Origem do Português e do Galego

A Língua portuguesa é a Irmã gémea do Galego

António Justo
A Academia Brasileira de Letras fez um levantamento sobre a língua portuguesa e verificou que esta tem atualmente cerca de 356 mil unidades lexicais.

A grande riqueza do português provém na sua maioria do latim e do grego e das línguas das tribos ibéricas: galaicos, lusitanos (marcas de origem indo-europeia e miscigenação com os celtas, anterior às invasões romanas), etc. e dos invasores germânicos do séc. V (cerca de 600 palavras de origem germânica) e dos ocupantes mouros (berberes e árabes do séc. VIII que enriqueceram o português com 600 até mil palavras); com os Descobrimentos o português continuou a enriquecer-se integrando palavras dos novos povos no seu léxico; actualmente a preponderância da cultura anglo-saxónica favorece a integração de palavras inglesas. De notar que o português não só recebeu palavras das culturas com que contactou mas também deixou crioulos e palavras noutras línguas (O japonês também tem cerca de 600 palavras de origem portuguesa).

O galaico-português era o idioma falado nas regiões de Portugal e da Galiza, no Reino de Leão, que devido à divisão política do mesmo espaço geográfico, posteriormente começou a diversificar-se nas línguas portuguesa e galega. A partir do séc. XII a literatura apoderou-se do galaico-português de modo, a o português se diferenciar no século XVI da língua galega, sua irmã gémea.

A língua portuguesa é a evolução do latim que, como língua veicular literária e cultural, se expressava de duas formas: a maneira de falar intelectual (erudita) e a popular; assim, na formação do Português, encontramos a forma clássica – a língua do Lácio falada até uma certa altura e depois mantida pelos eclesiásticos, poetas e prosadores, como veículo da cultura intelectual e por outro lado a forma do latim vulgar que era falada pelo povo e que abandonada a si mesma se ia modificando mais e mais, com um certo acompanhamento do linguajar erudito. O mesmo se dá hoje: distingue-se a maneira de expressar (especialmente na escrita) de uma pessoa sem grande formação e uma pessoa formada. Os próprios escritores latinos, que utilizavam a forma clássica, referem também o falar do latim vulgar do povo; os escritores romanos referem-se ao falar do povo com os termos “sermo vulgaris”, “cotidianus”, “plebeius”, “rusticus”, etc.

Estas divergências encontram-se ainda hoje nas formas populares e de escrita de qualquer língua a nível fonético, morfológico e por vezes até sintático. A população não consumidora de “alta cultura” usa menos palavras para se exprimir metendo por vezes numa só palavra outros sentidos ou conotações, enquanto a pessoa mais culta recorre, para tal efeito, a maior diferenciação e consequentemente a uma maior gama de palavras.
No território que hoje constitui Portugal e Espanha, já se falavam várias línguas, antes dos invasores latinos chegarem. Entre elas a mais falda era a céltica. O Vasco conseguiu resistir ao latim.

De resto, pelos fins do séc. IV a língua vulgar falada por toda a península era a forma vulgar do latim, o “romanço”. Com as invasões dos alanos, suevos e godos e depois dos árabes, o romanço foi enriquecido com palavras novas dos falares dos invasores. A língua, naqueles tempos abandonada a si mesma, sem disciplina gramatical que lhe desse formato evolutivo, decaiu modificando-se segundo as regiões, pois já não havia a administração romana para lhe dar sustentabilidade nem uma regulamentação da língua, a nível suprarregional. Entre os falares surgiu o galego-português que se modificou algo, devido à independência de Portugal alcançada por D. Afonso Henriques e à obrigação do uso do português então “arcaico” ordenado por D. Dinis para os documentos escritos em vez do latim. Assim, temos hoje o idioma português e o galego; a maior diferenciação do galego deu-se a partir do séc. XVI. Embora se possa provar a existência do galego-português no séc. VII (e o português proto-histórico – um latim bárbaro) só a partir do séc. XII surgem textos completos em português notando-se então a influência da literatura sobre ele.

Numa missão civilizadora, os trovadores que cultivavam a poesia e a música por gosto, contribuíram muito como estabilizadores e fomentadores da língua. Ao irem de castelo em castelo espalhavam também ideais e a dignidade da mulher. Os segréis faziam da arte de trovar uma profissão. Os jograis tocavam vários instrumentos e cantavam versos alheios (artistas da boémia). Muito do legado antigo encontra-se nos Cancioneiros Primitivos.
O lirismo galego-português é do mais genuíno e documenta-se como uma poesia de romaria a Santiago de Compostela e nas romarias aos santos. Segundo Celso Ferreira da Cunha deve “considerar-se como obra de síntese de diversas influências, sobretudo da poesia popular e da poesia latino-eclesiástica”. Tinha duas correntes poéticas: a cantiga de amor que denuncia influência estrangeira, e a cantiga de amigo de caracter popular tradicional. Esta é a primeira manifestação genuína do lirismo peninsular.

Um documento importante do português Arcaico é o Testamento de D. Afonso II (1214) que começa assim:” En nome de Deus. Eu rei Don Afonso, pela gracia de Deus, rei de Portugal, sendo sano e saluo, temete o dia da mia morte, a saúde de mia alma e a proe de mia molier, raina Dona Orraca, e de meus filios e de meus uasssalos…”

No português histórico temos a fase arcaica do séc. XII, XIII e XIV (as terminações arcaicas em “om” deram origem às terminações modernas em “ão” e “am”); segue-se a fase de transição do séc. XV e finalmente a fase moderna, com início no séc. XVI até hoje. No séc. XIV e XV introduziram-se na língua muitas palavras do latim erudito e do grego; o séc. XV foi muito profícuo em mestres da língua (Garcia de Resende, Fernão Lopes, Eanes de Zurara, Rui de Pina, Frei João Alves); a língua passa a ter o seu eixo já não em Santiago de Compostela mas em Lisboa; o séc. XVI produziu grandes mestres da língua como Gil Vicente, João de Barros, António Ferreira, mas o maior de todos eles, o grande mestre do português moderno foi Luís de Camões com “Os Lusíadas”. Camões é um grande entre os maiores da literatura mundial, como afirmava já o grande Friedrich von Schiller, grande poeta, filósofo e historiador alemão que trocaria a sua obra pela glória dos Lusíadas de Camões.

No séc. XVI dá-se a grande diferenciação do português em relação ao galego.

António da Cunha Duarte Justo
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Festival da Eurovisão Cavalo troiano ou Chance de Aproximação

Emissor turco boicota o Festival da Canção
Conchita Wurst  encarna a Luta cultural da Actualidade

António Justo
Conchita Wurst (Thomas Neuwirth), vencedor do Festival da Canção (Eurovision Song Contest) divide públicos e culturas em trincheiras intransponíveis. O emissor estatal turco não emitiu o festival por questões de moral e de decência e a Rússia constata a decadência ocidental.

