A Chanceler alemã desvia a Bola para Canto ao falar da EU e de Portugal

“Portugal e Espanha criam demasiados licenciados”

António Justo
Segundo o Globo – DN, Ângela Merkel, na Confederação das Associações Patronais Alemãs (BDA), fez a observação que Portugal e Espanha produzem demasiados licenciados universitários, insistindo na necessidade de se promover o ensino vocacional (profissional). A indústria e a economia de uma nação constroem-se com formação profissional e com experiência laboral.

Em termos de estatística a Doutora Merkel meteu o pé na argola, porque, segundo o gabinete europeu de estatísticas, em 2013, 25,3% da população da União Europeia entre os 15 e os 64 anos tinha completado estudos superiores: Irlanda com 36,3%, Reino Unido 35,7%, Alemanha 25,1%, Portugal 17,6%, Itália 14,4% e, no fim da lista, a Roménia com 13,9%.

O facto de a Alemanha ter um sistema económico muito forte, devido, em grande parte, à formação profissional dual da Alemanha, no âmbito do ensino médio e superior, e à sua política económica e financeira, só se justificaria a sua afirmação na medida em que é necessário ligar o estudo à prática (ensino teórico e prático) para se criarem profissionais do trabalho com espírito empreendedor.

As preocupações de Merkel têm mais em vista a defesa dos interesses da economia alemã do que a dos países latinos da EU. Ao contrário de Helmut Kohl – o europeu – a chanceler fomenta uma política nacional egoísta, tal como a da nova geração de políticos das grandes potências europeias, apenas interessadas na defensa dos interesses nacionais.

Merkel, tem a experiência da economia da antiga DDR (Alemanha socialista de leste) e da BRD. Depois da união a Alemanha continua a transferir biliões de euros por ano para a sua parte de Leste e esta encontra-se ainda atrasada depois de 25 anos de grandes transferências.

A moeda única – Euro – torna a EU a responsável pelo descalabro
dos países periféricos

A sua política de poupança para a EU, neste contexto, destrói as economias mais fracas. Não pode haver crescimento sem investimento! São cínicas as exigências colocadas aos países do sul sem programas apoiantes da conjuntura. Estes não têm hipótese nem perspectiva (A Grécia nunca pagará a dívida; Portugal também perderá o que lá tem); destroem as novas gerações e arruínam o futuro das economias fracas (É um crime o que se está a passar com o desemprego da camada jovem da sociedade europeia – os Estados salvaram os Bancos e não disponibilizam moedas para a criação de empregos – o exemplo da reacção do governo da Islândia em relação aos Bancos foi calado nos Media de toda a Europa). As economias fortes extorquem os especialistas das economias fracas e destroem as indústrias locais, obrigando as firmas e o pessoal qualificado a emigrar. Os países pequenos não têm investidores nem empresas com capacidade de competir e de resistir com os grandes. Apesar de tudo, os estados têm de fomentar o investimento assumindo a fiança de pequenos e médios investidores. Com a união do Euro, a União Europeia tornou-se política e economicamente responsável pelo descalabro das economias periféricas; insiste porém em fugir à responsabilidade. Ninguém tem a coragem de erguer a voz, porque os que o poderiam fazer ganham com a situação.

O estado da EU é doentio e enganador porque a doença é crónica e não passageira, como se pretende dar a entender: o Euro, que deveria fomentar uma identidade europeia comum, revela-se como o problema fundamental, atendendo às diferentes tradições de economias nacionais cuja estabilidade era garantida pela valorização e desvalorização das diferentes moedas e que agora são inevitavelmente, determinadas pelas multinacionais que vivem do Euro. O equilíbrio e a capacidade de maneio entre as diferentes economias foram aniquilados com a moeda única. Com o Euro, um país não pode valorizar ou desvalorizar a sua moeda na concorrência internacional tendo de se manter no euro sem possibilidade de compensação. Quem paga a factura são os países carentes e as pessoas médias privadas endinheiradas dos países fortes.

O problema de diferentes economias ainda hoje se sente entre as diferentes regiões fortes e fracas da Alemanha, apesar da sua união se ter dado já há 25 anos e o Leste receber anualmente bilhões de euros da solidariedade.

Os padrões económicos que valem para a Alemanha não valem para um país da periferia. As economias dos países têm diferentes velocidades. Um sistema económico latino não tem a mesma velocidade do sistema de um país nórdico, pelo que o latino nunca chegará a ter o mesmo nível de produção.

O valor de uma moeda depende do nível de produção de uma nação. Por isso há economistas que defendem a ideia de se manter o Euro apenas como moeda de referência central, tal como outrora acontecia com o ECU e que cada economia volte à sua velha moeda.

A política seguida pelo Estado alemão, em relação à Alemanha de leste, deveria ser aplicada também na relação dos países europeus fortes com os países fracos. Na Alemanha cobra-se um imposto de solidariedade de 5% sobre os impostos a todo o trabalhador; este é depois transferido para a antiga Alemanha socialista; além disso as regiões fortes transferem bilhões de euros para as regiões fracas da Alemanha para assim se ir criando um equilíbrio. O que se revela bom para a Alemanha seria bom para a EU.

