Alemanha 7 – Brasil 1 nas Meias-finais do futebol mundial 2014

Jogo alemão é modelo de espírito comunitário

António Justo
Na disputa nas meias-finais do campeonato mundial de futebol, o jogo Brasil-Alemanha moveu todos os corações. Até os adeptos da Alemanha sentiam simpatias pela equipa brasileira, símbolo de um povo rico e activo mas também fustigado pela pouca sorte de Neymar, o seu melhor jogador, que no jogo anterior, fora hospitalizado em consequência da brutalidade de um jogador colombiano.

Os alemães mostraram o que são: no jogo, uma equipa, em casa uma nação.

Quem viu o jogo e conhece a vida interna da Alemanha observou no jogo, aquilo que, no dia-a-dia, torna a Alemanha grande e forte: o seu espírito de coletividade (nação). A sua consciência de comunidade, seja no jogo, na política, no patronato ou nos sindicatos, leva os cidadãos e as suas instituições a porem sempre em primeiro plano o bem-comum, o bem do país. Sabem que da força da comunidade depende o bem individual.

Parte da claque brasileira não se comportou bem ao virar a casaca, deixando de apoiar os seus jogadores ou ao estigmatizar Fred como bode expiatório. A própria claque enfraqueceu, psicologicamente, o grupo.

O Brasil perdeu mas perdeu bem; revelou cavalheirismo no trato com o grupo adversário. A nação chorou; foi comovedor a maneira como o representante dos jogadores brasileiros pediu desculpa à nação que esperava deles o que não puderam dar.

Nos primeiros minutos do jogo, a equipa brasileira actuou brilhantemente, correspondendo à pressão de se tornar campeão mundial. O 1° golo de Thomas Müller no 11° minuto, tal como tinha acontecido no jogo da Alemanha contra Portugal com o 1° golo também de Thomas Müller no 12° minuto, foi decisivo para o desenvolvimento do jogo. Sofrido o primeiro golo, a equipa perdeu a sua força moral. A partir daí assistiu-se a um jogo mágico; foi uma goleada.

Aqui está a justa diferença comportamental e que corresponde, para uns, a mais vida e dependência e, para outros, a mais disciplina e independência. Enquanto os nórdicos exageram com a cabeça e com a disciplina, os do sul exageram com a espontaneidade e com o coração.

Os alemães seguem o provérbio: “Depois do jogo é antes do jogo”( Nach dem Spiel ist vor dem Spiel). Mais que alegrar-se com o resultado do jogo pensam logo no trabalho a fazer para ganhar o seguinte.
António da Cunha Duarte Justo
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Origem do Português e do Galego

A Língua portuguesa é a Irmã gémea do Galego

António Justo
A Academia Brasileira de Letras fez um levantamento sobre a língua portuguesa e verificou que esta tem atualmente cerca de 356 mil unidades lexicais.

A grande riqueza do português provém na sua maioria do latim e do grego e das línguas das tribos ibéricas: galaicos, lusitanos (marcas de origem indo-europeia e miscigenação com os celtas, anterior às invasões romanas), etc. e dos invasores germânicos do séc. V (cerca de 600 palavras de origem germânica) e dos ocupantes mouros (berberes e árabes do séc. VIII que enriqueceram o português com 600 até mil palavras); com os Descobrimentos o português continuou a enriquecer-se integrando palavras dos novos povos no seu léxico; actualmente a preponderância da cultura anglo-saxónica favorece a integração de palavras inglesas. De notar que o português não só recebeu palavras das culturas com que contactou mas também deixou crioulos e palavras noutras línguas (O japonês também tem cerca de 600 palavras de origem portuguesa).

O galaico-português era o idioma falado nas regiões de Portugal e da Galiza, no Reino de Leão, que devido à divisão política do mesmo espaço geográfico, posteriormente começou a diversificar-se nas línguas portuguesa e galega. A partir do séc. XII a literatura apoderou-se do galaico-português de modo, a o português se diferenciar no século XVI da língua galega, sua irmã gémea.

A língua portuguesa é a evolução do latim que, como língua veicular literária e cultural, se expressava de duas formas: a maneira de falar intelectual (erudita) e a popular; assim, na formação do Português, encontramos a forma clássica – a língua do Lácio falada até uma certa altura e depois mantida pelos eclesiásticos, poetas e prosadores, como veículo da cultura intelectual e por outro lado a forma do latim vulgar que era falada pelo povo e que abandonada a si mesma se ia modificando mais e mais, com um certo acompanhamento do linguajar erudito. O mesmo se dá hoje: distingue-se a maneira de expressar (especialmente na escrita) de uma pessoa sem grande formação e uma pessoa formada. Os próprios escritores latinos, que utilizavam a forma clássica, referem também o falar do latim vulgar do povo; os escritores romanos referem-se ao falar do povo com os termos “sermo vulgaris”, “cotidianus”, “plebeius”, “rusticus”, etc.

