O Despudor Político do “eu posso, quero e mando”
Em Portugal, o Ministério da Educação, na continuação da sua campanha de safar da cultura portuguesa os vestígios do passado cristão e de desportugalizar Portugal, deseja, com nova medida, retirar o nome de Santos às escolas públicas que o tenham. O assunto, a nível superficial, até parece banal: o nome de santos ou de políticos é indiferente para um povo que não gasta cultura porque lhe falta o essencial para viver. O resto é conversa entre crentes políticos e crentes religiosos a arrotar. Eles até têm razão; santos só incomodam numa democracia em que se querem todos pecadores iguais!… A política não suporta desigualdades nem injustiças, a não ser as dos seus. A seu ver, a virtude é reaccionária e conservadora; a nova ideologia deseja-a por isso fora da escola. O seu lugar, se andar com sorte, é nalguma igreja meio abandonada e desapercebida.
Talvez tencionem substituir o nomes dessas escolas pelos dos seus ídolos políticos (os seus santos): Karl Marx, Cunhal, Soares, Stalin, Mao, Fidel Castro, para salvaguarda das sombras do 25 de Abril, para testemunho do seu internacionalismo e para honra de tais padroeiros no adro da sua democracia.
Numa outra ordem de ideias, numa mudança de legislatura, a Ponte 25 de Abril receberá o seu nome original de Ponte Salazar!… No palco das legislaturas cada fracção poderia colocar, alternadamente, em palco, os cenários com os correspondentes predilectos, pelo tempo que lhes é dado pelo povo.
Mas não, na era progressista já não serão relevantes os partidos, apenas interessam ainda os nomes individuais, já não nomes vulgares, mas nomes formatados a caminho da abstracção em que de facto já se superaram as diferenças. Então, numa sociedade “cassete” formatada, instaurarão o politeísmo correcto como garante da sua diferença. O problema é que numa fase posterior também os deuses passarão a estorvar a divindade comum.
A Caminho do Acobardamento
Por enquanto, enquanto não nos habituarmos aos seus desmandos, alguns cépticos ainda vão afirmando que aqueles querem dar continuidade aos extremismos do Marquês de Pombal, mas sem a contrapartida do que ele fez pela nação. Comportam-se, por vezes, como estrangeirados envergonhados da nação chegando a actuar como mercenários de interesses estrangeiros e de ideologias extremas. O internacionalista têm de se camuflar para não dar nas vistas e para poder agradar a toda agente lá fora; o internacionalista moderno tornou-se uma espécie de pacote só invólucro. Hoje em dia os cartuchos são tão bonitos!
Senão veja-se o que acontece até já no futebol: para que a cruz do seu emblema não faça sombra à meia-lua turca, que protestou pelo facto da camisola dum clube português em campo ter a cruz, a reacção imediata do portuguesito foi tornar a cruz imperceptível. Este é um exemplo concreto do respeito à diferença. Estamos a chegar ao auge dum Portugal de “português” para inglês ver, ou será que o nosso estado já terá conseguido desalmar a nossa cultura? Esquecem que no próprio símbolo comunista, da foice e do martelo, se encontra a cruz.
Na próxima vez quando os nossos clubes forem jogar à Turquia coloquem nas suas camisolas a meia-lua. Este será o melhor testemunho de internacionalismo progressista. Certamente que o governo concederá um subsídio para o efeito e os turcos se sentirão vitoriosos na derrota pela vitória conseguida!… Em questões de futebol, o governo não se preocupa com o dinheiro: basta recordar os milhões oferecidos por Portugal aos palestinianos para o campo de futebol!
Na Cultura do Papel Higiénico
Se querem uma cultura portuguesa virgem e um Estado português eunuco terão também que acabar com os nomes, geralmente másculos, sejam eles políticos ou quejandas que ocupam o espaço público nas instituições, ruas, praças, etc. Será necessário começar por fazer o seu saneamento para, no tempo do Homem Adulto, se acabar com todos os nomes.
Se pensarmos em termos políticos progressistas, de facto, todo o nome é um testemunho de capitalismo, porque significa personalização / individuação que é incompatível com o actual ideal socialista e o espírito colectivista proletário, que pretende um homem como massa; sim massa mesmo, massa para poder ser comida mesmo sem colher, porque a colher é símbolo de cultura e esta é o papel higiénico com que se limpará o sim-senhor, na Nova Cidade Progressista, onde, só alguns, já não senhores mas assenhoreados, vivem da tal massa onde o vício da cultura já não atrapalha e a generalidade da massa já não precisa da outra massa porque lhe chega a outra massa da cultura macarrão, trabalhando liberta em casernas com obediências a generais e seus espias no serviço da generalidade. Os escutas, desregrados, como parte da massa, tornam a lei supérflua, ficando na cabeça de uns e de outros apenas uma operação: a lei do cálculo oportuno. Neste Estado do Proletariado Progressista já não haverá nem santos nem senhores que mandem, só se conhecerá o céu da nomenclatura anónima! Atendendo ao seu estado de evolução, a gente já não manda nem precisa de mandar; aí o povo só demanda a desmanda da manada mandada para mandar.
