SANTÍSSIMA TRINDADE – A CHAMADA PARA O ENTENDIMENTO COMPLEXO (PENSAMENTO MÍSTICO)

Apresento aqui alguns pontos de reflexão relacionados com o mistério da Trindade que entendo como sendo a fórmula dinâmica de toda a realidade que nos convida a não nos ficarmos pelo pensamento dualista e polar e a substituirmos o pensamento meramente linear (selectivo) pelo pensamento relacional complexo (integral).

A fé católica crê num só Deus em três Pessoas e três Pessoas em um só Deus. Expressa-se o uno no múltiplo e o múltiplo no uno sem haver reducionismo a uma das “partes”! Deste modo transcende-se o conceito de causalidade linear. Em filosofia clássica dir-se-ia: sem confundir as Pessoas nem separar a substância. Porque uma só é a Pessoa do Pai, outra a do Filho, outra a do Espírito Santo.

Deus é trindade, e é Trindade em si, connosco (na expressão de Jesus-Cristo) e para nós. Na fórmula trinitária expressa-se uma visão mística da percepção do universo e que para lá do mundo dos sentidos há um mundo real (também reconhecido por Planck) não circunstanciado ao espaço e ao tempo. O Cardeal Nicolau de Cusa (1401 – 1464) dizia” o maior e o mínimo coincidem”! O Mistério da Trindade, ao longo dos tempos tem sido fonte de inspiração em todos os ramos do saber.

Na Trindade as partes não se podem reduzir ao todo nem o todo às partes, transcendendo-se assim uma visão dualista da realidade que é pura relação e relacionamento (inter-relações protótipo pai-filho-espirito santo), não se podendo reduzir a uma abordagem quantitativa dado esta implicar a divisão do que é na realidade ligado (sem este reconhecimento mantem-se o perigo do dualismo que se manifesta sempre constante quer na nossa actividade mental quer na nossa abordagem dos factos do dia a dia).

Tudo é relação!  A inter-relação é mais que o todo (soma das partes) e inclui nela o sempre novo (paráclito), a unidade na multiplicidade. Esta realidade trinitária (realidade da multiplicidade na unidade) chama-nos a reconhecer a complexidade (inclusiva) como forma de abordar a realidade e não a ficarmos na estratégia da dualidade – tipo maniqueísmo – (que é exclusiva e própria de um pensar a preto e branco). A estratégia muitas vezes seguida de diabolizar uma parte do todo para se afirmar como a parte verdadeira do todo vai contra uma visão trinitária da realidade a que deve ser aferido o pensamento para se poder construir um mundo numa consciência de complementaridade activa e de cada um fazer parte de um todo inter-relacional e interrelacionado aberto. Só assim se poderá iniciar uma cultura da paz e do desenvolvimento integral da pessoa humana!

 

O padrão interior em nós podemos designá-lo como a natureza divina que nos permite ansiar e sonhar. O mundo exterior mantém-nos presos nos padrões de quantidade (do ter) muito longe da qualidade (longe do ser do eu mesmo e como tal prisioneiro do hábito). Para nos aproximarmos da Realidade torna-se necessário descobrir o conteúdo espiritual do dogma que aponta para além da sua codificação em realidade imediata, a “realidade” que a língua alemã designa de Wirklichkeit e que eu traduziria como realidade aplicada.

A fórmula (realidade trinitária) convida-nos a mudar a nossa percepção para que as decisões se tornem mais integrais e conscientes possibilitando um viver que reconheça o dualismo (pensamento polarizante) e ao mesmo tempo a visão complexa de pessoas, coisas e mundo unidos numa relação comum. Posso decidir, mas o que é que eu quero sem cair no padrão da verdade do sistema concebida em termos alternativos e como tal redutores da Realidade? Torna-se importante reconhecer o próprio padrão e o padrão de pensamento que nos rege, como indivíduo e como sociedade, para que se abra a possibilidade para que novos padrões possam surgir. Então, desabilitando o padrão habitual de alteração (dualidade), torna-se possível mergulhar no padrão original, o padrão da ipseidade de ser em relação numa experiência de todo e de parte.

Então surge a pergunta “mais dinheiro ou mais amor”, “ter mais ou ser mais”; então damo-nos conta de nos encontrarmos na roda do hamster e surge a necessidade de se tomarem decisões mais conscientes, fora do determinismo do hábito e do que pareceria lógico dentro da matriz de pensamento que nos obriga. Por trás de toda a decisão existe uma intenção, por isso é importante definir o objetivo para que a energia interior venha nessa direção.