Estas divergências encontram-se ainda hoje nas formas populares e de escrita de qualquer língua a nível fonético, morfológico e por vezes até sintático. A população não consumidora de “alta cultura” usa menos palavras para se exprimir metendo por vezes numa só palavra outros sentidos ou conotações, enquanto a pessoa mais culta recorre, para tal efeito, a maior diferenciação e consequentemente a uma maior gama de palavras.
No território que hoje constitui Portugal e Espanha, já se falavam várias línguas, antes dos invasores latinos chegarem. Entre elas a mais falda era a céltica. O Vasco conseguiu resistir ao latim.

De resto, pelos fins do séc. IV a língua vulgar falada por toda a península era a forma vulgar do latim, o “romanço”. Com as invasões dos alanos, suevos e godos e depois dos árabes, o romanço foi enriquecido com palavras novas dos falares dos invasores. A língua, naqueles tempos abandonada a si mesma, sem disciplina gramatical que lhe desse formato evolutivo, decaiu modificando-se segundo as regiões, pois já não havia a administração romana para lhe dar sustentabilidade nem uma regulamentação da língua, a nível suprarregional. Entre os falares surgiu o galego-português que se modificou algo, devido à independência de Portugal alcançada por D. Afonso Henriques e à obrigação do uso do português então “arcaico” ordenado por D. Dinis para os documentos escritos em vez do latim. Assim, temos hoje o idioma português e o galego; a maior diferenciação do galego deu-se a partir do séc. XVI. Embora se possa provar a existência do galego-português no séc. VII (e o português proto-histórico – um latim bárbaro) só a partir do séc. XII surgem textos completos em português notando-se então a influência da literatura sobre ele.

Numa missão civilizadora, os trovadores que cultivavam a poesia e a música por gosto, contribuíram muito como estabilizadores e fomentadores da língua. Ao irem de castelo em castelo espalhavam também ideais e a dignidade da mulher. Os segréis faziam da arte de trovar uma profissão. Os jograis tocavam vários instrumentos e cantavam versos alheios (artistas da boémia). Muito do legado antigo encontra-se nos Cancioneiros Primitivos.
O lirismo galego-português é do mais genuíno e documenta-se como uma poesia de romaria a Santiago de Compostela e nas romarias aos santos. Segundo Celso Ferreira da Cunha deve “considerar-se como obra de síntese de diversas influências, sobretudo da poesia popular e da poesia latino-eclesiástica”. Tinha duas correntes poéticas: a cantiga de amor que denuncia influência estrangeira, e a cantiga de amigo de caracter popular tradicional. Esta é a primeira manifestação genuína do lirismo peninsular.

Um documento importante do português Arcaico é o Testamento de D. Afonso II (1214) que começa assim:” En nome de Deus. Eu rei Don Afonso, pela gracia de Deus, rei de Portugal, sendo sano e saluo, temete o dia da mia morte, a saúde de mia alma e a proe de mia molier, raina Dona Orraca, e de meus filios e de meus uasssalos…”

No português histórico temos a fase arcaica do séc. XII, XIII e XIV (as terminações arcaicas em “om” deram origem às terminações modernas em “ão” e “am”); segue-se a fase de transição do séc. XV e finalmente a fase moderna, com início no séc. XVI até hoje. No séc. XIV e XV introduziram-se na língua muitas palavras do latim erudito e do grego; o séc. XV foi muito profícuo em mestres da língua (Garcia de Resende, Fernão Lopes, Eanes de Zurara, Rui de Pina, Frei João Alves); a língua passa a ter o seu eixo já não em Santiago de Compostela mas em Lisboa; o séc. XVI produziu grandes mestres da língua como Gil Vicente, João de Barros, António Ferreira, mas o maior de todos eles, o grande mestre do português moderno foi Luís de Camões com “Os Lusíadas”. Camões é um grande entre os maiores da literatura mundial, como afirmava já o grande Friedrich von Schiller, grande poeta, filósofo e historiador alemão que trocaria a sua obra pela glória dos Lusíadas de Camões.