Enquanto no Ocidente se vive num clima de guerra cultural de progressistas contra conservadores, nos campos de interculturas e civilizações vive-se na luta do modernismo ocidental contra a ética de rigor cristão e contra o tradicionalismo russo e islâmico. Esta guerra passa desapercebida a uma maioria perdida em lutas de perspectivas de moda (Zeitgeist). É uma realidade incontestável que os progressistas, como em Copenhaga, se encontram a favor do vento e ganham, uma a uma, as batalhas culturais na Europa. Isto exaspera as pessoas mais conservadoras.

A Rússia e a República de Bielorrússia, depois da vitória de Conchita “Salsicha”, pensam em organizar um Festival da Cancão próprio. O chefe do partido comunista russo disse que depois do resultado de Copenhaga “a paciência encontra-se esgotada”; o presidente de Bielorrússia diz que o resultado do Festival está simbolicamente para “ o colapso completo dos valores morais na EU”; a Turquia não transmite o festival mas já se tinha afastado em 2012. O amigo de Putin, Vladimir Jakunin, chefe das ferrovias russas, uma das personalidades mais influentes na Rússia, vê em Conchita a expressão da arrogância ocidental porque quem não aplaude “a mulher barbuda” é colocado no rol dos não-democratas e acrescenta “o etno-fascismo vulgar tornou-se novamente parte da nossa vida”. Defende a lei russa contra a homossexualidade afirmando que 4% das crianças russas com um gene defeituoso nascem homossexuais e que isto foi provado pela medicina. Só acredita na igualdade de casamento entre heterossexuais e homossexuais “quando vir um homem grávido”.

É pena, tanto para um lado como para o outro, até porque temos muito a aprender uns dos outros! Este foi um evento que seria inocente se não nos encontrássemos numa luta cultural entre uma visão mais secular progressista e uma visão mais conservadora da sociedade, numa luta franca pela apropriação da moral.

Quanto a mim, gostei da música e da encenação. O Ruído em torno da Couraça de Conchita Salsicha encobriu a Música do festival. Não gostei da utilização da ribalta pública para, com aparentes argumentos de tolerância, se encenar, à maneira do Corão, uma ideologia em que o próprio credo se apresenta como sendo obrigação e a solução universal. Triste é o facto de as duas partes (tradicionalistas e progressistas) falarem com o rei na barriga, na conquista de uma grande parte de público inocente que bebe a libertinagem intencional modernista tal como medievais bebiam a mortificação, como meio de alcançar a felicidade.

Na verdade, os contrastes que Conchita sintetiza com a sua apresentação – o encontro da feminidade e da masculinidade – seria realmente ideal, se por detrás disso estivesse a defesa da integração das potencialidades da feminilidade e da masculinidade, tanto no homem como na mulher e se o episódio não fosse movido por um movimento agressivo masculino, demasiado fixo no sexo, e na reivindicação do direito da modernidade a ter sempre razão contra a tradição.

Conchita Salsicha (uma alusão ao sexo da mulher e do homem) é um homem em corpo de mulher que, ao apresentar o seu rosto com barba, sobrevaloriza a masculinidade. Querem-no como protótipo do Homem: um Jesus de aspecto feminino mas de rosto barbudo.

Na sua pose messiânica depois de ter ganhado o festival, Conchita disse: “este é um sinal importante para o mundo…“ „Esta tarde é dedicada a todos os que acreditam no futuro de paz e liberdade. Nós somos uma unidade e não há quem nos pare”. Estas palavras constituiriam programa se não focalizassem a salvação no sexo, se fossem bem-intencionadas, para poderem ser tomadas a sério por tradicionalistas e progressistas e não como uma declaração de guerra. O resultado da eleição testemunha a tolerância dos eleitores que vêem no evento um apelo à tolerância e a uma liberdade de expressão que desafia representações ideais e morais.

Não é a primeira vez que um trasvesti ganha o 1° lugar do Festival da Cancão. O marketing ideológico em torno do sexo e o contexto político em torno da Ucrânia com os posicionamentos russo e da Nato deram mais relevo ao evento. O problema da Europa, não parece ser de desemprego ou de carência, mas de luta de ideias e de poder…

O festival da Eurovisão deixou de ser um evento cultural em que se apresentava a riqueza das diferenças culturais dos países participantes e que reunia em torno da TV toda a família, para se tornar num evento de caracter mais igualitário híbrido promotor de políticas e de tecnologias.
O vice-primeiro-ministro russo Dmitry Rogozin declarou que “a Eurovisão mostrou aos europeus a sua perspetiva da Europa – uma mulher de barba”. Sem querer questionar a propensão decadente da Europa, seria também de perguntar qual seria a caricatura que a arte oriental teria a apresentar em relação ao futuro da Rússia e da UE!

Reduzir a atitude russa a homofobia seria colocar-se no outro extremo; no da homofilia também ele sem lugar para a diferença e para a liberdade da direcção a tomar na autodeterminação. O autoritarismo russo com a correspondente propaganda é tão obtuso como o autoritarismo da opinião ocidental com a sua propaganda categórica do politicamente correcto. O facto de a Rússia ter proibido por lei, em Junho de 2013, a promoção de hábitos sexuais “não tradicionais” entre menores de 18 anos, não justifica a propaganda ocidental agressiva contra a Rússia; esta não proibiu a homossexualidade em geral. Se a Rússia e a sociedade islâmica abusam no seu purismo sexual, o Ocidente secular abusa com a sua libertinagem em certas medidas tomadas em relação à cultura, à educação sexual nas creches e nas escolas e, não menos, com a sua intenção de educar o povo numa direcção secularista. A sociedade parece só apostar num desenvolvimento de caracter polar. Quem pretender ser anti-nada fica mal na massa dos anti-outro. Urge que a Europa saia da luta cultural polarizadora para construir uma consciência integral.

Já não temos os mouros ao pé da porta que justifiquem cruzadas contra outras opiniões ou culturas. A discussão e variedade de opiniões são salutares; só na aceitação da diversidade se exercita a tolerância. “Não há judeu nem grego, escravo nem livre, homem nem mulher; pois todos são um em Cristo Jesus (Gálatas 3:27-28). A força emancipadora deve vir de dentro numa discussão respeitosa dos pontos de vista e da integridade humana. Fora de questão deve estar a defesa da dignidade humana e da integridade e liberdade da pessoa. É discutível se a participação austríaca ganhou devido à cancão ou se venceu Conchita pelo facto de “o diferente” ser politicamente correcto. “Quem com ferros mata com ferros morre”! A promiscuidade de política e religião não se revela salutar, mas não é melhor a promiscuidade de arte e política. Urge criar laços de responsabilidade entre as facções e recuperar a dignidade humana, sem ter de abandalhar a sociedade nem de reprimir a individualidade de cada um. A tolerância é uma estrada de dois sentidos tanto de direita como de esquerda. Nem é boa a festa desenfreada nem um tango demasiado travado!
António da Cunha Duarte Justo
www.antonio-justo.eu

ÀS MÃES NA MINHA MÃE

ÀS MÃES NA MINHA MÃE
Minha mãe, minha amiga!
No teu canto embalado
Sinto o berço da vida.