Vai sendo tempo de Merkel e outros deixarem de admoestar os países de economias fracas; quando o fazem é para desviarem as atenções dos verdadeiros problemas que eles mesmos criaram.
António da Cunha Duarte Justo
www.antonio-justo.eu

A Divisão da Europa e do Mundo passava, há 25 anos, pelo Meio da Alemanha

A Queda do Muro de Berlim – o Fim de um Susto

António Justo
O dia 9 de Novembro, é aquele dia em que se celebra o 25° aniversário da queda do Muro de Berlim, o dia em que a liberdade arrebentou com as portas e desceu à rua.

Até àquela data já tinha fugido do éden socialista, cerca de 5 milhões de “ossis” (alemães de leste). O Politburo constatava que, por dia, fugiam de Berlim Leste de 300 a 500 pessoas e toda a Alemanha de Leste se encontrava em efervescência tal como acontecia já noutros países do bloco soviético; por isso decidiu simplificar a saída e a entrada no país.

A notícia prematura da administração (Politburo) de que no dia seguinte haveria liberdade de circulação levou o povo a acorrer em massa, já no dia 9, às fronteiras.

Ateado o fogo da coragem à multidão, esta deixou a alegria saltar em cima do muro e destruir, por algum tempo, a “cortina de ferro” entre capitalismo e socialismo. Apenas a porta de Brandeburgo se manteve algum tempo encerrada, devido ao titubear das instâncias socialistas, que por fim deixaram vingar a razão, não intervindo naquele acto da força popular. Os sodados controladores do muro abandonaram os seus postos, ao ver tal formigueiro de pessoas e trabis (auto típico da Alemanha de Leste) a querer passar para o lado ocidental do muro. Deste modo, os alemães tiveram a sorte de fazerem uma revolução sem tiros nem mortes. Posteriormente o funcionário superior do Politburo (Schabowski) que, por descuido, deu início à enxurrada da liberdade, declarou-se envergonhado do sistema socialista confessando: “fizemos quase tudo mal” naquele “sistema incapaz de vida”.

Era o início do fim da ditadura socialista da Alemanha de Leste. A vontade de liberdade não se deixou dominar por mais tempo; o estado injusto com espionagem em todos os sectores laborais e sociais, com o terror policial, a perversão da justiça e a idiotice económica aproximava-se do fim.

Aquela monstruosidade do muro erguida nos olhos do mundo desde 1961 caía agora devido à força da enxurrada da liberdade represada durante 28 anos. Começava para os cidadãos do socialismo real uma nova vida pondo-se a corar ao sol da liberdade a mancha da vergonha. Inicia-se aqui uma nova página da História para a Alemanha e para a Europa. Acaba-se com um mundo bipolar e com a guerra fria, conseguindo-se a reunificação da Alemanha a 3 de outubro de 1990.

Os cidadãos ao saltarem o muro do medo conseguem fazer milagres aplainando os muros para a felicidade poder deslizar.

Tive a dita de festejar juntamente com os alemães o dia da libertação. Um misto de alegria, agradecimento e humildade se juntavam nos ares. Neste momento não tínhamos nacionalidade, cor nem raça, éramos universais. Neste dia as pessoas mesmo desconhecidas aplaudiam e choravam, abraçando-se na rua. Como é belo e consolador quando o sol deixa de ser arrebanhado por mãos escuras e pode descer à rua. Se a massa do povo soubesse a força que tem, não haveria político algum que lhe resistisse e continuasse a servir-se e a servir interesses anónimos e escuros, à sua custa.

O nove de novembro é uma data marcada pelo destino alemão. Em 1918 deu-se a abdicação do imperador e proclamação da República; a 9.11 de 1923 falha miseravelmente o golpe de Hitler contra a Democracia; a 9.11 de 1938 deu-se a miserável “Noite dos Cristais”, o pogrom contra os judeus em que os nazistas incendeiam sinagogas e se deu a pilhagem das lojas judaicas – com este dia inicia-se a perseguição sistemática dos judeus; finalmente, a 9.11 de 1989 dá-se o passo para a união e liberdade depois da abertura incontrolada do muro.

O sacrifício que se paga pela liberdade deve ser proporcional à vitória e à perda! A liberdade e a justiça justificam o máximo de esforço e sacrifício.
António da Cunha Duarte Justo
Jornalista
www.antonio-justo.eu

Ética da Responsabilidade pressupõe uma Educação para a Liberdade

A liberdade passa pela revisão da gramática – Nossa matriz da vida

Por António Justo
É essencial o empenho pelo estudo dos problemas humanos sob a perspectiva duma ética da insubmissão, porque a prática do hábito e da submissão levou a História a repetir-se, na continuidade de um poder medíocre e violento, que governa o mundo.

Hoje já se reconhece a submissão, a rotina e o medo como factores que impedem o desenvolvimento humano e sociológico, porque conduzem à subjugação, à técnica e aos automatismos do imediato consumista e a uma moral ad hoc. Albert Einstein advertia: “Os grandes espíritos sempre sofreram oposição violenta das mentes medíocres. Estas últimas não conseguem entender quando um homem não se submete, sem pensar, aos preconceitos hereditários e usa a inteligência com coragem.”

