Sociedade Alemã no Nevoeiro da Campanha Eleitoral

Daqui a dois dias (18.09.2005) havará eleições na Alemanha. Activismo e medo no ar. Ninguém sabe ainda quem assumirá as rédias do poder e constata-se uma desconfiança geral de todos os políticos. A realidade para o povo será dura, ganhe quem ganhar. É a hora dos sentimentos e da demagogia. Até Maio toda a opinião pública criticava o governo de Schröder prevendo-se uma maioria absoluta para os cristãos democratas em coligação com os liberais. Lutas internas entre os candidatos da oposição e uma campanha suja do SPD conseguem desorientar uma nação que não gosta de incertezas e sofre por ser castigada no seu instinto de obediência e confiança incondicional nas chefias. Não há indícios para esperanças e o povo sabe que tem razão no seu sentimento depressivo. No fundo pressente-se que o doente não se cura com promessas… A nação sofre, encontra-se depressiva enquanto os gladiadores do poder de dentes serrados disparam os últimos cartuchos numa luta incerta..
Nunca uma campanha eleitoral foi acompanhada de tantos truques e questões jurídicas. Entre outras registe-se a questão da conformidade constitucional da proclamação de eleições antecipadas em consequência dum voto de desconfiança contra Schröder e que este mesmo encenou para poder disciplinar o seu partido obrigando-o a apoiá-lo na única oportunidade para o partido ter uma chance com eleições antecipadas. Certo é que se ele tivesse levado a legislatura até ao fim perderia as eleições porque já não tinha soldados no partido, a desilusão do povo ainda se agravaria mais e o seu latim já tinha chegado ao fim. Com esta tática consegue abanar toda a nação e as suas instituições, reduzir os Verdes de coligação a um Joscker Fischer e tornar-se, de novo, o homem forte do SPD. Verga-se aos interesses turcos visitando o seu jornal de maior tiragem na Alemanha na certeza de que a esmagadora maioria dos 600.000 votantes turcos de nacionalidade alemã votarão nele. Nos interesses do seu partido e da sua ideologia instrumentaliza a Europa com a defesa da integração total da Turquia na Europa. Conta-se que na RFA daqui por 30 anos viverão 20 milhões de turcos (actualmente vivem três milhões e meio e constituem uma grande esperança e investimento para as fileiras dos Verdes e da esquerda). A Europa que pague a factura da má política de imigração alemã e os seus interesses económicos e estratégicos na Turquia (De notar que o intelectual Schmidt, antigo chanceler SPD se tem declarada contra a integração da turquia).
A campanha eleitoral tem sido especialmente dominada pelos média electrónicos. O SPD, sem programa, contenta-se em apresentar o Schau da pessoa Schröder apresentando-o como o representante de segurança social tendo ele até Maio sido visto como o seu coveiro com a sua Agenda 20010. O programa do SPD reduz-se à proclamação da heroicidade de Schröder por ter iniciado as reformas. Tem a vantagem de ter muitos da cena cultural e muitos intelectuais a a apoiá-lo, não tanto por convicção mas por razões ideológicas, atendendo a que até há pouco os mesmos criticavam severamente a política da coligação Encarnada/Verde.
A União CDU/CSU orientou a Campanha eleitoral com discussões teóricas de alto nível. As mais valias alcançadas pela candidata Merkel foram destruídas por discussões muito interessantes mas que o povo não segue.
Os Cristãos democratas defendem um sistema de imposto simples e são contra a integração da Turquia na Europa. O SPD não quer um sistema de imposto simples até porque este tirar-lhes-ia o seu melhor instrumento de manobra da sociedade. Seguem o lema: “ não confies em nenhum indivíduo; só o colectivo é bom porque ele se deixa manobrar”.
Nesta campanha eleitoral os partidos pequenos não figuraram. Apenas esteve presente a má herança de Schröder, a nova força esquerdista que consta duma união de comunistas e de descontentes do SPD ( o “Partido da Esquerda”). O “Partido da Esquerda” conseguirá entrar no parlamento prevendo-se para ele uma percentagem de votantes como para os verdes. Deste modo, no caso do SPD ganhar as eleições, este só poderia formar governo em coligação com o novo Partido da Esquerda o que lhe causaria grandes dores de barriga.
Uma coligação da esquerda como forma de governo a sair das próximas eleições seria veneno para a economia alemã.
Depois de sete anos de governo Schröder seria tempo de uma nova oportunidade para o país através dum Governo da União/FDP com um ministro da economia in spe Professor Dr. Kirchhof um seguidor da doutrina social da igreja católica.
Esperemos uma mudança de poder não só para Angela Merkel mas também entre os intelectuais. A Europa tem de deixar os sonhos e a ideologia duma sociedade multicultural dialética e orientar-se no sentido duma sociedade intercultural. A cultura europeia estaria em boas mãos se voltasse para os conservadores que não precisam de penhorar os bens da cultura para ganharem prosélitos.
O que se precisa é uma política e uma práxis que integre cultura e economia e são necessários partidos que deixem de viver à custa duma ou da outra.