Minha mãe,  és a Rosa
Na roseira da vida
Mãe aurora, nos teus ramos
As cores brilham, já nos gomos

Minha mãe, minha amiga
Recatada e tranquila
És livro aberto, és jardim
Da beleza que jorra em mim

Mãe benigna e corajosa
Que aceitaste trazer-me à luz!
Os teus olhos, meus focos são
Na procura da luz do dia!
Deu-nos mãe, o criador
Para nela, deixar o filho.
Segue Deus que ama o mundo
E na mãe ama os filhos!
António da Cunha Duarte Justo

A ARTE DE SER FELIZ – BOA E MÁ DISPOSIÇÃO

O Vento na Natureza é como as Ideias na Alma e nas Vivências

António Justo
O estado de ânimo e o estado do tempo são duas manifestações de realidades compartilhadas: o sol na natureza e o Espírito na pessoa. Sol e Espírito estão em relação directa: chove em mim, chove na natureza! No bom tempo há sol, alegria e ideias positivas, no mau tempo há chuva, tristeza e ideias negativas. Fazemos parte duma realidade em reciprocidade mais ampla do que a do próprio biótopo de que julgamos ser senhores.

Certamente que já lhe aconteceu, depois de ter passado um dia calmo e sereno, com alguém da sua relação, de repente, ao dizer algo, desencadear-se uma tempestade de sentimentos e relâmpagos de ideias cada vez mais incendiárias. A atmosfera chega, por vezes, a carregar-se de tal modo que o fogo do instante faz desaparecer o sol que antes brilhava em nós.

Na procura de relações de amizade experimentamos demasiado os extremos da pressão e depressão climática e psicológica. Não fossemos nós também natureza! Na procura de carinho, aceitação, reconhecimento e estabilidade não contamos com as leis da nossa meteorologia interna a que está sujeita também a nossa natureza humana. Em momentos de crise social, grassa mais, o temporal na família e na sociedade política e civil. Nota-se a insegurança individual e social para onde quer que se olhe! Daí, cada qual sentir a necessidade de se refugiar numa trincheira comum com “amigos” que confirmem a própria opinião aplainada num biótopo próprio, contra uma paisagem variada e diversa de altos e baixos, contra o lá fora. Procura-se uma amizade de primavera que não suporta as outras estações, quer em si quer nos outros. Escolhe-se viver numa estufa de ideias e de sentimentos, fora da natureza, fora da realidade completa que somos. Esquece-se que as ideias e em parte os sentimentos são apenas fenómenos externos e, por vezes, se comportam como o tempo. Ignora-se que o biótopo privado dos amigos e companheiros é um biótopo entre muitos outros, numa natureza diversa e diferente que a todos mantém vivos no movimento.

As ideias tornam-se como fósforos a raspar na caixa do sentimento. As ideias como o vento arrastam atrás delas a chuva e o sentimento. Quanto mais fúria sopra do vento das ideias mais as ondas das emoções se levantam e encrespam. Lá fora como cá dentro, há tempos de altas e baixas pressões.

A paisagem da nossa alma tem muito de comum com a paisagem da natureza lá “fora”. Como nela, no nosso coração há chuva, abertas e sol. Os princípios e as leis que as regulam são semelhantes e há algo de comum também. Quando há sol na natureza, no nosso coração tudo se torna, dentro e fora, mais leve e o horizonte revela-se mais largo. Se chove ou há nevoeiro na nossa alma, nem notamos a beleza da paisagem por onde passamos.

Forças, que, por vezes, se revelam más em tempos de tempestade, se bem vistas, podem tornar-se produtivas, como acontece no uso do vento para fins energéticos se forem orientadas. O mesmo se diga em relação às ideias. Em cada pessoa como na natureza há energias ciclónicas e anticiclónicas, marés-altas e baixas, euforias e depressões.

No mar da vida, para se levar uma vida equilibrada, há que aproveitar o vento propício para melhor se abordar à costa. Em tempo de nevoeiro torna-se perigoso arribar. É preciso esperar o bom tempo das ideias, das ideias benignas e da calmaria do coração para se abordar o outro e então resolver os problemas com horizontes largos e duradouros. Em mim como no outro, nas ideologias como nas sociedades, se notam os mesmos estados do tempo!

As rajadas do vento e das ideias, como a calmaria do estado do tempo lá fora e o estado da atitude de espírito em nós, são situações naturais a compreender para se aceitar a realidade própria e do outro. Depois da tempestade avizinha-se o nevoeiro e normalmente é precisa a predisposição para se olhar em redor na descoberta dum arco-íris anunciador de sol. Esta é uma oportunidade para se descobrir a si no outro. E “depois da tempestade vem sempre a bonança”, não fossemos nós natureza e não nos víssemos nós no espelho dela. Como na natureza também na panorâmica humana há diferentes biótopos de caracteres e mentalidades como se pode verificar da observação de discussões acirradas entre optimistas e pessimistas, entre o comunista e o capitalista, entre a reacção da pessoa em estado eufórico ou depressivo. O pessimista naturalmente que preferirá dizer “depois da bonança vem a tempestade”. É sempre uma questão de perspectiva. Se um olha na direcção do dia o outro olha na direcção da noite! A natureza e nós, somos dia e noite! No fim, a intenção é que vale e já antes os dois tinham razão, situando-se o problema apenas na perspectiva de cada um! O problema não está na natureza mas na rosa-dos-ventos!

Criar em nós uma instância do bom humor

Há pessoas muito sensíveis que reagem como micro climas. A boa ou má disposição influencia a percepção dos outros e do que dizem. Na verdade, até o tempo se torna cúmplice do nosso humor. Os mesmos temporais, as mesmas bonanças do tempo, lutas e discussões da pessoa e da instituição; o mesmo acontece em casa, na família como na polis e na disputa entre os partidos e na discussão de opiniões; tudo isto se encontra submetido às mesmas forças e leis a descobrir. Os problemas surgem principalmente do facto de cada indivíduo ou grupo ter uma visão perspectiva da realidade quando esta é a-perspectiva. Tudo apenas um problema do tempo lá “fora” e cá “dentro.“ Assim acontecem as ventanias e as tempestades destruidoras na natureza, e as rajadas que devastam a sociedade, a família, as amizades e as pessoas.

Como nas pessoas assim nas montanhas. Se na base há nevoeiro certamente que lá em cima brilha o sol. Se nos encontramos na depressão, no vale, na comba da tristeza, certamente que só veremos no outro o escuro do nevoeiro do sopé da montanha e a própria escuridão nos atemoriza porque vemos fora o que está dentro. Como me encontrava no sopé não podia ver a montanha toda no outro e em mim. Hermann Hesse resumia um saber da psicologia nestas palavras: “Se você odeia alguém, é porque odeia alguma coisa nele que faz parte de você. O que não faz parte de nós não nos perturba” Transmissão ou transferência é um fenómeno psicológico muito comum e a que se deve prestar atenção, especialmente quando alguém fala mal de outro!

