A CAMINHO DA ILUMINAÇÃO INTELECTUAL E ESPIRITUAL

 À Maneira de Meditação – O Fogo que brota da Gruta

Por António Justo
Sou feito de céu e terra, se nego o céu deixo de ver, se nego a terra deixo de crescer.

A natureza revela ser um organismo onde tudo caminha em direcção à luz e tudo gira em torno dela. Se observamos o ser humano também constatamos que se direcciona para o Espírito/luz na procura da vivência do calor/amor; a luz, o espírito, o calor/amor são os princípios que tudo inflam e regulam no desenvolvimento da pessoa, da sociedade e da natureza. Somos filhos da luz e por isso não descansamos enquanto não atingirmos a luz e o calor do amor.

Neste processo de procura de amor/luz, chegamos a distrair-nos, num jogo de meninos de bata a tentar saltar a sombra. Santo Agostinho dizia ““Avança no teu caminho, porque só ele existe para a tua caminhada „ mas também acrescentava: “É melhor seguir o bom caminho mancando do que o mau de pé firme!”

Leitor/a amigo/a, vamos navegar num sonho acordado e tentar descortinar aquele estado em que sonho e realidade se unem, em que noite e dia, dor e alegria, escuridão e luz, se dão as mãos numa união de realidade e esperança. Vamos ser mar, sentir a onda que vai e vem, o universo a respirar em nós, num fluir de saudade do aqui-ali-além.

No aqui sou o sono duro e triste a acordar na pedra, no ali sou a água que flui na procura de um fim, no além sou a vida que voa na nuvem junto à luz do amor que me dilata e tudo cobre. Num flutuar entre céu e mar vamos sentir o amor e nele o carinho do mistério que nos envolve. Vamos como a onda que vai e vem, à superfície do mar, receber o melhor que damos.

No profundo de ti, no fundo de cada um, há uma imensidade de experiências e revelações a querer subir à superfície. São muitas correntes, órbitras e sistemas a interlaçar-se no mesmo ser, o que dificulta a identificação da verdadeira força que o sustenta; à imagem do sistema solar, com seus planetas e do universo com as suas galáxias em expansão, expressamos em miniatura o desenvolvimento do cosmos e a ânsia que o orienta e determina.

Não te admires com o que escrevo porque, ao fazê-lo, faço-o para mim numa procura de verdade através de ti, porque só um tu é capaz de me fazer eu. O universo ajuda-nos a encontra-la no seu caminho com cada ser ordenado e orientado para a floração das relações. No universo e com ele, cada ser é dirigido para a relação divina do inefável que parece ser o sentido último da criação.

O ser humano tal como o universo encontra-se em movimento, à semelhança das ondas e das marés, numa afluência de distensão e de contracção. O mesmo princípio se encontra nos movimentos de contracção e expansão dos cíclicos ciclónicos e anticiclónicos da atmosfera e na inspiração e expiração do nosso respirar. No intervalo dos dois movimentos surge a vida.

O mesmo se observa onde o calor expande os elementos e o frio os contrai, onde o amor e a alegria expandem o coração, e a tristeza e a maldade o contraem: como na natura, assim na cultura e consequentemente na vida de cada um.

No vácuo da depressão, a baixa pressão causa o mau tempo. Dificulta-se a capacidade da resiliência que crie em nós o equilíbrio, a capacidade de resistir a toda a pressão independentemente do estresse da situação (independentemente da realidade e da expectativa em relação a ela).

Em tempos sombrios, domina a contracção que cria espaços escuros onde se mostra o ódio de rostos culpados enquanto na gruta de Belém surge o fogo sagrado num rosto que torna toda a pessoa luminosa. O verdadeiro impulso a que estamos chamados é a abertura ao relacionamento, do qual surgem novos níveis, novas vivências, novos seres e novas realidades. S. João Baptista, descalço, como Moisés ao pisar terra sagrada junto à sarça-ardente, torna-se o exemplo das predisposições necessárias para o encontro de nós connosco, com o outro, com o sagrado. A gruta de Belém e o ventre de Maria simbolizam também o coração de cada ser humano onde o gene divino repousa, na espera pela energia da fé, pelo fósforo da iniciativa pessoal, que reactiva o nascimento da divindade em nós.

Reconhecer a Realidade que somos e as Forças que nos regem

Tudo muda e se transforma, doutro modo pára e apodrece. Se observamos o elemento água, nos seus diferentes estados mais ou menos condensados/retraídos (sólido, líquido, gasoso), podemos ter nele uma analogia para tudo o que acontece também na vida material, psíquica e espiritual de cada um de nós.

O Homem mais empedernido é ferido e fere pois ao tornar-se duro perde a sua característica humana (maleável e fofa, respeitadora) e a sua característica espiritual (que tudo penetra no amor que respeita cada ser e cada acontecer). A água no seu estado mais frio concentra-se totalmente em si mesma adquirindo a forma dura e rígida de gelo; no seu estado menos retraído torna-se líquida e maleável; no estado gasoso amplia-se de tal forma que tudo abrange e abraça. O gelo, a pessoa empedernida, não se move, onde está aí fica, desconhecendo a realidade dela mesma e fora dela e de que tudo flui, que tudo se muda, num processo de contracção e de distensão. O que constitui a vida é a relação, o movimento presente nesse processo. O universo, cada objecto, cada ser, no seu caminho (órbitra), tal como as ondas do mar, se move (em fluxo e refluxo) numa cadência de recuo (contracção endurecedora) e avanço (expansão libertadora), com um ritmo solidário. Poderíamos considerar o mal como a sombra, como o estado de endurecimento, como o estado do ego, em que a massa não se reconhece em relação com o outro.

Tudo no universo se encontra em rotações ordenadas, não só circulares mas também lineares, no sentido de uma espiral ascendente. Tudo está chamado ao crescimento onde tudo se encontra em permanente mudança e o que permanece é a vida, numa relação de equivalência, que brota da realidade e dos factos, à imagem da flor que brota da árvore.

A vida é mistério e como tal infinita; o cristianismo equaciona-a e resume-a na fórmula trinitária: a Realidade é relação expressa na divindade relacional manifesta na unidade das três pessoas (a segunda pessoa – Jesus Cristo – inclui nela a criação).

Se observamos o universo e a vida nele, também constatamos os dois movimentos, os dois princípios, correspondentes à inspiração e à expiração (a contracção e a distensão). Aqui podíamos fazer um exercício de respiração no sentido de facilitar a entrada em eutonia connosco, com Deus e com o universo (1)

Na vida social também observamos esses dois movimentos, expressos no egoísmo e no altruísmo, uma força centrípeta virada para o ego e outra centrífuga virada para o outro; uma afirmadora da matéria, virada para a terra e outra espiritual, aberta ao infinito. Se não fossem os movimentos aparentemente contraditórios das ondas do mar (contracção e de dilatação), não haveria vida no mar, tudo se estragaria; o mesmo se diga dos movimentos da respiração e da acção humana. Pelo que constatamos, o universo e cada um de nós estão chamados a ser a vida que acontece no entremeio desses dois movimentos. Não se trata de os pôr em contradição (valorizar uns e desvalorizar outros) mas de os reconhecer e aceitar no mundo e em nós. Se o fizermos encontraremos a paz e a força de agir no seu sentido; então deixaremos de ser meras ondas para nos tornarmos mar!

Já Paulo dizia que o baptizado se torna «filho da luz» (Ef 5, 8). O mesmo vento, que sopra lá fora e acaricia as plantas libertando-as de toda a poeira, sopra doutra maneira no nosso coração em vivências de amor, a ressonância de Deus.

O Mundo que dizemos real é, também ele, uma Metáfora/Analogia da Vida

Ao observarmos a água, nos seus diferentes estados, podemos consciencializar-nos das suas e nossas propriedades naturais e da força da sua simbologia espiritual e social. Mais sólida (impermeável – encerrada em si), mais líquida (permeável – aberta) e gasosa (transmeável – no e com os outros).

Uma pessoa, uma massa mais expandida é mais permeável permitindo nela mais ondas e mais diferenciados níveis de vibrações. Semelhante fenómeno acontece no âmbito do pensamento e dos sentimentos, sendo eles de maior ou menor alcance. Pessoas de consciência energética menos massificada têm mais compaixão/empatia com os seres que a circundam chegando a ponto de atingirem um estado de união com os outros seres, que os leva a sentir menos a necessidade de se definir ou delimitar.

O medo, a dor, o ódio, o não saber, corresponde ao acto de distanciar-se, contrair-se e limitar-se no viver, no sentir e no pensar, corresponde a estar numa forma de energia contraída e ensimesmada – uma fixação no movimento do ter sem passar à forma alargada do ser! Somos microcosmos e cada sistema, cada coisa, cada ser tem a sua ordem, o seu modelo e correspondentes frequências de vibrações. Importa descobrir o próprio modelo interior, aquele que corresponderá à onda universal, a onda divina aberta. Massa (energia ensimesmada) e espaço encontram-se em interação ordenada em sistemas abertos possibilitadores de novas relações. Tenho a possibilidade de dirigir a atenção e a consciência no sentido de a contrair ou expandir. Amor é a força comum que tudo une e sustenta. Para os cristãos o Espírito Santo é esse amor fruto da relação entre o Pai e o Filho. Amor é agir, é o brotar do interior a expandir, numa interacção do dentro e do fora à semelhança do amor divino que se extravasa na criação.

A dilatação no amor abre-se a todo o ser libertando-o para a possibilidade de tudo fazer, independentemente do valor subjacente ao que se faz. Ama-te como és, quer te encontres numa situação de ampliação ou depressão, quer te encontres num estado de vibração sólida, líquida ou gasosa. Só temos o momento da retracção e da expansão. Olha o comportamento do vento/ar, sente o teu respirar, que repete em ti o respirar de Deus e do universo numa ligação comum que se expressa no espírito sem ter de negar a carne.