Não se trata de educar para uma revolta violenta contra os sistemas vigorantes (isso foi o que se fez durante toda a História em lutas, guerras e guerrilhas reactivas); a consistência ou inconsistência dos Estados actuais é o resultado dessa prática do grupo mais forte que impôs o regime, em que cada país se encontra no momento. Enfim, a História tem sido uma cadeia ininterrupta de assaltos e contra-assaltos. Como este é um dado de sustentabilidade negativa, no prolongamento de um passado centrado na violência e no poder, sem sentido pelo viver, será necessária a propagação de uma revolta integral da consciência (alma e inteligência acordadas e reunidas na intuição) que possibilite uma maneira de estar pacífica centrada na pessoa e não nos grupos de força, de maneira a acordarmos para o sentir integral da vida.

O conhecimento oficialmente propagado é confuso e baseia-se na divisão e confusão que conduzem à concorrência, ao conflito e à violência; isto porque assim se estabiliza os grupos de atitude violenta.

A acção pragmática e a razão, no seguimento da ambição, conduzem à eficácia mas não produzem felicidade; em vez de integrarem os polos extremam-nos no sentido de dividir para imperar (veja-se a definição partidária na sua dinâmica contra o integral); comporta uma dinâmica do abstrato e da generalização, distante da vida baseada na moral da lei, mas não no indivíduo concreto; o sistema da autoafirmação na definição contra o outro já assume, em si, o princípio da corrupção e da violência.

Como vimos no quarto estádio da ética, o estádio do amor que integra as partes numa dinâmica de maximização do indivíduo e da comunidade (à imagem da fórmula trinitária) a perspectiva deve incluir todas as perspectivas centradas na pessoa. (O aspecto utópico talvez se situe apenas no momento de projectar a acção e responsabilização individual para o grupo).

A mudança qualitativa só poderá dar-se mediante a mudança da gramática! Aprender a aprender para libertar/responsabilizar o Sujeito

A actividade escolar orienta-nos para o utilitário e eficaz impondo a luta competitiva numa estratégia do ‘alarga os ombros e deita abaixo’, se queres subir. Trata-se de uma educação irreflectida, feita de automatismos que conduzem a um viver no sótão do pensamento muito longe da vida concreta e em que se procura compreender tudo menos a nós mesmos, menos o nosso sentido e o sentido do nosso viver. Não respeita as características do indivíduo. Começa por forçar o intelecto e negligenciar a emoção e a acção, não se preocupando com o desenvolvimento da personalidade.

A escola e a educação partem de diretrizes e planos de enquadramento destinados a encaixar o cidadão numa dada intenção política, que ensina, à sua maneira, a perceber o que é, mas não a perceber o como é nem o como podia ser. Instrumentaliza-se o indivíduo, a vida e até os ideais dela. Na escola, deixa de haver indivíduos concretos para serem desvirtuados no mundo do rebanho centrado num pensar abstracto desresponsabilizador. Na sociedade, tal como na escola, só há lugar para a manada de complementos tornados predicativos de sujeitos indeterminados. Há que personalizar e reabilitar o sujeito indeterminado. A frase com o seu sujeito, predicado e complementos torna-se no símbolo de uma sociedade (massa) e de uma vida empedernida em funções sem respeito por cada termo em si; aplica-se uma gramática/didáctica que não compreende o termo/palavra independentemente da sua função e, deste modo, não lhe possibilita liberdade nem responsabilidade própria. Uma gramática das funções contrapõe-se à realidade da mudança contínua porque fixa os termos/pessoas no tempo cronológico e num meio já determinado. Para mudarmos a sociedade e a vida teremos que começar por consciencializar a gramática, nosso rescrito de vida, para assim, consciencializando-nos dos seus parâmetros, sermos capazes de criar novos, o que pressupõe começar por revolucionar a gramática (reflectindo o seu caracter estigmatimo) ou pelo menos a sua didáctica! A mudança qualitativa só poderá dar-se mediante a mudança da gramática!

Aristóteles e a Platão apresentam-nos achegas de reflexão sobre os valores perenes que nos resguardam de um viver de slogans alienantes formadoras de atitudes e virtudes oportunas para o momento socioeconómico em que se vive. O valor perene é integrante e como tal não define (é inclusivo não colocando o fim, o limite), destrói barreiras porque parte de uma visão integral da vida que deixa de ser esquartejada no tempo e consequentemente desconhece o medo enfreador. Onde há medo há sofrimento, há um ferido e uma batalha perdida. Quem propaga o medo é inimigo do homem e da liberdade. Por isso a missão é libertar todo o homem, seja ele muçulmano ou cristão, seja ele socialista ou capitalista, porque só então cairão as correntes e as muralhas dos prisioneiros que se encontram dentro e fora dos muros. O autoconhecimento conduz à experiência do suor de sangue no Horto das Oliveiras e à expressão individual de cada um na qualidade de ressuscitado.

As palavras são como o vento que passa e o exemplo é como a torrente que arrasta. O problema da mudança permanece bicudo pelo facto de um sistema só se mudar qualitativamente quando os seus membros se mudarem, isto é, quando grande parte dos indivíduos se mudarem, o que significa um processo de mudança imensamente lento, porque centrado em cada pessoa.

Obedecer/desobedecer para crescer!