António da Cunha Duarte Justo
Alemanha
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Tel:0049 561 407783

António da Cunha Duarte Justo

Uma nação que tem jogado ao 25 de Abril enquanto a banda passa!

Insucesso Escolar em Portugal – Cantando e Rindo…

A situação escolar em Portugal é catastrófica. Isto é-nos confirmado a nível internacional pelo Estudo-PISA da OECD e pelos últimos dados estatísticos fornecidos pelo Ministério da Educação ( GLASE) sobre o insucesso escolar em Portugal nos últimos nove anos.

Os resultados do Teste PISA que compara a nível internacional o rendimento escolar dos alunos em 40 países tem sido sucessivamente um testemunho, a alto nível, da ineficiência do nosso sistema escolar. Portugal ocupa na lista das nações um lugar baixíssimo. Dos 40 países investigados em três sectores do saber, os alunos portugueses encontram-se no 30° lugar em Matemática, 28° em Leitura e 32° em Ciências Naturais.

Dos valores apresentados pelo ME (GLASE) relativamente ao período que vaí de 1994 a 2003, a gravidade da situação é gritante. torna-se mais evidente atendendo aos destinos individuais não referidos. Assim, em 2003, do milhão e meio de estudantes do ensino básico e secundário que frequentavam as escolas portuguesas, 280.000 alunos reprovavam. A percentagem de retenção escolar no ensino básico até ao 9° ano foi constante (13%) nos 9 anos apresentados no estudo.

A taxa de retenção e de desistência no ensino secundário (10.° ao 12.°) ainda foi maior, verificando-se uma média de 34,33 % relativa ao período de referência. Um em cada três alunos chumba. Em 2003 mesmo 43,5 % dos alunos do 12° não faziam todas as disciplinas , culminando o ensino tecnológico com 53,6 por cento de chumbos.

Uma nação em agonia e ninguém se interessa

Uma catátrofe a nível individual e nacional se atendermos não só às vítimas do sistema, aos destinos individuais, como também aos prejuízos não só económicos nacionais aderentes à situação. Para quem sabe ler, isto significa um atestado de incompetência a todo o sistema escolar a nível de estruturas e de recursos humanos. Uma hipoteca para o futuro num país que irresponsavelmente tem vivido para inglês ver. Onde está a voz dos intelectuais, dos políticos e dos jornalistas? Que preparação levam os alunos para um mundo cada vez mais em mudança, mais competitivo e global? Quem sociedade sucederá duma elite medíocre portuguesa embuçada?

No estudo nota-se um desaferimento crasso na passagem de um ciclo para o outro: se no no fim do 1° ciclo do Ensino Básico (4° ano) chumbam 8,4 %, no 5° ano já chumbam 14,9%; no 6° ano, fim do 2° ciclo chumbam 14,6% e já no 7°ano,início do terceiro ciclo do Ensino Básico, chumbam 24,4%; se no 9° ano ficam retidos 15% já no início do Ensino Secundário, no 10° ano chumbam 34,8%. Um factor imediatamente evidente nestes dados é a falta de aferimnto e de díálogo entre as escolas (ou ciclos) que passam os seus alunos dum estabelecimento ou dum ciclo para o outro. A mão esquerda não sabe o que faz a direita.

Os dados tanto da Administração Portuguesa, como os da organização internacional responsável por PISA apontam para uma conclusão, ou melhor, para um diagnóstico: uma administração deficiente que se limita a administrar a miséria, uns sindicatos apenas interessados em defender os interesses pontuais da classe, uma classe política irresponsável e uns responsáveis pela educação adormecidos, desatentos e desinteressados pelo futuro dos seus educandos e da nação.