Às vezes, estamos caminhando pela noite e aprendendo intuitivamente os segredos das estrelas que estão distantes e fazem lembrar o cintilar do mistério que envolve toda a nossa vida.

Neste momento, especialmente a nossa civilização ocidental encontra-se na encruzilhada e  na tempestade da noite; este é um sinal de que é chegada a hora de se rever os velhos padrões de dualidade e complementá-los com o modelo da Trindade (que é complexo e de visão integral), a única perspectiva de virmos a unir o mundo oriental e ocidental numa obra comum. Neste sentido, as forças internas terão de ser mais fortes que as externas.

António CD Justo

Pegadas do Tempo

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António da Cunha Duarte Justo

Actividades jornalísticas em foque: análise social, ética, política e religiosa

15 comentários em “SANTÍSSIMA TRINDADE – A CHAMADA PARA O ENTENDIMENTO COMPLEXO (PENSAMENTO MÍSTICO)”

  1. Uiiiii … caro amigo Justo ! Se é mistério, como é que chegamos lá ? Transcendendo o conceito de causalidade linear e construindo um mundo inter-relacional aberto e “ poder iniciar uma cultura da paz e do desenvolvimento integral da pessoa humana “ ! Só se
    fizeres uma lei a proibir a todos que pensem pela própria cabeça … de serem racionais ! Humildemente te digo que eu não chego lá e APOSTO QUE NEM TU !!!…

  2. Quim Balecas , caro amigo, respeito a tua posição e constato a falta de argumentação que me poderia enriquecer.
    Na minha vida de adulto sempre me entristeceu o facto de na vida da Igreja (e na vida cultural, pensamento demasiadamente condicionado em termos de género!…) se acentuar tão pouco o aspecto místico do cristianismo, que se poderia também pastoralmente conectar ao mistério da santíssima trindade e tentar abordá-lo não só sob o aspecto de crença abstrata mas de algo que se transforme em vivência espiritual e até como ponto de referência para disciplinas alheias como a física quântica (e as novas filosofias e reconhecimentos científicos) que me parecem em certos aspectos servir-se da experiência mística das religiões. Nesse sentido fui sempre um admirador, no aspecto teológico, de Teilhard de Chardin e do grande teólogo conciliar Karl Rahner que dizia (não se limitando ao formato de pensamento linear – causal): “O cristão do futuro será um místico…”.
    De facto, no meu entender o aspecto místico contrasta com a realidade actual que no meu entender por não o incluir se encontra em crise. Uma das razões porque os cristãos não são compreendidos por muitos como místicos ou espirituais leva muitos a procurar resposta a essa riqueza fora da igreja (por exemplo no budismo) quando a mística do cristianismo é riquíssima com diferentes espiritualidades e que pode dar resposta a quem procura espiritualidade na sua vida. C.G.Jung dizia que nós ocidentais não temos um arquétipo Buda no nosso inconsciente mas sim o arquétipo de Jesus Criso (independentemente de crentes ou não crentes) e por isso seria importante orientar-nos pelo que a nossa cultura tem patente e também pelo ainda por descobrir. No nosso mundo a fé corre o risco, de longe da vida, ser reduzida a uma crença em fatos e proposições “sobrenaturais” o que deixa insatisfeitos pela forma como, por vezes, a fé é compreendida e vivida e por vezes um pouco estranha àquela atitude básica que se “abre a Deus e se o reconhece como a principal razão da sua vida e coloca-o à disposição” , como Karl Rahner constatava . No passado tínhamos uma fórmula religiosa para todas as coisas da alma que, em nosso entendimento, era mais bela e abrangente do que a experiência religiosa imediata (a experiência mística, mistério ou unio mystica). Penso que não seria oportuno num momento em que o Cristianismo na Europa se encontra em crise desconhecermos que as novas gerações têm também necessidades adicionais às quais o cristianismo deve responder, e uma delas é o reino da experiência interior e da relação mística com Deus (no sentido cristão isto não precisa de ser uma ameaça às instituições!).
    As transformações também nos modelos de pensamento que nos esperam são grandes tal como tem acontecido no desenvolvimento do pensamento na história da humanidade. Pretendi em poucas palavras apresentar com o exemplo da Santíssima Trindade um momento para podermos reflectir sobre a possibilidade de irmos construindo um mundo melhor do que o que temos e que é demasiadamente dominado pelo modelo de pensamento causal lineal que leva a uma compreensão da realidade em termos meramente dialéticos e dualistas favorecedoras das relaões de poder. Quanto ao que apresentei leva precisamente ao respeito e integração do respeito pelo pensar e experiência individual, coisa que atemoriza as instituições e a ordem establecida. Quanto ao que vai na cabeça e no coração de cada um são coisas ou aspectos de avaliação subjectiva!

