DIA DA IMACULADA CONCEIÇÃO – VIRGEM E MÃE – UMA CONTRADIÇÃO SÓ NA MENTE

A nova Eva diz sim à vida – sim à Vida como Dom de Deus que une Céu e Terra

Não vou falar aqui de “Lucy”, o hominídeo do sexo feminino da era dos Australopitecos afarensis, que alguns cientistas apelidaram de “mãe da humanidade”.  Como se vê também a ciência recorre a simbologia para melhor se fazer entendida na sua linguagem.

Quando falo ou escrevo procuro fazê-lo numa linguagem que seja compreendida quer por pessoas religiosas com uma visão de fé (experiência relacional) que se orientam mais em termos de ser e também por pessoas que se orientam mais pela razão, em termos de estar. Assim as pessoas não crentes ordenam geralmente verdades religiosas na mesma linha de compreensão de factos históricos o que torna complicado o entendimento entre uns e outros. As verdades religiosas não podem ser colocadas apenas no fio lógico da razão (das verdades filosóficas) nem na categoria de sucessão dos acontecimentos finitos da História porque estes referem-se a factos realizados que acabam; por seu lado, realidades espirituais têm a sua validade e actividade permanente. O dogma da Imaculada Conceição bem como Mitos são de arrumar numa outra ordem (experiencial e relacional espiritual) uma ordem intemporal que não acaba. Por isso as religiões para expressarem as suas verdades/experiências de fé servem-se de dogmas e de mitos como expressões de verdades que não passam; diria verdades existenciais e transcendentais num permanente acontecer (Kairos) que são mais reais e verdadeiras que as verdades históricas porque não se deixam ultrapassar. Todos somos peregrinos da verdade e, como tal, cada ciência, religião ou filosofia procura dar o seu contributo específico a caminho dela! Fixar-se num só caminho como único verdadeiro seria não perceber a realidade do mundo factual (fenomenológico) nem a estrutura da própria mente.

Maria recebeu o título de “Mãe de Deus”, no concílio de Éfeso no ano 431 por ser mãe do Verbo encarnado filho de Deus, que é Deus e mãe dos homens no filho Jesus. A 8 de dezembro de 1854, o Papa Pio IX consagra a virgindade de Maria no dogma que diz que a Virgem Maria nasceu sem a mancha do pecado original para ser morada sagrada de Jesus Cristo. A Virgem já era considerada símbolo da Arca da Aliança cujo conteúdo figurava Jesus e que Deus veio habitar no tabernáculo.

Os símbolos apontam para lá das coisas e dos factos. Apontam para além de si próprios, para uma realidade e significado não reduzível ao histórico ou ao material. Quando digo que acredito que Maria foi impregnada pelo Espírito Santo, estou a dizer: Jesus é divino.

Assim o dogma da concepção e nascimento virginal (que também se encontra no budismo), quer apontar para algo maravilhoso e inexplicável. Quer dizer que o que acontece nela é totalmente novo e como tal virginal – mero dom divino sem necessidade de intervenção humana – ou seja, é a expressão de uma realidade imaterial, espiritual. É uma verdade religiosa que ultrapassa a natureza material que a nível racional só pode ser compreendida de forma dual. Com o nascimento da virgem quer-se dizer que Jesus/Deus não pode ter origem na matéria porque anterior à matéria está o espírito e o ser humano tem a sua verdadeira origem no espiritual. Isto é, somos seres espirituais com expressão humana. Com o dogma da virgindade e com o nascimento de Jesus Cristo dá-se como que a reabilitação da matéria na divindade de Jesus Cristo (no JC ultrapassa-se a dualidade da natureza – matéria-espírito) e no âmbito da humanidade somos todos filhos de Deus embora mais ou menos conscientemente.  Temos assim Maria, a nova Eva, mãe de Deus e da humanidade. Na Imaculada Conceição unem-se céu e terra para dar à luz o divino feito de céu e terra. Esta é uma verdade espiritual que para muitos pertence à categoria fantástica que, contudo, em termos da dimensão/experiência da fé, se torna mais real que a realidade normalmente apreendida. Corpo e espírito adquirem uma nova relação, entrando numa nova dimensão da percepção.