De Crise em Crise : Tal Escola, Tal Nação

Urgência duma Comunidade Educativa

Um dos grandes males das sociedades modernas é a falta de disciplina e de conceitos concludentes. Se este é um problema internacional a questão em Portugal eleva-se à terceira potência. Vai sendo tempo de Portugal despertar e de olhar menos para os outros tal como fazia nos séculos preparatórios da nacionalidade e dos descobrimentos e investir na própria identidade e assim poder dar novos mundos ao mundo. Deixemos de nos tornar cada vez mais estrangeirados para nos tornarmos mais portugueses, mais universais. A salvação não vem de fora nem de ladainhas muitas vezes repetidas por ideologias já de segunda mão. De fora têm vindo ideologias que encantam um povo desatento e que se vê na necessidade de se refugiar em festas de futebol e em orgias de fogos, para fugir à realidade decadente consumidora. Apostemos nas raízes da nossa cultura e na tradição que nos tornou grandes. Aí encontraremos os valores que nortearam o sucesso, conscientes porém que indivíduo e sociedade estão sempre em contínuo processo de renovação sendo ao simultâna e reciprocamente condicionantes e condicionados.

Um novo Perfil de Professor – Cada Escola com um Perfil próprio

Na nação como na escola não chegarão professores empenhados na sua disciplina, mas professores pessoalmente empenhados numa relação pessoal professor-aluno, numa relação pessoal de comunidades: comunidade docente e comunidade discente; não chega o diálogo é preciso relação e comunhão íntima. Na relação dum eu-tu consciente de que o próprio eu nasce dum tu.

Urge que a escola deixe de ser um sumatório de indivíduos, uma massa amorfa de pastores e ovelhas não identificados e desmotivados. A comunidade nasce de pessoas capazes de assumir responsabilidade e exercita-se já na responsabilidade comunitária escolar em serviço mútuo, na autoconsciência e na capacidade de poder adiar a satisfação imediata. A comunidade escolar terá que se preocupar com a terceira coluna: a comunidade dos pais, a terceira coluna da comunidade educativa. A escola precisa de ideias claras e valores assentes; menos dever e mais ser. Todos os intervenientes terão de trabalhar na elaboração dum conceito de educação consensual à margem de partidarismos e de ideologias; neste sentido não se poderão culpar individualmente os pais pelos diferentes hábitos e sistemas educativos, atendendo a que partidos e ciência os tem considrado cubaias e presa. Cada escola precisa de menos regulamentação e necessita dum perfil que a distinga das outras, que se torne ela própria com um sentimento de pertença com uma identidade própria, um distintivo em que alunos e professores falem da sua escola de modo semelhante ao daqueles que falam do seu grupo de futebol ou do seu grupo de música. A falta de perfil das escolas uma consequência de responsabilidades delegadas deve-se tanto à rotina como a ideologias da moda assim como a um experimentalismo leviano, tudo isto baseado no abdicar da própria identidade.

Nesta Europa desorientada e confusa e em Portugal não há um consenso político nem científico de como educar, tornando-se a escola presa fácil de ideologias partidárias ou de experimentalismos precoces. Há muito que Portugal se encontra num processo de tranformação de valores em que, em nome duma liberdade que não existe, se negam rituais, disciplina, ordem, educação… Parece querer-se um campo pedagógico frágil. É também fatal um espírito modernista mal entendido contra elites. Precisa-se uma nova educação: educar para elites responsáveis e não para craques ou afortunados que se alistam numa ou noutra organização, seja ela partidária, massónica, futebolística ou religiosa; não chega uma elite de postos. Em pedagogia não há nada de novo que já não fosse expresso num ou noutro método já velho. As ciências da pedagogia e da psicologia necessitam de maior independência deixando de estar tanto ao serviço de ideologias ou modas. A escola tem qu se tornar num centro de vida e de interesses comprometedores em que a palavra relação seja honrada. O docente mais que um cientista é um educador. A sua formação tem de ser mais completa e a sua escolha obedecer a critérios mais rigorosos. O critério de funcionário público tornou-se anacrónico numa sociedade moderna e democrática. Não deveria ser prioritária a motivação pela segurança do funcionário público. A este sistema público estão inerentes vícios de classe acrescentados dos vícios próprios da administração que se inclina a conservar.