Todos fazemos parte da mesma montanha. Se dum lado da encosta há chuva do outro haverá sol. A paisagem que hoje sorri ao sol amanhã chora à chuva. Tudo sofre e se alegra a seu tempo. À depressão (tristeza) do sentimento dum lado corresponde a pressão (alegria) do outro lado.

Urge aceitar os sentimentos como se aceita o tempo para se evitar o curto-circuito de ideias e a consequente trovoada dos sentimentos. Se me encontro no fundo do vale, do lado da encosta sombria das ideias é melhor esperar por uma aberta ou tentar subir a encosta até encontrarmos o sol e assim nos podermos orientar melhor numa perspectiva para além do nevoeiro. No nevoeiro e na tristeza certamente que pintaremos a vida e o outro com cores escuras, não podendo deslumbrar nelas a beleza da realidade das cores do arco-íris. Os problemas ocasionais passam com uma simples mudança de perspectiva; os grandes permanecem tanto no sopé como na encosta da montanha. Estes porém só devem ser resolvidos com eficiência na fase soalheira da vida. Doutro modo formam-se opiniões e tomam-se decisões que criam maiores problemas ainda, por falta de horizontes mais largos.

A questão será encontrar a balança numa vida consciente da tempestade e da bonança. As diferentes estações manifestam diferentes riquezas em interdependência em nós e nos outros, entre o cá dentro e o lá fora, que são parte da mesma realidade.

A disposição, o bom ou o mau humor, determina a nossa vivência. Somos mais que o mimetismo das nossas ideias e sentimentos. Para mudar a vivência não chega mudar as circunstâncias exteriores porque também as nossas ideias e sentimentos provocam, muitas vezes, a cor do ambiente, a cor das circunstâncias exteriores.

À distância vê-se mais. A causa da nossa má relação está, muitas vezes, em pensar nela. Não chega esperar pelo tempo que cura todas as feridas. Importante é pôr-se o problema e esperar-se pela solução mais tarde. Para os problemas ocasionais do dia-a-dia, muitas vezes, basta tirar o cobertor escuro das ideias com que envolvemos o parceiro e nos envolvemos a nós. Na cama dos sentimentos é preciso arredar os pijamas das nossas ideias e procurar tocar com a própria mão no corpo nu do outro. Então, na nudez do outro descobrirei a própria nudez, e sentirei nele o calor primaveril que me incendiará também a mim.

Se a ocasião não proporcionar tanta proximidade, basta um sorriso, um louvor verdadeiro. O sorriso, o louvor é como o sol que derrete as roupagens das neves mais resistentes.

Agradecer e louvar é um acto nobre que reconhece a realidade do dia e da noite, do bom e do mau humor no todo e em cada um.

Se queres ser feliz, entra na tua vida, descalça as botas. Sentirás a felicidade de um estar com todos sem te perderes em ninguém, dá-se a fusão dos polos. Então sentirás a harmonia do agora a fluir; na felicidade o tempo passa e o caminho une-se à meta. Felicidade é sentir a paz do mar profundo nas suas ondas altas!

António da Cunha Duarte Justo
Pedagogo e Teólogo
www.antonio-justo.eu

 

A Revolução comunista em Portugal e a Contra-revolução partidária

O 25 de Abril é um Marco histórico que introduz uma Matriz de Pensamento de Esquerda

António Justo

O 25 de Abril é passível de muitas interpretações. Tal como afirma Josep Sánchez Cervelló, o objectivo do 25 de Abril (FMA) era a descolonização e a instauração de um regime socialista em Portugal.

Na madrugada do 25 de Abril de 74, Portugal sonhou e a 25 de Novembro de 75 acordou para uma discussão entre forças radicais e moderadas que impediu uma futura guerra civil entre as forças armadas divididas.

Fernando Rosas diz que a revolução portuguesa «foi a última revolução de esquerda da Europa do século xx». O mesmo povo que possibilitou o início da revolução impediu-a depois.

Do que observei, nos primeiros tempos da revolução poderia afirmar, que o que se passava nas ruas era a expressão de um povo dominado que saia à rua para cantar a liberdade.

Liberdade e libertinagem eram atitudes não claras tanto nos revolucionários como no povo que os aclamava. A festa foi mesmo boa e à maneira portuguesa; mas a liberdade e a desordem eram tão grandes que já assustavam os países vizinhos, numa época de caos e de inovação onde imperava a esquerda e a extrema-esquerda (Fase dos governos provisórios até ao fim do quinto governo de Vasco Gonçalves, 19 de setembro de 1975). Entretanto Mário Soares servindo-se também do cargo de Ministro dos Negócios Estrangeiros para os contactos com o estrangeiro, conseguiu, com o Grupo dos Nove, dar força à contrarrevolução que incluía também os interesses da burguesia. Durante o VI Governo provisório do 1° ministro Pinheiro de Azevedo e do Presidente Costa Gomes dá-se o golpe militar do 25 de Novembro de 1975 propriamente manejado pelas forças inerentes ao “Grupo dos Nove”, as forças moderadas da esquerda e da direita; aqui dá-se o fim dos sonhos da esquerda radical (prisões de militares e desautorização do gonçalvismo e do otelismo). O PCP, Vasco Gonçalves e as forças revolucionárias da esquerda, opta pela luta ideológica do domínio político. Têm uma função de catarse no discurso político. O maquiavelista Mário Soares “ambicioso sem princípios nem convicções” como desabafa Vasco Gonçalves, pôde fortalecer os interesses dos parceiros europeus. Com o apoio dos socialistas franceses, austríacos, do SPD alemão e da CIA americana, conseguiu endireitar a revolução da esquerda radical. A Constituição institucionaliza depois uma democracia partidária. Acaba-se a era dos líderes militares para se iniciar a dos líderes políticos.

Com o começo do 1° Governo Constitucional (sob a chefia de Mário Soares a 23 de setembro de 1976) inicia-se uma política no sentido da integração europeia, começando por devolver as terras e as casas ocupadas e as empresas nacionalizadas aos seus proprietários. A Europa respira fundo porque vê afastado o perigo de Portugal se tornar numa segunda Cuba.