A lei, a ideologia, o pensamento não muda basicamente, o que faz mudar é a atitude, o comportamento. Enquanto construirmos a nossa identidade identificando-nos com um sistema, país, religião, filosofia ou cultura, estamos a fugir de nós e a procurar a segurança fora de nós. Esta é a tragédia. Esperamos de fora no ter o que não somos conscientemente (no ser interior). Isto não quer dizer que não devamos pertencer a um partido, a uma religião, ou a um grupo qualquer, como meio e campo de acção, mas não como algo de identificação ou onde se procura a honra ou o poder. A natureza não conhece nenhum elemento que em nome do grupo se mate ou mate alguém. Só o Homem chegou a tal corrupção desnaturada prescrevendo a morte de pessoas em nome do grupo ou instituição; tal corrupção é tão descarada a ponto de a inscrever como norma em livros sagrados! E o que é mais grave a palavra mágica “religião” serve para conter as inteligências políticas e os intelectuais que se desobrigam na confusão das interpretações ao gosto da bondade ou maldade do cliente, em vez de se centrarem na qualidade da filosofia da religião.

O país, a nação, a política, a ciência e a religião não existem para serem servidos, devem ser meios de servir e fazer o bem. O ser humano é superior às instituições, está antes delas; estas são para o servirem e não o contrário. É contra a natureza o fanatismo bem como considerar uma instituição material ou espiritual como o bem. Estas pecam por delimitarem, definirem (ao determinarem o limite, o fim) de uma realidade que o não tem. O poder reside na divisão! Toda a ideologia como toda a instituição comete o pecado de se arrogar e usurpar a bondade que se encontra na pessoa. Só a pessoa é o lugar do bem e do mal. As instituições e até o sistema mental transferem a vida individual para as ideias e para as relações humanas de maneira a serem servidas por estas; conseguem-no ao determinarem a sua identidade na fronteira que separa o que deveria estar unido e rouba ao indivíduo a sua auréola pessoal transladando-a para a instituição e fomentando a dependência do indivíduo em vez da sua independência (Confrontar o dolo e o beija-mão de personalidades mesmo non gratas à população!). O Jardim infantil das sociedades em que nos encontramos faz lembrar a dança em torno do bezerro da Babilónia! Age-se sob o pressuposto que o que as pessoas precisam é de uma música qualquer para poderem dançar, independente do valor ou ética da “música”. Fala-se de emancipação mas na realidade a mesma sociedade que a defende, a rebaixa, entregando a dignidade humana às feras da praça pública. Isto não elimina o reconhecimento dos dons e do serviço em comunidade, com a comunidade e para a comunidade. Na comunidade há uma relação de sujeitos e não de objectos (o lado oposto da moral de Nicolau Maquiavel) o que permite uma outra interpretação dos dons e serviços porque a comunidade amplia o membro na complementaridade, não o rouba. É necessário criar uma pedagogia da certeza do incerto. Para isso são necessárias pessoas adultas e de boa vontade.

A Certeza do incerto

Temos de reconhecer também os limites do nosso sistema de pensamento e tornarmo-nos conscientes do seu condicionamento ao preconceito; de facto não há conceito sem preconceito. As forças de poder material ou ideológico usam do preconceito sem passarem pela reflexão; usam até da lógica para embrulharem a razão; servem-se na escola do preconceito, ensinando-nos a viver dele sem nos consciencializarem de que o preconceito é apenas um instrumento necessário para chegarmos à apreensão da realidade intelectual, sendo ao mesmo tempo uma oportunidade e um perigo falsificador de realidade. O problema da realidade começa com a ideia dela.

Se atribuo a uma percepção ou ideia a mesma realidade existencial (o mesmo conceito de existência) que dou à realidade das coisas, identifico imaginação ou ficção com a existência do objecto, dando-lhe assim uma outra forma de existência. Daqui o necessário respeito por cada instrumento de acesso à Realidade seja ele os sentidos, o sentimento, o intelecto ou a intuição. Aqui se situa o busílis da questão entre real e irreal, religião (fé) e ciência (opinião). Por isso prefiro situar-me na realidade da metáfora ao descrever ou interpretar as manifestações de um real mistério que é o mistério do real presumido na metáfora ou nas diferentes parábolas físicas, linguísticas ou culturais. Razão é a capacidade de julgar entre duas ideias, no caminho da crença ou da opinião; o problema começa com a valorização do juízo feito.

O primeiro passo a encetar será a consciencialização e auto- consciencialização da estrutura falsa e falsificadora vigente em nós mesmos e nas diferentes estruturas sociais. Não podemos destruí-las porque se o fizéssemos destruiríamos o homem e a sua a cultura. Uma nova educação terá de tender a distinguir entre os preconceitos necessários e os preconceitos nocivos e a encarar a resolução de problemas sob uma perspectiva individual responsável que parta da perspectiva do nós para o eu gratificado.

Não se encontra a certeza no ser pelo que, para o bom viver, há que se dedicar aos modos de ser. Na falta da certeza há que descobrir e experimentar como é o falso e como é o verdadeiro. Trata-se de começar a gatinhar.

Urge uma revolução cultural centrada na formação individual para se poder libertar a pessoa de velhas estruturas para tornar possível a transformação do homem e, através deste, da sociedade; uma revolução que parta do interior integral e se oriente para o interior de cada um (autoconhecimento, consciência da ipseidade) através da aquisição de um novo sistema de pensar e dum novo conhecimento. O entendimento e o pensamento são como a língua; a linha da fronteira de uma língua limita o horizonte do falante; limita o horizonte intelectual e limita a circulação fora dela. Trata-se portanto de criar uma linguagem universal que toque o coração de cada indivíduo e a inteligência das instituições.