Também a Planta se transcende no Aroma da Flor e no Fruto – Da Iluminação escurecida

Olha o arvoredo da floresta e as plantas do jardim, cada qual na sua ordem se serve ao serviço de uma ordem mais abrangente. Como elas tento fazer o melhor, a partir do que sou, e isso é suficiente porque é o que tenho num universo em extensão sustentado pelo Espírito que muda, transforma e age em cada um, independentemente do seu estado momentâneo. Na espiral do desenvolvimento, tudo se desenvolve e liberta a partir da alma no interior da massa que segue o chamamento a tornar-se espaço aberto, tal como a semente que no seu trajecto se torna na resposta, o caminho, em direção ao chamamento do Sol. Ao tornar-me espaço indefinido e aberto, acaba a resistência, tudo se torna permeável através do amor que tudo transforma à imagem do calor que ao agir sobre a massa a torna fluída ou mesmo em vapor. Jesus, o ressuscitado, dizia: “Sou o caminho, a verdade e a vida”! Essencial é pôr-me a caminho do encontro comigo no Outro, do encontro comigo nos outros e dos outros em mim, então possibilito o caminho da vida em mim.

O reencontro no Outro (encíclica “Deus é amor” n° 6) fortalece a consciência de se se ser comunidade, na via dos “bem-aventurados”, na misericórdia fecunda que é a feminidade divina sentida e integrada em nós. Então poderemos melhor compreender e possibilitar em nós a exultação divina no seio de Maria quando esta visita a outra – Isabel.
Há diversas formas de êxtase/iluminação. Para Kant a iluminação intelectual é o pensar “liberto sem a auto-incorrida tutela de alguém”. A iluminação espiritual é o aroma da vida em flor. É um êxtase, um instante de inebriamento na experiência do amor. A iluminação anda ligada à experiência mais ou menos momentânea do alargamento da consciência que ultrapassa os próprios limites.

Cristãmente falando poderia ser referida como a experiência da natureza trinitária, um ultrapassar de formas, um sentir a relação do inefável – uma identificação momentânea com o todo na vivência da relação, do Filho com o Pai, vivência analógica à do aroma fora da árvore em floração.

Há pessoas que se consideram iluminadas, o que contrariaria a própria iluminação porque ao fazê-lo sairiam da relação e centrar-se-iam no ego da planta que também são. Afirmar-se como iluminado seria certamente um abuso apropriado para criar subserviências ou aspirações de mais-valias em relação a outros humanos. As diferentes formas de oração, de meditação e de outros meios mesmo seculares, poderão provocar vivências momentâneas do inefável (iluminações) que podem contribuir para o desenvolvimento do nosso estado de consciência e para o melhor agir. Todo o ser está chamado a ir além da massa (como o aroma da flor e o fruto vão além da planta) e a tornar-se mais independente do mundo físico (embora reconhecendo-se parte dele), num esforço de levantamento da matéria para o espírito/amor, à semelhança da água que vai evaporando à medida que recebe mais calor.

As energias de contracção e distensão, o saber e o não saber são momentos da mesma realidade. O bem e o mal, a perfeição e a imperfeição são o solo em que colocamos os pés para podermos andar. O bem e o mal encontram-se em mim, só me resta a graça de orientar-me para o bem para que este possa desabrochar.

Quanto menos me centro no mal e nas negatividades mais espaço fica para o bem, doutro modo petrifico o mal em mim, passando a tropeçar nele; outra opção será não lhe ligar tendo a consciência dele e assim ele torna-se menos duro (massa) e mais permeável. Cada um de nós é seguido pela sombra de suas ideias e sentimentos que, por sua vez, condicionam a realidade. Ao reconhecer a escuridão e a ignorância em mim mais ilumino o espaço escuro, criando mais espaço para o espaço iluminado e para a sabedoria divina.

Se aceito a resistência, com o tempo, ela não me afronta. Há muitos caminhos para chegar a casa não havendo necessidade de se ficar preso na dualidade do nosso estar, no ou… ou…; o prazer divino aplaina todos os caminhos e ele encontra-se na amizade e na benevolência para com tudo e todos, doutro modo petrificamos a energia em nós. O segredo da felicidade estará em ser livre nos pensamentos, agir por amor e fazer o que nos causa bom sentimento. (Evitar correr atrás da felicidade ou cobiça-la nos outros, evitar pensar “não estou tão adiantado como o outro”, o que importa é o encontro com o Outro que me torna de filiação divina não mais súbdito de alguém).

A costa, quanto mais aberta é menos sofre o impulso da água; a costa rochosa cerrada sofre mais com a resistência que oferece dando razão à água que, com o tempo, porque maleável, a reduz a areia. A contracção da massa em forma de rocha sólida torna-a dura mas mais fraca que a água constituída de energia mais distendida e aberta; esta dá-lhe vantagem sobre a massa contraída. Mais sólido, mais líquido ou mais gasoso (espiritual) o que importa é a abertura do aceitar-me como sou e não oferecer resistência ao outro aceitando-o como é; isto porém pressupõe aceitar-se como se é, colocar-se nas mãos de Deus e querer o bem, na certeza de que o resto virá por acréscimo.

Anda comigo, – segreda o espírito e sussurra o vento que se estende e quando passa tudo move e abraça. Não procures fora, nas ideias e nos objectos o que está dentro; está atento ao teu respirar e reconhecê-lo-ás no pulsar das estrelas, no ondular do mar, na noite e dia, que impelem o teu andar.

Abre as comportas mas com cuidado para não sofreres nem provocares inundação. O mal é como a sombra que só está onde não há sol, onde não há amor. A realidade aparece sob a forma de sol e sombra, não interessa combater a sombra, importante é aprender a redirecioná-la. “Vaidade das vaidades, tudo é vaidade”!

Na Mudança – Limitar a vontade de sucesso e dosear o progresso

Lá fora, na selva e na sociedade, domina a força do mal, a lei do mais forte e de quem se impõe. Uma luta do poder pelo poder, onde o poder denuncia o mal do poder para subir ou alcançar poder, o poder económico-político ou moral (2).

Actualmente fala-se muito de tolerância, na opinião publicada, sem se reflectir na sociedade que vive da superfície e do superficial, sem se se questionar a própria percepção. Já St. Agostinho (Aurelius Augustinus 354 até 430) chama à atenção do vício da douta ignorância ao constatar: “À força de ver tudo, acaba-se por tudo suportar. À força de tudo suportar, acaba-se por tudo tolerar. À força de tudo tolerar, acaba-se por tudo aceitar. À força de tudo aceitar, acaba-se por tudo aprovar.” A rutina é o grande perigo, aquilo que nos impede de acordar. Um viver no estado de acordado evita a rutina e a mera reacção de resistência.

No nosso ser temos a energia do bem e a energia do mal tendo a tendência de atribuir, ao de fora, a energia do mal e, ao de dentro, a energia do bem. A raiva vem da mesma fogueira que alimenta o ódio. Já notaste que o vento que anedia as folhas da natureza na primavera espalhando o pólen das flores é o mesmo que lhe arranca as folhas no outono e no inverno?

Porque tenho tanta pressa em atingir o fim, em chegar à meta, sem ter saboreado o caminho, se ao atingir o epílogo só me espera a descida? O progresso espiritual ou cultural é processo relacional e não se deixa avaliar com medidas do ter ou do possuir como é hábito no mundo dos fenómenos naturais e sociais; só uma cultura da paz interior conseguirá anediar e integrar positivamente as energias do exterior.
A nossa tendência para a identificação (para nos definirmos e sentirmos nós) centra a atenção na diferença do ser do outro. Esta legítima aspiração é muitas vezes orientada pelo adquirir, pelo ampliar o próprio corpo, à custa da diminuição do espírito (alma), contra os outros. Neste sentido orientamos a nossa atenção para o negativo e para a queixa como maneira de melhor definir o nosso ego, recorrendo-se para isso à ideia da culpa e do erro fora de nós como se não fossemos também o seu recipiente e como se o erro não fosse o ponto morto que dará possibilidade ao desenvolvimento.

A culpa e o erro são como a viatura na estrada; seguem sempre do outro lado da rua e não do nosso! A realidade é a mesma, só os sentidos se contradizem! Se há problema este vem da percepção. Se o mal faz parte de nós, mais que lamentá-lo ou atacá-lo será preciso aprender a lidar com ele, como sendo parte de mim e, como tal, também querido e amado. Se tenho uma perna coxa e a trato bem, posso andar embora com dificuldade, mas, se a rejeito ou corto, não posso andar. Importante é reconhecer que se é feito de céu e terra inseparáveis para se passar a ter interesse em fazer o que se quer.

Na pantalha da fantasia passam ideias e sentimentos mas nós é que as projectamos. A consciência da coisa não é a coisa em si. Quanto mais se ama mais rápidas são as vibrações e tudo passa a fluir com menos incrustações, tudo acontece sem que os fenómenos, os acontecimentos ocupem tanto espaço no nosso ser. (Há pessoas que odeiam tanto uma outra pessoa que a querem ver longe de si; não notam porém que quanto mais a odeiam mais ela se torna senhora dela tomando conta do espaço da sua consciência). Uma posição de resistência ao outro endurece uma realidade de si fluída, se compreendida e aceite.

Não é fácil mudar a maneira de ver as coisas. Em momentos difíceis em que o meu ego se sente tocado preciso de mais tempo para observar as ideias e as emoções negativas, e as ver a passar no seu rio, sem lhes prestar atenção, até se chegar à indiferença; doutro modo sou levado a descer ao rio delas sendo levado na enxurrada por elas ou ficando encalhado nalgum pormenor ou nalgum redemoinho delas; se as observo de longe sem lhes ligar, o nível baixo das vibrações negativas vai subindo cedendo espaço para as frequências positivas.

Saber de experiência feito! Já experimentaste abençoar a sombra, as ideias, as emoções, as coisas, e até a pessoa que te faz mal? Se o fizeres, seguirás acompanhando no gesto o fluir da tua respiração mais profunda e sentida e o mal já não se apegará a ti, deixando em seu lugar um sentimento de satisfação e paz. O amor surge então com mais ternura da alma dissolvendo em nós todos os nós e até as vibrações negativas físicas e psíquicas mais baixas… Se pelo contrário reages logo, ficando preso nas malhas do pensamento, então estendes o tapete do teu ego ferido aos outros que se apoderam dele passando a passar sobre ele e a arrastar-te para o seu campo; passam a tocar a sua música (e não a tua) nas cordas do teu coração e a tua alma passa a sentir-se estreita e apertada passando a ser dominada pela emoção física (a vibração no estado mais baixo), determinada pelos outros.

