FÁTIMA – O ALTAR DE PORTUGAL DÁ MAU EXEMPLO

A Desgraça das Velas Electrónicas

Em Fátima na Basílica da Santíssima Trindade encontra-se um sistema de velas electrónicas em que os fiéis podem acender uma vela mediante a introdução duma moeda de 10 cêntimos. Na base desta modernice de mau gosto estão certamente argumentos racionalistas meramente tecnológicos e ecológicos. Uma necessidade exagerada de segurança à custa da vida e do espírito religioso mais genuíno já não poupa até a própria igreja. Esta prática testemunha uma mentalidade sem sensibilidade religiosa e sem respeito pela simbologia teológica nem pelo significado profundo da vela de cera. Esta ao ser substituída pela vela electrónica perde o seu significado espiritual e desvia o seu sentido.

Fátima, que recebe visitas de todo o mundo dá assim mau exemplo e fere a sensibilidade de pessoas com sensibilidade mais acurada e com conhecimento da simbologia cristã.

A primeira impressão surgida ao constatar tal fenómeno das velas electrónicas foi pensar que os responsáveis pensaram em satisfazer desejos de pessoas da aldeia sem grande formação religiosa ou que algum padre mais assistente social que teólogo se terá deixado levar por argumentos de carácter prático, como limpeza e ecologia, ligando o sentido da vela apenas a um pedido, uma oração ou meditação de carácter meramente racional. A constatação porém de que pessoas da província, em Portugal, não estão de acordo com esta aberração, mostra um espírito popular mais próximo da linguagem figurativa e do espírito religioso do que teólogos que pervertem assim praxes religiosas em mecanicismos materialistas. Na igreja espera-se encontrar a proximidade com a vida. A pessoa crente não se pode identificar com ideias iconoclastas numa igreja em que a artificialidade e automatismo técnico da máquina se afirma contra o autêntico e vivo. Este é um escândalo atendendo a que a autoridade religiosa impõe ao povo uma praxe de que não percebeu o seu alcance. Fomentam inconscientemente a banalização da religião.

Num lugar em que a perversão da própria fé, manifesta por pessoas simples através de práticas sangrentas que dão a impressão dum Deus desejoso de sangue, não deveria a hierarquia eclesiástica permitir que se pervertam práticas como as das velas electrónicas. Que o povo imponha a sua maneira de expressão religiosa ainda se pode compreender; o que é inaceitável é que responsáveis eclesiásticos, por falta de sensibilidade religiosa e de conhecimento do valor teológico e espiritual dos símbolos da fé fomentem hábitos atraiçoadores da própria espiritualidade. Fátima deve preservar o espírito simples e a mística profunda que lhe deu origem.

O ponto de vista prático é muitas vezes contra o belo e contra a vida. Uma contradição atrevida: Por um lado o Papa a pregar contra o pragmatismo relativista moderno e por outro os clérigos a instalar o relativismo pragmatista, atrevidamente, nas igrejas. Num país com fiéis exigentes e conscientes como a Alemanha, tal prática seria inconcebível. A pobreza cultural, porém, não pode constituir argumento para legitimar tudo.

Senhores chefes do Santuário, senhores párocos, desinstalem as máquinas de velas eléctricas; estas fazem lembrar uma máquina de fazer dinheiro ao serviço das companhias de electricidade que não se preocupam nada com a ecologia. Ou será que teremos de passar a reciclar o ser humano? A vela de cera é um símbolo da vida religiosa. Ela é símbolo da alma e da vida que se consome e assim irradia no mundo dando algo da própria vida.

Simbologia e significado das velas de cera

A vela é o símbolo da luz e da fé, é o símbolo por excelência da alma individual. É uma parábola da vida e do ser. Ela expressa de maneira especial a relação íntima de espírito e matéria. A vela acesa és tu, sou eu, somos nós, a mecha do mundo a arder.

Na chama se expressa a força extraordinária do bem e o poder destrutivo. A torcida a arder leva a cera a derreter-se participando assim a cera no fogo que simboliza espírito e matéria, a união de Deus e alma, de corpo e matéria.

A vela é conhecida desde a antiguidade no culto dos templos. No culto cristão, as velas, as abluções (lavagens), incenso, a música e as procissões têm um sentido e um valor que lhes advém do contexto litúrgico. Tem um valor simbólico de união entre o céu e a terra e que a finalidade de tudo é o espírito. A vela na campa dum morto recorda a chama como símbolo da claridade do paraíso. Na noite pascal é o símbolo de Cristo, a luz do mundo, e da ressurreição. Na Idade Média havia o costume de se dar como penitência normal estar de pé à porta da igreja vestido com uma camisa e uma bela acesa.

