Nas paróquias as mulheres podem organizar liturgias específicas para elas. Esta possibilidade é porém pouco praticada. A oferta de liturgias para mulheres é uma necessidade evidente, tal como para outros grupos.
As comunidades locais não dão resposta aferida às necessidades e às expectativas duma comunidade cada vez mais diferenciada.
A Comissão episcopal alemã, através da investigação Sinus-Milieu-Studie, constatou com inquietação que as paróquias apenas dão resposta a 4 dos 10 milieux existentes na sociedade, definidos pela sociologia.
Também muitas expectativas na liturgia não são correspondidas nem se encontram aferidas às necessidades hodiernas. Para isso pessoas e grupos terão que anunciar as suas necessidades nos locais que frequentam. Se as comunidades não perder a relevância social e humana que tinham em séculos passados, terão de dar resposta às necessidades hodiernas do ser humano a caminho, transformando-se em albergues do espírito, tal como os albergues surgidos para as necessidades corporais nos tempos medievais.
Hoje muitos grupos procuram sossego, estabilidade e confiança na religião esperando uma espiritualidade da experiência interior e o sentimento de pertença. Também as mulheres querem interferir e ser tomadas a sério como mulheres em situações concretas, querem o acesso feminino a Deus. Querem participar da missão de salvação da igreja na sociedade não só duma maneira subsidiária. Seria miopia criar entraves ao carisma feminino, à mulher.
Em muitas paróquias os párocos têm ainda uma linguagem e um agir demasiado masculinos não considerando a realidade feminina nas liturgias dominicais. Um argumento tipicamente macho poderá rezar: elas vão à igreja para rezar, para se encontrarem com Deus e não para seguir o padre; Deus está para lá do masculino e do feminino. Geralmente segue-se a inércia da rotina; o pároco preocupa-se apenas com a preparação, quando muito, da homilia e o conselho paroquial com as festas e aquisições.
Liturgia de mulheres para mulheres
As mulheres estão mais viradas para a troca de experiências sobre a sua vida religiosa, e a espiritualidade.
O Concílio do Vaticano II tentou com a sua exigência “partipatio actuosa” colocar uma perspectiva nova na liturgia da comunidade. Sugere uma celebração comunitária na multiplicidade de papéis litúrgicos.
O movimento da teologia feminina levou muitas mulheres a criar uma liturgia feminina. Esta está ligada a uma compreensão de teologia feminina (RadfordRuether e Elisabeth Schüssler Fiorenza, Mary Hunt e Diann Neu) baseada na libertação da mulher e na emancipação de mecanismos de submissão. Há a necessidade de se libertarem da dominância masculina e oficial.
A liturgia feminina obedece mais a critérios de partilha de autoridade e de divisão de tarefas. No seu agir não está só em vista o produto, o fim, mas ao mesmo tempo o processo, a caminhada. Há um equilíbrio e relação intrínseca entre processo e produto. Além disso, nessa liturgia está também presente a experiência da opressão como motivadora para a mudança e criação de estruturas mais justas na sociedade e na igreja.
Uma liturgia feminina é um serviço litúrgico de mulheres, com mulheres para mulheres.
Nela se tornam visíveis as fases e situações da vida da mulher. Aí experimentam Deus a partir da sua personalidade e experiência própria.
Tais liturgias partem do seu mundo: da vida aqui e agora. Elas querem viver afinadas com a vida na unidade de pensar, sentir e agir. O homem é mais dicotómico, mais dialéctico, normalmente chega-lhe o “orgasmo” intelectual ou parcial em qualquer outro sector da vida fora da visão do todo. Elas falam da experiência. Querem uma espiritualidade não só do espírito mas também do corpo.
A sua prontidão para participar activamente e o consequente empenho possibilita-lhes, através da vivência processual, o assumir a direcção da liturgia, mesmo para aquelas que parecem mais meditativas ou retraídas.
Tais celebrações só podem ser celebradas como liturgia da palavra atendendo que a ordenação ainda se continuar a limitar à parte masculina do ser humano. Elas realizam as liturgias por força da sua espiritualidade.
A existência de liturgias femininas não quer dizer concorrência com as outras celebrações litúrgicas. A experiência da vida e a sua espiritualidade certamente colaborarão para a renovação de muitas celebrações domingueiras demasiado formais.
A comunidade local terá que dispor dum grande leque de ofertas para poder dar resposta adequada à pluralidade de necessidades e de dons. Terá que haver espaço também para o secular especialmente no âmbito da arte e de expressões específicas. A comunidade paroquial terá que se tornar expressão da realidade humana no seu todo e no seu específico. Doutro modo desintegrar-se-á da vida deixando de dar impulsos à sociedade.
No encalço da feminidade, a grande chance de futuro
Uma nova consciência implicará a descoberta dos carismas femininos. Os seus carismas têm estado na reserva, debaixo do alqueire. A visão integral terá de incluir na realidade, a perspectiva feminina superando a visão unilateral polar masculina que até hoje domina intolerante. Não se trata de traduzir apenas o vocabulário masculino para o feminino, isso seria hipócrita. A nossa sociedade é de cima a baixo masculina. Talvez os transsexuais sejam um protesto, o sinal da necessidade da mudança, da integração da feminidade a nossa vida e nas estruturas sociais e de pensamento.
Então a linguagem de Deus terá uma expressão mais feminina na paróquia e a competência social aumentará. Os serviços litúrgicos institucionalizados tornar-se-ão mais vivos, mais vida e menos desobriga. Vai sendo tempo da instituição acordar do sono da Bela Adormecida. A maternidade de Deus ainda soa estranha para uma mentalidade que abusa e padece do abuso do pólo masculino.
A necessidade da reestruturação da Igreja é evidente: a necessidade cria o órgão! …
António Justo
Teólogo
“Pegadas do tempo”