REVOLUÇÃO PERMANENTE – A CONDIÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO INDIVIDUAL E SOCIAL

S. PAULO – UMA VIDA NA LUTA PELA PESSOA LIVRE

Tarsus, onde nasceu o apóstolo S. Paulo, fica em território que hoje pertence à Turquia, junto à Síria. Lá se encontra ainda a Igreja de S. Paulo. Saulo/Paulo, conhecedor da filosofia grega, estudou também em Jerusalém junto do rabino Gamaliel, tornando-se depois membro do grupo dos fariseus (os fieis à lei). No ano 36, a caminho de Damasco, num encontro místico com Cristo, Saulo, que perseguia os cristãos, converte-se, passando a chamar-se Paulo. Conhecedor da dialéctica grega e da mística judeo-cristã dedica-se à consciencialização da pessoa humana como detentora da natureza de Jesus Cristo em si mesma. Quer que todos se libertem da lei e façam a mesma experiência mística que ele fez: “já não sou eu que vivo, é Deus que vive em mim”. A identidade constrói-se já não a partir do que separa mas a partir do todo que une e dá sentido até ao non sens.

Com o novo sistema moral e da salvação pessoal questionou o mundo moral grego e romano fundamentado no “divide et impera”. Escreveu pelo menos 7 de 13 cartas, sendo a primeira dirigida aos Tessalonicenses no ano 50 depois de Cristo. Percorreu mais de 16 000 km nas suas viagens apostólicas.

Num mundo romano da exploração extrema dos indefesos, ele procura aplainar os caminhos dos escravos e de todos os que sofrem anunciando-lhes a nova consciência. Para Cristo eles são filhos de Deus, não menos dignos do que o “divino” imperador. A sua mensagem transmite uma nova consciência à plebe e aos escravos. Também eles pertencem à casta divina num mundo de irmãos em que não há escravo nem senhor, grego nem romano, homem nem mulher. A definição do homem/mulher vem dele mesmo e não da lei ou poder exterior.

Em Antioquia (Anakya), Turquia, terceira cidade do império romano, viveu desde o ano 36 até 48 d.C. Aqui os seguidores de Cristo receberam pela primeira vez o nome de cristãos.

No ano 48 houve um concílio de Apóstolos e Anciãos em Jerusalém com a presença dos apóstolos Pedro, João, Tiago, irmão de Jesus, Paulo e Barnabé, para resolver as divergências entre as comunidades a respeito da observância dos preceitos rituais mosaicos nas novas colectividades. Alguns judeo – cristãos conservadores, queriam voltar à escravidão da lei e rejudaizar os costumes das comunidades nascentes com a observância dos preceitos culinários bem como com a proibição de sexo com cristãos provenientes de etnias pagãs. Paulo, com Barnabé, defende a liberdade dos pagãos convertidos e não obedece às orientações de Jerusalém, declarando a circuncisão supérflua. O plano de salvação iniciada por Cristo é universal e irreversível, argumenta Paulo. A revolução de libertação iniciada por Cristo não pode ser interrompida e encarcerada numa Igreja em que as suas leis se tornem em algemas substituintes das antigas.

No ano 49 Paulo deixa Tarsus para pregar na Ásia Menor e na Europa. O Historiador romano Sueton refere que já no ano 49 os cristãos provocavam “agitação”. A ordem social duma sociedade esclavagista é contestada nos seus fundamentos, pelos seguidores de Cristo. A divindade do imperador era contrariada pela dignidade dos filhos de Deus, dignidade comum a toda a pessoa. Deus é socializado passando a ser povo. A lei natural do mais forte é contrariada pela relação amorosa que tudo dignifica. O próprio decálogo é reduzido ao mandamento do amor. Isto é de tal modo explosivo e provocador que o poder estabelecido para poder subsistir declara a nova doutrina como ateia e contra a ordem moral do Estado.

Também Nietzsche constatava: “ O veneno da doutrina – direitos iguais para todos – foi semeado com maior radicalidade pelo cristianismo”. Paulo, pelas sinagogas onde passava, consequentemente, deixava a divisão como aconteceu na cidade de Filipe, em Tessalonica, em Corinto (cidade da prostituição onde ficou ano e meio), na Galácia, em Atenas, em Éfeso (onde foi preso ficando aí vários anos), etc. Finalmente em Jerusalém provocou a discussão entre os vários partidos dos judeus. Ameaçado de morte, apela para Roma onde tinha direito a ser julgado, na qualidade de cidadão romano. A divisão entre os judeus ortodoxos do templo e os judeus cristãos aumenta a ponto de João falar de “Sinagoga de Sátão” e os judeus tradicionais rezarem: “E que os nazarenos e os hereges feneçam instantaneamente e sejam exterminados do livro da vida”.