 

O conhecimento, como dizia Kant, não pode ser limitado à experiência embora o conhecimento comece por ela... “A facticidade oferece apenas a arena em que essas condições são preenchidas” (1);

Embora o transcendental pareça à primeira vista incompreensível, o facto é que faz parte característica do humano. A metafísica transcendental ajuda a descortinar o que vai para lá da experiência e do factual.

Em filosofia costuma-se falar de três tipos de verdade: “verdade em si mesma”, “verdade para nós” e a “nossa verdade”. O ser em si mesmo não corresponde ao julgamento feito sobre o “ser”.  Também por isso seria ilógico, no acto do conhecimento identificar o ser com o modo de ser ou de aparecer. Portanto quando falamos de cognição (verdade adquirida) temos de reconhecer a complexidade subjacente ao acto de conhecer que implica duas coisas: o percepcionado e a coisa a ser percebida (dualidade!).

O conhecimento é a imagem da realidade, não mais que a imagem do conteúdo, do objecto, apreendida pelos sentidos. Esse desenho não é tudo e o conteúdo do conhecimento é também ele determinado pela tarefa (gnoseologia), a essência (fenomenologia) e a estrutura do conhecimento ( aleteiologia(a)

O âmbito do conhecimento começa por partir da „verdade em si” para chegar à “verdade para nós”. Ressalve-se, porém, que a “verdade em si” ultrapassa a dualidade porque é ao mesmo tempo a meta e o ponto de partida do conhecimento. Nós somos mais que ser ou estar porque como seres espirituais temos uma consciência transcendente (mais que intuição cognitiva ou mística) que ultrapassa o próprio conhecimento; este, devido à sua estrutura cognitiva só pode expressar-se em termos de dualidade (3). A resposta de Deus a Moisés corrige a dualidade: “Sou o que sou, sou o tornar-se” (engloba também a alteridade)! Assim a Realidade/Verdade é processo: ser em relação (o particular e o todo em interacção) como se verifica na fórmula trinitária (a verdadeira fórmula de toda a realidade material e espiritual); também no protótipo Jesus Cristo se realiza a abolição da polaridade. É pena a ciência química, biologia, sociologia, filosofia e teologia não prestarem grande atenção a está fórmula das fórmulas (que abrange o mundo material e o mundo espiritual e escapa à dualidade em que por vezes ficamos encalhados e nos impede de iniciarmos uma cultura universal de paz).

Em 1646, D. João IV, proclamou Nossa Senhora da Conceição padroeira de Portugal. Cedeu-lhe a coroa e a partir daí os reis de Portugal deixaram de colocar a coroa na cabeça, privilégio só para Nossa Senhora.

António da Cunha Duarte Justo

Teólogo e Pedagogo

Pegadas do Tempo

(1) https://www.degruyter.com/document/doi/10.1515/9783112331729/html

(2) Apreender a verdade do ser entendida como manifestação (Heidegger) do ser, e enquadrá-la na pergunta do sentido do ser. Verdade como adequação do pensamento à coisa e problema da concordância do juízo (afirmação) com o objecto: https://books.google.com.sv/books?id=J8gSGmkjLgIC&printsec=copyright&hl=de#v=onepage&q&f=false

(3) Sei que concorro aqui para um certo baralhamento mas no intuito de levar a pensar que, nestes assuntos, o jogo não se reduz a uma só carta ou cartada nem se encontra só na mão de um jogador. Trata-se de exercitar o respeito por diferentes critérios e perspectivas de abordagem da verdade/realidade em espírito de complementaridade e não de adversidade. Não é objecto da ciência positiva tematizar os pressupostos últimos que fundamentem a própria posição pelo que seria incoerente se cientistas na sua matéria não evitassem pronunciarem-se sobre o fim ou sentido do ser. Numa época propícia à ciência positivista corre-se o risco de confundir a ciência positiva como indicadora de sentido ou sua negadora! Isso levaria cada qual a ostentar o seu lampião de verdade na pretensão de ofuscar com ele a luz do sol.