Sou um Cruzamento onde todos os Caminhos se encontram

O Sol e o Espírito são os dois elementos que fazem crescer a natureza e desenvolver a pessoa e a humanidade: são os dois chamamentos que todo o ser segue. Sem eles tudo estagnaria. Se observamos árvores, umas ao lado das outras, verificamos que algumas se esforçam por crescer mais para fugirem à sombra da árvore vizinha. A planta na sombra em vez de se virar contra a vizinha vê nela um estímulo para se dirigir mais para o Sol e assim crescer mais. No nosso dia-a-dia, por vezes, não seguimos o exemplo das plantas e fixamo-nos na escuridão que o próximo provoca, ficando presos à sua aura. Então o nosso ar, a nossa aragem, passam a ter a nota escura do outro, prejudicando a nossa área branca da alma que assim se escurece devido ao direccionamento provocado pelo pensamento e pelo sentimento.
Cada um de nós tem a sua afinação própria mas cujo diapasão deverá ser o Espírito, a vibração divina que tudo inclui; se me deixo afinar pela dissonância do vizinho renuncio à afinação com o divino, a minha onda do infinito. Se oriento a atenção para a frequência e vibração da estabilidade espiritual, para a onda divina, onde a misericórdia e a liberdade não têm limites, também a minha consciência se torna abrangente e ilimitada. Como filhos de Deus, estrebordo do Seu amor, estamos chamados a ser uma porta aberta a abrir-se nos dois sentidos, nos sentidos da humanidade e da divindade, uma porta no meio da vida que se abre para nós e para o próximo que se encontra mais visivelmente na infantaria da sociedade a viver nas trevas da História.
O meu ser humano, para o ser em plenitude, é todo ele aberto, tornando-se o lugar do encontro, a interseção do dentro e do fora. O outro é o que me dá perspectiva, a perspectiva da terra para o céu. Que seria da terra sem a perspectiva do firmamento; este foi resultado da ânsia que levou a terá a criar a atmosfera, de que também vive. Nesta perspectiva, também eu, passo a viver na ressonância, na compaixão com o Outro, com o universo, assumindo a atitude de João Baptista que se limita a preparar o caminho do Senhor (a ipseidade), deixando as sandálias nos pés de Jesus que, por sua vez, mais tarde sacudirá, no respeito pelos outros, para melhor poder andar.

No sentido cristão, o outro é o diferente, o longe que se encontra perto, o inferior que se encontra fora (o Samaritano), o baixo do cima e o cima do baixo. Uma identidade que não reconheça nela o dentro e o fora, a terra e o céu, o bem e o mal, passa a viver na luta frustrada de combater fora o que pertence dentro, passa a desentender-se e a viver fora no desentendimento da essência do bem e do mal. O nosso protótipo é “caminho, verdade e vida” que se “esvaziou „de Deus (2Cor 8,9) para embarcar connosco. Daí o chamamento a sermos caminho da vida.

Muitas vezes, no dia-a-dia, contentamo-nos a limitar o ordenamento dos factos e da realidade a termos apenas bipolares, a duas notas do solfejo, o dó e o si, o sim e o não, o preto e o branco, o certo e o errado, o prosélito e o adversário; pretende-se, deste modo, andar sobre terreno firme e caminho feito, desconhecendo que o caminho é processo, empreendimento sempre em construção, dado o caminho fazer-se andando. O medo só nos deixa andar sobre o alcatrão de certezas solidificadas, que nos tornam duros, de horizontes curtos e delimitados. Desconhece-se, assim, outras realidades, outros caminhos, em que se possa andar sobre as águas como demonstrou Jesus no seu modo de andar.

Se o teu vizinho, independentemente da sua atitude moral, tem uma frequência vibratória inferior à tua, ele procurará roubar-te energia para descer o teu tom para a sua onda de ressonância, para a sua frequência de afinação. Se o teu vizinho se encontra desafinado, não tentes afiná-lo, seria melhor deixá-lo ou ir de encontro à sua negatividade com positividade, para não haver resistência nem curto-circuito. Então a interacção estabiliza-se no sentido do teu estado de espírito. Não exijas de um violão a mesma frequência de tonalidade de um violino, porque com eles poderás conseguir belas melodias. Se receio alguém, o medo torna-me mais fraco do que ele. Deus em Jesus Cristo manifestou-se homem para nos dizer que o ponto de partida é da igualdade de valor. Ele quis dizer-te, como protótipo que é, que em ti tens todo o potencial não precisando de olhar ninguém, de baixo para cima, nem de cima para baixo. Se olho alguém de cima para baixo perco a capacidade de olhar para mim e se olho alguém de baixo para cima perco a capacidade de olhar para mim.

Cada um tem em si as potencialidades de Jesus Cristo e as circunstâncias que o delimita. Jesus não presta atenção aos pecados, ele olha para a pessoa e ama os pecadores porque além de Deus também reconhece neles a matéria de que é feito.

Cada um traz em si as suas feridas mas ninguém deve passar o tempo a lambê-las. Não te deixes amarrar a ninguém, seja pela positiva ou pela negativa, a não ser que te encontres depressivo. Cristo transmitiu a sua mensagem de libertação ao tornar-se num de nós e ao dizer que só nos mudamos quando nos aceitarmos como somos, independentemente do nível de desenvolvimento. A segunda pessoa da santíssima trindade assumiu numa só pessoa o divino e o humano (o Jesus e o Cristo).

Na Cristologia medita-se sobre a Kenosis, o esvaziamento divino (Fil.2, 5-7) em Jesus Cristo. Através da incarnação, Jesus Cristo deixa na sombra os atributos divinos, continuando a ser parte da Trindade e a estar presente no universo através do Espírito Santo, que actua nele; deste modo Deus solidariza-se com toda a criatura (criação) de uma forma panenteista. A divindade não tem forma mas através da kenosis adquire forma em Jesus. A realidade trinitária pressupõe, em correspondência, que o ser humano se esvazie (kenosis) do mundo (ego mundano) para atingir a dimensão do “ informe” mas pessoal numa ética de humildade e corresponsabilidade entre os seres e com o Paráclito. A interacção (relação) entre o Pai e o Filho expressa-se na terceira pessoa, a outra dimensão, no paráclito que resulta da acção da força do amor entre os dois. O amor entre os humanos é, também ele, o resultado de interacções abertas; porém o que nos faz mover não é a energia do movido porque esta não pode ser a mesma do movente.

Ama e faze o que queres

A realidade é mistério e como tal pode ser abordada através da acção, de teorias e de crenças. Estou no universo e o universo está em mim, não me podendo identificar fora dele. Como a água penetra todo o ser, assim o Espírito que é amor se encontra em todo o ser, em ti e em mim. A água, na presença do sol tende a subir, a mudar de estado e a transformar-se; coisa semelhante se observa com o amor na vida, tornando-nos mais leves e universais; se por um lado, na física, temos as leis da gravitação que dão unidade aos corpos atraindo-os uns aos outros, damo-nos conta que, no âmbito social religioso e humano, a moral e a espiritualidade nos une e impulsiona.

A pedra oferece resistência, por isso a água a quebra e chega a desfazê-la em areia, a água é permeável, oferecendo pouca resistência, por isso se possibilita a passagem ao vapor que tudo alcança. A vida tem muitos níveis em que se pode viver. A aparente diferença da gravidade na queda dos corpos é devida apenas ao grau de resistência que o ar oferece em relação a esses corpos!… Muitas vezes o mesmo se dá a nível humano na avaliação ilegítima das pessoas quando lhe oferecemos resistência provinda da nossa petrificação e não dos actos dos outros que adquirem gravidade pela maldade da interpretação.

Muitas vezes construímos um ideal como barreira ou como pedestal que nos destaca e impede de nos encontrarmos uns com os outros de olhos nos olhos ou ao nível dos factos que se manifestam de interpretação diferente devido à percepção limitada de cada um. O Espírito jorra como quer, tal como a água imperceptível jorra em cada árvore, em cada ser, sem ser vista. O importante é encontrar o vibrar do universo, da própria ipseidade, em cada facto em cada pessoa e sentir o seu tocar sem a desafinação do próprio ego ou da influência de outrem.

Temos a liberdade de nos afinarmos ao nível da consciência cósmica de Cristo, ao nível da comunidade, ou do que quer que seja, sem termos de ser condenados. Que importa se duvidam de ti; a ti basta-te assumir a responsabilidade do viver e a intenção de amar porque nela são lavados os teus actos por mais sujos que sejam. Já Jesus dizia “Ninguém te condenou? Nem eu te condeno a ti, vai e procura não pecar… Quem de vós estiver sem pecado, seja o primeiro a atirar-lhe uma pedra” (Jo 8, 1-11). A queda no peregrinar é própria de quem anda; O novo Adao revelou-nos que não é necessariamente preciso incorrer na atitude de Eva ao “esconder-se de Deus” (Gen 3, 8-10), a fugir da Presença, porque Deus é a Presença na qual me encontro, mesmo quando me encontro na fuga de mim; Deus condena o pecado, a pedra endurecida, mas não o pecaminoso porque …”Deus não quer a morte do pecador, mas sim que este se converta e viva” (Ez 33, 11).

Na voz dos outros escutamos a voz da justiça que é passageira porque julga de fora, mas na voz de Deus escutamos a voz do amor que prevalece e é eterna, é a Presença que julga de dentro.

“Ama e faze o que quiseres” porque o amor que opera de dentro é quem tudo move e mostra o caminho. Jesus age como o Homem liberto que libertou o homem das prisões do pecado, restituindo-lhe a dignidade da liberdade.

À luz do Espírito até a negrura se torna brancura porque a glória divina brilha mesmo no ser que parece mais escuro. Jesus Cristo ao colocar em baixo o que estava em cima e ao colocar em cima o que estava em baixo revelou-nos a verdade do meio-termo e reconheceu a diferença.