Saber, juventude e um pouco de ingenuidade e de didática não são suficientes para se formarem homens e mulheres conscientes e responsáveis na realização dum sonho e duma realidade pessoal e nacional.. Não se trata apenas de transmitir saber e de avaliar o aluno. Este tem que descobrir-se como consciência num processo de crescimento sem fim. Mais que nas notas, o padrão de avaliação e de medição da actividade de professor/aluno deve verificar-se no desenvolvimento da personalidade e das competências específicas de cada aluno, à sua medida e da comunidade.

Rigor não exclui solicitude e encorajamento. Mais relação e respeito e menos medo e hierarquia. Um projecto consciente exige mais dos professores e dos alunos. Discilplina é a base da liberdade responsável.

O sentido da personalidade, o respeito mútuo, e a consciência de nos encontrarmos a caminho duma transcendência que supera a própria nação, são, entre outros valores cristãos, meios avalizados e provados ao longo da nossa história e que poderiam tornar-se mais xobjecto de estudo análise e aplicação num sistema escolar precário, sempre em crise, perpetuador de crise.

Um cultura iconoclasta que apenas substitui os seus santos de igreja pelos santos ou corifeus da ideologia, da literatura, da cultura ou da política não passa de uma cultura de beatas, que se engana a si própria : imagens de imagens ; e os seus corifeus: cegos guiando outros cegos…

Professores, políticos, jornalistas, já vai sendo tempo de deixarmos de jogar às escondidas com o povo e com a nação. Até quando teremos de continuar a ser um povo de fugida?…

António da Cunha Duarte Justo

Professor de Língua e Cultura Portuguesas na Alemanha

Email: antonio.justo@web.de

Tel: 0049 561 407783

António da Cunha Duarte Justo

Irmãos matam a Irmã em Nome da Honra da Família

Hatun Sürücü foi assassinada pelos irmãos em Berlim porque queria viver um estilo de vida ocidental. Os três irmãos prepararam o assassínio em conjunto ; o mais velho terá arranjado o revolver, o segundo convidando-a a acompanhá-lo e o mais novo, matando-a. Seu irmão mais novo, de 19 anos declarou, através do advogado(14.09.2005) « eu matei a minha irmã, ninguém da minha família me ajudou ».
Ele matou a sua irmã de 23 anos com três tiros na cabeça alegando que ela levava um estilo de vida que não lhe agradava e que a frase da irmã “eu durmo com quem quiser” o motivou ao assassínio. Ela tinha sido obrigado a casar-se com um primo de Istanbul com quem tinha um filho. O casamento fracassou e ela voltou para Berlim e começou a aprendizagem do curso de electricista. Não aceitou trazer o lenço de cabeça e pintava-se. Os conflitos na família acentuaram-se. A honra da família não suportava tal afronta.
Como justificação do acto, depois do crime um grupo de jovens turcos em Berlim afirmam à imprensa: “ A puta andava por aí como uma alemã e também vivia assim”.

Direito cultural superior ao direito humano – homem superior à mulher
Para um ocidental é incompreensível que, em nome da honra familiar, se possa matar alguém.
Para o Próximo Oriente a honra (que obedece a um comportamento moral de castidade da mulher) está acima do amor dos pais. Na Turquia e em sociedades de cultura nómada o indivíduo não conta, o que vale é a pertença a um grupo ou clan dos quais depende a vída do indivíduo. Relevante é a honra do grupo. Para estas sociedades não se trata de um assassínio mas de repôr a honra ferida. Os assassinos recebem o status de homens honrados, são apelidados de “Namuscu” = ”defensores da Honra”. O executante tem de ser um membro da família ou do grupo, que actua depois dum processo de admoestações por determinação dos representantes do grupo ou da família. Por fim o conselho familiar ou do clan decide da vida ou da morte. A honra tem de ser lavada dentro da família, isto é, a execussão tem de ser efectuada por alguém da família muito próximo ou por um primo.