Com o evoluir da sociedade progressista, até dos nomes das ruas, das instituições e das pessoas se prescindirá! No primeiro estádio o argumento da democracia ainda serve, pelo que se organizarão listas de camaradas e companheiros relevantes para a nomenclatura ideológica numa proporcionalidade de igualdade de homens e mulheres, de crianças e adultos. Esta é a fase nominalista, o estádio preparatório do anónimo. Nesse paraíso já não há trabalhadores: trabalha-se. Também já não há chefes: manda-se, obedece-se.
Com o tempo não se tornará fácil para o aparelho burocrático pôr tanta gente na haste pública e menos ainda quando cada pessoa se der conta que também é povo, nação e nomenclatura ao mesmo tempo, e passe, consequentemente, a exigir para si o direito ao nome da rua onde vive. Então a filosofia progressista nominalista tornar-se-á um imperativo de estado. Já não será preciso nome, chega a rua!
No Reino dos Neutros
Para facilitar, a nomenclatura acabará com o artigo masculino e feminino optando pelo neutro. Para simplificar a relação de convivência prática, põem-se já os comités da genética a trabalhar para que ao chegar-se ao tempo da democracia plena não haja distinção entre homens e mulheres mas que se vá já dando um jeitinho para que cheguem a ser todos hermafroditas. Entretanto vão-se fazendo leis – leis de desquite – que dificultem a aberração primitiva da heterossexualidade. Assim acaba-se de vez com as desigualdades diferentes e com toda a fricção. Quanto ao problema do orgasmo, também esse se resolve através do progresso, passa a ser mental, a acontecer na cabeça. Excepção seja feita só para o arem da nomenclatura onde já não se encontrarão mulheres mas sim a virgindade genuína, aí os corpos já não complicam, no Céu do céu tem-se a vivência da faísca eunuca da igualdade diferenciada. Então o povo, para espairecer da felicidade indiferenciada, falará baixinho, à laia de ladainha, do prazer e das diferenças do sexo dos anjos da Nomenclatura Proletária…
O Portugal do futuro, que querem construir, já não será do povo português, mas dum povo número. O tal Portugal do Futuro é um Portugal mais que Portugal, um Portugal internacional numérico. Portugal numérico porque abstracto e sem conotações ideológicas de virtude ou desvirtude. Por fim chegaremos a um Portugal virtual global com alguns numerões socialistas e conformes que viverão já não do biberão da manada mas da mama da massa virtual internacional. No Portugal numérico já não haverá problemas, a não ser o da igualdade/desigualdade numérica: é que uns números são maiores que os outros. Também este problema se resolve acabando também com os números porque, no mundo da fé laica, afinal de contas, também os números são reaccionários: na sua desigualdade acentuam a diferença.
Como apogeu do progresso social, a nomenclatura proletária, para resolver o problema dos números, da massa e do papel higiénico, acabará com o ser humano. Chegou-se à hora científica do Portugal abstracto – transcendente.
Uma vez desaparecido o povo, só ficará a nomenclatura e, desta, subsistirá a virgindade genuína como ideia singela, como ideia viril dum sexo transparente, dum sexo sem espermatozóides positivos e negativos, sem androceu nem gineceu, um sexo sem género porque um sexo do prazer da igualdade progressista. Um prazer genital mas sublime, sem acto, na realidade do novo céu e da nova terra dum socialismo então consumadamente social.
Valeu a pena sacrificar-se, não por uma realidade factual, mas pela ilusão duma ideia, a igualdade no mundo das ideias. Viva, não a realidade, mas a ideia igual!
Afinal “tudo ‘valeria’ a pena se a alma não ‘fosse tão’ pequena” para tal sociedade.
O Cristo era ladeado por dois ladrões. Agora que tiraram o Cristo e o Santos das escolas consolemo-nos com os ladrões.
Mas, diga-se, em abono da justiça: os nossos políticos não são mais que a medida do nosso desenvolvimento superficial!…
António da Cunha Duarte Justo
Pegadas do Tempo, Janeiro de 2008