A minha beleza é o reflexo da beleza e da fealdade dos outros e vice-versa. Em ti vejo o que sou porque a realidade que vejo é deformada pelo meu modo de ver, pelo olhar dos meus óculos. Porque não reconhecemos as pessoas do partido oposto com gratidão até por nos ajudarem a ver mais? Cada um é como é e, cada qual se deve amar como é, no momento adequado da própria imperfeição.

A falta de saber e de empatia (falta de compaixão e misericórdia de nós e dos outros) leva-nos a descobrir o mal nos outros e a não ver o mundo como é. Se não reconhecemos a contracção e a distensão dentro e fora de nós, corremos o risco de nos tornar cúmplices do princípio da contracção que condenamos nos outros. Esta atitude afastar-nos-ia da iluminação intelectual e espiritual. Onde não há relação viva a percepção centra-se na análise e descrição das características externas tocando a sua forma e não o conteúdo…. Meditar, implica a vontade de pôr-se a caminho do meio, do centro; esta atitude predispõe-nos a construirmos a experiência do encontro (do outro) à segunda vista e não apenas ao deslumbre do primeiro encontro.

O outro, a compaixão, o êxtase, o milagre da vida, encontra-se em todo o olhar onde a luz mora e brilha. A luz e a verdade aparecem entre o objectivo e o subjectivo, entre a cera e o pavio; ela é o fruto do encontro de céu e terra, o encontro de mim, comigo no outro. Trata-se de abrir o nosso ser para espaços que nos tocam sem os vermos, aquilo que não consigo fazer mas tento. O segredo da felicidade é a gratidão!

“Vaidade das vaidades, tudo é vaidade” (3)! És feito de céu e terra, se negas o céu deixas de ver, se negas a terra deixas de crescer.

António da Cunha Duarte Justo
Teólogo
In Pegadas do Tempo, www.antonio-justo.eu

(1) Exercício de respiração introdutória à meditação/oração numa atitude que pode levar à respiração de boca a boca com o universo: Numa posição agradável, com a coluna vertebral direita, os olhos fechados, os ombros descontraídos e as palmas das mãos viradas para cima, inspiro profundamente e expiro ritmadamente sentindo como, pouco a pouco, o volume da inspiração aumenta e a frequência do inspirar e expirar diminuem. Agora inspiro a luz através das narinas e sinto o seu flui através de todo o meu corpo; expiro o escuro e a negatividade do meu espírito e do meu corpo através da boca como se soprasse uma vela. À medida que respiro conscientemente a inspiração e a expiração tornam-se ainda mais lentas e profundas, passando do peito totalmente para o abdómen; os músculos retraem-se ao inspirar e descontraem-se ao expirar. Depois do exercício, de olhos fechados, sinto a luz e o calor a transformar-se em sentimento amoroso que flui através de todo o corpo em sintonia com o universo; se me encontro já na ressonância da paz oriento a minha atenção para o respirar ritmado das ondas como sendo o respirar do mar, a energia divina a bater na costa do meu ser; vou sentir as ondas do mar no seu ir e vir e o respirar de Deus no universo e no meu corpo. Depois do exercício permaneço uns minutos a sentir a paz e a alegria de simplesmente ser. Depois espreguiço-me de maneira agradável.
(2) Actualmente fala-se muito de tolerância, uma tolerância alucinante ao serviço de estruturas demasiado preocupadas em manter a própria ordem, uma ordem que não se identifica com a pessoa mas a usa. Na Europa a ideia da Integração encontra-se um pouco desvairada! Há estrangeiros que não se integram no país onde chegam! Há europeus que não se integram nos partidos dominantes nem nas tradicionais forças políticas que se alternavam na governação do país! Há cidadãos que, em vez de se integrarem, formam partidos novos! Vai-se tendo a impressão que só se integra quem não tem poder e quem não sabe o que é poder! Para onde caminha a integração? Para a democratização do poder? Sim, até porque na realidade não!
(3) O livro do “Eclesiastes” do AT é iniciado com estas palavras.

 

ECOLOGIA E TEOLOGIA

O Homem e a Natureza a Caminho com o Espírito (Paráclito) -Bom é o que ajuda, conserva e fomenta a Vida

Por António Justo
Em épocas passadas, em que a terra não se encontrava tão povoada, a natureza ainda era apercebida como ameaçadora do Homem, como algo a ser dominado por ele; hoje inverteram-se os termos, pois o ser humano, ao apoderar-se da terra sem respeito por ela, tornou-se consequentemente numa ameaça a ela.

Se ontem o Homem se encontrava numa fase de luta pela própria sobrevivência, acentuando, consequentemente, para seu desenvolvimento uma teologia antropocêntrica, hoje, que se torna urgente a luta pela sobrevivência da vida no planeta, é óbvio o desenvolvimento de uma teologia da ecologia (1) mais ecocêntrica, dando mais relevo ao fundamento teológico num trabalho interdisciplinar mais comprometido com a “nossa Casa comum”, “a nossa irmã Terra” que se sente ferida e ameaçada, como adverte Francisco I na Encíclica ecológica “Louvado Sejas”. As ciências, a tecnologia e a teologia devem estar para o homem e não o homem para elas.

Pressupõe-se que as ciências naturais terão de abandonar a ideia mecanicista/materialista do mundo e a ciência teológica e filosófica terá de mitigar o seu antropocentrismo para aprofundar a ética de respeito pela natureza e suas criaturas como pregava e praticava Francisco de Assis e por uma bioética de respeito pela vida e seu desenvolvimento, como defendia e praticava Albert Schweitzer. Este, que era médico teólogo e filósofo, no livro “Cultura e ética, Ética do Respeito à vida”, reconhece, nos animais e nas plantas, a qualidade de nossos semelhantes, “pelo facto de aspirarem como nós à felicidade e conhecerem o medo e o sofrimento, sentindo pavor do aniquilamento como nós”. A compaixão que sente pelos pobres sente-a também em relação aos seres vivos: “bom é o que ajuda, conserva e fomenta a vida”.

Albert Schweitzer queria ver o espírito do Evangelho aplicado a toda a criatura como verificava no ideário jainista da Ahimsa (a não violência para com todo o tipo de ser vivo). A nossa compreensão deve implicar a consciência de “sou vida que quer viver rodeada pela vida que quer viver”.

Consequentemente, a ética não deve ser apenas antropocêntrica ou sociométrica mas sim uma ética universal que tem como objecto todos os seres vivos e que surge do contacto com o universo e da vontade nele manifesta.

De uma Teologia acentuadamente monoteísta para uma Teologia panenteísta (trinitária)

A ecologia é o “estudo da casa”, estuda a natureza e as inter-relacionações dos diferentes seres nos ecossistemas e a teologia estuda (o espírito da casa) o seu tecto metafísico e o espírito divino presente nas pessoas, nas coisas e nos diferentes socio-sistemas.

Deus é pai e mãe, é céu e terra, em Jesus é nosso irmão; Deus é relação, é a matriz de todas as relações não se extinguindo em formas antropomórficas, em formas gramaticais, em leis naturais, nem tão-pouco nos princípios da feminilidade (com a maternidade) e da masculinidade (com a paternidade). É porém bem verdade que, devido à predominante acentuação do princípio masculino na sociedade, se torna hoje bem necessário dar maior relevo ao princípio da feminilidade (maternidade) de forma a haver um equilíbrio mais divino entre o ser humano e a natureza, entre o dar e o receber. Para conseguirmos paradigmas de mudança e de sustentabilidade em relação à modelação da natureza e da sociedade torna-se absolutamente necessária uma visão mais feminina (feminina e não feminista máscula!) a nível de pensamento, antropologia, sociologia e teologia.

A abordagem teológica da ecologia está implícita na trilogia cristã e mais especificamente na pneumatologia. Os prementes problemas da ecologia tornam mais óbvia uma elaboração teológica de cristianismo integral e consequentemente uma abordagem mais centrada no mistério da Trindade que integra a criação resumida em Jesus Cristo, o protótipo da vida como caminho de Deus, do Homem e da natureza, também no espaço e no tempo.

O ser humano não foi chamado para explorar e dominar (Gn 1,28) a natureza numa perspectiva antropocêntrica cartesiana e newtoniana, mas para cuidar e cultivar (Gn 2,15) o planeta, assumindo um papel de responsabilidade e de respeito pelo mundo. Mestre Eckhart avisa: “Se a alma pudesse conhecer a Deus sem o mundo, o mundo jamais teria sido criado”.

Para Teilhard de Chardin, que defendia o Panenteísmo cósmico (tudo em Deus), a Terra é composta de várias camadas esféricas: Barisfera ou núcleo metálico terrestre; Litosfera ou camada de rochas; Hidrosfera ou camada de água; Atmosfera ou camada de ar; Biosfera ou esfera da vida; Noosfera ou esfera do pensamento ou espírito humano: Cristosfera ou âmbito de Cristo. (2)

Numa perspectiva de revelação e de fé cristã tudo está relacionado numa interacção ambiental social, mental e espiritual.… De facto, Cristo (divino) e Jesus (criatura) encontram-se em comunhão e na união das três pessoas da Trindade.

A fórmula trinitária de Deus não conduz ao panteísmo (tudo é deus), pelo contrário, a trindade e a incarnação implicam uma teologia panenteista (uma teologia do tudo em Deus): o corpo de Cristo é o universo como interpreta Teilhard de Chardin. Francisco de Assis via como próximo também o irmão sol, a irmã lua, a irmã natureza e os irmãos animais. O mundo atinge a sua maior complexidade da natureza no ser humano, a floração da imagem de Deus.

A teologia vai-se renovando e reagindo aos diferentes padrões de sociedade segundo a percepção humana: em eras passadas para expressar a relação Deus-homem, Deus-sociedade insistia na metáfora de pai e de rei e de filho de Deus, enquanto hoje, numa era em que se precisa de uma consciência mais comprometida com a ecologia, a teologia precisa de uma acentuação da fórmula da Trindade na explicação da relação Deus-nundo: natureza onde o gene divino germina e filiação divina do Homem. Esta consciência complementar, mais abrangente, leva a melhor sentir o que a liturgia da missa expressa ao celebrar o mundo como corpo de Cristo, o pão como presença divina.