8 DE DEZEMBRO ANTIGO DIA DA MÃE: https://antonio-justo.eu/?p=6921

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António da Cunha Duarte Justo

Actividades jornalísticas em foque: análise social, ética, política e religiosa

6 comentários em “DIA DA IMACULADA CONCEIÇÃO – VIRGEM E MÃE – UMA CONTRADIÇÃO SÓ NA MENTE”

  1. Com um abraço e votos de um excelente fim de semana.

    Pio IX estabeleceu a Imaculada Conceição de Maria.
    Mas já existia na tradição da Igreja, desde remotas eras.

    E em Portugal, pelo menos dois poetas A cantaram. Camões e Bocage.

    ATÉ CAMÕES CANTOU MARIA

    À Conceição de Virgem Nossa Senhora

    Para se namorar do que criou,
    Te fez Deus, sacra Fénix, Virgem pura.
    Vede que tal seria esta feitura
    Que para si o seu Feitor guardou!…

    No seu alto conceito Te formou
    Primeiro que a primeira criatura,
    Para que única fosse a compostura
    Que de tão longo tempo se estudou.

    Não sei se digo em tudo quanto baste
    Para exprimir as raras qualidades
    Que quis criar em Ti quem Tu criaste.

    És Filha, és Mãe e Esposa: e se alcançaste,
    Uma só, três tão altas qualidades,
    Foi porque a Três de Um só tanto agradaste.

    BOCAGE

    3 – À PURÍSSIMA CONCEIÇÃO DE NOSSA SENHORA

    Na edição da obra poética de Bocage
    «À puríssima Conceição de Nossa Senhora»
    é sexto poema dos «Idílios e Cantatas».

    Compõe-se ele duma visão introdutória, de raiz neoclássica, em que Elmano assiste à vitória da nova Eva sobre o Dragão infernal, e de um outro poema, em redondilha menor, que complementa a visão, e que é sem dúvida tradução/adaptação dum hino mariano.

    Que espectáculo, ó céus! Eu velo?… Eu sonho?…
    Que diviso!… Onde estou!… Purpúrea nuvem
    Ante os olhos atónitos me ondeia
    E chuveiros de luz despede à terra!

    Mais bela que o fulgor que ao sol percorre,
    Alta matrona augusta,
    Do vapor luminoso
    Que os Zéfiros detêm nas ténues plumas,
    Quão risonha contempla o baixo mundo!

    Áureas estrelas congregadas brilham
    No rútilo diadema
    Que a fronte majestosa Lhe guarnece;
    Áureas estrelas semeadas brilham
    Nas roçagantes vestes,
    Cor do estivo clarão que filtra os ares!

    De alados génios cândida falange
    Reverente A ladeia,
    E pelas níveas dextras balançados,
    Pingue, flagrante aroma, em honra à diva,
    Os fumosos turíbulos derretem…

    Mas que feroz dragão lhes jaz às plantas,
    Sangue a boca medonha, os olhos fogo!…

    Rábido arqueja, túmido sibila,
    Baldadas forças prova
    Contra o pé melindroso
    No colo inerme, a cerviz calcada,
    Que rubras conchas escabrosas forram:
    Enrosca, desenrosca a negra cauda,
    E em hórridos arrancos desfalece…

    Oh triunfo! Oh mistério! Oh maravilha!
    Oh celeste heroína! A sacra turma,
    Os entes imortais que Te rodeiam
    Modulam tua glória em altos hinos
    Que entre perfumes para os astros voam…

    Eis no leito arenoso as vagas dormem,
    Rasas cedendo à música divina:
    Pio ardor pelas fibras me serpeia
    E encurvado repito os santos versos:

    Ó Virgem formosa
    Que domas o Inferno
    Criou-Te ab aeterno
    Quem tudo criou.

    Ilesa notaste
    Do mundo o naufrágio,
    Da culpa o contágio
    Por ti não lavrou.

    Nas tuas virgíneas
    Entranhas sagradas,
    Do Céu fecundadas
    O Verbo encarnou.

    A grande vitória
    Do género humano
    Contra este tirano
    De Ti começou.

    Depois de lograres
    Triunfo completo,
    Cumprido o projecto
    Que o Céu meditou,

    Cresceram nos astros
    Os vivas e os cantos,
    E as fúrias, os prantos
    O abismo dobrou.

    Ó Virgem formosa
    Que domas o Inferno
    Criou-Te ab aeterno
    Quem tudo criou.

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