Ainda me lembra de, na altura, haver expressões públicas contra a Europa, mas a autoridade indiscutível dos partidos conseguiu manter o povo nas suas fileiras, sem referendo tal como se fez com a integração de Portugal na zona euro (Na altura mais que discurso político reinava o discurso ideológico e a generalidade do povo não tinha ideia do que se estava verdadeiramente a passar).O povo teve, porém, papel muito importante, logo no início do 25 de Abril, porque com o seu acorrer às ruas impediu que os militares entrassem em conflito imediato entre eles. A força partidária esteve extremamente presente conseguindo domar à sua maneira, o caos “democrático” de um povo que então se sentia à solta, de ocupação em ocupação. Nesta altura ainda não havia verdadeiramente líderes onde o povo se pudesse alinhar, isso só veio a acontecer com a organização partidária que conseguiu alinhar e chamar a si um povo já de si desalinhado. Cantava-se, então, que o povo é quem mais ordena, o que em parte acontecia até ao 25 de Novembro; este mesmo povo que repetia a cantiga dos revolucionários cantava depois a cantiga dos Partidos organizados. Aqueles que queriam uma revolução à maneira russa, de Mao Tsé-Tung ou cubana perderam logo nas Eleições para a Constituinte, obtendo a maioria o PS com 37,8% e o PPD com26,3%). O povo optou pela democracia representativa. Depois manteve-se uma discussão extremista e muitas das palavras que se hoje ouvem contra o fascismo são saudades frustradas de um tempo em que a revolução de caracter totalitário foi de facto impedida por Mário Soares e pelas forças inerentes ao grupo dos nove.
Foi um golpe de estado feito pelos capitães e não pela hierarquia militar superior. Decisivo no sentido de impedir a divisão da instituição militar foi a acção dos intermediários António de Espínola e Francisco Costa Gomes, tornados chefes de estado até às eleições presidenciais de 1976. O que temos é fruto da democracia de manifestações de interesses muito embora numa democracia formal.

Muitos, que antes atribuíam todo o bem adquirido ao 25 de Abril, responsabilizam-no agora, fazendo dele um bode expiatório de todo o mal, tal como foi feito outrora com o regime de Salazar. Também houve uma hiperbolização do 25 de Abril como tudo se devesse a ele e não fosse possível desenvolvimento histórico sem ele e como se não houvesse outros Estados na altura em condições semelhantes às nossas e, apesar de não terem tido revolução, conseguiram acompanhar o desenvolvimento dos tempos.

Os que fizeram a revolução aproveitaram-se dela (vejam-se os partidos e seus membros relevantes que reservaram o amanhecer de Abril para eles e o anoitecer para a maioria); a falta de formação política e cívica que não se pode adquirir só na rua acentuou a dicotomia entre a História e o mito!

Instalou-se uma Partidocracia

A política, como “actividade nobre de servir os outros e governar o que é de todos”, tem um senão: é obra de pessoas habituais e votada e criticada por 90% de quem não entende de política nem de governação. Assim, em vez de uma democracia orientada para o povo, como é o caso da Suíça, instalou-se uma partidocracia todo-poderosa e incontrolável. Torna-se cínica a forma como os nossos democratas falam dos privilégios do clero e da nobreza na Idade Média e se reservam para si privilégios que a plebe democrática não tem. Seria lógico que ganhassem mais mas que estivessem sujeitos aos mesmos direitos e deveres que o normal do cidadão e de instituições sociais. Marinho Pinto, bastonário dos advogados, relata, entre muitos privilégios dos partidos, os seguintes: os partidos políticos estão isentos de IRC, IVA, IMI, imposto de selo, imposto de doações e sucessões, isentos de imposto sob património, de imposto de automóvel, de imposto municipal de transmissão de imóveis, de taxas de justiça e de custas judiciais. “Tudo privilégios adquiridos às escondidas”. Cada voto rende para os partidos 3,1 Euros por ano. O MRPP, devido aos votos recebe mais de 15 mil euros por mês; o PSD vencedor das eleições irá receber entre as últimas eleições e as próximas 38 milhões de euros; o PS vai receber mais de 28 milhões; O CDS/PP 13 milhões; PCP e o VERDE mais de 10 milhões; Bloco de Esquerda mais de 6 milhões; e não parlamentares como PCTP/MRPP mais de 777 mil euros e o Partido dos Animais e da Natureza recebe mais de 730 mil euros. Além disso os partidos parlamentares receberam mais de 8,3 milhões de euros para as despesas da última campanha eleitoral a dividir entre os partidos segundo os resultados obtidos. Cada grupo parlamentar também terá direito a uma subvenção anual para encargos de assessoria aos deputados no correspondente a cerca de 2.000 euros por cada deputado; a Assembleia da República paga as remunerações dos funcionários dos grupos parlamentares 2 milhões e 550 mil euros por ano; o PS recebe 2milhoes 104mil euros o CDS 1 milhão e 200 mil e o PCP 865 mil euros o bloco de esquerda 631 mil; e os Verde 244 mil euros. Além dos 24 milhões de Euros ainda há verbas de 18 milhões e 500 mil euros para apoiar as campanhas para a assembleia da república, assembleias legislativas dos Açores e da Madeira parlamento europeu e depois ainda há outra verba para as autárquicas.

Mudança de padrões de pensamento: da matriz de pensamento de direita passou-se para a matriz de pensamento de esquerda

Passaram-se já 40 anos depois do canto de Grândola Vila Morena na Rádio Renascença a 25 de Abril de 1974. Numa altura de crise e em que as conquistas de Abril e os valores da civilização cristã são sistematicamente destruídos por forças da esquerda e da direita, a comemoração da “revolução dos cravos „ pode tornar-se cínica. Canta-se hoje o 25 de Abril como outrora se cantavam as proezas da Constituição de Salazar em 1933. O processo revolucionário caótico interrompido por Mário Soares e pelas forças em torno do “Grupo dos nove” deu origem a outro processo que embora avançado, é escuro e muito mais corrupto que o anterior. O 25 de Abril deu-se na confusão de forças militares e partidárias continuando ambíguo.

O 25 trouxe-nos a paz e a democracia e direitos sociais e sindicais e criou a plataforma para o progresso em diversos campos contribuindo para o melhor bem-estar das pessoas, especialmente nos sectores da saúde, educação e comunicação mas não conseguiu a suficiente inclusão que entusiasticamente se propunha; pelo contrário fomentou a diferença dos mais ricos e dos mais pobres. Quanto aos pobres manteve-os no assistencialismo, que os mantem a pouco mais que a pão e água.

O alarido em torno da música de Abril conseguiu a grande adesão popular mas não envolveu depois o povo no processo cívico. Há deficiências que se devem à falta de formação política do povo mais configurado para a “res privada” do que para a “res publica”; isto explica-se pela falta de responsabilidade da classe política também ela demasiadamente condicionada por influências de grupos alérgicos à gerência do seu comportamento na praça pública.

A situação em que nos encontramos e o estado de corrupção estatal/partidária é tão grave que não seria responsável um discurso que pretende ajustar contas com a direita ou com a esquerda. Neste sentido, já há muito deveria haver coligações de maiorias governamentais de salvação nacional formadas pelos partidos mais fortes. A palavra de ordem só pode ser de reconciliação, responsabilização e metanoia.

A situação portuguesa não pode ser desintegrada da matriz económica da EU a que nos unimos e que vincula esquerda e direita, como a economia dos USA e da China que não nos deixa produzir artigos concorrentes em termos de preço. A globalização capitalista liberal com a falência dos bancos… e a má administração dos governos levaram Portugal à bancarrota, pondo-o nas mãos dos credores. A riqueza desenfreada de alguns provoca a dessolidarização social do Estado. A nível de infra-estruturas, apesar da crise económica, Portugal é um dos países mais avançados.

