Mulheres em Posições de Relevo
No teatro grego era proibido o acesso de mulheres ao palco. Os papéis de mulheres eram representados por homens mascarados. As mulheres não eram ouvidas e tinham de se tornar invisíveis. Esta realidade pode-se verificar ainda hoje, mesmo fisicamente, nas mulheres muçulmanas. A sociedade patriarcal (macho) não as deixava aparecer na arena pública. Sem direitos individuais eram excluídas do papel activo na liturgia. Uma injustiça, um débito que Cristo saldou. Na igreja primitiva as mulheres não ocupavam papéis secundários. A maneira como Ele convivia com elas era escandalosa para o espírito do tempo. Segundo Ele a religião, as instituições estão para o ser humano e não o ser humano para as instituições. E a dignidade do ser humano, também na qualidade de filhos de Deus, não está condicionada à feminidade ou masculinidade.
Não é legítimo que hábitos próprios duma cultura sejam sistematizados e assumidos definitivamente pelo cristianismo, que é universal e transcultural, o que não quer dizer renunciar à necessidade de processualmente se aculturar.
Naturalmente que a ideia de gerência, direcção não aparece no NT. Além disso quando a havia implicava um conceito diferente do de hoje. Nas comunidades da Igreja primitiva havia muitas comunidades dirigidas por mulheres. As epístolas de Paulo e os Actos dos Apóstolos fazem referência a muitas. Assim Paulo refere (Rom 16,1-16) 29 pessoas entre as quais se encontram 9 mulheres que exercem uma função apostólica e anunciam o evangelho, tal como os homens. Paulo começa a narração com Febe que era “diaconisa da Igreja de Cêncreas” nomeando outras que dirigiam comunidades ou se encontravam no trabalho missionário na qualidade de colaboradoras, colegas de Paulo. Também Júnia terá sido uma mulher e não um homem; além disso muitas vezes a palavra original diaconisa aparece traduzida por servidora.
É verdadeiramente triste que a mentalidade machista ultrapassada por Jesus tenha sido posteriormente reintroduzida no sentido masculino grego embora Paulo também a tivesse já superado. Apesar de passados 2.000 anos a igreja petrina encontra-se em débito para com a mulher.
Reino de Deus a mensagem de Jesus liberta o ser humano, mulher e homem das pressões sociais e de tabus. Ele chamou-as a segui-lo Mt 27,55;Mc15,40; Lc 8,13 e revelou-se a elas como Messias (Jo 4,1 26). A primeira testemunha da ressurreicao é uma mulher a quem Jesus aparece (Mc 16; ); ela foi comunicar a “notícia aos seus companheiros, que a não acreditaram”.
As mulheres sentiam-se muito bem na comunidade de Jesus atendendo a que na comunidade judaica não podiam assumir funções cúlticas. Assim assumem as funções de direcção nas novas comunidades fundadas. Paulo afirma neste espírito “já não há judeus nem gregos, já não há escravos e livre, já não há homens e mulheres, todos são um em Cristo”(Gal 3,28).
Elas são anunciadoras e apóstolas do Evangelho. Pertencem com Paulo aos que “combatem” pelo Evangelho aqueles que “se dão muito trabalho”. Eram chamadas de apóstolos, de “enviadas” tal como os seus colegas masculinos. Marcos, Mateus e Paulo designam de apóstolos os que viveram com Jesus ou tiveram uma experiência mística de encontro com Jesus depois da sua ressurreição.
O serviço do anúncio da Palavra era uma actividade missionária. Priscila e Aquila aparecem em diferentes comunidades
Havia mulheres na direcção das comunidades. Muitas vezes eram comunidades que se reuniam na casa duma para realizar o serviço litúrgico. Delas fazia parte a diácona Febe. A palavra diácono era usada na altura, fora da bíblia, para designar aqueles que desempenhavam funções responsáveis nas comunidades e entidades.
Febe já tinha a função duma directora de comunidade; Paulo chama-a “prostatis” que é uma matrona com função jurídica de protecção e intercessão. Entre outras que presidiam a comunidade era Lidia em Filipos (Act 16,14.40) e Ninfas em Laodiceia (Col 4,15) e outras como Maria (Act 12,12), Cloe (1cor 1,10) e Apia (Fil 1,2). Elas estavam no centro da liturgia. O contexto cultural e social das comunidades de então e de hoje naturalmente que são muito diferentes bem como a sua forma de organização.
Com a progressiva romanização e helenização das estruturas da Igreja foi restaurada a discriminação ministerial da mulher.
A organização como expressão social do tempo não deveria interferir tão massivamente no papel da mulher. O espírito grego era radicalmente depreciador da mulher e conseguiu-se infiltrar indevidamente em alguns sectores da estrutura eclesiástica. Naturalmente que o ser humano raramente consegue transpor o espírito do tempo encontrando-se, por vezes, subjugado a ele. Que a Igreja lhe tenha muitas vezes cedido torna-se compreensível. O que já ultrapassa a compreensão é o facto de hoje ainda haver tão pouca abertura para se começar a corrigir algumas carências do tempo. Naturalmente que um passo neste sentido significaria para Roma criar um buraco maior entre católicos e ortodoxos. Razões tácticas históricas condicionam demasiadamente o espírito a circunstâncias limitadas por aspectos culturais específicos.
Uma comunidade que fixe de antemão o papel das mulheres obriga a mulher a questionar-se sobre a comunidade. A pessoa não pode ser atada a um papel. Os tempos que correm oferecem a oportunidade à Igreja de proceder a um correctivo no sentido da igreja primitiva, no seguimento do espírito de Jesus. Jesus não se orientava pela feminidade ou masculinidade do ser humano. Este como ser completo comporta as duas. O homem para ser completo deve tentar integrar em si a a feminidade e a mulher para ser completa a masculinidade, sem perderem o seu específico. Ousemos presencializar também o futuro!
António Justo
Teólogo