O Papa Bento XVI, em 2009 na Festa da Santíssima Trindade, apontava para a teologia de Teilhard de Chardin ao afirmar: “Em tudo o que existe, encontra-se impresso, em certo sentido, o “nome” da Santíssima Trindade, pois todo o ser, até as últimas partículas, é ser em relação, e deste modo se transluz o Deus-relação; transluz-se, em última instância, o Amor criador… Utilizando uma analogia sugerida pela biologia, diríamos que o ser humano tem no próprio “genoma” um profundo selo da Trindade, do Deus-Amor… que a liturgia não seja algo ao lado da realidade do mundo, mas que o próprio mundo se torne hóstia viva, se torne liturgia. É a grande visão que depois teve também Teilhard de Chardin: no final teremos uma verdadeira liturgia cósmica, onde o cosmos se torne hóstia viva.”

A cristologia contém a Kenosis – o esvaziamento divino (Fil.2, 5-7). Através da incarnação Jesus Cristo deixa na sombra os atributos divinos continuando, muito embora, a ser parte da Trindade passando a tornar-se dependente do Espírito Santo, tal como acontece com toda a outra criatura (a criação). A divindade não tem forma mas através da kenosis adquire forma em Jesus. O processo trinitário pressupõe em contrapartida que o ser humano se esvazie (kenosis) do mundo para atingir a dimensão do “ informe” numa ética de corresponsabilidade entre os seres e com o Paráclito.

O teólogo Leonardo Boff em Teologia e Ecologia ( http://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/13163/13163_4.PDF) acentua também ele a fórmula trinitária panenteista dizendo: “Tudo não é Deus. Mas Deus está em tudo e tudo está em Deus, por causa da criação, pela qual Deus deixa sua marca registrada e garante sua presença permanente na criatura (Providência).”

Já por volta de 1.500 a.C. a sabedoria indiana pressentia a realidade Jesus Cristo, como protótipo de toda a realidade e como ponto de encontro, ao qual os diferentes caminhos das culturas vão dar, explicando: “O criador dorme na pedra, respira na planta, sonha no animal e acorda no Homem” (Outra formulação: “O Espírito dorme na pedra, sonha na flor, acorda no animal e sabe que está acordado no ser humano”). No credo cristão formula-se a omnipresença do Espírito em toda a criação no seguinte acto de fé: “Creio no Espírito Santo, Senhor e Fonte de vida”.

Dizer criação é mais que dizer natureza porque implica a consciência da caminhada conjunta do todo e de cada ser no respeito mútuo irmanado pela presença de Deus. A encíclica ecológica “Louvado sejas” aponta o caminho e a meta: „A criação propende para a divinização, para as santas núpcias, para a unificação com o próprio Criador… O Espírito, vínculo infinito de amor, está intimamente presente no coração do universo, animando e suscitando novos caminhos.” E continua: Uma “verdadeira abordagem ecológica sempre se torna uma abordagem social, que deve integrar a justiça nos debates sobre o meio ambiente, para ouvir tanto o clamor da terra como o clamor dos pobres”.

O pensamento e os princípios são como sementes que produzem diferentes frutos, daí a necessidade de se organizarem sistemas de pensamento e praxis complementares ao serviço da humanidade e da natureza (3). No Apocalipse (3,20) a mensagem é clara: “Eis que estou à porta e bato; se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, eu entrarei em sua casa, cearei com ele e ele comigo”.
António da Cunha Duarte Justo
www.antonio-justo.eu
Teólogo
(1) Ecologia é a parte da Biologia que estuda as relações dos seres vivos entre si e destes com o meio.
(2) Cf. O teólogo e geopaleontólogo Teilhard de Chardin, em “O Fenómeno Humano”
(3) Um Dia Santo para a Natureza, Animais e Plantas https://antonio-justo.eu/?p=1945; Ecologia e Família: http://a-justo.blogspot.de/2008/05/ecologia-e-famlia.html; Agricultura transgénica: https://antonio-justo.eu/?p=3167; O Papa verde: https://antonio-justo.eu/?p=3183; Encíclica sobre Ecologia: https://antonio-justo.eu/?p=3191

REFORMAS NA ALEMANHA – GUIA ONLINE PARA REFUGIADOS – PUTIN ACERTOU – FUMADORES

AUMENTO DAS REFORMAS NA ALEMANHA – DESIGUALDADES ENTRE HOMENS E MULHERES E ENTRE ESTE E OESTE

Apesar dos imensos Encargos com os Refugiados a Economia cresce

Por António Justo

Segundo o cálculo do gabinete do governo federal alemão, em 2016 prevê-se um aumento substancial das reformas para os 20,6 milhões de reformados. As contribuições para pensões para 2016 deverão manter-se nos 18,7%.

A pensão terá um aumento, a partir de 1.07.2016, de 4,4 % na zona antiga e de 5 % nos novos Länder (Cf. Relatório do Governo sobre o seguro de pensões: http://www.bundesregierung.de/Content/DE/Artikel/2015/11/2015-11-18-rentenversicherungsbericht.html).

Em 2014, na Alemanha ocidental os homens tiveram uma reforma média de 993 € por mês; na Alemanha oriental (antiga Alemanha socialista) receberam 1074 € por mês. Na Alemanha ocidental as mulheres tinham uma reforma de 707€ e na oriental 968€. A diferença deve-se ao facto de na Alemanha oriental, embora ganhando menos as pessoas trabalharem mais tempo e ao facto de o sistema de reforma beneficiar os alemães orientais numa espécie de compensação da antiga divisão.

Na Alemanha ocidental ao trabalhador, por cada ano de rendimentos anuais descontados são-lhe creditados, em média, na conta de pensões 27,05 €, na Alemanha ocidental são depositados 29,21€ por ano de trabalho.

O relatório sobre pensões, parte do princípio que em 2019 os homens receberão em média 1.133 € de pensão na zona ocidental e 1.239€ na zona oriental, enquanto as mulheres receberão 806€ no ocidente e 1.116 € no oriente.

Apesar das pensões na zona oriental serem mais elevadas o reformado da parte ocidental tem um nível de vida mais elevado que o da antiga zona socialista resultante de outros rendimentos devidos a poupanças ou investimentos que o empregado fez paralelamente aos descontos para o seguro de pensão legal. Assim na zona ocidental um casal aposentado atinge em 2011 um rendimento líquido mensal de uma média de 2.510 € enquanto na oriental apenas chega aos 2.016 €. Na parte oriental 91% dos vencimentos mensais provêm da reforma do regime legal enquanto na ocidental são 58%”. Actualmente o nível da reforma é de 47,5% do rendimento médio atual dos empregados; e daqui a 10 anos a reforma corresponderá a 46% do que ganharão as pessoas com emprego. Atendendo ao decréscimo dos nascimentos, a reforma do regime legal não chegará para assegurar o actual nível de vida dos reformados.

A entrada de grandes contingentes de refugiados jovens poderá contribuir para a estabilização das reformas, uma vez que se encontrem no mercado de trabalho.

Num período em que a Alemanha gasta dez mil milhões com a recepção de refugiados, o governo não poderia deixar os reformados sem um aumento superior ao normal, para conseguir assim obter a compreensão destes para a sua política de fronteiras abertas.

PUTIN ACERTOU – O PRESIDENTE ASSAD FAZ PARTE DA SOLUÇÃO

A História do Iraque e da Líbia deu-lhe razão. O resultado da intervenção americana na região foi catastrófico. Apoiaram os rebeldes contra regimes autoritários estabelecidos, intervieram militarmente e depois abandonaram o terreno às feras. O mesmo está a dar-se no Afeganistão. Derrubaram o presidente Saddam no Iraque sem qualquer plano para o futuro. Agora reina o terror do ISIS. O Ocidente interveio na Líbia derrubando o presidente Gaddafi e o resultado foi ficar tudo mil vezes pior que antes e agora reina o Caos . Parece que não percebem um mínimo da sociologia e antropologia árabe-muçulmana; ou será, a esperança da reconstrução, um programa para a conjuntura económica do ocidente?

Já por tudo isto Putin parece ter razão ao apoiar o presidente Assad. Assim pode assegurar um mínimo de segurança na região. Foi preciso chegar Putin para as potências europeias chegarem à conclusão que afinal Baschar al-Assad é parte da solução.

Putin tem experiência: sabe que uma sociedade autoritária com um fascismo ideológico de base só pode ser governada por regimes autoritários com força suficiente para manter uma certa ordem a desordem ordenada.

FUMADORES – NA ALEMANHA MORREM 121.000 PESSOAS POR ANO EM CONSEQUÊNCIA DO CONSUMO DE TABACO

Na Alemanha morrem 121.000 pessoas por ano em consequência do consumo do tabaco, como refere o Centro Alemão de Pesquiza do Cancro (DKFZ). Isto corresponde, segundo estatísticas, a 13,5% da mortalidade na Alemanha.
O tabaco foi introduzido na Europa pelos portugueses e pelos espanhóis na altura dos Descobrimentos. Em 1573 já se encontrava tabaco plantado num jardim paroquial na Alemanha. Então era usado como rapé. Em 1761 médicos alertam para o cancro do nariz. Em 1904 organizam-se movimentos de resistência contra o tabaco. Em 1964 um Estudo nos USA prova que o tabaco provoca o cancro nos pulmões.
Segundo um estudo na Alemanha o consumo do tabaco tem como consequência encargos para a Comunidade no valor de 80.000 milhões de euros. Um terço dos custos directos provêm das doenças e dois terços (custos indirectos) provêm de absentismo no trabalho e de reformas antecipadas de fumadores. Fumadores perdem 10 anos da sua vida útil esperada. Para mais informações pode consultar www.dkfz.de

O Estudo não diz quantas agressões foram evitadas devido ao consumo do tabaco!