Sociedade Ocidental Cúmplice
Infelizmente, anualmente dão-se muitos assassínios de mulheres vítimas e isto debaixo dos olhos tolerantes duma sociedade que em nome da defesa duma sociedade multicultural tem muito respeito pelas tradições das várias. A identidade cultural é colocada acima da identidade pessoal, dos direitos humanos. O que é grave é que isto será confirmadao por um tribunal ocidental que condenará o assassino a menos de meia dúzia de anos devido à desculpa cultural.
Muito frágil é a honra de homens que se vêem tão ameaçados por mulheres tão indefesas.
Deste modo consegue uma sociedade machista superar a sua fraqueza e obter uma paz social e familiar estável.
A justiça ocidental tem de julgar os assassinos como tais e os políticos e a sociedade ocidental tem de fazer pressão perante os representantes das respectivas culturas para que considerem tais actos como assassinios; o mesmo se diga em relação aos muçulmanos suícidas que consigo arrastam muitos inocentes à morte e depois ainda recebem o estatuto de mártires do islão.
A sociedade ocidental é cúmplice em muitas aberrações que acontecem e se desculpam em nome da tolerância. É cúmplice porque não se intromete na discussão dos hábitos de culturas que vivem no seu seio e porque não apoia aqueles que nos correspondentes ghettos procuram lutar por esclarecimento e pela defesa dos direitos humanos.
De registar que nesta Europa tão tolerante, tão desinteressada, vivem 30.000 mulheres sem clítoris e que a prática da circuncisão de mulheres, por razões culturais e machistas ainda atinge muitas vítimas, embora às escondidas. Sob os tectos de muitas famílias ordeiras, tantas vidas aniquiladas em nome da honra! Do outro lado tanto desinteresse que permite tanto sofrimento em nome da tolerância! Não haverá por aí uma camisa de Venus para estas coisas!…
António da Cunha Duarte Justo
Mail: antonio.justo@web.de

António da Cunha Duarte Justo

A língua é a minha terra, e para o bilingue a sua terra é o mundo.

BILINGUALIDADE UMA NOVA MANEIRA DE ESTAR
Razões económicas, políticas e demográficas, aliadas ao desejo de uma nova Europa em processo, pressupõem a interculturalidade e a bilingualidade como forma normal de ser e de relacionamento. O emaranhado de situações e interesses dificultam a concretização e realização da interculturalidade no mosaico cada vez mais polifacetado das nações modernas.
Por um lado assiste-se à interdisciplinaridade e a um enriquecimento múto dos vários sectores da sociedade, ciência e cultura, por outro lado a relação a nível de grupos étnicos deixa muito a desejar.
Podemos apontar os turcos e os portugueses como dois exemplos protótipos de atitudes antagónicas na maneira de estar numa sociedade de acolhimento (na França são os portugueses maioria, na Alemanha os turcos). Se por sua vez os portugueses se integram ou se deixam assimilar, os turcos por razões religiosas e culturais reagem alergicamente a uma integração mesmo comedida, fechando-se por vezes em gettos impermeáveis com consequências quase irreparáveis atendendo a que a aquisição e domínio da língua alemã é um pressoposto para uma participação eficaz no sistema. Neste caso assiste-se ao facto da existência de sociedades paralelas. Esta problemática é bastante crassa na Alemanha pelo facto da questão migrante não ser objecto da discussão intelectual e política encontrando-se relegada para o âmbito da assistência ou dos moralistas dos vários quadrantes. Medo, absentismo e oportunismo impedem um discurso e uma relação descomplexada e consciente entre a cultura da maioria e as culturas minoritárias.

Processo de desenvolvimento do bilinguismo
As crianças portugueses, tal como as doutras nacionalidades seriam mutiladas na sua personalidade se fossem alheadas e desenraizadas do meio-ambiente em que crescem. Se as crianças crescem num ambiente bilingue é óbvio que devam aprender a língua dos pais e a língua do país em que vivem. No caso dos casamentos mistos seria natural uma maior consciência da importância da transmissão de duas culturas, preparando a criança para uma maneira diferente de estar no mundo. A formação bilingue deve dar-se a partir do nascimento da criança, até porque a capacidade de aprendizagem duma língua é inversa à idade.
É verdade que a criança, até aos dois anos reproduz palavras, misturando as duas línguas; com o tempo porém surge a diferenciação e a partir dos dois anos já separa os dois códigos e a partir dos três anos e meio passa a distinguir os dois mundos.
A aquisição das línguas acontece em diferentes situações, seja ela movida pela necessidade de comunicar com os companheiros de jogo ou com as famílias obedecendo sempre a diferentes regras e pressupostos. Esta aprendizagem situacional variada é muito proveitosa para a aquisição bilingue. A aprendizagem posterior duma língua já se dá através do filtro inicial da primeiras língua. O bébé bilingue aprende já no primeiro ano de vida a variedade de sons que facilitará a expressão futura. Facto é que quanto mais complexa fôr a língua mais possibilidades abre, mesmo até cerebralmente.