O ser humano é um milagre em contínua criação que não deve ser domesticado nem encarneirado por instituições em quem a manada projecta a aura e o horizonte do próprio ser, com desejos provindos de recalcamentos num eu não consciente. Também a borboleta para poder voar teve que passar pela mudança progressiva. A meta da pessoa não é o paraíso nem o nirvana, mas sim a sua floração no ressuscitado.

A degradação do Homem e da sociedade parece irreparavelmente inexorável porque as instituições que a constituem (fruto da precaridade individual), são incapazes e, consequentemente, produtoras de crises. Neste sentido torna-se inoportuna uma avaliação dos valores que nos conduzem à precaridade da consciência (hipocrisia, inveja, sede de poder, nacionalismo, racismo, etc.). Temos construído a casa sobre a areia, partindo do princípio que se alcança paz com mãos de guerra. Enquanto a esperança se basear no medo não haverá solução pacífica. Por isso Cristo resume a vida integral: “eu sou o caminho, a verdade e a vida”. Para lá chegar é preciso aprender a pensar fora dos modelos que nos prendem.

À maneira de conclusão

Se queres ver a Lua não esperes pela noite, o seu melhor rosto é ao pôr-do-sol. Porque não vivemos o presente na realização da felicidade, adiamo-lo e com ele a nós para um amanhã em que projectamos esperanças (tornamo-nos progressistas ou conservadores sem ter consciência do agora que culpa o passado ou espera no futuro, encobrindo, deste modo, a própria violência interior, que se revela na carência do presente). Reféns da causalidade, adiamos a resolução da paz para outros, para os vindouros, tornando-a um energúmeno do futuro que nos leva a fugir de nós e a distrair do presente. O passado (é a memória feita tempo), presente (o acontecer no eixo do tempo/fora do tempo) e futuro (é projecção feita tempo); passado e futuro são aspectos de algo que deveria ser só presente (Kairós), o fora do tempo. A vida inteira é viver e morrer, esforço e paz, contínua mutação num processo de integração dos próprios polos.

A via tem dois sentidos e a vida também. Seguindo no sentido contrário da via dificultamo-nos a existência, dando-lhe pernas de aflição e ambição/conflito, porque atados à trela do tempo. O hábito e a acomodação é tempo morto na rotina que nos empedernece.

No escurecer do pensamento levanta-se o amor que não é desejo mas sensação inocente do infinito; então chega a intimidade da noite escura onde só as estrelas falam do milagre que o universo faz brilhar nos nossos olhos. Só na noite surgem as estrelas, só no silêncio da mente se ganham asas para voar até ao firmamento onde o muro das ideias, culturas, anseios e preocupações já não fazem sombra.

Somos levados pelas ondas das influências políticas, religiosas, individuais e sociais de que nos temos de libertar. Eu noto em mim uma grande prisão, que é a consciência da defesa de valores cristãos que reconheço como inalienáveis para o futuro mas que me levam a ter medo do Islão. Um medo que me leva a não viver no presente com o medo do que acontecerá no futuro.

Num mundo em que se aspira a autoridade e posição social já não se é livre, o mesmo se diria pela ânsia de ser virtuoso ou bom; contudo, na falta de liberdade é melhor estar-se preso pela ética, desde que se tenha consciência disso. Se tenho a força de ser eu já não tenho medo de ser bom nem mau; na virtude e no pecado assumo ser eu conscientemente. Então desta perspectiva compreenderei a própria compreensão e a dos outros, ciente de que nesse entremeio se realiza a transformação que possibilita o milagre. Se me compreender compreendo o mundo e ao compreender-me viverei em paz com ele. Uma cultura ou uma pessoa fechada na própria órbitra como a Terra em volta do Sol circunscreve-se a si subestimando a realidade do universo. Se queremos descobrir o universo teremos de não dar relevo à própria giratória. Esta é a diferença entre um satélite e uma estrela.
©António da Cunha Duarte Justo
Jornalista e Ex-professor de filosofia aplicada
www.antonio-justo.eu

Níveis da Justiça e da Ética no Desenvolvimento das Pessoas e das Culturas

A Virtude da Tolerância desafia a Virtude da Coragem

Por António Justo

O medo, o anseio por segurança, a leviandade mental são característicos de uma sociedade em redemoinho que destrói a personalidade e impede a reflexão individual do cidadão para o engavetar em padrões sociais medíocres.

A insegurança e o medo domam as energias criativas e impedem a compreensão da vida, conduzindo a uma situação de pânico que provoca uma reacção de ânsia de sucesso imediato material e espiritual. A insegurança e a arbitrariedade no julgamento de práticas políticas e religiosas fomentam um moralismo preconceituoso e precipitado longe de uma ética reflectida abrangente. Deixa-se de combater por ideais nobres para se pelejar com guerrilheiros que se encontram mais próximos ou que são mais oportunos.

A falta de discernimento conduz a opiniões precipitadas e intolerantes, pela positiva ou pela negativa. Daí a importância de distinguir entre ética e moral e de constatar a evolução da ética e dos costumes a nível de pessoas, instituições e civilizações para possibilitar um diálogo interactivo e produtivo entre pessoas e culturas. As culturas só têm a oportunidade de se aproximarem ou de se guerrearem. Se a sociedade continuar com a mesma política dos últimos 60 anos a guerrilha proliferará de maneira avassaladora.