GUIA ONLINE PARA REFUGIADOS

Atendendo ao impacto das diferentes maneiras de comportamento entre os refugiados e as pessoas do país acolhedor, alguns municípios e organizações organizaram guias de bom comportamento para os refugiados. Guia em alemão, árabe, francês, inglês: http://www.refugeeguide.de/
A junta de freguesia de Hardheim, na Alemanha, publicou um aviso ainda mais concreto sobre regras de etiqueta para refugiados. Por exemplo: a fazerem as necessidades nas toiletes e não em jardins nem parques, as embalagens nos supermercados não devem ser abertas antes de se pagar, na Alemanha não se deve fazer barulho a partir das 22 horas para não perturbar os vizinhos; o lixo coloca-se nos caixotes do lixo; é considerado assédio um homem pedir, sem mais, o número de telemóvel ou o contacto de facebook a uma jovem e que também não querem casar. Isto provocou crítica. À primeira vista parece um acto arrogante e até discriminador, se não fossem muitos os casos na realidade do dia-a-dia. Em julho, em Colónia um imame (orientador muçulmano) recusou-se a apertar a mão a uma representante da cidade alegando que ela era uma mulher.

FIM À FORMAÇÃO DOS REBELDES ISLÂMICOS DA SÍRIA PELOS USA

Em lugares discretos dos jornais dá-se magro espaço à notícia do New York Times de que os USA acabam com o treino e formação de rebeldes sírios. Segundo informações governamentais, o programa de 500 milhões de dólares, para treinar os rebeldes, não teve efeito no sentido de melhorar o seu poder combativo pelo que não será prolongado. Foi preciso a Rússia intervir para chegarem a tal conclusão!

A guerra na Síria não é querida pela Síria, é obra e negócio resultante do conflito entre xiitas e sunitas em que se envolvem os USA (Nato) e da Rússia. no apoio ao conflito entre os muçulmanos Sunitas (Arábia Saudita, Turquia…) e os muçulmanos xiitas (Irão e o Presidente sírio). Os USA fazem o seu negócio com o conflito dos sunitas contra os xiitas (a Turquia aproveita a boleia no seu conflito contra os curdos querendo ver o conflito escalado a nível de toda a Nato) e a Rússia faz o seu contra os sunitas apoiando o presidente Sírio e o Irão que quer desestabilizar ainda mais a região para melhor atingir o seu fim de aniquilar Israel e se instalar na região como superpotência também ela com a bomba atómica. Este negócio diabólico será bem pago com a aniquilação da Síria (depois a ser reconstruida pelas firmas russas, americanas e europeias) com a factura já a ser paga nos refugiados e no fomento do terrorismo pelo Irão e pela Arábia Saudita e correspondentes aliados.

António da Cunha Duarte Justo
In Pegadas do Tempo, antonio-justo.eu

MÉTODO DA CONTROVÉRSIA E A EXCELÊNCIA ESCOLAR JESUÍTA – REFLEXÃO

Do “Porquê” ao “Para quê” e do “Porquê” do “Porque” e do “Porquê”

António Justo
Conta-se que, certo dia, perguntaram a um sacerdote jesuíta: – Senhor padre. É verdade que um jesuíta responde sempre a uma pergunta com outra pergunta? – E porque não? – Responde o jesuita.

(Depois de 500 anos foi eleito um Pontífice vindo de uma ordem religiosa: o jesuíta Jorge Mario Bergoglio agora Papa Francisco. Como jesuíta não repousa nas respostas, responde a uma pergunta com outra pergunta: um papa, um jesuíta como sinal e programa para a construção da sociedade humana?

O porquê da anedota dirige-se ao intelecto não só com uma preocupação de procurar fundamento (porquê) para a questão, mas também de entender a sua finalidade (para quê) e o meio (com quê).

Uma questionação-resposta, do estilo porquê-porque, correria o perigo de limitar a visão ao intelecto ou a um contexto limitado e limitador. E um “porque” final fecharia a porta de uma realidade que é, por essência, sempre aberta por mais respostas que se encontrem para ela.

Quem se dá satisfeito com a simples resposta (isto é, com o porque) confirma um certo tradicionalismo, afirma apenas o status quo estranho à filosofia cristã… O método ignaciano de questionar a pergunta transcende a visão individualista/situacionista que procura a consolação imediata numa resposta que satisfaça (de um porque… e ponto final); a questionação da pergunta pode parecer controversa mas orienta o desejo para horizontes mais abertos sem calcar as potencialidades individuais e circunstanciais. A pergunta ajuda a ultrapassar o buraco de uma primeira ignorância que a resposta preencheria; ela possibilita a criação de um espaço de silêncio, uma abertura na inteligência (etapa reflexiva) de modo a o silêncio iluminar uma nova resposta depois de um olhar direccionado para outros sentidos ou perspectivas.

A questionação da pergunta possibilita sempre uma abertura ao reconhecimento dos múltiplos sinais da vida numa existência complexa, mais abrangente e que abre a perspectiva para algo que transcenda a situação concreta/circunstância (para o obrar de “Deus” no mistério da vida). A pergunta à pergunta implica também uma purificação do pensamento e tem como consequência a descentralização do ego, dirigindo a ideia também para o outro, para o essencial; o momento do vazio/reflectivo pode possibilitar o salto do ego e do mero circunstancial para o outro, onde, no profundo da ipseidade, a Realidade se reúne e acontece a ponto da pessoa consciente poder falar a partir do interior da Realidade, toda ela feita de complementaridades. Ou, traduzindo em discurso cristão: onde o próprio responde dizendo, já não com o ego de Saulus mas com o eu profundo de Paulo que exclamava: “já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim”; a este nível expressa-se a consciência do Cristo cósmico de que fala o jesuíta Teilhard de Chardin. Ao consciencializarmo-nos da realidade como a natureza humana de Cristo (resumo do Céu e da Terra) possibilita-se a cristificação individual e do universo num processo da incarnação e ressurreição como todo integrado já não numa dialética do eu-tu mas numa relação trinitária do nós.

Também o papa Francisco só pode ser entendido nesta perspectiva orto-práxica. Não há perguntas tolas, o que pode haver são respostas desvairadas. Bento XVI e Francisco I são dois momentos diferentes do mesmo discurso. Tudo é questionável, só Deus não se questiona porque a sua pergunta/resposta se encontra na natureza e na História e estas encontram-se resumidas no protótipo da realidade toda que é Jesus Cristo (matéria e espírito). Deus é mais que passado presente e futuro; por isso seria unilateral fixar-se só no pensar do passado ou no modo de pensar do presente, poderia dizer um jesuíta. Futuro implica questionar toda a resposta, consciente de que ela faz parte do corpo físico.

O Globalismo do Pensamento jesuíta expressa-se na Utopia do 5° Império – Pombal com a Maçonaria organiza uma Guerra de Morte contra os Jesuítas

A qualidade da pedagogia jesuítica foi marcante nos países da lusofonia. No livro “Gangorra ou História triste” pode constatar-se bem o método jesuítico de educação num episódio descrito por um jesuíta (1) num parágrafo que trata das relações entre espanhóis e índios: Um jesuíta que assistia a um índio maltratado mortalmente pelos espanhóis perguntou ao índio: -“Você prefere ser salvo e ir para o céu, ou recusa a salvação para ir ao inferno?” A essa questão de resposta aparentemente óbvia… o moribundo vermelho responde com outra pergunta: -“existem espanhóis no céu?”. –“Sim, certamente” – responde o jesuíta. –“Para o Inferno”, responde o Índio. O índio colocado numa perspectiva de céu e de inferno não encontrava razões para convicções e deste modo o jesuíta com o seu método coloquial aproveitava para condenar, indirectamente, a governação espanhola. A pergunta abre a possibilidade de alargar o leque de perspectivas e de entrar em relação alargada.

Os Jesuitas nos seus colégios da América do Sul e da Ásia seguiam no ensino superior o modelo de ensino da Universidade de Coimbra e de Évora preferindo o modus parisiensis ao modus italicus: o ensino era gratuito, no secundário estudava-se Gramática, Humanidades e retórica e no Ensino Superior: Artes, Ciências, Dialética, Filosofia e Teologia (2)

Os jesuítas despertavam a desconfiança dos governantes devido à influência política e educativa que tinham e, por, nas colónias, se colocarem ao lado dos indígenas (criticando os colonos). Com o seu relativismo na argumentação, questionador do argumento de autoridade, também frustravam o espírito absolutista dos poderosos da europa; por outro lado tinham demasiado poder causando sombra ao poder laico que se procurava afirmar e institucionalizar contra a influência do poder religioso.

O enciclopedismo e o iluminismo eram de tendências anticatólicas e anti-jesuítas atendendo também a que estes eram os críticos mais sistemáticos do protestantismo. A Reforma religiosa e as guerras de religião levam os Jesuítas a centrarem-se no essencial. Surgidos do espírito da Reforma da Igreja Católica, apostavam na educação para fomentar uma consciência humana não limitada ao religioso nem à ideologia, (Interessante que já o Padre Manuel da Nóbrega queria, no Brasil, incluir escolas para meninas no ensino, mas a Coroa não estava à altura de permitir tal exigência); entendiam-se como pioneiros da utopia na realização da civilização cristã. Tinham um ensino orientado para elites e para cargos do poder. Praticavam a inclusão de culturas, de camadas sociais e de disciplinas… como processo de aprendizagem competitiva tinham exames e debates públicos (3).

Pombal acusava a atuação dos jesuítas com os indígenas do Brasil; segundo ele, os homens brancos eram apresentados aos índios como maus, como mais interessados no ouro do que qualquer coisa e, mais grave, prontos para atrocidades” (4).

A maçonaria, na sua qualidade de iluminismo esotérico, e de organização secreta que considera o próprio preconceito acima de outros preconceitos institucionais, estrutura-se infiltrando-se nas estruturas do Estado e Universidades, procurando controlar as elites, para, deste modo, direccionar os destinos das nações. A maçonaria ganha expressão concreta no déspota iluminado, o Marquês de Pombal. Este aliado à sua família e correligionários difama os jesuítas, persegue-os, nacionaliza os seus bens e expulsa-os do império lusitano, declarando-os como “ímpios e sediciosos”; conseguiu que a inquisição os perseguisse e expulsou-os de Portugal; no ano da sua expulsão (1759) a ordem jesuíta tinha 1698 membros em Portugal. “Em meados do século XVIII os colégios da Companhia de Jesus tinham, no reino, cerca de vinte mil alunos, numa população estimada em três milhões de habitantes… No Brasil, a primeira universidade criada é o Colégio dos Jesuítas da Bahia em 1550. Esta formou o ilustre António Vieira (ideia do 5° império).