25 de Abril – O Despertar de uma Ilusão

O 25 de Abril foi um acenar de revolução que deixou no ar um aroma de cravos e liberdade. Seguiu depois a política dos embuçados que ocuparam a República sob a mão duma mafia de luvas brancas e invisível que contamina a vida do Estado e da Nação. Dá-se a repetição do que tinha acontecido na primeira república com a sua maneira de estar e fazer jacobina maçónica e ideológica aliada a um conservadorismo pedante de atitude medieval.

“Quem se deita com crianças acorda molhado!” O que se deu em Portugal ocorre também noutros países atendendo ao facto da política ser uma questão da “res pública”e 90% do povo não estar preparado para ser verdadeiramente “ser político” mais predisposto para a alienação do que para a realidade e a utopia.

O Golpe de Estado deu oportunidade à revolução cultural (movimento 68) em via nos USA, Alemanha, França, etc. O 25 de abril vulgarizou-a então por todas as camadas sociais do povo português. O 25 de Abril torna-se socialmente também no veículo político e social do Movimento 68. Despertou-nos da Bela Adormecida para um mundo fandango.

Passou-se de uma matriz de pensamento paternalista de direita para uma matriz de pensamento paternalista de esquerda. Um rigorismo paternalista deu lugar a um conformismo rígido de opinião de esquerda. Passou-se da proibição de opinião individual para a liberdade de pensar em bloco. O pensamento individual e verdadeiramente aberto continua a ser uma pedra de tropeço neste sistema democrático.

O golpe de Estado deu-se quando me encontrava a estudar teologia e pedagogia social na Alemanha. Tive então um sentimento de libertação, esperançado em novos tempos e numa nova humanidade.

Com o tempo notei que a liberdade, igualdade e fraternidade que os revolucionários apregoavam eram as liberdades dos seus grupos de interesses não a de todo o povo nem para todo o povo. Tratava-se de uma liberdade querida por certas ideologias de panorama limitado à própria mundivisão e justiça sem ter em conta a situação de cada pessoa. Vivia de encenações e proclamações duma liberdade sem corpo nem alma, duma liberdade internacional abstracta, visível em festas e comícios mas não na realidade. O atributo “facho” era na altura distribuído com proficuidade e até com carinho porque a palavra fascista além de agressiva era injusta. Em comícios, chegava-se a aguentar a liberdade de opinião reservando-se a decisão para horas tardias onde então se protocolavam opiniões dos restantes mais iguais. Quem não pensasse igual era julgado como “facho” e como tal de opinião manipulada pelo antigo regime. A nova “censura” (pensar politicamente correcto) marcava os seus pontos na sociedade. À conformidade dum sistema segue-se a conformidade com o outro. Da conformidade com o novo pensar surgia a oportunidade profissional.

O tempo de Salazar incorpora uma era da ordem rígida e de regras sociais intransigentes adversas à mudança. Antes havia o paternalismo da censura depois passou-se ao paternalismo das ideologias e do oportuno. Aos cães de guarda de regras do decoro e da moral perante o povo e a juventude sucedem-se os novos cães de guarda de ideologias. Os saneamentos efectuados nas instituições e a penteação mental operada nas escolas e universidades deram pouca margem ao surgimento de despenteados do pensamento: aqueles que promovem a mudança sem lhe determinarem a orientação para a esquerda ou para a direita! Dos acomodados tradicionalistas passou-se aos acomodados progressistas. Mudou-se o folclore, a atitude permanece a mesma. Antes seguíamos a ordem do orgulhosamente sós para depois seguirmos a ordem do valha tudo menos nós.

O discurso político faz mais parte do passatempo. Assim como só discutimos superficialmente os tempos da primeira república e de Salazar assim se branqueia o 25 de Abril. Cada época branqueia, irreflectidamente a sua, na procura de culpas passadas que distraiam das suas.

Vive-se de uma história do passado e do futuro sem olhar crítico para o presente. Os fracos e a demonização de um sistema chegaram para justificar medidas irreflectidas e a lavagem de cérebro aos portugueses.

Havia um congestionamento de reformas, é verdade. O espírito da geração 68 do ocidente empacotado no 25 de Abril a pretexto de saneamentos dos ” fachos” e como estratégia de infiltração partidária iniciou a sua marcha através das instituições. Este processo também se deu nas instituições europeias pelos arautos da geração 68. A revolução ocidental dos jovens de 68 conseguiu chegar à ribalta da história portuguesa e questionar hábitos e valores já com musgo. Uma época da História com um ambiente a solicitar o florir de pessoas e instituições continuava ainda manietada por regras e ordens desconformes ao espírito que flui do mundo ocidental.

Neste contexto, tornamo-nos todos abrilistas, consciente ou inconscientemente. Ao golpe de Estado de Abril junta-se uma revolução cultural. O projecto de mudança social desencadeou um processo de esperanças e ideais. À leviandade com que se operou o processo das independências junta-se o erro de mera aplicação de ideologias internacionais já em processo decadente da rebeldia e do preconceito vigente contra as instituições: contra Deus, pátria e família. Também isto levou a nova classe política a desobrigar-se também porque deixou de entender a diferença entre pecados sociais/culturais mortais e pecados socias/culturais veniais!

O sentido da liberdade esgotou-se no questionar a ordem antiga. A razão familiar, democrática e de opinião é despenteada a favor do liberalismo histérico da economia e do mercado. A revolução apodera-se da liberdade e do sexo que oferece a belo prazer sem apelar para a responsabilidade nem para as consequências dos próprios actos. Liberta-se o instinto do animal e reduz-se a pessoa ao indivíduo inocente sem roupa, nem cabeça na esperança de uma vida natural de necessidades realizadas numa sexualidade que restabelece a vida inocente de Adão e Eva antes da mordedura da maçã. Agora tudo corre à procura de auto-realização num novo Homem sem consciência nem moral. Depois das aldeias esvaziadas de sentido até à última aldeia das Cabras, passamos a sofrer de liberdade abstracta. De recordar que na altura em que a revolução andava à solta, a “juventude” da cidade, nas suas campanhas de esclarecimento popular se deslocava às aldeias para politizar o povo (facto este que se não tivesse sido ao serviço da ideologia seria uma boa iniciativa). (Neste contexto conheci um episódio em que se organizou a desfloração de virgens em grupo, sendo para o efeito escolhido democraticamente um jovem delicado para executar tão delicado trabalho Conheci, na altura, um jovem que o fez, era ligada aos grupos de Otelo e chegou a ter várias metralhadoras em casa). Tropeçamos na própria liberdade: Uma falsa compreensão de emancipação espera agora por vingança. Alimentada de valores e da fé numa democracia e numa liberdade elástica. A dança da liberdade leve ameaça tornar-se numa dança de mortos na preparação de um apocalipse que acontece ciclicamente no desenvolvimento da História. O caldeirão do consumo torna-se num buraco negro que engole tudo, engole a razão, a liberdade e equaciona a ética em termos de mercado e consumo, num mundo que se quer caótico sem sujeitos individuais, sem políticos responsáveis nem estado. Um niilismo nostálgico quer de sujeitos funcionários, só tipos numa realidade factual meramente económica. Agora é o tempo dos nostálgicos na procura da inocência perdida. Uns e outros com falta de realismo.