No séc. XVI dá-se a grande diferenciação do português em relação ao galego.

António da Cunha Duarte Justo
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Festival da Eurovisão Cavalo troiano ou Chance de Aproximação

Emissor turco boicota o Festival da Canção
Conchita Wurst  encarna a Luta cultural da Actualidade

António Justo
Conchita Wurst (Thomas Neuwirth), vencedor do Festival da Canção (Eurovision Song Contest) divide públicos e culturas em trincheiras intransponíveis. O emissor estatal turco não emitiu o festival por questões de moral e de decência e a Rússia constata a decadência ocidental.

Enquanto no Ocidente se vive num clima de guerra cultural de progressistas contra conservadores, nos campos de interculturas e civilizações vive-se na luta do modernismo ocidental contra a ética de rigor cristão e contra o tradicionalismo russo e islâmico. Esta guerra passa desapercebida a uma maioria perdida em lutas de perspectivas de moda (Zeitgeist). É uma realidade incontestável que os progressistas, como em Copenhaga, se encontram a favor do vento e ganham, uma a uma, as batalhas culturais na Europa. Isto exaspera as pessoas mais conservadoras.

A Rússia e a República de Bielorrússia, depois da vitória de Conchita “Salsicha”, pensam em organizar um Festival da Cancão próprio. O chefe do partido comunista russo disse que depois do resultado de Copenhaga “a paciência encontra-se esgotada”; o presidente de Bielorrússia diz que o resultado do Festival está simbolicamente para “ o colapso completo dos valores morais na EU”; a Turquia não transmite o festival mas já se tinha afastado em 2012. O amigo de Putin, Vladimir Jakunin, chefe das ferrovias russas, uma das personalidades mais influentes na Rússia, vê em Conchita a expressão da arrogância ocidental porque quem não aplaude “a mulher barbuda” é colocado no rol dos não-democratas e acrescenta “o etno-fascismo vulgar tornou-se novamente parte da nossa vida”. Defende a lei russa contra a homossexualidade afirmando que 4% das crianças russas com um gene defeituoso nascem homossexuais e que isto foi provado pela medicina. Só acredita na igualdade de casamento entre heterossexuais e homossexuais “quando vir um homem grávido”.

É pena, tanto para um lado como para o outro, até porque temos muito a aprender uns dos outros! Este foi um evento que seria inocente se não nos encontrássemos numa luta cultural entre uma visão mais secular progressista e uma visão mais conservadora da sociedade, numa luta franca pela apropriação da moral.

Quanto a mim, gostei da música e da encenação. O Ruído em torno da Couraça de Conchita Salsicha encobriu a Música do festival. Não gostei da utilização da ribalta pública para, com aparentes argumentos de tolerância, se encenar, à maneira do Corão, uma ideologia em que o próprio credo se apresenta como sendo obrigação e a solução universal. Triste é o facto de as duas partes (tradicionalistas e progressistas) falarem com o rei na barriga, na conquista de uma grande parte de público inocente que bebe a libertinagem intencional modernista tal como medievais bebiam a mortificação, como meio de alcançar a felicidade.

Na verdade, os contrastes que Conchita sintetiza com a sua apresentação – o encontro da feminidade e da masculinidade – seria realmente ideal, se por detrás disso estivesse a defesa da integração das potencialidades da feminilidade e da masculinidade, tanto no homem como na mulher e se o episódio não fosse movido por um movimento agressivo masculino, demasiado fixo no sexo, e na reivindicação do direito da modernidade a ter sempre razão contra a tradição.

Conchita Salsicha (uma alusão ao sexo da mulher e do homem) é um homem em corpo de mulher que, ao apresentar o seu rosto com barba, sobrevaloriza a masculinidade. Querem-no como protótipo do Homem: um Jesus de aspecto feminino mas de rosto barbudo.

Na sua pose messiânica depois de ter ganhado o festival, Conchita disse: “este é um sinal importante para o mundo…“ „Esta tarde é dedicada a todos os que acreditam no futuro de paz e liberdade. Nós somos uma unidade e não há quem nos pare”. Estas palavras constituiriam programa se não focalizassem a salvação no sexo, se fossem bem-intencionadas, para poderem ser tomadas a sério por tradicionalistas e progressistas e não como uma declaração de guerra. O resultado da eleição testemunha a tolerância dos eleitores que vêem no evento um apelo à tolerância e a uma liberdade de expressão que desafia representações ideais e morais.

