvolvida; enfim, uma posição decadente tendente a que as árvores passem a ter a rama na terra e as raízes no céu.

Os Diálogos Lusófonos, tal como outros meios de comunicação brasileiros têm vindo a referir que o senador Cyro Miranda, presidente da Comissão de Educação, lidera um projecto da Comissão conducente à simplificação da ortografia da língua portuguesa. O projeto “propõe a extinção da letra “h” no início das palavras e a troca de todas as expressões com “ch” pelo “x”, passando palavras, tais como ‘homem e hoje’, a serem escritas com a grafia ‘omem e oje’ e palavras como ‘macho’ a serem escritas ‘maxo’. Exemplos das intenções em vista: Flecha Flexa, Analisar Analizar, Blusa Bluza, Exigente Ezigente, Exame Ezame, Amassar Amasar, Açúcar Asúcar, Moço Moso, Deuses Deuzes.

Segundo intenções dos mentores do projecto, este poderia ser aplicado em 2016, após consulta aos países de língua portuguesa.

É estranho que Brasileiros queiram fazer equivaler a língua escrita à língua oral quando escrevem dia e pronuncia dʒja ou dja. A língua não pode ser posta à disposição arbitrária de ideologias (socialismo mal-entendido) nem de lógicas a que falta a supervisão racional abrangente. Sem respeito pela linguística, atacam a ortografia, a etimologia, a conexão entre palavras cognatas.

Depois do tão discutido acordo ortográfico da língua portuguesa, aprovado em 16 de Dezembro de 1990, que pretende criar uma ortografia unificada e em vigor desde 2009, parecem forças radicais quererem colocar-nos na fase antes dele; na realidade pretendem o desacordo agora incentivado em nome de uma massa anónima ‘não consumidora de cultura’.

Ainda o criticado acordo ortográfico não se encontra aplicado e já surgem novas propostas de tendências partidárias e nacionalistas a pretender novas mudanças em nome de uma democracia que quer ver a inclusão social dos seus povos à custa de simplificações arbitrárias e desaferidas, como se a produção intelectual, artística e científica se devesse orientar, pelo princípio do menor esforço, como parece pretender o ‘Movimento Simplificando a Ortografia’. Pretende um nível simplista que evite o analfabetismo e que reduza o tempo de ensino da ortografia e impedir reprovações no currículo de aprendizagem. Esquece que as suas razões de liberdade, igualdade e economia teriam como consequência mais lógica a extinção da educação e das escolas ou a emigração de grupos mais conscientes para o ensino particular. Na sequência ter-se-ia de acabar com o estudo da História e de muitas coisas mais; sim, até porque, na realidade, em termos imediatos cultura não enche barriga.

Querer motivar a mutilação do português, com argumentos de que grande parte do povo brasileiro tem dificuldade em “escolher a letra adequada entre x/ch, j/g, s/x/z, s/ç/c/ss/sc/sç/xc/xç, presença/ausência de h inicial”, seria desconhecer a história e a lógica da língua e desqualificar o ensino brasileiro e a capacidade de aprendizagem de um povo que é tão inteligente como outros países lusófonos que parecem ter menos dificuldades com a ortografia da língua.

Por trás da problemática em torno da ortografia, esconde-se também uma falta de sistemática na aprendizagem da língua e de um ensino que domine os rudimentos da língua mãe (o latim).

Não é certamente por falta de tinta mas talvez por protagonismo político de interesses ideológicos que se equivoca ao qualificar rigor de qualidade intelectual como “alienação do povo” . Por trás de uma identificação com os interesses da pretensa massa popular esconde-se a atitude paternalista de que o povo simples deve ser poupado de elucubrações complexas querendo apresentar a língua como produto fácil e barato à altura do porta-moedas de um mercado orientado pelo poder da oferta e do mais barato.

A questão da língua não pode ser equacionada em perspectivas meramente políticas, geralmente de vistas reduzidas a mentalidades condicionadas a períodos eleitorais quatrienais ou quinquenais e a ideologias de massa anónima sem consideração pelos processos de individuação e diferenciação inerentes à evolução individual e colectiva.

A evolução da língua também não pode ser abandonada a pessoas, talvez de boa vontade mas que não têm a mínima ideia do assunto nem o respeito advindo do conhecimento do evoluir da língua.