Socialismo espalhado com o aroma dos Cravos

A revolução tinha outras intenções com o seu golpe de estado. Os seus realizadores queriam, como se pode verificar nos governos provisórios, a mudança do regime autoritário para outro regime ainda mais autoritário mas de caracter popular. Encenavam-se como heróis tornando-se autoridades morais em nome duma consciência socialista internacional pronta a sacrificar a própria nação.

Dos livros de ensino começam a substituir-se textos de portugueses consagrados por textos da internacionalidade. A própria constituição deve ser a mais progressiva e mais internacional possível. Celebravam por toda a parte a salvação dum estado de sonho, dum povo liberto das heranças do passado. Um povo que esperava liberdade foi amarrado à manjedoura da ideologia por dançarinos do poder que de pacientes passaram a salvadores. Organizam-se programas de reeducação popular no sentido de ideários socialistas que queriam resgatar Portugal, expurgá-lo da pátria para o tornar internacional e popular. Apresentam-se como vítimas legitimadoras duma nova identidade a criar. Não chega lamentar e remediar o autoritarismo da ditadura anterior; precisa-se de um fascista grande para argumentar e para isso comparámos Salazar com Hitler. Com um Salazar monstro não precisamos de mudar a nossa conduta; apenas a ideologia. Por mais que os erros da nova classe se levantem, nunca chegarão àquela gravidade! E o povo acreditou nas promessas seguindo a voz do novo canto. Um povo de abelhas vai seguindo o cantar da cigarra. Queria em nome do marxismo criar uma nova sociedade com novas amarras. Os espíritos do velho regime instalam-se com mais convicção no novo. A vergonha dum antigo regime apressa a identificação com o socialismo internacional. Chega a cor para nos dar o sentimento de pertença.

O impasse em que vivemos hoje deve-se a uma liberdade gratuita, prometida e que se quer atingida sem o suor do próprio rosto. Uma libertação de tudo mas sem saber para quê. Um mundo de abrilistas torna-se pioneiro da liberdade prometendo felicidade. Em nome da liberdade dá-se oportunidade ao novo oportuno: novos senhores exploradores ocupam agora o lugar dos antigos. Dá-se também uma democratização da exploração, sendo agora possível um número maior de exploradores do que antes. O Golpe de Estado efectuado não se orientava pela realidade das pessoas e da nação mas seguia apenas ideologias mais ou menos internacionais de fardas engomadas.

Portugal passou a albergar, especialmente no Alentejo, muitos peregrinos e “refugiados” da civilização ocidental.

A revolução ao ser feita em nome da esquerda tornou-se sua propriedade; este foi o seu busílis ao esquecer que o Homem consta de uma parte esquerda e outra direita, uma parte inferior e outra superior. A revolução tinha boas intenções mas ao polarizar-se desrespeita a pessoa e a nação, tal como fez o regime anterior. Este foi um grande erro na estratégia de educação popular. Por isso hoje já não é o povo quem festeja, quem festeja é o partido ou os funcionários do Estado. A vivência da nova era sente-se no acto da compra no supermercado e no sexo. Cai-se no vício de uma liberdade sem vontade.

O “movimento 68” resume a sua doutrina na frase “depois de Ausschwitz não se pode acreditar mais num Deus bom e amoroso” quando a conclusão lógica a tirar seria: depois de Auschwitz não se pode acreditar mais na bondade natural do Homem. A primeira frase leva à desculpa e à ideologia, a segunda compromete e responsabiliza cada pessoa.

Tal como uma árvore precisa de estrume no seu solo assim uma cultura precisa do húmus da tradição para poder desenvolver-se e do sol da esperança que constrói o presente com uma panorâmica gratificante. A liberdade precisa de um horizonte e o húmus de que ele se alimenta é o cristianismo e o idealismo (idealismo pensado na alternativa de pensamento alemão ao iluminismo francês). Para o cristianismo cada pessoa é um ser singular único com uma consciência pessoal com uma dignidade humana que o torna responsável e transcendente.

Desencantar e dessacralizar o mito de Abril

Cada nação precisa dos seus ideais e dos seus mitos; de facto precisamos de utopia mas não da alienação. Em nome de uma superioridade moral vendemos o mito da revolução. Portugal perde a guerra do ultramar e vende-a como libertação de Portugal. A derrota de um ultramar entregado ao bloco soviético é empacotada na cor dos cravos de Abril. Uma descolonização que já há muito deveria ter sido feita, deu-se na confusão e na traição em nome da auto-estima. Todos nós sofremos do mito de Abril que nos levou para onde nos encontramos. Portugal ajoelhado não aos pés duma civilização, mas ajoelhado aos pés da troika que apesar de tudo, com o seu ditado, ajudou Portugal a sair da bancarrota (de que nos libertamos, esta semana, ao voltar aos mercado financeiros internacionais).

Agora seria óbvia a era da recuperação da dignidade individual assumindo responsabilidade pessoal. Primeiramente seria necessário desencantar os feitores da revolução. Antes deixávamos o negócio do Vinho do Porto nas mãos dos feitores portugueses a serviço das quintas inglesas. Com o 25 de Abril entregamos o negócio da nação, primeiramente, a feitores da ideologia, aos representantes soviéticos e à fé no movimento 68 para depois colocarmos o nosso destino na EU. Abandonamos a consciência lusófona e de portugueses para seguirmos a anónima internacional. Em nome da moral e contra a razão endinheiraram-se os novos-ricos produzidos pelo Abril à custa do esvaziamento cultural e da auto-estima da nação.

Para começarmos de novo teremos de deixar nas ruinas do “império” os seus “heróis”, aqueles que lhe fizeram o enterro. Temos que da ruina da nação enferma, agora ajoelhada erguer-nos de novo como noutros tempos contra os interesses daqueles portugueses traidores que arquitectavam o seu futuro na entrega de Portugal a Castela. 1640 é um dia do povo, agora que a liberdade individual e do povo se encontra mais que nunca ameaçada, há que o restaurar. Mandemos para o ferro-velho da história muitas das aquisições de Abril para readquirirmos Portugal readquirindo-nos a nós. Não queremos já ideais floridos nem a libertinagem enganadora; não precisamos da roupa velha mas duma vontade firme para cada um se erguer. Também o entusiasmo e valores do 25 de Abril nos poderão ajudar. Um estado que domina e mantem o povo á trela da ideologia e das dívidas perde a confiança.