Ética é a orientação consciente por regras ou normas; implica uma conduta de vida criteriosa e ter a capacidade de decidir com discernimento entre acções boas e más.

Moral diz respeito ao cumprimento das normas por que se orienta a maioria e que correspondem a determinadas ideias/imagens na vida interpessoal. As normas adoptadas podem ser aplicadas consciente ou inconsciente.

Podemos considerar quatro etapas do desenvolvimento da ética e das sociedades que a praticam:

Na primeira etapa é permitido castigar uma acção sofrida com uma acção pior. Exemplo: alguém rouba algo e como castigo é-lhe cortada a mão (cf. lei da Sharia no islão); o homem é o lobo do homem (homo homini lupus!). Na segunda etapa da evolução ética passa a ser aplicado o princípio de talião que corresponde a responder a uma acção com outra acção correspondente: “olho por olho e dente por dente” (vingança igual). A terceira etapa que se encontra já no Antigo Testamento, no Hinduísmo, Confucionismo e na Filosofia grega, orienta-se pela “regra de ouro” que determina: “Não faças aos outros o que não queres que te façam a ti” ou “Faz aos outros o que queres que te façam a ti”. A quarta etapa da ética é a ética das Bem-aventuranças, a ética do amor ao inimigo e do vingar o mal com o bem; é declarada no Sermão da Montanha mas muito difícil de praticar e em certos conflitos levará até à eliminação do bem, tal como aconteceu com a crucificação do maior Mestre aparecido na História. Pelas obras se mede a qualidade ética das acções, que se tornam mais ou menos virtuosas.

Virtude é a capacidade de comportamento determinado por um valor. Pressupõe uma decisão baseada numa atitude e numa mundivisão (experiência de vida, idealismo). A virtude tem como actor contra ela (o vício) a agressão (o outro lado da calma) dado a agressão parecer o meio natural de autoafirmação (movimento egoísta contra altruísta) na intenção de formar e afirmar identidade.

O filósofo Aristóteles distinguia entre duas espécies de virtudes: As virtudes racionais (dianoéticas) inteligência, sabedoria, o pensamento científico, etc. e as virtude éticas ou da vontade. Para se determinar a virtude, Aristóteles elaborou o padrão do Meio-termo, o meio justo (Mosóteles), vulgarmente dito na expressão, “a virtude está no meio”. Por exemplo, coragem é o meio entre covardia e imprudência (Temos o momento da falta, o momento da virtude e o momento do exagero, exemplo: falta: Sofrer de injustiça – virtude: justiça – excesso: praticar a injustiça).

A virtude depende de um valor mais alto. Na história da ética reconhece-se como valor mais elevado, a felicidade, Deus, o paraíso (nirvana), espiritualidade… A virtude pressupõe educação, hábito e relação interior através da compreensão, da alegria e do sofrimento.

Max Klopfer, na sequência de Aristóteles, nomeia, para a determinação de cada virtude, as seguintes características gerais: a) o meio entre dois extremos (aspecto formal), b) fundamento num bem maior (aspecto material); e para uma determinada virtude as características especiais dela: a) baseada numa determinada situação e b) relacionada a uma determinada pessoa (subjectividade).

As virtudes encontram-se todas numa relação de reciprocidade. Platão fala de quatro virtudes cardeais: sabedoria, coragem, prudência e justiça. Aristóteles fala de 14 virtudes: Sabedoria, coragem, prudência, justiça, serenidade, serenidade nobre, generosidade, magnanimidade, elevação, honra, amizade, dignidade, indignação justa, sinceridade, destreza social.

O cristianismo acrescentou-lhes, fé, esperança e caridade. A Burguesia do século XIX acrescentou-lhes as virtudes secundárias: ordem, aplicação, limpeza, pontualidade, etc. Hoje, a sociedade europeia parece esgotar-se na virtude da abertura e da tolerância esquecendo que estas são virtudes secundárias de outras virtudes oprimidas por uma sociedade demasiado preocupada com o pragmatismo político.

O homem no decorrer do tempo histórico foi deixando as marcas do seu desenvolvimento ou reacção às experiências sociológicas e antropológicas prévias.

Ética da lei

Na tradição judaico-cristã vale a orientação pelos dez mandamentos, em especial o amor ao próximo e a Deus (Mat. 22,37-40). Não se trata aqui de preceitos exteriores mas de configurações internas fluidas, não empedernidas na letra mas a serem sempre actualizadas pela atitude sempre nova e viva. A referência cristã mais que de um livro ou norma é a pessoa do JC. A ideia base é a igualdade de todas as pessoas baseada na semelhança de toda a humanidade com Deus. Friedrich Nietzsche lamenta a herança cristã dizendo: “Na igualdade das almas perante Deus é dado o padrão de todas as teorias dos mesmos direitos para todos”.

A ética muçulmana, essa sim, é uma verdadeira ética da lei ou do livro que dificulta qualquer teologia porque Deus se formaliza no Corão não dando lugar à teologia, quase se esgotando na jurisprudência.

Ética do dever – orientação pelo senso comum

Kant criou a ética do dever como um tipo especial da ética que se fundamenta na racionalidade humana. Para o filósofo o dever é claro e incondicional; a acção não depende de condições pelo que se torna num imperativo categórico desde que o modo de agir possa ser generalizado e a dignidade e liberdade da pessoa respeitada.