Não é a primeira vez que um trasvesti ganha o 1° lugar do Festival da Cancão. O marketing ideológico em torno do sexo e o contexto político em torno da Ucrânia com os posicionamentos russo e da Nato deram mais relevo ao evento. O problema da Europa, não parece ser de desemprego ou de carência, mas de luta de ideias e de poder…

O festival da Eurovisão deixou de ser um evento cultural em que se apresentava a riqueza das diferenças culturais dos países participantes e que reunia em torno da TV toda a família, para se tornar num evento de caracter mais igualitário híbrido promotor de políticas e de tecnologias.
O vice-primeiro-ministro russo Dmitry Rogozin declarou que “a Eurovisão mostrou aos europeus a sua perspetiva da Europa – uma mulher de barba”. Sem querer questionar a propensão decadente da Europa, seria também de perguntar qual seria a caricatura que a arte oriental teria a apresentar em relação ao futuro da Rússia e da UE!

Reduzir a atitude russa a homofobia seria colocar-se no outro extremo; no da homofilia também ele sem lugar para a diferença e para a liberdade da direcção a tomar na autodeterminação. O autoritarismo russo com a correspondente propaganda é tão obtuso como o autoritarismo da opinião ocidental com a sua propaganda categórica do politicamente correcto. O facto de a Rússia ter proibido por lei, em Junho de 2013, a promoção de hábitos sexuais “não tradicionais” entre menores de 18 anos, não justifica a propaganda ocidental agressiva contra a Rússia; esta não proibiu a homossexualidade em geral. Se a Rússia e a sociedade islâmica abusam no seu purismo sexual, o Ocidente secular abusa com a sua libertinagem em certas medidas tomadas em relação à cultura, à educação sexual nas creches e nas escolas e, não menos, com a sua intenção de educar o povo numa direcção secularista. A sociedade parece só apostar num desenvolvimento de caracter polar. Quem pretender ser anti-nada fica mal na massa dos anti-outro. Urge que a Europa saia da luta cultural polarizadora para construir uma consciência integral.

Já não temos os mouros ao pé da porta que justifiquem cruzadas contra outras opiniões ou culturas. A discussão e variedade de opiniões são salutares; só na aceitação da diversidade se exercita a tolerância. “Não há judeu nem grego, escravo nem livre, homem nem mulher; pois todos são um em Cristo Jesus (Gálatas 3:27-28). A força emancipadora deve vir de dentro numa discussão respeitosa dos pontos de vista e da integridade humana. Fora de questão deve estar a defesa da dignidade humana e da integridade e liberdade da pessoa. É discutível se a participação austríaca ganhou devido à cancão ou se venceu Conchita pelo facto de “o diferente” ser politicamente correcto. “Quem com ferros mata com ferros morre”! A promiscuidade de política e religião não se revela salutar, mas não é melhor a promiscuidade de arte e política. Urge criar laços de responsabilidade entre as facções e recuperar a dignidade humana, sem ter de abandalhar a sociedade nem de reprimir a individualidade de cada um. A tolerância é uma estrada de dois sentidos tanto de direita como de esquerda. Nem é boa a festa desenfreada nem um tango demasiado travado!
António da Cunha Duarte Justo
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ÀS MÃES NA MINHA MÃE

ÀS MÃES NA MINHA MÃE
Minha mãe, minha amiga!
No teu canto embalado
Sinto o berço da vida.

Minha mãe,  és a Rosa
Na roseira da vida
Mãe aurora, nos teus ramos
As cores brilham, já nos gomos

Minha mãe, minha amiga
Recatada e tranquila
És livro aberto, és jardim
Da beleza que jorra em mim

Mãe benigna e corajosa
Que aceitaste trazer-me à luz!
Os teus olhos, meus focos são
Na procura da luz do dia!
Deu-nos mãe, o criador
Para nela, deixar o filho.
Segue Deus que ama o mundo
E na mãe ama os filhos!
António da Cunha Duarte Justo

A ARTE DE SER FELIZ – BOA E MÁ DISPOSIÇÃO

O Vento na Natureza é como as Ideias na Alma e nas Vivências

António Justo
O estado de ânimo e o estado do tempo são duas manifestações de realidades compartilhadas: o sol na natureza e o Espírito na pessoa. Sol e Espírito estão em relação directa: chove em mim, chove na natureza! No bom tempo há sol, alegria e ideias positivas, no mau tempo há chuva, tristeza e ideias negativas. Fazemos parte duma realidade em reciprocidade mais ampla do que a do próprio biótopo de que julgamos ser senhores.