  3. Quim Balecas , ao falar de pensamento linear, não quero negar a vida, como algo progressivo, orientada para um objetivo e muito menos ainda negar a individualidade ou a responsabilidade pessoal. O que apresento só exigiria um pouco mais de esforço no sentido de uma racionalidade não demasiadamente moldada pelo caracter causal mas mais abrangente. Ao apresentar o modelo trinitário que considero negligenciado, não nego o aspecto linear, mas aponto também para a necessidade da sua complementaridade com o pensamento circular mais baseado na relação e interações complexas que comportam uma influência mútua dos elementos em relação ao todo e do todo em relação aos elementos! Sou do parecer que na nossa vida intelectual e política tendemos a simplificar o discurso servindo-nos de um reducionismo apenas bipoar do “certo” e do “errado” e por vezes a confundir espiritualidade com moral…

  4. Um mistério que ninguém consegue perceber e quanto mais se tenta menos percebe …

  5. Maria Carolina Almeida ,exactamente, o mistério ultrapassa os nossos esquemas de pensamento mas é ao mesmo um luzeiro que nos ajuda a descobrir o caminho. É verdade que perante este mistério sobrenatural grande parte da nossa acção prática e intelectual tem necessariamente de ser a nossa admiração perante o inefável e inexplicável. O mistério ultrapassa o conhecimento mas faz parte intrínseca da condição humana e como tal também parte do seu empenho.
    Naturalmente é também um desafio à tendência de querermos ter compreensão e explicações imediatas para tudo e que leva muitos a nega-lo pelo facto de não entrar nos esquemas de um conhecimento que não se quer reconhecer necessariamente como limitado. O Mistério da Trindade abre-nos as portas para o desconhecido, para o espiritual que também faz parte da Realidade.
    Por isso na reflexão que apresentei aponto para a necessidade de exercício num modelo de pensamente complexo e interligado que pressupõe um acesso através da reflexão meditação, oração e da abertura para modelos de pensamento a que não estamos habituados. Na pessoa do Filho Jesus Cristo temos a possibilidade de nos impregnar nesse mistério e é-nos dada a graça de termos uma indicação para a interrelacao divino-humana. Nele somos solicitados não só a ficarmos em estado de contemplação mas a envolvermo-nos a nós e as nossas faculdades nesse mistério quee embora sem solução permanece um estimulador que nos envolve espiritual e intelectualmente de maneira a também compreendermos melhor o mundo ao nosso redor e ousar uma tentativa de explicação modelar para ele.
    Concordo contigo que não devemos esforçar demasiado a nossa inteligência de querer desvendar o mistério. O mistério da Santíssima Trindade aponta para a nossa condição humilde de nunca poder vir a compreender completamente a realidade e que só o salto em Deus nos pode dar uma impressão/ideia de Verdade e Realidade.

  6. António Cunha Duarte Justo, amei…
    Fiquei feliz… porque sempre me sentia angustiada com as minhas dúvidas …
    Acho sempre que, se eu tiver dúvidas sobre o mistério ,estou a trair Deus…
    E isso traz-me sempre uma sensação de culpa…