Para trás anda o caranguejo!

A iniciativa é absurda e prejudicial porque para corresponder às necessidades imediatas de gente simples, opta por cortar os ramos frondosos da árvore linguística pelo facto de se estar com o sentido na sua madeira ou porque se quer fazer da árvore um arbusto para que qualquer gaiato possa subir a ela sem o mínimo de esforço ou dificuldade. Deixem-na continuar a ser uma grande árvore, uma casa grande onde todas as espécies de pássaros, grandes e pequenos, possam fazer o seu ninho, segundo as suas capacidades e potenciais. Seria disparate cortar as asas às aves grandes para que todas possam viver nos primeiros ramos da árvore. Se a natureza e o desenvolvimento se deixassem reger apenas por princípios de massa ou democráticos não teria produzido a humanidade, ter-nos-ia mantido  na igualdade do estádio das amoebas ou das medusas.

A estratégia de comunicação anunciada pelo senador, de tencionar chegar a acordo com os outros países lusófonos, através de videoconferências, é testemunho de método manipulador de quem quer forçar a sua ideia de legitimação dúbia, fruto do arbitrário, para evitar a discussão nas legítimas instituições científicas competentes para a língua. Nestas coisas precisa-se tempo, calma, independência e ponderação para se evitar confundir um pirilampo com uma estrela. A iniciativa não passa de uma tentativa de desorganização e de desinformação no sentido de desviar as energias do último acordo ortográfico.

A reforma da língua é assunto para linguistas e disciplinas afins, atentas às massas e aos diferentes interesses dos países lusófonos, longe de qualquer interesse hegemónico ou de estratégica particular. O resto corresponde a uma perspectiva minimalista e míope de que sofre em grande parte o nosso sistema democrático. O nivelamento da cultura por baixo tem sido um facto tendente a desacreditar e banalizar a democracia (de interesse comum a um capitalismo e a um socialismo radical); a democracia não deveria merecer tal desconsideração. Imaginemos que, para acabar com o racismo, os brasileiros  determinavam manipular o gene da sua pele, de modo a todos os brasileiros conseguirem uma cor neutra para os seus habitantes! A intenção que se encontraria por trás do objectivo pareceria boa mas a estratégia e os meios para o alcançar seria inadequada, indiferenciada e de consequências catastróficos. A ideologia, por muito potente que seja, não deve desprezar as leis da evolução nem a variedade da realidade integral. Para trás anda o caranguejo!

A ignorância e a precaridade não podem constituir motivo de desenvolvimento cultural nem linguístico. Os programas correctores de língua em via na internet serão um grande serviço para aqueles que confundem o ‘ch’ com o ‘x’ e para os que querem poupar no ensino.

A língua portuguesa não existe isolada no mundo e, também por isso, não deve ser avaliada por critérios proletários simplistas nem pela dimensão populacional de uma nação! É óbvio que se mantenham os critérios de qualidade. O seu desenvolvimento não pode ignorar a riqueza atingida pelas línguas latinas nem o seu rico contexto. Tão-pouco poderá ser critério da afirmação de identidade de um país a negação da História nem o estádio cultural de um grupo social. Tal proposta, como o emprego de energia unilateral e exagerada na integração do galego no mundo lusófono só complica e ajuda a desmotivar a reflexão e a aplicação do acordo ortográfico em via.

O Português não é uma língua difícil. É uma língua muito rica e como tal complexa, com moradas para todos os estados do desenvolvimento social e intelectual até hoje possível e conseguido. Na riqueza de uma língua e na sua complexidade se reflecte o desenvolvimento de um povo e das pessoas que este engloba.

Tentar aniquilar as leis da evolução pode ser democrático mas não natural nem razoável. A existência de favelas e de casas sem jardim não pode ser o motivo para se destruir os palácios e os jardins. O objectivo será construir acesso, para todos, aos jardins e aos palácios.

Sem querer negar a luta de classes e de interesses, precisamos primeiramente de sociedades adultas que discutam os problemas do seu desenvolvimento e daquilo que constitui a sua identidade, com realismo, sem complexos de superioridade nem de inferioridade.
António da Cunha Duarte Justo
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