Certamente que já lhe aconteceu, depois de ter passado um dia calmo e sereno, com alguém da sua relação, de repente, ao dizer algo, desencadear-se uma tempestade de sentimentos e relâmpagos de ideias cada vez mais incendiárias. A atmosfera chega, por vezes, a carregar-se de tal modo que o fogo do instante faz desaparecer o sol que antes brilhava em nós.

Na procura de relações de amizade experimentamos demasiado os extremos da pressão e depressão climática e psicológica. Não fossemos nós também natureza! Na procura de carinho, aceitação, reconhecimento e estabilidade não contamos com as leis da nossa meteorologia interna a que está sujeita também a nossa natureza humana. Em momentos de crise social, grassa mais, o temporal na família e na sociedade política e civil. Nota-se a insegurança individual e social para onde quer que se olhe! Daí, cada qual sentir a necessidade de se refugiar numa trincheira comum com “amigos” que confirmem a própria opinião aplainada num biótopo próprio, contra uma paisagem variada e diversa de altos e baixos, contra o lá fora. Procura-se uma amizade de primavera que não suporta as outras estações, quer em si quer nos outros. Escolhe-se viver numa estufa de ideias e de sentimentos, fora da natureza, fora da realidade completa que somos. Esquece-se que as ideias e em parte os sentimentos são apenas fenómenos externos e, por vezes, se comportam como o tempo. Ignora-se que o biótopo privado dos amigos e companheiros é um biótopo entre muitos outros, numa natureza diversa e diferente que a todos mantém vivos no movimento.

As ideias tornam-se como fósforos a raspar na caixa do sentimento. As ideias como o vento arrastam atrás delas a chuva e o sentimento. Quanto mais fúria sopra do vento das ideias mais as ondas das emoções se levantam e encrespam. Lá fora como cá dentro, há tempos de altas e baixas pressões.

A paisagem da nossa alma tem muito de comum com a paisagem da natureza lá “fora”. Como nela, no nosso coração há chuva, abertas e sol. Os princípios e as leis que as regulam são semelhantes e há algo de comum também. Quando há sol na natureza, no nosso coração tudo se torna, dentro e fora, mais leve e o horizonte revela-se mais largo. Se chove ou há nevoeiro na nossa alma, nem notamos a beleza da paisagem por onde passamos.

Forças, que, por vezes, se revelam más em tempos de tempestade, se bem vistas, podem tornar-se produtivas, como acontece no uso do vento para fins energéticos se forem orientadas. O mesmo se diga em relação às ideias. Em cada pessoa como na natureza há energias ciclónicas e anticiclónicas, marés-altas e baixas, euforias e depressões.

No mar da vida, para se levar uma vida equilibrada, há que aproveitar o vento propício para melhor se abordar à costa. Em tempo de nevoeiro torna-se perigoso arribar. É preciso esperar o bom tempo das ideias, das ideias benignas e da calmaria do coração para se abordar o outro e então resolver os problemas com horizontes largos e duradouros. Em mim como no outro, nas ideologias como nas sociedades, se notam os mesmos estados do tempo!

As rajadas do vento e das ideias, como a calmaria do estado do tempo lá fora e o estado da atitude de espírito em nós, são situações naturais a compreender para se aceitar a realidade própria e do outro. Depois da tempestade avizinha-se o nevoeiro e normalmente é precisa a predisposição para se olhar em redor na descoberta dum arco-íris anunciador de sol. Esta é uma oportunidade para se descobrir a si no outro. E “depois da tempestade vem sempre a bonança”, não fossemos nós natureza e não nos víssemos nós no espelho dela. Como na natureza também na panorâmica humana há diferentes biótopos de caracteres e mentalidades como se pode verificar da observação de discussões acirradas entre optimistas e pessimistas, entre o comunista e o capitalista, entre a reacção da pessoa em estado eufórico ou depressivo. O pessimista naturalmente que preferirá dizer “depois da bonança vem a tempestade”. É sempre uma questão de perspectiva. Se um olha na direcção do dia o outro olha na direcção da noite! A natureza e nós, somos dia e noite! No fim, a intenção é que vale e já antes os dois tinham razão, situando-se o problema apenas na perspectiva de cada um! O problema não está na natureza mas na rosa-dos-ventos!