A luta maçónica contra a Companhia de Jesus é tão fundamentalista e cruel que só pode ser compreendida na rivalidade dos maçons que queriam conquistar as elites para si seguindo assim uma estratégia elitista de ocupação dos centros de elite a nível de instituições e de ocupação de lugares estratégicos da política. O que a maçonaria e o anticlericalismo pretendiam era aniquilar os jesuítas e o poder da Igreja Católica para os substituírem na influência; o que em parte conseguiram através de um republicanismo jacobino ainda hoje a actuar nas caves da República portuguesa e nos centros de deliberação da UE. A batalha decisiva de Pombal e correligionários era minar o mito de um Portugal ponta de lança da Europa cristã e instituir nas estruturas do estado e nas subestruturas dos partidos uma rede de irmãos da mesma ideologia que atravessa as instituições…

Também o ilustre jesuíta Teilhard de Chardin se refere ao conflito entre secularismo e religião, ente materialismo e espiritualismo: “Aparentemente, a Terra Moderna nasceu de um movimento anti-religioso. O Homem bastando-se a si mesmo. A Razão substituindo-se à Crença. Nossa geração e as duas precedentes quase só ouviram falar de conflito entre Fé e Ciência. A tal ponto que pôde parecer, a certa altura, que esta era decididamente chamada a tomar o lugar daquela. Ora, à medida que a tensão se prolonga, é visivelmente sob uma forma muito diferente de equilíbrio – não eliminação, nem dualidade, mas síntese – que parece haver de se resolver o conflito (5).”

Na pergunta à pergunta relativiza-se a primeira e com a sequência pretende chegar-se à percepção do mistério e ao ser do Homem como processo aberto e à procura numa tentativa de solucionar problemas mediante perguntas e respostas. A Ratio Studiorum dos Jesuitas (1599) incluía a Contenda (debate) que levava à concentração no essencial (6).

Longe dos centros europeus do poder, na américa do sul e no Oriente, a pedagogia e o sistema de argumentação Jesuíta revelaram-se muito profícuos.
No Sermão da Sexagésima, o jesuíta António Vieira expôs o método do discurso: 1. Definir a matéria. 2. Reparti-la. 3. Confirmá-la com a Escritura. 4. Confirmá-la com a razão. 5. Amplificá-la, dando exemplos e respondendo às objeções, aos “argumentos contrários”. 6. Tirar uma conclusão e persuadir, exortar.

A Controvérsia como Método de Descoberta da Verdade

A Controvérsia ou “disputatio”, usada nas universidades medievais, era um método didáctico de disputa ou debate para persuadir e encontrar a verdade (apresentada a tese segue-se a argumentação – a favor ou contra – seguindo-se depois a avaliação em que a divergência será resolvida); era uma aprendizagem baseada na análise das fundamentações e premissas (de caracter dedutivo); a aprendizagem dá-se através da contraposição de conteúdos e de posições opostas (defensores e oponentes); modernamente não se procura a verdade mas sim a firmeza/coerência de um sistema de argumentação em relação a uma determinada tese (método indutivo).

A disputa ou debate controverso era usada para esclarecer questões contenciosas… No cristianismo esta tradição já se encontra documentada no judaísmo na discussão entre Jesus e os Doutores da Lei (Lucas 2:42-51) e nos primórdios da cristandade (Atos 15:2); expressa-se também nas disputas inter-religiosas e entre as diferentes ordens religiosas e nas apologias contra os hereges (7).

Martinho Lutero também fez uso desse costume académico na discussão das teses teológicas e filosóficas, verdadeiros duelos dialéticos orais entre peritos de religiões ou posições diferentes …. Aquando da Dieta de Ratisbona (1541) na disputa entre teólogos católicos e protestantes acordou-se que o único juiz é Jesus Cristo, pelo que “não admitiriam nenhum outro juiz da controvérsia senão Jesus Cristo”. Os Jesuitas deram grande relevo à pedagogia da controvérsia nos tempos modernos.

Também o terceiro dos imperadores mogóis da Índia (1542-1605) iniciou na Índia uma série de debates entre muçulmanos, hindus, jainistas, zoroastristas e jesuítas para discutir a charia.

A controvérsia era uma forma escolástica dura, mas justa de discutir e descobrir verdades em teologia e ciências entre teólogos católicos, judeus e outros: vencia quem tinha os melhores argumentos. Lutero teve várias disputas públicas sobre diferentes dogmas e teses. Os jesuítas revelaram-se os seus mais consequentes adversários.

Controvérsia no diálogo inter-religioso era muito importante na disputa pela verdade; na Idade Média Hispânica, Ramon Llull (1232-1316) testemunha a importância da procura da verdade no texto apologético “Disputatio Raimundi Lulli et Homer Sarraceni”, onde vem narrada a experiência de
Llull num cárcere tunisino, onde este chega a dizer aos sábios muçulmanos que se eles tivessem argumentos suficientes ele se converteria ao Islão.

O discurso casuístico empregado pelos jesuítas nos tratados de moral é questionado por Blaise Pascal nas suas cartas Provinciais (1656-57). Na Carta V, Pascal testemunha a prática discursiva dos tratados morais dos jesuítas criticando-a porque dava espaço ao relativismo e a um certo sufismo que questiona o argumento de autoridade e dá relevo a opiniões prováveis ou opostas. Pascal em Pensées revela-se contra o minimalismo jesuíta que questiona a autoridade moral dos padres antigos que, na perspectiva de argumentação jesuítica, se encontravam mais próximos dos apóstolos mas, por outro lado, mais distanciados da realidade moderna. Pascal insiste acusando os jesuítas de terem propositadamente uma moral dúbia, ora rigorista, ora laxista, com o objectivo de agradarem a todos, e assim governarem todas as consciências. Refere ainda os abusos das doutrinas probabilistas que proporcionam a justificação de todas as infrações. A experiência só pode proporcionar contingências e probabilidades. Segundo os historiadores Giacomo Martina e Ricardo García Villoslada, as Provinciais além de denunciarem muita moral laxista e permissiva de então, iniciam o rótulo negro do jesuitismo e estão na base de grande parte do anticlericalismo dos sécs. XVIII e XIX.

De facto, os maçons, defensores do despotismo iluminado, entraram numa luta ideológica cerrada contra os Jesuítas. O terremoto de Lisboa é acompanhado por um outro grande terremoto, o sismo ideológico, de que o estado e sociedade portuguesa jamais se refizeram: assistimos a um tradicionalismo ancestral autoritário e um modernismo estrangeirado dogmático que se combatem em vez de se complementarem e integrarem; de um lado a ideologia iluminista que arrogantemente se apodera dos órgãos do poder e do outro uma tradição religiosa escura e vítima ou que se considera como tal.

Nietzsche expressa claramente o espírito crítico do tempo em relação à Igreja católica quando diz: “O que é que combatemos no cristianismo? Que ele queira quebrar os fortes, que queira desencorajá-los da sua coragem, explorando as suas más horas e cansaço, querendo transformar a sua orgulhosa segurança em desassossego e remorsos de consciência […] até que os fortes sucumbem sob os excessos de autodesprezo e do auto-mau trato…” (8).

O Advogado do Diabo

Na universidade de Coimbra e depois na de Évora seguia-se a pedagogia da controvérsia que se expressava na defesa pública da tese e noutros rituais académicos, nos tribunais de praxe e na figura do “advogado do Diabo”.

A figura Advogado do Diabo (arte de convencer e persuadir através de argumentação controversa para ter em conta os argumentos contrários) implica uma didáctica académica e uma estratégia retórica numa disputa em que o advogado eclesiástico assumia a posição de oponente (uma posição que não precisa de crer), nomeadamente num processo de canonização defendida pelo advocatus Angeli); deste modo, com o advocatus diaboli, o processo de canonização ganhava maior objectividade factual e consistência. É um método sério para o encontro da verdade e que obstava a convicções preconcebidas (reunião de razão e fé na disputa pela verdade).

O método da controvérsia e do advogado do diabo fortalece a própria argumentação alargando as suas perspectivas, na mesma pessoa falam vários espíritos. Nele processa-se então uma análise crítica das próprias ideias e convicções. Ao preparar um discurso sob diferentes perspectivas este método alarga e aprofunda a própria consciência e reflexão além de formar competências nas formas de argumentar num discurso. A existência de uma teologia no cristianismo (coisa que não acontece no Islão por este se esgotar na jurisprudência) deve-se à preocupação cristã de unir a fé à razão.

PEDAGOGIA IGNACIANA

Como vimos, os jesuítas sempre tiveram grande influência na formação das elites…. O método pedagógico ignaciano implica uma pedagogia da excelência para a fé e para a justiça: serve-se da controvérsia como método de portas abertas para uma realidade a-perspectiva e com diferentes acessos a ela, segundo as “portas” que se utilizam para entrar nela. Os alicerces da sua pedagogia são a reflexão, a experiência e a acção.

A Pedagogia ignaciana centra-se na formação integral da pessoa, coração, inteligência e vontade; integra a reflexão (clarificar a motivação interna do que sou e do que me move e respectivas implicações), a acção (de carácter holístico como prática do amor) e a experiência (conhecer sentindo as coisas por dentro) e as três em contínua interacção. A componente reflexão torna-se essencial pois apela ao significado pessoal e humano da aprendizagem/experiência; implica uma atitude de ser “pessoa para os outros ” dando importância ao contexto e à participação no desenvolvimento colectivo (9).

Tal filosofia envolve uma formação integral orientada para os talentos pessoais com valores comportamentais positivos morais e intelectuais, pressupostos para o crescimento pessoal de maturação humana para melhor servir o outro.