Uma outra maneira de ser e de estar
Personalidade enriquecida, aberta e reflectida
O Homem tornou-se tal através da língua. Para nos darmos conta da importância do assunto torna-se necessário reconhecer a dependência e a correlação mútua que há entre pensamento, linguagem e estrutura social.
A investigação científica mostra-nos que a personalidade do bilingue é diferente da do monolíngue. Enquanto que as referências de estruturação do monolingue se processam duma forma mais estática e modelar, no bilingue a formação da personalidade é mais processual, mais dinámica e diferenciada. O bilingue, mais que ter ou estar, ele acontece em relação, é. Ser bilingue é ser-se processo, processo na mudança, não é ter duas línguas mas viver em duas línguas, em dois mundos, navegar noutros espaços; é ter vistas mais rasgadas, outras perspectivas do mundo, é participação mais livre, conhecimentos dinámicos; é viver amando, aceitando o outro como ele é, aberto para comunicar, dar e receber… comunicar-se como forma de vida; é uma nova mundivisão onde não há modelos fixos em que instituições e valores passam a ser referenciados e portanto relativizados para mais se poder ser; é viver em mais que uma existência. Numa palavra, o bilingual tem uma personalidade multidialogal cuja forma de ver e sentir já não é tão estática e “subordinada”como a do monolingue mas sim situacional, multirreferencial, processual-dinámica.
O bilingual encontra-se mais cedo que o monoligue na necessidade dum relação de passar a ser mais sujeito e menos objecto, no confronto das tradições e sistemas, sendo por vezes forjado na tensão de sociedades fechadas em que a sociedade de acolhimento puxa para um lado e a sociedade mandatária para o outro. As famílias que coseguiram desprender-se destas amarras dialéticas possibilitam aos filhos uma consciência em que as fronteiras já não constituem limites mas sim, quando muito, apenas pontos de referência. Uma sociedade que já é capaz de integrar e aceitar lésbicas e homosexuais tem que ser capaz de integrar o diferente, o estranho…A diferença é a lei mais verificada na natureza e nela está implícito todo o desenvolvimento.

Questionação científica
Sobre a questão da bilingualidade muito têm os cientistas escrito chegando por vezes a resultados contraditórios. Há cientistas que recomendam que se fale com a criança a língua que se domina; significando isto que nos casos de casamentos mistos (português – alemão) um cônjuge fale o português e o outro o alemão. Outros chegam mais além desproblematizando a situação defendendo mesmo a mistura segundo as situações.
Ao contrário os puristas/nacionalistas principalmente no passado apontavam para o problema de se originar uma língua mistura chegando a falar mesmo do analfabetismo nas duas línguas ou da falta duma identidade étnica ou mesmo do perigo duma dupla personalidade da criança. Facto é que esta opinião nunca foi comprovada científicamente. Muitas vezes esta visão tem um carácter ideológico e remonta aos constructos nacionalistas do século dezanove.

Papel dos pais/avós na infância
Até aos três anos a criança reflectirá o ambiente familiar quer nele se fale só uma língua, quer as duas. Com a entrada no Jardim Infantil passará o alemão a dominar e a acentuar-se cada vez mais socialmente, mesmo que os pais falem só uma língua em casa.. Nos primeiros anos da infância a criança tem grande capacidade de absorção das duas ou mais línguas sem dificuldade. Com o desenvolver dos anos a dificuldade aumenta. Atendendo ao enriqucimento intercultural e às capacidades da criança na primeira infância seria um roubo à criança se esta fosse privada duma das línguas ou do convívio com elementos das duas sociedades.
Na falta de exercitação do português em casa os pais em questão deveriam socorrer-nos de estratégias supletivas ligando mais os avós nas relações com a criança, criando mais encontros com famílias portuguesas, frequentando mais o centos portugueses, interferindo mais na programação das suas actividades e planeando mais férias em Portugal. Na situação inversa seria consequente a criação de laços individuais e institucionais com a sociedade de acolhimento.
No caso de casamentos mistos penso ser de muita importância que cada um dos pais fale a sua língua materna deixando a oportunidade e liberdade à criança de se expressar na língua que quiser. O facto de um cônjuge falar sempre o português leva a criança a internalizar o português embora o não use no dia a dia como língua de expressão. Mais tarde, nas aulas de “língua da origem” recuperam rapidamente déficites específicos.
O português transmitido nos primeiros anos de vida da criança, embora limitado a relações gregárias, tem imensa importância no desenvolvimento; é muito relevante para o desenvolvimento psicológico intelectual e social da mesma. Constitui um capital cultural e uma herança muito rica com imensas consequências gratificantes para o futuro e para a personalidade da criança.