Criar em nós uma instância do bom humor

Há pessoas muito sensíveis que reagem como micro climas. A boa ou má disposição influencia a percepção dos outros e do que dizem. Na verdade, até o tempo se torna cúmplice do nosso humor. Os mesmos temporais, as mesmas bonanças do tempo, lutas e discussões da pessoa e da instituição; o mesmo acontece em casa, na família como na polis e na disputa entre os partidos e na discussão de opiniões; tudo isto se encontra submetido às mesmas forças e leis a descobrir. Os problemas surgem principalmente do facto de cada indivíduo ou grupo ter uma visão perspectiva da realidade quando esta é a-perspectiva. Tudo apenas um problema do tempo lá “fora” e cá “dentro.“ Assim acontecem as ventanias e as tempestades destruidoras na natureza, e as rajadas que devastam a sociedade, a família, as amizades e as pessoas.

Como nas pessoas assim nas montanhas. Se na base há nevoeiro certamente que lá em cima brilha o sol. Se nos encontramos na depressão, no vale, na comba da tristeza, certamente que só veremos no outro o escuro do nevoeiro do sopé da montanha e a própria escuridão nos atemoriza porque vemos fora o que está dentro. Como me encontrava no sopé não podia ver a montanha toda no outro e em mim. Hermann Hesse resumia um saber da psicologia nestas palavras: “Se você odeia alguém, é porque odeia alguma coisa nele que faz parte de você. O que não faz parte de nós não nos perturba” Transmissão ou transferência é um fenómeno psicológico muito comum e a que se deve prestar atenção, especialmente quando alguém fala mal de outro!

Todos fazemos parte da mesma montanha. Se dum lado da encosta há chuva do outro haverá sol. A paisagem que hoje sorri ao sol amanhã chora à chuva. Tudo sofre e se alegra a seu tempo. À depressão (tristeza) do sentimento dum lado corresponde a pressão (alegria) do outro lado.

Urge aceitar os sentimentos como se aceita o tempo para se evitar o curto-circuito de ideias e a consequente trovoada dos sentimentos. Se me encontro no fundo do vale, do lado da encosta sombria das ideias é melhor esperar por uma aberta ou tentar subir a encosta até encontrarmos o sol e assim nos podermos orientar melhor numa perspectiva para além do nevoeiro. No nevoeiro e na tristeza certamente que pintaremos a vida e o outro com cores escuras, não podendo deslumbrar nelas a beleza da realidade das cores do arco-íris. Os problemas ocasionais passam com uma simples mudança de perspectiva; os grandes permanecem tanto no sopé como na encosta da montanha. Estes porém só devem ser resolvidos com eficiência na fase soalheira da vida. Doutro modo formam-se opiniões e tomam-se decisões que criam maiores problemas ainda, por falta de horizontes mais largos.

A questão será encontrar a balança numa vida consciente da tempestade e da bonança. As diferentes estações manifestam diferentes riquezas em interdependência em nós e nos outros, entre o cá dentro e o lá fora, que são parte da mesma realidade.

A disposição, o bom ou o mau humor, determina a nossa vivência. Somos mais que o mimetismo das nossas ideias e sentimentos. Para mudar a vivência não chega mudar as circunstâncias exteriores porque também as nossas ideias e sentimentos provocam, muitas vezes, a cor do ambiente, a cor das circunstâncias exteriores.

À distância vê-se mais. A causa da nossa má relação está, muitas vezes, em pensar nela. Não chega esperar pelo tempo que cura todas as feridas. Importante é pôr-se o problema e esperar-se pela solução mais tarde. Para os problemas ocasionais do dia-a-dia, muitas vezes, basta tirar o cobertor escuro das ideias com que envolvemos o parceiro e nos envolvemos a nós. Na cama dos sentimentos é preciso arredar os pijamas das nossas ideias e procurar tocar com a própria mão no corpo nu do outro. Então, na nudez do outro descobrirei a própria nudez, e sentirei nele o calor primaveril que me incendiará também a mim.

Se a ocasião não proporcionar tanta proximidade, basta um sorriso, um louvor verdadeiro. O sorriso, o louvor é como o sol que derrete as roupagens das neves mais resistentes.

Agradecer e louvar é um acto nobre que reconhece a realidade do dia e da noite, do bom e do mau humor no todo e em cada um.

Se queres ser feliz, entra na tua vida, descalça as botas. Sentirás a felicidade de um estar com todos sem te perderes em ninguém, dá-se a fusão dos polos. Então sentirás a harmonia do agora a fluir; na felicidade o tempo passa e o caminho une-se à meta. Felicidade é sentir a paz do mar profundo nas suas ondas altas!

António da Cunha Duarte Justo
Pedagogo e Teólogo
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