A vela foi sempre um símbolo da fé como luz viva que ilumina as trevas. A luz purifica, renova e fecunda. A vela como símbolo da nossa alma manifesta a nossa consciência de ser diferente, a nossa maneira diferente de estar no mundo. O espírito surge do nosso mais íntimo e se manifesta na luz. Tal como na trindade se pode ver na relação da matéria e do espírito o surgir do amor, a luz. A alma é como que a mecha que no corpo da cera se transforma no espírito, sendo assim símbolo da própria vida, revelando como alegoria o próprio ser do crente.

Ao colocar a vela no pedestal situo-me no centro do espaço tornando o meu corpo límpido em luz e calor irradiante. Romano Guardini, referindo-se ao significado da vela, dizia:”Não sentes perante ela algo totalmente nobre a despertar? Olha como ela está em pé, sem vacilar no seu lugar, levantada, pura e nobre. Sente, como tudo nela fala: estou pronta! Nada nela foge, nada nela se afasta. Tudo é clara prontidão. Assim ela se consome na sua determinação, irresistível, em luz e em ardor”. Na vela se expressa a nossa alma, a nossa atitude, o mistério que brilha em nós. Nela derretemos para a luz da verdade e do amor em Deus e no universo. À sua luz, todo o mundo se consome e ganha novo brilho. Deus olha-nos nos olhos e nós olhamos o mundo nos olhos transformando-nos com ele.

A luz da vela transforma o ambiente e mesmo as pessoas. Senão experimenta, sempre que recebes amigos e quando a penumbra desce, acender uma vela ou algumas velas. A sala, a mesa, as pessoas e a própria comida recebem um brilho mais quente, mais humano. Cria-se uma atmosfera de intimidade. O rosto dos comensais adquire um brilho diferente. O nosso corpo, através da luz das velas, reflecte melhor o brilho e o calor da alma. A luz torna-se o centro, tudo penetrando e nós sentimo-nos mais comunidade trespassados pelo mesmo espírito. Este bom hábito das velas cada vez mais espalhado no mundo “profano” abona a favor deste.

António da Cunha Duarte Justo

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António da Cunha Duarte Justo

Actividades jornalísticas em foque: análise social, ética, política e religiosa

5 comentários em “FÁTIMA – O ALTAR DE PORTUGAL DÁ MAU EXEMPLO”

  1. Meu caro Professor António Justo:

    Confesso-me um ignorante e, por isso, agradeço-lhe este seu post, por tudo quanto aprendi.

    Um grande abraço,
    Jorge da Paz

  2. Parece-me que este texto é um absurdo.
    A vela quer seja de cera ou não é um símbolo, portanto não o que tem a verdadeira importancia. Um bocadinho mais de tolerância não lhe fazia mal nenhum. Pense nisso.

  3. Exmo Senhor Anónimo
    Absurdo é um disparate contra a razão. O símbolo não se deixa reduzir à realidade lógica nem apenas à palavra, ele pressupõe para a sua abordagem a linguagem lógica e a linguagem das imagens. Reduzir o símbolo à linguagem e à percepção lógica corresponderia a atraiço-á-lo.

    Tolerância pode ser reduzida a um valor que tudo justifica! A minha tolerância pode chegar a ponto de aceitar que a hóstia seja tirada dum automático; na minha maneira de ver eu seria porém indiferente se não procurasse manifestar às pessoas que nessa práctica se incorreria numa cedência à técnica à custa da realidade profunda…

    O símbolo não se deixa reduzir a uma tautologia. Ele pretende tornar visível de maneira mais autêntica possível aquilo que significa. Também os símbolos podem tornar-se mais ou menos verossímeis dependendo isso não só do símbolo em si e da realidade que se encontra subjacente, como do ser e das circunstâncias do sujeito que o aborda.

    Ao escrever o artigo e porque me foi pedida uma tomada de posição em relação ao assunto, apenas pretendia dar informação e uma oportunidade para se reflectir sobre o assunto.
    Sei porém que para uma pessoa com muita fome o que importa é comer não se preocupando com a cozinha nem com a qualidade dos produtos apresentados.
    Obrigado pela sua observação.
    Anónio Justo
    António Justo

  4. Vejo nestas alegorias uma grande capacidade de expressão da realidade integral criadora-criada. Nesta visão nada se exclui: espírito e matéria fazem parte da mesma realidade. Costumo referir a Trindade como a fórmula da Realidade. Nela se integram o criador, a matéria criada e a relação do criado com o criador no espírito. Daí tudo ser relação e estar em relação.

    Poderíamos, como referi no artigo, identificar a luz com o espírito, a mecha com a alma e a cera como símbolo do corpo, da matéria. O mundo transforma-se na luz, no espírito. A vida é a fusão de espírito e do sensual (físico). Cada vida individual tem um sentido próprio trazendo algo para brilhar… esta é a visão cristã e humana da pessoa e da realidade. Daí o respeito não só pela chama de tudo o que é vida mas também pelo que lhe parece dar o ser.

    António Justo

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