Talvez fosse melhor dizer adeus a alguns direitos para recuperarmos a nossa dignidade ultrajada numa massa de ovelhas em que a perspectiva prometida era a erva e o traseiro da “ovelha” vizinha. Para nos tornarmos cidadãos adultos teremos de deixar de ser massa partidária, confessional ou nacional. Ter-se-á de sair de novo para a rua para aí se construir o nosso Abril, um Abril de liberdade para cada um. Uma rua trabalhada e enfeitada por todos mas sem ladrões das flores e dos frutos e sem os protagonistas da nação apresentados na imprensa e na televisão. Somos um povo a caminho à semelhança do de Israel a realizar-se em comunidade.

RUMINAR A REVOLUÇÃO

A revolução não pode ser analisada apenas sob o aspecto moral; precisa também de uma abordagem histórica séria que ainda não chegou à consciência pública. Na análise da ditadura e da revolução exigimos dos protagonistas que sejam heróis ou pelo menos pessoas admiráveis. Os que fizeram a revolução revelaram-se muito normais (excepto Ramalho Eanes) e a nível de liderança será difícil encontrar uma personalidade da craveira de Salazar. Seria hipocrisia continuar-se a apostar numa “vítima de lavradores” como dizem os Alemães para ilibarem os restantes, quando todos faziam parte do sistema. Karl Marx dizia “As pessoas fazem a própria história, mas, sob circunstâncias auto-selecionadas, não o fazem livremente”. Trata-se de viver uma cultura da memória com capacidade para se rever no positivo e no negativo sem passar tudo a ferro nem com heroizações.

É melhor uma controvérsia honesta que contribua para a construção de uma sociedade civil crítica na continuidade da paz civil. Entretanto o 25 de Abril tem-se tornado numa carga que transforma a mudança do nome da ponte Salazar para ponte 25 de Abril numa usurpação. O armazém da memória da comunidade democrática aguenta e deve ser resistente, na certeza de que não foi o 25 de Abril que inventou a liberdade, a igualdade e a fraternidade e na consciência que cada época tem os seus padrões e normas. Liberdade só o é se for ao mesmo tempo uma conquista individual e social.

O sociólogo Laurene Peter fala de um princípio que pode explicar parte da situação portuguesa. Fala de uma “sublimação sem barulho” e de um “cair pela escada acima” uma pseudo-promoção. Segundo o Princípio de Peter, cada funcionário tende a subir na carreira até atingir o seu grão de incompetência. Enquanto não se atinge o grau da incompetência ganha-se aplauso, reconhecimento e influência. Depois, uma vez atingido o último degrau, fica-se lá, em vez de se ter ficado no grau anterior onde se era criativo e competente.

As novas gerações (pós 25 de Abril) receberam, gratuitamente, uma herança que agora desemboca na crise e que é preciso ruminar. Acordamos num jardim zoológico muralhado quando sonhávamos a liberdade de passarinhos sem gaiola nem fronteiras. Julgávamos que o sonho era realidade e que a realidade era sonho. Julgávamos que era possível uma sociedade só de académicos e por isso acabamos coma as boas escolas comerciais e industriais de então. A revolução nascida mais da ideologia do que da realidade desprezava o trabalho manual. A discriminação do trabalho manual em relação ao intelectual levou-nos a onde nos encontramos.

O 25 de Abril envelheceu deixando os mais velhos desiludidos dos marxistas, maoistas, comunistas, anarquistas que queriam uma mudança radical. Constatou-se que o sonho era só para eles, como podemos verificar nas suas posições, remunerações e pensões. Tudo corria para o partido que dava mais.

Somos todos corresponsáveis. Quando um dedo da nossa mão aponta para a responsabilidade dos outros pelo menos outros três apontam também para nós. Sou crítico porque amo o meu país, procurando ver o porquê das coisas irem mal.

UM ESTADO ONTEM REFÉM DA NOBREZA E HOJE REFÉM DOS PARTIDOS

Portugal a partir do séc. XVII nunca foi reajustado encontrando-se ciclicamente em derrocada como constatavam já Alexandre de Gusmão, Antero de Quental: “a nutrir pançudos”. Faliu em 1892, e depois sob penhora durante a I República tendo como consequência o golpe de Estado de 1926, altura em que Portugal se encontrava de novo na falência.

A primeira república desqualificou os ideais liberais e democráticos a ponto de chegar a produzir o provérbio “isto é uma república” com o significado de desordem e actualmente a “Isto é uma república das bananas.” O regime de Salazar criou uma ditadura do “orgulhosamente sós”.

No tempo do “António Salazar” o pensamento era censurado, no regime do 25 de Abril é penteado pelo pensar politicamente correcto, propagado pelo espírito do tempo e laqueado pelos mass media.

O que se dá com as revoluções portuguesas é o mesmo que se tem dado com os governos: é uma alternância dos senhorios do Estado português; antes nas mãos da nobreza e depois nas mãos dos burgueses e novos-ricos. Transmitem-se os mesmos vícios num conluio de conservadores e progressistas. A Ditadura Nacional (1926-1933) termina em 1933 com a Constituição de 1933 e início da II República (Estado Novo) até ao golpe de estado do 25 de Abril de 1974. A Constituição de 1976 estabelece a democracia partidária. Nesta III República repetem-se os erros tradicionais e estende os seus tentáculos de polvo partidário e ideológico governa o país com leis e decretos ao sabor do tempo e das influências.

Antes para servir nobrezas e burgueses insaciáveis, depois para servir as bocas partidárias e de irmãos maçónicos boçais.

Um povo que não cresce organicamente vive dos golpes de Estado (revoluções) que além de ajustes de contas se revelam num acerto ao tempo. Vivem de uma lei fora de lei. Velhacos metem a mão à bolsa dos velhos e aos novos pede-se-lhes para emigrar.

À beira da falência em 83 salvou-o a EU mas a megalomania esbanjadora de querer viver à grande europeia mas com uma economia de terceiro mundo – uma economia de grandes para grandes – só que depois o desflorou com a Troika em 2011. Amoral encontra-se também ela em processo de emancipação, a consciência passa a ser opinião destilada nos alambiques dos interesses grupais.

O povo e a massa cinzenta ocupam-se, à maneira tradicional, da comparação e do maldizer dos novos velhos usurpadores, esquecendo que a situação é de tal desespero que conduziria, a ser tomada a sério às conclusões e trágico fim de um Antero de Quental. Do seu olimpo sob o sol do desespero a opinião elucidada (tuba canora) julga da justiça social. No Olimpo tudo é grande, nele a grandeza supera a corrupção, tudo passa a ser normal. Onde não há moral não há direito. Por vezes, parecemos povo, filho de pai incógnito continuamente a olhar para o governo, esperando reconhecer nele o pai. Diz-se o que não se pensa, pensa-se o que não se diz!
António da Cunha Duarte Justo
Formado em Ciências da Educação para Português e História
Conferência proferida na sede da ARCADIA a 4 de Abril de 2014

Faz parte do início da conferência o artigo antes publicado sob o título: 40° Aniversário do 25 de Abril
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