Os estoicos já tinham ligado a moral ao dever, fundamentando-a na ideia do direito natural, baseado na natureza e que tinha como objectivo o domínio dos afectos e do prazer. Seguir o prazer pressuporia desconhecer a essência do próprio ser; para o estoico, é sábio e livre quem ultrapassa a felicidade e a infelicidade; para ele tudo é indiferente. No outro polo desta filosofia encontrava-se o epicurismo.

Ética do útil (Utilitarismo)

Epicúrio (um 341 a.C.) centrava a ética no proveito individual dirigido para a felicidade e o prazer. Pretende fomentar necessidades que maximizem o prazer e o mundanismo radical. Enquanto para Epicúrio o objectivo era a felicidade individual, para os anglo-saxões era a felicidade do grupo.

Nos países anglo-saxões (Bentham, 1748-1832) o critério de avaliação da acção é o princípio da utilidade para todos os participantes. Bom é o que é útil para todos; a diversidade das necessidades individuais não conta grande coisa.

Segundo O. Höffe a ética utilitária inclui 4 princípios: o princípio das consequências (não interessa a atitude mas os resultados para decidir da acção); o princípio da utilidade (a avaliação das consequências orienta-se pelo bem abstracto, trata-se de consequências úteis); o princípio do prazer (o fim último é a felicidade, bom é o que dá prazer e traz alegria); princípio social (não conta a felicidade individual mas a de todos).

O utilitarismo favorece o direito das maiorias. Hoje, o fim não pode justificar os meios, estes têm de ser aferidos pelos direitos fundamentais do Homem.

Ética da responsabilidade

O agir responsável pensa nas consequências que a acção actual tem para as próximas gerações. O ser humano tem de julgar ética e moralmente as consequências da sua maneira de agir. Não se pode fazer tudo o que se pode, embora a técnica o possa permitir, a vontade tem limites se quer assumir responsabilidade e garantir sustentabilidade. A ética da responsabilidade presume uma educação para a liberdade; uma educação que não instrumentalize o medo como meio de tornar o Homem maleável e funcional no sentido das instituições actuais.
Continua em “Ética da Responsabilidade pressupõe a Educação para a Liberdade”
©António da Cunha Duarte Justo
Jornalista e Ex-professor de filosofia aplicada
www.antonio-justo.eu

O DIVÓRCIO DA POLÍTICA E DA ÉTICA

A Política tem vivido do Ser e não do Dever Ser
Para se intervir na História tem de se entrar no Interior dos Conflitos político-sociais

Por António Justo
Um divórcio não acontece de repente, vai-se dando até que acontece. Política e ética tendem a divorciar-se a partir do Renascimento. Até aí orientavam-se pelo dever ser e a partir daí, especialmente com “O Príncipe” de Maquiavel (1469 – 1527) passou a centrar-se na materialidade do ser sem a componente idealista anterior (platonismo). Maquiavel, o iniciador da modernidade política, considera as coisas como são e não como deveriam ser, por isso não está interessado na ética. Só reconhece a realidade material na política, querendo-a auto-suficiente: “os fins justificam os meios”.

Para Maquiavel ”a garantia mais segura da posse é a ruína”. A vida humana é luta com os meios da legalidade ou da violência. O medo e o temor são os instrumentos disciplinadores que o governante tem para levar a causa política a bom termo. Kant, do lado oposto, apela para a razão prática e para o imperativo categórico (regra áurea como fundamento lógico e objectivo da moral: “Actua de modo a que o axioma da tua vontade possa valer ao mesmo tempo como princípio de uma lei universal”. Os princípios maquiavélicos e meramente materialistas de orientação realista e pragmática atingiram o seu auge político nos grandes assassinos de povos como Hitler, Estaline, Mao Zedong.
Na teoria medieval e clássica grega, e em especial para Aristóteles, as coisas tendem todas para o bem, para a felicidade. Tudo se encontra a caminho. Para ele havia três tipos de homem e de vida: o vulgar (vive para o prazer), o político (para a honra, fama realizada na polis) e o filósofo (para a felicidade), cada qual com a sua medida de felicidade. O homem político orienta-se pela razão e por ela chega à postulação da ética (do como se deve ser). A razão fundamenta a atitude moral, conclui também Kant). Sócrates defendia a teoria de que a cidade grega deveria ser governada pelos filósofos, os melhores.

Cristãos têm andado a dormir na Forma dando o Comando aos Outros

A advertência evangélica de “dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” não justifica a ilibação moral de atitudes políticas nem a isenção política por parte dos cristãos. Pilatos também lavou as mãos e a consequência foi a morte do inocente (Jesus=povo).

Não é suficiente o empenho de cristãos a nível individual na assistência social e nas missões; não chega que o cristão seja um especialista do povo, é preciso o seu empenhamento na ação política dos partidos como parte do comprometimento estatal e global.

Apesar das contradições da coisa política, tem sido um grande erro a renúncia dos cristãos no sentido de moldar o mundo politicamente a par de outros destacados. Torna-se relevante congregar forças em torno de pessoas de boa vontade para modelar o mundo e dar-lhe nova direcção: um mundo de rosto humano para todos. A direcção não é dada por quem trabalha no convés do navio mas pelos seus timoneiros. Urge dar forma política ao conteúdo cristão não tanto como religião mas como filosofia e ética cristã. Não se trata de unir política e religião porque isso é catastrófico, como podemos constatar hoje em conflitos mundiais actuais.