A acção e a visão de Paulo foram decisivas para a expansão do cristianismo. Os cristãos negavam-se a sacrificar vinho e incenso à imagem do imperador. O poder Romano mantinha a sua hegemonia a poder da espada. 90% da população vivia na miséria.

Paulo deixa a trás de si as pegadas de Jesus que pregara a resistência contra a opressão social e colonial. Também Cristo se insurgira contra a exploração dos lavradores da Galileia e contra o imposto do templo que ia até 21%. O imposto a pagar a Roma era de 14%. Mais que a religião no templo interessara-lhe a revolução dos corações, tomando posição contra as leis empedernidas e opressoras das instituições.

Jesus, ao contrário de João Baptista, afirmava a vida integral, vivendo com o povo, entrando na casa de ricos e de pobres, de bem comportados e de malcomportados e comendo com eles. A sua Boa Nova era muito humana tendo compreensão pelas pessoas e pelas suas situações. A nova fé ensinava uma verdade totalmente inovadora: já não era preciso ir ao templo para rezar dado cada pessoa ser templo vivo de Deus. A comunidade realiza-se onde dois ou três se encontrarem em nome de Deus. A nova mensagem contraria todas as doutrinas porque não é doutrina mas uma maneira de ser e de estar em si mesmo e no mundo. É a mais elevada experiência humana que se procura socializar espalhando-se a todo o ser humano. Esta consciência tem os seus limites numa sociedade que persiste em ser massa e entregue à comodidade do hábito e da banalidade factual. Mesmo assim, cada vez há mais pessoas a terem a consciência da “natureza de Cristo”.

O sucesso da nova “doutrina” é também explicável, segundo descobertas modernas em Jerusalém, em Nag Hammadi junto ao Nilo e nas catacumbas. Judeus – cristãos espalham a boa nova por todo o lado, servindo-se, a princípio, das sinagogas dos judeus da diáspora. Uma população sem direitos vê-se reabilitada pela nova doutrina; as mulheres sentem-se reconhecidas nela, porque o cristianismo propaga a igualdade de homem e mulher, o que não agradava nada aos romanos que consideravam a mulher inferior (meninas a partir dos 12 anos eram forçadas ao casamento, e, muitas vezes, também eram mortas logo ao nascer). Os pagãos propagavam o aborto e a morte de bebés (afogamento de meninas e de meninos fracos) enquanto que para o cristão a vida era inviolável. Os cristãos reprovavam o divórcio e o abandono das viúvas, criando para elas uma rede de assistência.

Nas cidades pululavam as prostitutas e os transvestidos. No meio dos extremos não havia lugar para a mensagem do amor. Paulo vê no corpo a sede do desejo. A mensagem do “amor ao próximo” e a fé dos cristãos era para os poderosos, como testemunha o historiador Tácito em 112, uma” superstição”.

Paulo andou por toda a parte. É também provável que tenha estado na Hispânia tendo revelado a intenção de lá ir na epístola aos Romanos. Uma tradição peninsular antiga fala em sete varões apostólicos enviados por S. Pedro às Hispânias.

De 64 a 67 Nero ordenou a primeira grande perseguição (christianos esse non licet) na qual Pedro foi crucificado de cabeça para baixo (ano 67). Paulo foi também martirizado (foi decepado em Roma com uma espada e não crucificado – por ser cidadão romano), provavelmente, no ano 67, em consequência da perseguição de Nero. Os cristãos reuniam-se de noite nas Catacumbas (só os corredores da Catacumba Domitilla tem 15 km.) tendo em consequência disso o imperador Trajano decretado um édito que proibia assembleias nocturnas. Especialmente no século 3° e 4° organizam-se massacres sistemáticos contra a Igreja. As perseguições terão provocado milhões de mártires.

Até ao édito de Constantino as comunidades cristãs reuniam-se em casas privadas onde celebravam a eucaristia e repartiam o pão, “remédio da imortalidade”.

Em 312 com o Edito de Milão terminam as perseguições. Constantino com o seu édito de tolerância religiosa dá liberdade aos cristãos e manda depois construir a igreja de Santa Sofia em Constantinopla (Istambul) e manda também publicar 50 bíblias de peles de cabra (700) com letras de ouro.

Com esta medida o cristianismo consegue uma grande expansão a nível de povos e no âmbito institucional afirmando-se o poder em desfavor da revolução. Este caminho foi porém necessário para se chegar a uma sociedade aberta possibilitadora duma nova consciência individual e social.

António da Cunha Duarte Justo

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António da Cunha Duarte Justo

Actividades jornalísticas em foque: análise social, ética, política e religiosa

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