Ensino da Língua “materna”
A inscrição das crianças nos cursos de Língua e Cultura Portuguesas é essencial para o alargamento da competência comunicativa que deve ser aprofundada e reflectida nos seus aspectos de competência sociolinguística, sociocultural, de competência estratégica, discursiva e de competência empática.
Conscientes da importância da língua e da cultura dos pais para as crianças, os Estados federados alemães instituiram desde 1968 o Ensino da Língua Materna no seu currículo escolar com 3 – 5 horas lectivas semanais. É reconhecida grande importância à aquisição da língua dos antepassados, por razões socio-pedagógicas, psicológicas e económicas. Todos os bilingues deveriam ter a oportunidade de se formarem bilíngues. Uma educação intercultural deveria ser possível em todas as escolas e para todos os alunos. Os bilingues serão os mais preparados para manter a relação e estabelecer pontes entre gerações e culturas. É preciso incentivar-se a motivação e não tolerar a intolerância dos getos. É compreensível a relutância que muitas crianças apresentam perante a aprendizagem do português, atendendo à sobrecarga que significa e a concorrer com actividades imediatamente gratificantes.
A língua portuguesa, tal como outras línguas de culturas minoritárias em diáspora, está sujeita a preconceitos criados pela cultura dominante sendo, além disso, uma língua falada reduzida ao local o que contribui para preconceitos que poderiam ser desfeitos através da frequência da língua materna.
Por vezes os pais deixam-se impressionar pela pressão de pessoas, que em alguns casos aconselham os alunos a não frequentarem o Ensino da Língua “Materna”, ou porque, não querem sobrecarregar os filhos com as aulas de português, ou ainda porque os filhos preferem ter a tarde livre como os colegas alemães .
Se é verdade que muitas vezes a criança não tem a mesma competência línguística nas duas línguas, apresentando problemas numa delas isso não quer dizer que deva abandonar o português seja este a língua forte ou a fraca. Pais desinformados não inscrevem os filhos na escola logo na primeira ou segunda classe tornando-se depois cada vez mais difícil inscrevê-los. Se é verdade que a criança no primeiro ano deve ser alfabetizada no alemão também é verdade que ela ao frequentar, simultaneamente, a escola portuguesa, ela começa logo a ter a experiência duma aprendizagem estruturada da língua, se bem que a princípio, apenas oralmente e através de jogos, imagens e de desenhos. Possibilita-se-lhe assim a experiência duma diferente forma de estar no mundo, ao comunicar e brincar com os companheiros da “escola portuguesa”, sendo isto muito importante para a socialização e aquisição de hábitos nos verdes anos.
Enquanto as elites estrangeiras, conscientes da importância da formação intercultural, (p.e. os japoneses) criam escolas privadas pagando bem para que a sua língua e cultura sejam transmitidas aos seus filhos, observam-se alguns pais distraídos que não se preocupam com a escolarização dos filhos no português. A não inscrição dos filhos na escola constituiria um atestado de pobreza de espírito para todos aqueles que podendo usufruir do ensino do português gratuito não recorressem a ele. Não se trata de elevar o português aos cornos da lua pelo facto de ocupar o 5°. lugar nas línguas do mundo mas sim de com espírito frio saber ver, organizar e planear indirectamente o futuro abrindo perspectivas à vida. Nas zonas onde ensino o português tenho deparado com o interesse exemplar da quase totalidade dos pais que enviam os seus filhos a 20 quilómetros de distância, para poderem frequentar o ensino da Língua Materna. Isto é prova do interesse e consciência dos encarregados de educação em perfeito contraste com políticas de ensino, apregoadas por Portugal desde 1998, tendentes a acabar com o ensino da Língua materna para o tornarem apenas acessível a alunos liceais (do Gymnasium) onde a concentração populacional escolar e a procura no respectivo liceu o permitir. (Esta é uma política ilusória desconhecedora da realidade alemã, tendente a acabar com o português pela raiz e abandonando infraestruturas que precisariam sim de revitalização).