  7. Obrigado pela satisfação que me deste ao seres a primeira pessoa que ao reagir ao meu texto mostra ter compreendido o que se encontra como substracto do meu texto sobre a Trindade e que eu queria transmitir! Deus não trai ninguém; nós é que nos podemos trair a nós mesmos na medida em que somos feitos à sua imagem e semelhança e concretamente temos o protótipo real que é Jesus Cristo (Somos um JC mais ou menos abandonado!). A questão da origem da culpa é complexa como podemos ver sob o aspecto existencial, religioso e psicológico na narrativa de Adão e Eva nos princípios da humanidade onde nos podemos situar todos nós.
    No cristianismo a culpa natural-existencial foi saldada pelo novo Adão que é Jesus Cristo. Resta naturalmente o problema moral que poderá surgir ao organizarmos a nossa vida cotidiana com nossos actos e atitudes. E isto depende, como tu bem sabes, da consciência que se tem sobre si próprio e sobre os princípios morais ou normas éticas que nos regem (que devem ser também elas questionadas).
    A culpa/erro moral pode ser um chamamento à responsabilidade de uma pessoa por um ato ou omissão mas como apresento na reflexão sobre a Santíssima trindade e a consequente necessidade de se criar novos modelos de pensamento e de comportamento, há que se ter o cuidado de não se cair no modelo reduzido e encurtador da realidade que é o modelo polar bem-mal, erro-verdade (o erro do maniqueísmo) de que também a pedagogia cristã nas igrejas se tem socorrido, talvez na ideia de que para o povo simples é preciso apresentar princípios éticos simples, quando em teologia e espiritualidade cristã se sabe que a abordagem de uma realidade complexa não pode ser feita apenas com um pensamento simplificado. Portanto, nisto importa sobretudo encarar a consciência e os processos que a moldaram. Sob o aspecto cristão católico a culpa é baseada em escolhas e ações individuais e como tal tem uma aspecto de ser uma responsabilidade intrínseca, mas ao mesmo tempo considera a parte que é devida à nossa sociabilização e sistemas de valores. Daí o aspecto natural da culpa (a tal culpa que tínhamos em Adão e Eva, redimida por Jesus Cristo e a parte sociocultural de que assumimos parte da responsabilidade (Daí na pastoral no sacramento da confissão ser muito difícil reunirem-se as condições para se poder cometer um pecado mortal). Como sabes também da psicologia, a causa exata ou origem da culpa é muito complexa e pode variar da situação e do contexto, o que pelo facto de ser complexa leva a ser abordada de diferentes perspectivas mas cada uma das perspectivas não deveria cair no erro simplificador do maniqueísmo (pensar a preto e branco), ignorando que a realidade é como as cores do arco-íris: naturalmente para isto é preciso ter-se uma personalidade bastante estável/adulta. No meu entender há escolas de psicologia que não encaram esta questão com a devida seriedade quando a reduz apenas a um problema de emocionalidade (culpa como mera crença no falhanço e ao mesmo tempo abordagem do cliente no sentido de servir apenas o seu ego – hoje muito em voga).
    Daí a necessidade de procurarmos distinguir se os sentimentos de culpa provêm da consciência interior (a nossa bússola interior que situa melhor a origem da culpa) ou de uma simples reação da consciência. Penso que importante é relevante focar as nossas atenções no que diz respeito a valores pessoais ou de relação interpessoal numa de dar resposta (responsabilidade) como refiro de longe no modelo trinitário. Uma profunda meditação sobre a realidade relacional do mistério trinitário das três pessoas num só Deus ajuda-nos a melhor compreender como funcional a existência humana enquadrada numa complexa realidade maior.
    Numa realidade tao complexa, uma culpa resultado de circunstâncias externas ou influências sociais é de questionar-se já a nível de princípio porque tanto sentimentos de culpa como a culpa em si agem mais como travões no desenvolvimento de uma vida chamada a ser consciente e soberana dentro da pespectiva da soberania trinitária!
    Um grande abraço e muito agradecido por o teu comentário me ter motivado a esta reflexão pessoal

  8. António Cunha Duarte Justo, Obrigada…
    Precisava mesmo desta parte para uma maior descoberta de mim mesma…

  9. Maria Carolina Almeida, é uma tarefa de todos nós sem fim; só na medida em que nos vamos descobrindo a nós no mundo vamos entendendo melhor o mundo; precisamos da grandeza do mar em nós que se vai desenvolvendo num fluxo de ondas que se trocam entre o nosso âmago e o mundo e vice-versa.. Somos seres inacabados porque parte domistério e há sempre mais a descobrir em nós!

  10. Só mesmo em termos de relação se pode entender e compreender e que nos remete a olhar e observar na natureza as relações ai existentes.

  11. António Cunha Duarte Justo concordo com essa tendência bipolar e reducionista… quando se fala de Deus e que se explica pela razão que afasta liminarmente o imperceptível !

  12. Uma boa reflexão sobre a riqueza da Santíssima Trindade. Parabéns e bem haja!

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