A Ratio Studiorum da Companhia de Jesus fundamenta o conhecimento pessoal e espiritual da pessoa pretendendo uma excelência educativa que tem Jesus Cristo como fim e modelo de vida humana, uma vida partilhada e aberta à liberdade na diferença e diferenciação.

De facto, a essência da vida cristã é relação, como se pode depreender da fórmula ou princípio de toda a realidade resumida no mistério da Trindade. O gene divino em nós torna-nos inquietos na procura do reencontro, na antecipação do futuro. Só me compreendo e realizo na relação com outro, a minha definição e a minha identidade é incompleta sem ele. A própria célula que pareceria solitária não o é porque se encontra numa relação transcendente de tecidos e órgãos…. A verdade encarna, ganha forma dinâmica numa determinada realidade que se expressa como processo.

Também na Alemanha as universidades jesuítas eram centros dos Media destacando-se pela inclusão de várias formas de comunicação, logo desde o início e incluíam as procissões, teatro, canto, segundo o princípio docere et movere (10). Ainda hoje os jesuítas têm grande prestígio e encontram presença relevante nos meios científicos e políticos da Alemanha. O seu ensino é muito exigente: Trata-se de ensinar e mover! Na Alemanha no discurso cultural e público, apesar das lutas da reforma e contra-reforma, não se encontra hoje o espírito jacobino e radical que tem tolhido o génio português, desde que se encostou a um espírito demasiado dialético do iluminismo-liberalismo francês.

António da Cunha Duarte Justo
Teólogo e pedagogo
In Pegadas do Tempo www.antonio-justo.eu

(1) “Gangorra ou História triste” in https://books.google.de/books?id=UkiGv1KTH-sC&pg=PT127&lpg=PT127&dq=O+jesu%C3%ADta+responde+a+uma+pergunta+com+outra+pergunta.&source=bl&ots=1ozsLT6V8w&sig=a0-NVNUOLtzS09z6NqSb1wkzgds&hl=de&sa=X&ved=0CD4Q6AEwBGoVChMI26b_o6qzyAIVIYtyCh0CdAaP#v=onepage&q=O%20jesu%C3%ADta%20responde%20a%20uma%20pergunta%20com%20outra%20pergunta.&f=false
(2) http://www.dhi.uem.br/gtreligiao/pdf8/ST6/012%20-%20Fernanda%20Santos.pdf
(3) Revista Brasileira de História das Religiões: http://www.dhi.uem.br/gtreligiao/pub.html
(4) COSTA, Célio Juvenal. A racionalidade jesuítica em tempos de arredondamento do mundo: o Império Português (1540-1599): http://www.historia.uff.br/cantareira/novacantareira/index.php?option=com_content&v ew=article&id=129:osjesuitasnosetecentos-ed6&catid=61:artigos-ed6&Itemid=79
(5) Teilhard de Chardin, em “O Fenómeno Humano”. Segundo Chardin, que defendia o Panenteísmo cósmico, a Terra seria composta de várias camadas esféricas: Barisfera ou núcleo metálico terrestre; Litosfera ou camada de rochas; Hidrosfera ou camada de água; Atmosfera ou camada de ar; Biosfera ou esfera da vida; Noosfera ou esfera do pensamento ou espírito humano: Cristosfera ou âmbito de Cristo.
(6) www.cerescaico.ufrn.br/mneme/anais; http://www.cerescaico.ufrn.br/mneme/anais/st_trab_pdf/pdf_st1/antonietta_nunes_st1.pdf
(7) Catholic Encyclopedia (1913)/Religious Discussions.
(8) Friedrich Nietzsche in Nachlass. KSA 13, 11 [55], p.27 f.
(9) Cf. Arte discursiva: http://www.ruigracio.com/000pdf
(10) Cf. Delectare, movere et docere: http://www.musica.ufmg.br/permusi/port/numeros/17/num17_cap_07.pdf

Dos Vendilhões do Templo de Jerusalém aos Vendilhões de Bruxelas

Entre Fariseus progressistas e Saduceus conservadores

Por António Justo

Situação na Polis outrora e hoje

Os Saduceus (conservadores, acreditam no livre-arbítrio, negavam a existência da alma, de espíritos e de anjos) pertenciam ao alto escalão social e económico da sociedade (aristocracia do Templo) e seguiam estritamente a Tora (Lei); os Fariseus (progressistas acreditavam na liberdade humana mas com influência do destino e na ressurreição dos mortos), fanáticos e “hipócritas” seguiam a Tora e a tradição oral, manipulando as leis no seu interesse e juntavam o poder religioso ao poder político (no Sumo Sacerdote).

Os saduceus eram colaboracionistas dos gregos e dos romanos pelo que eram odiados pelos partidos dos Zelotes. Comportavam-se em relação ao poder ocupante romano de maneira serviçal e oportunista, acatando no Sinédrio (senado) as decisões de Roma.

Muitas das características descritas em relação aos Saduceus e Fariseus encontram-se hoje na política e nos parlamentos nacionais também no que respeita ao poder da UE e ao Grande Sinédrio de Bruxelas.

O Modelo de Sustentabilidade que dá Perenidade ao Desenvolvimento

Parto do princípio, porém, que a sustentabilidade e sobrevivência do povo judeu, deve muito aos Fariseus. Interessante que tanto o Povo Judeu como a Bíblia (Antigo e Novos Testamentos) se tornam em protótipos do desenvolvimento histórico e humano. Em Jesus Cristo podemos reconhecer a integração e conciliação da materialidade/corporalidade e do espírito (divindade) numa só pessoa; por outro lado, o povo judeu mantem também ele na sua existência a tensão e inclusão dos extremos que lhe garante a continuidade através da História. Moral da história: só a integração, do aparentemente polar e contraditório, num processo de inclusão de complementaridades (numa realidade superior para lá das diversas perspectivas), conseguirá dar sustentabilidade à sociedade – missão essa, que o Cristianismo assume na vivência da experiência da Realidade Jesus Cristo na qualidade de comunidade e de pessoa; como realidade relacional e processual aberta, o Cristianismo contem no seu protótipo da Realidade, a fórmula que serve ao mesmo tempo de matriz de indivíduo e sociedade que comporta a antecipação do futuro garantidor de todo o Homem e de toda a comunidade humana na plataforma da divindade suporte de toda a realidade existente e não existente (fórmula trinitária) numa dinâmica do já e ainda não.

Da Ordem natural das Coisas – Polis entre Fariseus, Escrivas e Saduceus

Dado que sem preconceito não se passa ao conceito, há que constatar: no discurso político é muito frequente tropeçar-se com Escribas e Fariseus: uma direita com o rei na barriga e uma esquerda com a rainha; de resto, petulâncias ou rumores intestinais.

Fariseus e saduceus, ontem como hoje, manifestam duas tendências/princípios naturais que dão continuidade a um povo numa dinâmica de preconceitos interactivos das duas partes. O erro da hipocrisia fomentadora do preconceito parece ser o óleo dos veios de transmissão entre o motor (o agente) e o carro (povo) e, como tal, o erro torna-se, a nível factual, numa constante motriz do desenvolvimento histórico.

A ordem natural das coisas dá razão e favorece os detentores do poder ou os que se encontram na sua disputa. Quem não entende isto, em termos de política, está predestinado a ser terreno onde aqueles escavam seus regos para a água deles passar. Lógica da questão: quem não entra fica como o cão à porta e por mais que ladre nunca chega a ter razão (na lógica factual do poder)!

Do mercado da polis – Hipocrisia e Iniquidade

Portugal dá a impressão de andar sempre em campanha eleitoral, sem espaço para discutir nem elaborar programas de governação; parece ser um agregado sociológico de repúblicas (povos) – sem Povo – num arraial antigo, onde ecoam os pregões e os berros.

Quem não tem acções partidárias no mercado da polis resigna, faz da tristeza raiva ou procura consolação na exclamação: “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas, porque sois semelhantes aos sepulcros caiados… também vós exteriormente pareceis justos aos homens, mas, por dentro, estais cheios de hipocrisia e de iniquidade.” (Mt 23. 27-28)

Tal como nos tempos bíblicos, temos conflitos programados e de que bem vivem os escribas/saduceus e fariseus.

A palavra Fariseus ganhou a conotação de hipócrita e de confessos aparentes. Fariseus e Saduceus/Escribas fazem parte da dialética social e são adversários entre si mas quando se trata de defender os próprios interesses sublevam e dividem o povo para poderem legitimar e manter as estruturas do poder que lhes oferece palco seguro para se afirmarem (manipuladores do povo matam Jesus para depois lavarem as mãos na “inocência do povo” que os legitimou). Inteligentes como serpentes, encontraram e encontram uma estratégia comum que lhes dá segurança na ocupação dos cargos de prestígio da nação e a maioria dos postos no Sinédrio. A inveja e a ganância atiçam-nos uns contra os outros, a ver quem mais come enquanto o povo olha e ladra para enganar a fome.

A ganância humana torna-se apetite desenfreado. Se não fosse o apetite que seria do saborear!… Mas o povo cada vez mais habituado ao fastio vai perdendo o apetite e o caracter, fomentando ainda mais os apetites dos poucos.

O apetite partidário é tanto que chega a não distinguir o que já lhe estreborda do prato. Victor Hugo dizia “em tempo de revolução, cuidado com a primeira cabeça que rola. Ela abre o apetite ao povo”. Por essa razão andará tanta gente à volta de algumas cabeças; o problema delas será nunca se saciarem; por isso se tornam cães de guarda ou feras.

Todos mereceram a crítica do Mestre da Judeia porque adorando ídolos e não Deus mostravam-se como os mais dignos de respeito entre o povo. Uma reflexão pessoal e nacional, para ser salutar a nível de comunidade, deveria passar a considerar a dialética polarizante como mal menor a ser ultrapassado processualmente no serviço de um bem maior que é o todo de tudo em todos. Premissa da relação: o outro que permite identificar-me é o tu que dá consistência à minha ipseidade (eu-tu-nós) que se expressa na relação do eu-tu inclusivo a realizar Jesus Cristo.
António da Cunha Duarte Justo
Pegadas do Tempo www.antonio-justo.eu