Situações a evitar:
Adiar a inscrição nos Cursos de Português é fatal. Há crianças cujo contacto com o português se processa apenas pela negativa como se dá nos casos em que alguns pais falando habitualmente o alemão em casa com os filhos, em casos conflituosos usam o português como veículo de agressão, apenas para ralhar ou castigar. A criança passa assim a ter uma experiência muito parcial do português, associando-o à negatividade além de o não experimentar como veículo normal de comunicação. Nestas condições a criança não pode ter nenhuma motivação para aprender o português. Há encarregados de educação que para aprenderem o alemão deixam de falar o português optando por um alemão macarróneo, habituando a criança a estruturas de língua não correctas.

Vantagens da bilingualidade
Uma plurilingualidade viva constitui um enriquecimento para a personalidade aos mais diversos níveis. De facto há uma relação entre funções da língua e funções cerebrais. Uma pessoa que desde a primeira infância fale mais que uma língua activa de maneira particular os centros da língua no cérebro e interliga as funções cerebrais dado as acções da língua se armazenarem nos dois globos do cérebro.
O domínio de línguas facilita a aquisição de outros idiomas, além de alargar a riqueza fonética específica capacita a pessoa para novas visões da realidade: capacitação para a diferenciação e reconhecimento da diferença. Deste modo o aproveitamento e o desenvolvimento da criança potenciam-se. Crianças bilinguais orientam-se de maneira diferente das crianças monolingues. As bilinguais aprendem cedo a diferenciar situações e a posicionar-se situacionalmente. Elas têm de desenvolver mais estratégias de expressão adquirindo assim competências contextuais, de conexão bem como competências metalínguísticas (que vão mais longe do que a língua, como aspectos neuro-psicológicos etc.). A bilingualidade promove, além do mais, o desenvolvimento de competências de interacção cultural e um maior desenvolvimento do cérebro.
Os pais não podem abdicar da sua missão caindo num laissez faire irreflectido. Para o desenvolvimento posterior da língua é responsável a escola. A semente tem porém de ser lançada pelos pais/avós. É urgente capacitar os jovens a poderem viver e expressar-se nos dois mundos. Deste modo capacitamos os nossos educandos a maior flexibilidade e a estar em casa em vários mundos, espaços e épocas. A bilingualidade, trilingualidade serão realidade numa Europa do futuro. Numa Europa multiétnica o domínio de línguas abre também chances culturais e económicas.
É preciso criar-se o espaço da Língua Portuguesa como o espaço de existência de formas e experiências vitais diferentes com muito espaço para a liberdade e criatividade onde se aprende o afecto na relação autêntica e verdadeira. Neste sentido têm que se empenhar pais, associações, estado, multiplicadores, RTPi etc. A RTPi tem que repensar os seus programas que normanlmente “espantam” a criança bem como pessoas de espírito jovem ao serem confrontadas com programas de conversa ou melo-saudosistas/futebolísticos voltados apenas para um tipo ultrapassado de emigrantes.
A língua é a minha terra, e para o bilingue a sua terra é o mundo.
António Justo
(Professor de Língua e Cultura Portuguesas em Kassel e docente de Português na Universidade de Kassel, membro de direcção devárias associações, Conselheiro eleito durante 12 anos pela lista franco-portuguesa na Câmara de Kassel). O que aqui apresento é fruto de estudo acurado e de muita análise directa na minha relação diária com os alunos e encarregados de educação. Tenho feito conferências sobre o assunto desde 1987.

PS. Estou à disposição para fazer conferências sobre o assunto.
António da Cunha Duarte Justo

António da Cunha Duarte Justo

ALMA DE PORTUGAL AO RELENTO

Em busca da vida,
Da terra se vão,
Nos olhos as lágrimas,
Pesar no coração.

Nos seus caminhos à frente
Só segue seu pensamento
Desejos do nevoeiro
Ajudados só p’lo vento!…

São vales, montes e serras,
Cravos à terra roubados,
Viveiros d’identidade,
Sonhos da pátria embalados
No ghetto da saudade!

Meu povo, levado, por remir
Alma de Portugal ao vento
Nos estendais dependurado
Roupa apenas para vestir
O tal país engravatado.

Meu povoo, que só trabalhas
Sedento da cor d’aventura
Gasta cor d’ocupação
Portugal miragem apenas
Dissidente a condição!…

© António Justo
in “Rascunhos do Tempo” , 2005

António da Cunha Duarte Justo