Natal sempre a acontecer
Paz na terra e aos homens de boa vontade!
Amar mesmo sem se compreender pertence ao mistério do nascimento do Natal. Natal é tempo de festa para crentes e não crentes. Para aqueles que não crêem e apenas vêem no Natal o acontecimento histórico dum homem, também esses têm muita razão para festejar o Natal.
De facto, através de Jesus iniciou-se o amor ao próximo e aos inimigos como um acto de profunda humanidade. Introduz-se no mundo uma nova cultura. Jesus torna-se o protótipo de todas as verdadeiras revoluções ao revolucionar a alma humana.
Natal faz lembrar o presépio familiar. Como José, a vaquinha ou o burrinho, muitos de nós homens, costumamos andar um pouco à margem do acontecimento. O mesmo parece acontecer com a sociedade. Tornamo-nos estranhos, não envolvidos, encobrimo-nos num só papel ou no mundo paralelo das ideias, jogamos aos papéis. Nós homens, primamos por estarmos presentes no momento da geração, aí sim de alma e coração, mas nos outros nove meses e posteriormente, até parece o tempo da balda, da retirada, a não ser quando nos armamos, por momentos, em Pai Natal.
A função de dar à luz, de ser numa só pessoa o presépio todo, passa-se-nos desapercebida. Mais que a vida interessa-nos o teatro, a sua representação. A vivência do nosso papel é tão intensa que nem notamos o passar da vida no nevoeiro, sem nascer. Para isso ela tem que ser dada à luz não por actores representando papéis, mas por homens verdadeiros com capacidade de engravidar, de ser, também eles, mulher e mãe, mulher e homem numa só pessoa. Para se entrar no estado da graça, é necessária a abertura de espírito e coração. No presépio, unem-se os contrastes, entram em diálogo os pólos numa relação de harmonia.
O nascimento é o outro pólo da morte. A morte porém tem-nos preocupado mais que o nascimento, distanciando-nos da vida, passando a dominar o medo sobre a esperança. De facto ninguém nos perguntou se queríamos nascer nem se queríamos morrer. O mistério é porém o espaço que nos resta e possibilita a humanização.
A celebração do Natal pretende colocar a natalidade, a criatividade, no centro do acontecer. O comércio apoderou-se dele e, muitas vezes, não passa tudo de distracções do Natal e da vida. Uma distracção para festejantes e para críticos.
Naturalmente que as ofertas podem ser uma imagem do dom do Natal, ou talvez umas palhinhas que ajudem a aconchegar um pouco melhor o menino…
Na vida intra-uterina resume-se o desenvolvimento da natureza e do universo. O mesmo se dá entre o nascer e o morrer. O processo de dar à luz é universal, um acto continuamente presente de gerar, conceber e nascer. É a vida em contínuo processo de nascimento, de transformação.
O Natal como protótipo da vida é transformação. O homem ainda não acabou de nascer, continua em processo. Depois da escuridão abdominal custa-lhe a saída da vagina e o encarar a luz do mundo. Por isso recalca o nascimento vivendo da fuga ao sangue e à dor. Procura o oxigénio longe de si quando a realidade do nascimento é o processo contínuo e presencializador da vida. Nunca estamos acabados. A tragédia é a fuga em que nos colocamos no escape ao estranho do acto de nascimento incompleto. Somos Jesus inacabado a caminho do Jesus Cristo. Assim uns fogem do universo ventral para o universo espacial, outros fogem deste, numa tentativa regressiva de retorno ao ventre materno. Tudo a correr.
Viver como contínuo nascente como tornar-se homem em contínuo processo de nascimento.
Deus nasce /morre na incarnação. Jesus, por sua vez, “gerado, não criado” continua na unidade divina, vive/morre na ressurreição.
A mística natalícia quer recordar a contínua encarnação de Deus, o contínuo nascer e dar à luz. O Natal chama o ser humano a tornar-se Jesus Cristo. Deus quer nascer em cada um de nós, para isso teremos que nos tornar mulher, Maria, que dá Jesus à luz. O desenvolvimento, a salvação já aconteceu e continua a acontecer na cristificação das dores do mundo a ser dado à luz. Deus torna-se homem para que o homem se divinize e divinize o mundo. Deus vem ao mundo e o mundo vai a Deus como já foi realizado em JC no eterno natal. Tudo isto não só no sentimento mas na realidade.
António da Cunha Duarte Justo