Certamente não há partido que corresponda às aspirações éticas cristãs mas em todos os partidos há lugar para pessoas que se empenhem; a orientação de um partido depende dos seus membros e o legado da humanidade não se encontra em nenhuma instituição mas repartido por cada pessoa. O cristão, se imbuído da mensagem evangélica tem lugar em todos os partidos. É verdade que a política é algo provisório e relativo mas a vida social é construída na sequência e resulta da soma dos provisório e do relativo. O cristão está chamado, com todas as pessoas de boa vontade, a criar uma sociedade mais justa. Seria ingénuo e mendacidade queixar-se apenas de quem faz o trabalho. Quem trabalha suja as mãos mas tem a vantagem de poder ver o fruto do seu trabalho e de poder limpar as mãos.

O empenho político com o consequente assumir de funções públicas, é uma forma socialmente desejável e eticamente desafiadora da responsabilidade cristã para o mundo.

A política não é “negócio sujo”; é uma actividade imprescindível e boa, em si. Tem má fama por abrigar políticos sem a ética do dever moral, que agem por interesse, internacionalmente em manadas, de maneira colectiva e anónima, puxados por grupos de interesses com poder. O povo não tem poder para se impor aos poderes organizados dentro do Estado, por isso precisa do empenho dos que se encontrem mais próximos deles. A qualidade da política depende da qualidade humana dos políticos. Se não está contente com a política empenhe-se nela. Esta é a única maneira de melhorar o serviço à polis.

A degradação política vem também de uma formação de políticos baseada ainda nos princípios de Maquiavel, que quer o político viciado, e no utilitarismo feroz anglo-saxónico. Candidatos ao poder passam, quase todos pela escola de Maquiavel e centram os estudos em filósofos defensores do materialismo (Thomas Hobbes, Marx, etc.) e do relativismo moral ou nas ideias dos sofistas, cínicos e cépticos. Desconhecem a nova era da filosofia quântica que considera espírito e matéria compatíveis.

Cada época produz o seu poder e a sua correspondente visão: no absolutismo a filosofia era absolutista, na democracia contemporânea é relativista e numa democracia orgânica complementar talvez se torne num integracionismo social e económico.

Do empenho social para o empenho político

O procedimento ético não se limita ao homem religioso. Na acção se mostra a validade dos princípios éticos. O cristão deve deixar o rasto da sua atitude ética na política. A política ocidental ao desvincular-se da religião e da ética deixa o timão da história aos que mantêm na alma do povo o desejo de missão. Política é serviço e como tal uma liturgia, embora a história mostre que a promiscuidade de política e instituições religiosas é perversora.

O político, em vez de combater o inimigo que se encontra no seu interior, repudia, por vezes, o adversário alimentando a inveja, a rivalidade e a ganância. Na política estão em primeiro plano os interesses económicos e estratégicos e não valores de justiça ou éticos. Seria de tentar inverter-lhes a ordem; para isso o motivo do agir terá de ser desinteressado e altruísta.

A luta é um dado natural, mas numa ética desenvolvida não se luta contra alguém, mas luta-se pela justiça e pela liberdade individual, social e comunitária. A violência só cria mais tensão.

A obra de Max Weber “A ética protestante e o ‘espírito’ do capitalismo” elucida as relações entre religião e capitalismo e induz a melhor compreender as diferenças das sociedades nórdicas e latinas, bem como as preferências católicas pela formação humanista e as protestantes pela técnica. A maneira de estar presente na sociedade seja ela capitalista, socialista, islâmica, católica ou protestante determina directa ou indirectamente diferentes economias e políticas.

Urgem soluções intermédias entre capitalismo e socialismo entre religião e política, no sentido de servir a felicidade de todos e atingir o máximo possível de igualdade económica e social. De facto todos somos parentes, apenas o sol nos mudou a cor.

Deus é povo e a ética é justiça, por isso, ficam à porta de empresas, ministérios, escolas e partidos. Uma coisa poderia o cristão aprender de Karl Marx: para intervirmos na história teremos de entrar no interior dos conflitos político-sociais. Segundo ele o regime político é o reflexo da organização das forças produtivas que é preciso influenciar. Consequentemente, os comunistas são exemplares no empenho político pela própria causa e na estratégia que usam de se instalarem nas estruturas administrativas estatais através dos sindicatos.

Embora a missão do sacerdote implique um empenho de ordem religiosa, sem compromissos políticos mas no compromisso pela paz e justiça, pela promoção integral do homem e dos direitos humanos, isso não o devem impedir de fomentar vivamente o interesse dos cristãos pelo empenho político militante nos diversos partidos.
O mar sem a força do vento e da lua não teria as ondas que lhe dão vida!

O Astrónomo e matemático alemão Johannes Kepler (1571-1630) reconhecia já então: “É preciso reunir religião e ciência, matemática e música, medicina e cosmologia, corpo, mente e espírito em uma inspirada e luminosa síntese.”

©António da Cunha Duarte Justo
Jornalista e ex-professor de filosofia aplicada.
www.antonio-justo.eu